Sistemas Aquíferos de Continental

SISTEMA AQUÍFERO: -GESTEIRA (O7)

Figura O7.1 – Enquadramento litoestratigráfico do sistema aquífero Figueira da Foz-Gesteira

Sistema Aquífero: Figueira da Foz-Gesteira (O7) 224 Sistemas Aquíferos de Portugal Continental Identificação

Unidade Hidrogeológica: Orla Ocidental Bacias Hidrográficas: Mondego e Ribeiras da Costa Distrito: Concelhos: Figueira da Foz, Montemor-O-Velho e Soure

Enquadramento Cartográfico

Folhas 239, 240, 249 e 250 da Carta Topográfica na escala 1:25 000 do IGeoE Folha 19-C do Mapa Corográfico de Portugal na escala 1:50 000 do IPCC Folha 19-C da Carta Geológica de Portugal na escala 1:50 000 do IGM

MONTEMOR -O-VELHO 239 240 19C

FIGUEIRA DA FOZ 250 249 SOURE

Figura O7.2 - Enquadramento geográfico do sistema aquífero Figueira da Foz-Gesteira

Enquadramento Geológico

Estratigrafia e Litologia

O sistema aquífero Figueira da Foz - Gesteira compreende, como formações aquíferas dominantes, os Arenitos do Carrascal (Aptiano-Cenomaniano) e os Calcários Apinhoados de Costa de Arnes (Cenomaniano-Turoniano inferior). Os Arenitos do Carrascal, em geral, compreendem arenitos mais ou menos argilosos, finos a grosseiros, conglomeráticos, com cascalheiras e seixos e argilas em geral arenosas. Do ponto de vista da granulometria, a formação apresenta uma diminuição de calibre dos grãos, da base para o topo. Assenta em discordância sobre as formações do Jurássico.

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A parte superior do sistema aquífero é constituída pela formação carbonatada conhecida por Calcários Apinhoados de Costa de Arnes. Trata-se de calcários, calcários margosos, grés calcários e margas com textura concrecionada ou apinhoada e com superfície lapiezada. A transição para os Arenitos do Carrascal faz-se através de termos com composição margosa e componente detrítica o que faz diminuir a permeabilidade e ganhar características de aquitardo. As aluviões do Mondego, na unidade morfológica do vale do rio Mondego designada por “garganta de Lares”, e as do rio Arunca, no flanco E do anticlinal de Verride, recobrem o sistema aquífero. Tectónica

Os afloramentos do sistema aquífero distribuem-se no flanco sul de uma estrutura diapírica complexa, que se prolonga de NW para SE, e que compreende outras de menor escala, destacando-se a norte do rio Mondego, a estrutura em monoclinal que se estende entre as serras de Boa Viagem e de Alhadas e, a sul do Mondego, os flancos do anticlinal de Verride. A fracturação no anticlinal de Verride é intensa e compreende falhas de direcção N-S, NNW-SSE, WNW-ESE e NE-SW. Segundo a cartografia de Cabral e Ribeiro (1988) são estruturas activas: a estrutura diapírica complexa antes referida e as falhas em arco que limitam nos flanco NE e SW o anticlinal complexo Buarcos-Verride, que cortam as aluviões nas áreas de Ereira e Lares, e se prolongam pelos vales dos rios Arunca e Pranto, respectivamente.

Hidrogeologia

Características Gerais

A área deste sistema aquífero é da ordem dos 64 km2. As considerações seguintes baseiam-se na informação obtida a partir de dados de 20 furos repartidos pela área do sistema aquífero, com predomínio da zona ou sector a norte do rio Mondego (Quadro O7.1).

n Média Desvio Mínimo Q1 Mediana Q3 Máximo padrão Profundidade (m) 20 179,6 69,8 38,0 120,4 176,5 246,1 293,0 Fim Ralos (m) 18 173,2 72,1 36,0 107,3 180,0 235,3 282,5 % Zona Captada 18 50 17 15 37 52 65 70 Caudal (L/s) 19 14,7 10,.6 1,7 4,5 12,5 25,0 30,0 Caudal Específico 16 0,8 0,3 0,1 0,6 0,8 1,1 1,3 (L/s/m) Transmissividade 10 118,6 83,0 33,5 62,9 108,4 133,0 330,0 (m2/dia) Nível Hidrostático (m)* 11 -6,8 7,8 -20,2 -13,6 -5,8 -0,5 2,4 Quadro O7.1 – Principais estatísticas dos furos que captam no sistema aquífero Figueira da Foz-Gesteira *Não se incluem 6 furos com artesianismo repuxante; nestes casos, o nível estático não foi medido.

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A profundidades dos furos é relativamente elevada, a maioria aproxima-se, ou ultrapassa, as duas centenas de metros. Os mais profundos pertencem ao sector a norte do Mondego. De um modo geral, os furos são aproveitados até perto do final da perfuração e a sua zona captante é de espessura elevada (nos do sector norte, há maior aproveitamento da perfuração), isto é, o sistema aquífero é previsível nas suas características geométricas e hidrogeológicas. Dos furos inventariados, seis tinham artesianismo repuxante. Estas condições ocorrem nas partes baixas do sistema aquífero, isto é, nas zonas de vale que cortam transversalmente. O modelo conceptual de fluxo do sistema aquífero compreende, em termos muito gerais, um volume geológico, essencialmente poroso, constituído por materiais detríticos de textura muito variável e estrutura lenticular. As camadas de natureza argilosa separam as várias unidades aquíferas e dão um carácter multicamada ao sistema. Devido à variabilidade da composição granulométrica, também as características hidráulicas podem variar significativamente de local para local. O muro do aquífero é constituído por uma espessa série arenítica (Arenitos da Boa Viagem) de permeabilidade mais baixa que a dos arenitos cretácicos do sistema aquífero. Conhecem-se espessuras de 273 m (Velho,1989). A recarga faz-se através das precipitações que caem directamente sobre a superfície aflorante do sistema aquífero. O sistema apresenta-se como livre (na parte superficial e/ou zonas altas do aquífero onde se dá a recarga) a confinado (são conhecidos furos repuxantes quando da sua construção). Podem considerar-se dois domínios distintos do sistema aquífero: a norte do Mondego, com estrutura monoclinal inclinando para sul e sentido geral do fluxo também para sul; a sul do Mondego, nos flancos do anticlinal de Verride, com fluxo centrífugo relativamente ao núcleo daquela estrutura. As camadas do sistema aquífero prolongam-se para sul, sob a cobertura terciária e do cretácico superior: na zona de Sampaio, mais de uma dezena de quilómetros a sul de Figueira da Foz há captações de água subterrânea que intersectam a mesma unidade litostratigráfica, desconhecendo-se o grau de continuidade hidráulica. Os dois domínios do sistema aquífero são separados pelo vale do rio Mondego (“garganta de Lares”) onde se faz sentir o efeito hidrodinâmico e hidroquímico das marés oceânicas. Este vale e os vales das ribeiras que atravessam transversalmente o sistema aquífero, são zonas de drenagem da água subterrânea.

Parâmetros Hidráulicos e Produtividade

O caudal da maioria dos furos ultrapassa 20 L/s. Os mais produtivos localizam-se no sector a norte do rio Mondego. Há uma correlação relativamente forte entre a profundidade (Prof.) dos furos e o caudal captado. Esta relação pode-se exprimir pela expressão: Caudal (L/s) = 0,12 ´ Prof. (m) – 6,26 com r=0,79 Isto também significa que, como regra, toda a espessura perfurada é produtiva e que o acréscimo de transmissividade é dado pelo aumento da espessura captada (ZC). Esta relação pode expressar-se pela expressão: Caudal (L/s) = 41,16 ´ ZC – 5,14 com r=0,65

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De um modo geral, o caudal específico é maior nos furos do sector a norte do rio Mondego. Também de forma genérica, o caudal específico aumenta com a profundidade e com o caudal inventariado para cada um dos furos. Estas relações têm as expressões analíticas: q (L/s/m) = 0,003 ´ Prof. (m) + 0,33 com r=0,56 q (L/s/m) = 0,018 ´ Caudal (L/s) + 0,51 com r=0,52 Os valores da transmissividade apresentados só dizem respeito ao sector a norte do Mondego. Há um valor (330 m2/dia) claramente superior aos restantes. A transmissividade aumenta com a profundidade dos furos o mesmo acontecendo relativamente à relação transmissividade/caudal específico. Desprezando o referido valor anómalo da transmissividade, estas relações tomam as expressões analíticas: T (m2/dia) = 0,41 ´ Prof. (m) +11,0 com r=0,64 T (m2/dia) = 55,6 ´ q (L/s/m) + 47,5 com r=0,45

Análise Espaço-temporal da Piezometria

Podem considerar-se dois domínios distintos do sistema aquífero: a norte do Mondego, com estrutura monoclinal, inclinando para sul e sentido geral do fluxo também para sul; a sul do Mondego, nos flancos do anticlinal de Verride, com fluxo centrífugo relativamente ao núcleo daquela estrutura. Não existem elementos que permitam efectuar a análise espaço-temporal da piezometria. Balanço Hídrico

A recarga faz-se através das precipitações que caem directamente sobre a superfície aflorante do sistema aquífero. Estima-se que a recarga directa pela precipitação seja da ordem de 150 mm/ano, isto é, o equivalente a 9,5 hm3/ano. Os dois sectores do sistema aquífero são separados pelo vale do rio Mondego (“garganta de Lares”) onde se faz sentir o efeito hidrodinâmico e hidroquímico das marés oceânicas. Este vale e os das ribeiras que atravessam transversalmente o sistema aquífero, são essencialmente zonas de drenagem das camadas mais superficiais, embora, em períodos de crescimento e de águas altas, principalmente quando há algum aluvionamento, possam recarregar o sistema aquífero. Em termos médios, as saídas do sistema têm o mesmo valor que as entradas. Não se conhecem saídas naturais do sistema sob a forma de nascentes caudalosas. As saídas naturais processa-se pela drenagem das camadas mais superficiais para as linhas de água que cortam o sistema transversalmente e para as aluviões do Mondego. O sistema aquífero tem servido de origem ao abastecimento público de água à Figueira da Foz e parte deste concelho, no sector a norte do Mondego, e de abastecimentos públicos do concelho de Soure, no sector do sistema aquífero a sul do Mondego.

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Considerações Gerais

Dispõe-se de análises referentes a um período compreendido entre 1963 e 1995. Só foi considerada uma análise por captação. Alguns valores do sódio foram obtidos por balanço iónico. As estatísticas referentes às análises consideradas são apresentadas no Quadro O7.2.

n Média Desvio Mínimo Q1 Mediana Q3 Máximo padrão Condutividade 17 446 339 146 235 333 520 1570 (µS/cm) pH 18 6,6 0,6 5,5 6,0 6,6 7,1 7,7 Bicarbonato (mg/L) 18 130,6 104,6 13,8 38,1 92,3 221,2 341,7 Cloreto (mg/L) 17 84,4 71,2 33,1 49,7 56,8 95,9 326,6 Sulfato (mg/L) 17 18,1 21,4 2,1 8 13,7 17,3 95 Nitrato (mg/L) 17 2,8 3,8 0,0 0,5 1,4 3,7 14,9 Sódio (mg/L) 17 53,9 45,6 17,2 29,2 35,4 71,1 206,2 Cálcio (mg/L) 18 40,0 33,8 4,0 9,4 24,1 70,7 102,2 Magnésio (mg/L) 18 9,2 6,3 2,1 3,9 6,7 16,5 19,0 Potássio (mg/L) 5 7,9 6,0 3,4 - - - 18,4 Quadro O7.2 – Principais estatísticas das águas do sistema aquífero Figueira da Foz-Gesteira

Uma das análises distingue-se claramente pela forte mineralização relativamente às restantes; trata-se de análise da água de um furo localizado próximo da povoação de Marujal, no flanco NE do anticlinal de Verride. A água é de fácies cloretada sódica pelo que a génese da mineralização poderá estar relacionada com materiais evaporíticos. A fácies da água do aquífero varia entre dois tipos extremos: as águas cloretadas sódicas e as bicarbonatadas cálcicas (Fig. O7.3). As intermédias, são mistas, aniónicas e/ou catiónicas; o sulfato e o magnésio são os iões sistematicamente minoritários entre os principais. No sector a norte do Mondego, predominam as águas em que o cloreto e o sódio são maioritários; a sul do Mondego o maior número de amostras pertence às águas com predomínio de bicarbonato e de cálcio. A maior percentagem de cálcio e bicarbonato associa-se com furos menos profundos, onde a contribuição relativa da água que circula nos calcários é maior.

Sistema Aquífero: Figueira da Foz-Gesteira (O7) 229 Sistemas Aquíferos de Portugal Continental

Figura O7.3 - Diagrama de Piper relativo às águas do sistema aquífero Figueira da Foz-Gesteira

A água do sistema aquífero, em particular a que circula nos Arenitos do Carrascal, é agressiva sendo causa frequente de corrosões que provocam avarias nos furos entubados a aço carbono.

Qualidade para Consumo Humano

Como foi acima referido, o conjunto de análises de que se dispõe, são referentes a um período compreendido entre 1963 e 1995.

Anexo VI Anexo I -Categoria A1 Parâmetro VMR >VMA VMR >VMA pH 50 0 0 100 0 Condutividade 53 47 94 6 Cloretos 0 100 94 6 Sulfatos 82 18 0 100 0 0 Cálcio 94 6 Magnésio 100 0 0 Sódio 12 88 6 Potássio 80 20 20 Nitratos 100 0 0 100 0 0 Quadro O7.3 – Apreciação da qualidade face aos valores normativos

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O pH é um parâmetro que com frequência (50 % dos casos) está abaixo do VmR (6,5). Só por este parâmetro se entende a agressividade da água antes referida. No que respeita à mineralização total, aqui avaliada pela condutividade eléctrica, também ultrapassa o VMR com frequência relativamente elevada (47 %). Os furos que captam exclusivamente na unidade inferior têm, regra geral, água com condutividade eléctrica significativamente abaixo do VMR. Sublinhe-se as concentrações baixas em nitrato, embora com a ressalva de que a mais recente das análises tem a data de 1995. No entanto, em face do modelo conceptual de fluxo admitido, não é de prever que a água em furos profundos tenha actualmente, e de forma generalizada, concentrações elevadas de nitratos.

Uso Agrícola

A maioria da análise consideradas respeita a águas da classe C2S1 (44 %). Isto é, são águas cuja utilização no regadio induz perigo de salinização médio e perigo de alcalinização baixo.

Seguem-se, na ordem de frequência (25 %) as águas da classe C1S1 representando riscos de salinização e de alcalinização baixo. A classe C3S1 está representada com igual percentagem (25%) e a classe C3S2 apenas por uma amostra. Estas são águas em que o perigo de salinização é alto. O pH de 50 % das amostras é inferior aos valores do intervalo recomendado; a condutividade eléctrica num caso ultrapassa o VMR.

Figura O7.4 – Diagrama de classificação da qualidade para uso agrícola

Sistema Aquífero: Figueira da Foz-Gesteira (O7) 231 Sistemas Aquíferos de Portugal Continental Bibliografia

Cabral; J. e Ribeiro, A. (1988) - Carta Neotectónica de Portugal Continental. Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa. Ferreira Soares, A. (1972) - “Contribuição para o Estudo do Cretácico em Portugal (O Cretácico Superior da Costa D’Arnes)”. Memórias e Notícias, Publ. Mus. Lab. Mineral. Geol., Univ. Coimbra, N.º 74. pp. 1-56. Lauverjat, J.; Berthou, P. B. (1974) - “Le Cénomano-Turonien de L’embouchure du Rio Mondego Beira Litoral, Portugal”. Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal. Tomo LVII. Lisboa 1973-74. pp. 263-301. Lauverjat, J. (1982) - “Le Crétacé Supérieur dans le Nord du Bassin Occidental Portugais”. Thèse de Doctorat d’État. Université Pierre et Marie Curie (Paris VI). Paris. Velho, J.A.G.L. (1989) - “Hidrogeologia do Anticlinal de Verride”. Dissertação apresentada à Universidade de Lisboa, para obtenção do Grau de Mestre em Geologia Económica e Aplicada. 163 pág. Peixinho de Cristo, F. (1998) - Águas Subterrâneas no Baixo Mondego. Projecto Praxis XXI 2/2.1/CTA - 156/94. Rocha, R.; Manuppella, G.; Mouterde, R.; Zbyszewski, G. (1981) - Carta Geológica de Portugal na Escala de 1/50 000 e Notícia Explicativa da Folha 19-C FIGUEIRA DA FOZ. Serviços Geológicos de Portugal. Lisboa. 126 pág.

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