Bezerra Da Silva “Provando E Comprovando a Sua Versatilidade” Em Sons E Imagens
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DOI: 10.12957/tecap.2016.19496 BEZERRA DA SILVA “PROVANDO E COMPROVANDO A SUA VERSATILIDADE” EM SONS E IMAGENS Rainer Gonçalves Sousa (IFG) Este artigo trabalha com as capas de discos de Bezerra da Silva. Ao lidar com tal manifestação artística, lemos histo- ricamente a importância que as capas – entendidas como evento performático – tiveram na definição de sentidos não só para o samba, mas para outros gêneros musicais contemporâneos. BEZERRA DA SILVA, PERFORMANCE; CAPAS DE DISCO. SOUSA, Rainer Gonçalves. Bezerra da Silva: “pro- vando e comprovando a sua versatilidade” em sons e imagens.. Textos escolhidos de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, v.13, n.1, p. 47-67, mai. 2016. SOUSA, Rainer Gonçalves. Bezerra da Silva: “provando e comprovando a sua versatilidade”... 47 BEZERRA DA SILVA “PROVING AND VERIFYING YOUR VERSATILITY” IN SOUNDS AND IMAGES Rainer Gonçalves Sousa (IFG) This article works with the covers of Bezerra da Silva’s al- bums. When dealing with such artistic expression we can historically read the importance the covers - understood as performative event - had in the definition of meaning not only for the samba, but for other contemporary musi- cal genres. BEZERRA DA SILVA; PERFORMANCE; ALBUM COVERS. SOUSA, Rainer Gonçalves. Bezerra da Silva: “pro- vando e comprovando a sua versatilidade” em sons e imagens.. Textos escolhidos de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, v.13, n.1, p. 47-67, mai. 2016. 48 Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares, v. 13. n. 1, mai. 2016 INTRODUÇÃO Diante da série de trabalhos que tematizam ou mencionam a obra do sam- bista Bezerra da Silva, nota-se algo no mínimo curioso: além da importância de seu legado musical, muitos autores atentam para a imagem do próprio sambista. Não raro, essa atenção se dedica a frisar a vinculação de Bezerra com o universo da malandragem, um tema de grande força no samba desde os seus primórdios. Entre a negação do trabalho e a redenção pelo amor, essa temática inspirou um vasto número de composições do nosso cancioneiro popular e chegou a ser pre- ocupação de intelectuais que debateram a nação brasileira e os arquétipos capa- zes de defini-la enquanto tal. No caso de Bezerra da Silva, podemos primeiramente destacar que o mu- sicólogo Carlos Sandroni afirmou que ele seria um dos últimos sambistas res- ponsáveis “a cultivar ativamente a imagem de malandro” (2001, p. 184). Giova- na Dealtry (2009, p. 45), por sua vez, ao abordar a malandragem na literatura e no samba, relata uma experiência pessoal em que pega um táxi e, ao avistar Be- zerra da Silva pelas ruas do Rio de Janeiro, o chama de “malandro de verdade”. Por último, ainda temos a antropóloga Letícia Viana (1999, p.8) confessando, no livro que justamente inaugura as pesquisas sobre o sambista, que seu interesse pela obra do compositor se iniciara quando ela teve “vertigens antropológicas” ao sentir a “intensidade daquelas imagens” que compunham a capa do disco Eu não sou santo. Ao notar o referido traço comum de todas as obras citadas, podemos afir- mar que um artista ou um gênero musical não raro são definidos por elementos que incluem a própria música, embora a ela não se limitem. Sem querer esgotar aqui quais seriam esses elementos de natureza extramusical, o artigo tem como objetivo destacar a produção das capas de discos, que, para a obra de Bezerra da Silva, terá uma função mais ampla do que divulgar seus álbuns. Entendidas aqui como uma fonte histórica de grande importância, essas capas serão pensadas como um espaço performático em que determinadas identidades serão estabe- lecidas. Além de afirmar a obra de um artista ou os seus valores, as capas serão reconhecidas aqui como um lugar de dilemas históricos ligados à canção popu- lar, à profissionalização por meio da arte e ao desenvolvimento do mercado fo- nográfico brasileiro. Sendo assim, o presente artigo será iniciado com uma discussão sobre o desenvolvimento das capas de disco no Brasil, como sua importância se reo- rienta na segunda metade do século XX, e como podem ser lidas como parte de uma performance que demarca visualmente questões importantes de uma épo- ca. Logo em seguida passaremos à análise das capas de disco de Bezerra da Silva, SOUSA, Rainer Gonçalves. Bezerra da Silva: “provando e comprovando a sua versatilidade”... 49 destacando de que forma serviram de espaço para que o cantor se reconheces- se enquanto profissional, extrapolando o antigo binômio samba/malandragem. As fontes não serão lidas de forma isolada, e a análise de canções e entrevistas será utilizada para entender essa questão, de forma a chegarmos em nossas con- siderações finais. AS CAPAS DE DISCO E SUA HISTÓRIA NO BRASIL Historicamente, as capas de disco são um elemento de grande impor- tância para o entendimento de ideias que integram a carreira de um artista. Ao longo do tempo, quantas não foram as capas que se transformaram em elemen- to central que demarcava a singularidade de uma determinada banda, artista ou gênero musical. Em nossa própria memória há vários exemplos nos quais a infor- mação imagética de uma capa foi responsável por nos levar a escutar um gênero musical que nunca ouvíramos ou confirmar as ideias contidas nas canções de um disco. Sendo assim, as capas se transformaram – na memória de vários aprecia- dores de música – em uma primeira experiência estética que antecede e, em mui- tos casos, complementa a experiência musical posteriormente vivenciada pela escuta das canções. O fato de as capas serem geradoras de memórias e afetos nos obriga a reconhecer a sua importância não só para os que consomem, mas também para os vários sujeitos que se envolveram e se envolvem com a produção de canção popular gravada. Ao chamar a atenção e criar expectativas para esses dois polos, as capas se transformam em um visível evento performático. Tal premissa pode ser confirmada pela perspectiva de Zumthor (2007, p. 50), que, ao tentar definir as características da performance, destaca: performance designa um ato de comunicação como tal; refere-se a um momento tomado como presente. A palavra significa a pre- sença concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata. Nesse sentido, não é falso dizer que a performance exis- te fora da duração. Ela atualiza virtualidades mais ou menos nume- rosas, sentidas com maior ou menor clareza Mesmo nos trazendo tal potencialidade comunicativa, há poucos traba- lhos que falam sobre a produção de capas de disco no Brasil. Em artigo sobre o tema, o designer Egeu Laus (1998, p. 120) menciona que os primeiros discos eram “embalados em caixas de papelão com um papel intercalado, sem nenhuma em- balagem individual” e a impressão da capa acontecia no Brasil, privilegiando o “nome do artista, nome das músicas, autores, o estilo musical e alguma informa- ção complementar além do número de catálogo de cada disco”. Restritas ainda 50 Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares, v. 13. n. 1, mai. 2016 ao mundo letrado, as primeiras capas de disco se endereçavam a pequeno núme- ro de pessoas que, além de ter um aparelho reprodutor de discos, deveriam ser alfabetizadas. Apesar das limitações de ordem tecnológica, o artigo mencionado des- taca que a importância comunicativa das capas já era reconhecida. O emprego de capas coloridas já era uma estratégia presente, evidenciando que o desenvolvi- mento do mercado de discos abria espaço para ações criativas nas capas. Com o passar do tempo, as possibilidades criativas potencializadas pelo desenvolvimen- to de outras tecnologias e expansão do mercado de discos permitiram que as ca- pas sofressem visível modernização. Sendo assim, passaram a atrair elementos artísticos que dialogavam com a imagem de determinados artistas e as ideias li- gadas a um gênero musical. No caso deste trabalho, localizamos as capas de disco de Bezerra da Sil- va em uma época bastante avançada nas possibilidades técnicas e na exploração desse mesmo espaço de divulgação como um lugar de criação artística. Em en- trevista, o também designer Elcio Sartori (2006) destaca que desde a década de 1960, com a eclosão da bossa nova, as capas de disco ganharam identidade visu- al muito elaborada. Segundo o autor, capas de LPs como Nara Leão, Vinicius & Odete Lara, Roberto Me- nescal, Maysa e tantos outros, tinha uma diagramação peculiar (...) Aquilo foi marcante e hoje, referência. Tinha algo de revolucioná- rio ali, não só pelo código cromático, como também de uma estéti- ca sutil. É uma linguagem gráfica limpa, muito ousada para a época em que as criações eram feitas por tipógrafos e ilustradores (s/n). Já nesse breve comentário percebemos a relação entre a imagem das capas e o som dos discos. Ao dizer que elas possuíam “uma estética sutil” ou “uma linguagem gráfica limpa”, podemos claramente vincular tal descrição com a análise que o músico Júlio Medaglia faz ao comentar o disco Chega de sauda- de (1959) – considerado por muitos o “disco fundador” da bossa nova. Ele desta- ca que o estilo vocal gravado por João Gilberto possuía “uma interpretação des- pojada e sem a menor afetação ou peripécia solística (...), era uma negação do “cantor”, do “solista” e do “estrelismo” vocal e de todas as variantes interpretati- vas opero-tango-bolerísticas que sufocavam a música brasileira” (campos, 1993, p. 75). Ao lado dessas inovações, devemos também destacar que o emprego das fotografias passou a ter grande importância. Concebidas não mais como simples registro ou aplicação de possibilidades técnicas, as fotografias das capas de dis- cos estabelecem sentidos que ultrapassam a demanda de divulgação do produto. SOUSA, Rainer Gonçalves. Bezerra da Silva: “provando e comprovando a sua versatilidade”... 51 Durante segunda metade do século XX, dando grande destaque à pop art, as fo- tos são utilizadas sistematicamente como um novo elemento estético e passam a sofrer processos de modificação que ultrapassam a ideia do registro neutro de alguém ou de uma paisagem.