MARIA RITA CARDOSO GOMES

IDOSOS DE HOJE ATLETAS OLIMPICOS DO PASSADO

Mestrado em Gerontologia

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO 2005

MARIA RITA CARDOSO GOMES

IDOSOS DE HOJE ATLETAS OLIMPICOS DO PASSADO

Trabalho apresentado no Programa de Estudos de Pós-Graduação em Gerontologia para exame de Defesa de Dissertação, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Gerontologia, sob orientação da Profª Drª Elisabeth F. Mercadante.

PUC – SÃO PAULO 2005

______BANCA EXAMINADORA

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo resgatar através da memória de idosos que foram atletas medalhistas olímpicos, lembranças referentes a experiências por eles vividas e, a partir de interpretações, compreender as percepções, sentimentos e significados dessas experiências vivenciadas para eles, assim como, a sua conservação e evocação ao longo da vida e na fase do envelhecimento.

Para concretizar esse estudo, a participação profissional como fisioterapeuta, o contato com o esporte, especificamente com atletas olímpicos e idosos, foram fundamentais e de grande motivação para a realização do mesmo.

A realização da pesquisa deu-se por natureza qualitativa, utilizando-se a história oral, a partir da técnica de depoimento pessoal para a coleta dos dados de 7 atletas medalhistas olímpicos, na faixa etária de 63 a 80 anos.

Os resultados do estudo mostraram que essa experiência no esporte foi vivida intensamente por esses sujeitos desde a infância até a idade adulta, a ponto de se constituir um momento específico e inesquecível ao subirem ao pódio para receberem suas medalhas, o qual jamais foi esquecido.

As reflexões dessas experiências acompanham suas trajetórias de vida, interagindo em suas decisões. O significado marcante dessa trajetória levou-os a conservarem vivas suas memórias gloriosas através do resgate ao longo da vida e agora, com maior freqüência, na velhice. Dessa forma, lhes permitem valorizar o passado em detrimento de um presente que não responde às suas necessidades de auto-estima, amor e da valorização das experiências em nível familiar e social.

Palavras Chave: Envelhecimento, Atletas, Olímpicos.

ABSTRACT

This research has as objective rescues through the aged people's memory that were athletes who had received medals in , memories regarding experiences for them lived and starting from interpretations, to understand the perceptions, feelings and meanings of those experiences lived for them, as well as, their conservation and evocation along the life and in the phase of the aging.

To render that study, the professional participation as physiotherapist, the contact with the sport, specifically with Olympic athletes and aged people, they were fundamental and of great motivation for the accomplishment of the same.

The accomplishment of the research felt by nature qualitative, being used the oral history, starting from the personal deposition technique for the data’s collection from 7 athletes' Olympic medals, in the age group from 63 to 80 years.

The results of the study showed that experience of sports was lived intensely by those subjects from the childhood to the adult age, to the point of to constitute a specific and unforgettable moment to them arise to the podium for us to receive their medals, which it will never be forgotten.

The reflections of those experiences accompany their life paths, interacting in their decisions. The outstanding meaning of that path took them conserve her alive their glorious memoirs through the rescue along the life and now more frequently in the old age.

In that way, they allow to value them the past to the detriment of a present that doesn't answer to their self-esteem needs, love and the valorization of the experiences in family and social level.

Key Words : Aging, Athletes, Olympics.

AGRADECIMENTOS

Sou muito grata a todos que direta ou indiretamente repartiram comigo seu tempo, conhecimento e amizade no percorrer desta pesquisa. Meu muito obrigado.

A minha orientadora, Professora Doutora Elizabeth F. Mercadante, pelas orientações e encorajamento durante no decorrer da realização dessa Dissertação.

A Professora Doutora Ursula M. S. Karsch, pela inspiração e experiência demonstrada em todos os momentos, o que serviu de direcionamento e foco dessa pesquisa.

Particular gratidão a Professora Doutora Ruth G. da C. Lopes, pela paciência, dedicação e envolvimento nos momentos mais difíceis dessa trajetória.

A Professora Doutora Suzana Aparecida da Rocha Medeiros, pelo estímulo ao tema pesquisado e pela orientação à amostra pesquisada.

As companheiras de estudo e amigas, Lucia Helena Zani e Flordenice Tavares Longui Silva, pelo carinho, dedicação, apoio e incentivos nos momentos de angustia e incertezas.

Aos atletas idosos que participaram da pesquisa, pela valiosa colaboração e pela a oportunidade de compartilhar momentos inesquecíveis de suas memórias, que tanto enaltecem o Esporte do Brasil.

Em especial ao Atleta e Professor Carlos Domingues Massoni “Mosquito”, pela sua história de vida, a qual serviu de fonte inspiradora para a idealização dessa pesquisa.

Ao meu pai Reynaldo (in memorian), pelo exemplo de vida e o despertar pelo esporte.

A minha mãezinha Helena e ao Santino, pelo apoio incansável e pelo amor incondicional.

A amiga e companheira Claudia e seu filhinho Pedro Lucas, pelos momentos dedicados ao longo dessa caminhada.

Ao meu filho Matheus, cuja existência tornou mais ameno os momentos de angustia, solidão e dificuldades.

SUMÁRIO

ABSTRACT

RESUMO

AGRADECIMENTOS

INTRODUÇÃO ...... 03

CAPÍTULO I - UM OLHAR SOBRE O ENVELHECER ...... 09

1.1 O Idoso e a Velhice...... 09 1.2 O Corpo Envelhecido...... 19

1.3 A Memória...... 22

CAPÍTULO II - A PRÁTICA ESPORTIVA ...... 26

2.1 O Esporte...... 27

2.2 A Competição...... 28

2.3 Os jogos Olímpicos...... 30

CAPÍTULO III - OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...... 33

3.1 O Método Qualitativo...... 33

3.2 História Oral...... 34

3.3 A Escolha da Amostra...... 36

3.4 A Coleta de dados...... 38

CAPÍTULO IV - OS SUJEITOS ...... 40

4.1 Onde tudo começou...... 40

4.2 A Maior Vitória e Derrota...... 45

4.3 A Superação e o Idealismo...... 50

3.4 O Último Espetáculo...... 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 66

APÊNDICE A – Roteiro das Entrevistas...... 71

APÊNDICE B – Ficha de Identificação do Informante...... 72

APÊNDICE C – AS ENTREVISTAS...... 73

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“Devemos ser audazes na procura da verdade. Mesmo que não a encontremos, pelo menos ficaremos mais perto dela.” Galeno (130-200 a.C.)

INTRODUÇÃO

A abordagem temática sobre estudos do envelhecimento vem se tornando alvo de pesquisas cada vez mais diferenciados e relevantes. A necessidade do entendimento sobre o envelhecer, os aspectos relacionados ao nível de independência na velhice, refletem, muitas vezes, o sentimento absorvido do próprio pesquisador ou do meio em que convive.

A interação da pesquisa com as experiências de vida, torna indiscutivelmente mais saborosos os caminhos a serem percorrido, quando do desvendar de possíveis problemáticas decorrentes do biológico, social ou afetivo do atleta idoso. Desta forma, nos aflorou o intuito de pesquisar o idoso de hoje, que foi atleta olímpico no passado.

A observação de suas vidas, de seus caminhos em um contexto mais pleno, nos indagou sobre o que faziam com suas lembranças do pódio. Fervilhava o desejo de conviver com suas lembranças na busca da excelência física, do trabalho físico árduo e contínuo, realizado por anos a fio, em que existia apenas um objetivo: vencer.

Entre os atletas medalhistas, nem sempre o segundo lugar desperta interesse e, em alguns casos pode significar fracasso. Dessa forma, nossa expectativa estava voltada para as lembranças dessas tentativas de superações e dessas buscas pela quebra de recordes embutidas em suas vidas e em seus pensamentos. Quanto ao contato inicial com a história de vida de atletas olímpicos que não mais praticavam esporte de competição posso dizer que foi através do relacionamento profissional. O contato profissional com a área desportiva possibilitou 4

relação informal com a história de vida desses sujeitos. Percebíamos em alguns, certa distância entre os objetivos passados e suas performances de identidade. Começava, assim, nossa viagem pelo delicioso prazer de investigar a vida dos atletas medalhistas Olímpicos, hoje idosos.

Nos dias atuais o esporte assume importante fatia das manchetes na mídia e de grande parcela da população que busca encarnar um protótipo identitário na história de vida dos “heróis” esportivos. Em linhas gerais tais heróis são construídos, reconstituídos, destituídos, destruídos muitas vezes, atendendo à vontade do poder econômico. Poucos se atem que subjacente ao modelo do herói e vencedor há um ser humano que tem sentimentos, tem representações simbólicas, tem uma cultura, uma identidade e envelhece.

Esses idosos de talento esportivo poderiam, a partir do contato com jovens atletas, conscientizá-los e direcioná-los a pensar sobre seu próprio envelhecimento. Analisamos isso com certa relevância, pois a partir do contato profissional que temos com atletas de nível nacional e internacional, percebemos o desprezo acerca de questões sobre relacionadas ao processo de envelhecimento. Os mesmo julgam-se deuses indissolúveis, na grande maioria, jamais estarão sujeitos a uma simples “artrose”.

Através de vínculo profissional e questionamentos a atletas jovens, alguns que participaram da última Olimpíada em Atenas, temos nos deparado com intrigantes observações desses jovens atletas, quando solicitados a refletir sobre como lidar com seu corpo na idade avançada, nas limitações físicas, nas possíveis dependências físicas. Percebemos na grande maioria, uma total falta de informação e desprezo no que se refere às doenças crônico-degenerativas e ao processo de envelhecimento.

Pela relação entre os estudos fisiológicos e clínicos da medicina preventiva do século XIX, poucos têm sido os estudos que tentam explicar o processo de envelhecimento de atletas, principalmente de atletas olímpicos. Seria interessante que os gerontólogos começassem a perceber a importância desta temática para melhor compreensão do fenômeno e, a partir de reflexões sobre o assunto, poderem elaborar ações mais específicas para o idoso que foi atleta, 5

especialmente aquele que obteve grandes resultados, o atleta medalhista olímpico e a sua velhice.

Parece que em alguns setores da sociedade e em segmentos da imprensa há uma grande preocupação com questões relacionadas ao envelhecimento e formas de amenizar suas seqüelas. Porém, temos notado um paradoxo, de um lado a ciência evolui criando meios para prolongar a vida do idoso no aspecto biológico e de outro, a sociedade, pouco tem a oferecer aos mesmos. As medidas estéticas podem ser importantes para retardar o processo de envelhecer, mas as medidas sociais não têm sido tão eficazes, quando se direcionam ao coletivo. O envelhecimento populacional é um fenômeno inevitável e muito presente neste século. Pouco tem se relacionado à velhice como uma fase do curso de vida e suas repercussões familiares e sociais.

Sendo a identidade uma unidade da personalidade no tempo e pode ser mutável através de sentimentos, emoções e pensamentos de continuidade interna da pessoa (suas idéias, suas metas e suas recordações inalienáveis) notamos algum abatimento no envelhecimento. Na juventude os atletas olímpicos atuavam de forma marcante nas quadras, nos campos, nos ginásios, nas piscinas e até em seu estado solitário de busca de superação que se perdeu no tempo. A derrota é o extremo oposto do desejo de obtenção de vitória. Atletas de alta performance tendem a persistir tanto tempo quanto for necessário até obterem o êxito, uma vez que ganhar depois de estar em desvantagem é fundamental no esporte. Esses atletas adquiriram uma identidade peculiar e tendem a mantê-la no curso de vida. 1

Os estudos envolvendo a problemática relativa aos idosos vêm sendo alvos de atenção por que o aumento da população idosa está acontecendo de forma muito rápida. O Brasil tem dado pouca importância ao fenômeno, ao contrário de outros países, que tentam resolver os problemas específicos desse segmento social buscando condições a oferecer uma velhice mais tranqüila e com melhor qualidade de vida aos seus idosos.

1 A noção de “curso de vida” refere-se às maneiras como a sociedade atribui significados sociais e pessoais à passagem do tempo biográfico, permitindo a construção social de personalidades e trajetórias de vida, com base numa seqüência de transições demarcadas socialmente e diferenciadas por idade (Hagestad apud Néri, 1995, p. 30).

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Dessa forma, não é difícil notar que o aumento da população idosa brasileira ocorre sem que tenhamos resolvido questões básicas essenciais ligadas diretamente às crianças, adolescentes e adultos jovens, ficando as pessoas idosas ou as que estão envelhecendo, relegadas ao último plano.

No Brasil estas mudanças merecem estudos cuidadosos, pois se trata de um contexto muito heterogêneo onde ao lado de uma parcela populacional altamente diferenciada, rica e com acesso a todos os tipos de recursos convive outra parcela desesperadamente miserável e atrasada e em ambas as situações a população envelhece.

As doenças crônicas degenerativas, as baixas aposentadorias percebidas e os serviços de saúde disponíveis levam-nos a imaginar que, apesar de o ser humano ao longo dos anos ter conseguido viver cada vez mais, não significa dizer que vive melhor, pelo menos em nossa sociedade. Neste sentido, o que nos chama mais atenção são os problemas de identidade que afeta a população idosa, notadamente aquela que lutou pelo pódio olímpico.

Conforme Mercadante (1998, p. 60) não devemos restringir a análise da velhice ao seu aspecto biológico, “pois pensar a velhice de maneira não total é estabelecer uma determinação do biológico sobre todos os outros aspectos que explicam o envelhecimento”.

Temos observado que nem a família e tampouco a sociedade estão preparadas para enfrentar os problemas decorrentes do envelhecimento, seja por falta de habilidade, por questões financeiras ou indisponibilidade de tempo, transformando os idosos em objetos de manipulação. O que dizer então em relação aos atletas olímpicos que superaram barreiras, ultrapassaram suas marcas e desafiaram recordes e ainda, hoje, tornam-se vítimas da marginalização social, e às vezes, são lançados em asilos, e na maioria das vezes, pouco têm a oferecer e em nada lembram o aconchego da busca da glória e da medalha olímpica?

Para qualquer atleta, os jogos olímpicos expressam uma das mais antigas e gloriosas das tradições. Na história da Grécia Antiga, lenda e realidade se confundem com estórias e feitos dos deuses e heróis.

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As experiências vivenciadas por idosos que foram considerados talentos olímpicos não costumam ser referência para a comunidade em que está inserido nem para o seu país.

Sendo sempre muito envolvente nas comunidades, o atleta olímpico transmite suas experiências desportivas, acentuando suas vitórias e suas derrotas, buscando uma relação com alguma situação contemporânea e atual. A presença desses símbolos em comunidades, escolas, eventos, relatando seus feitos, transmitindo seus valores, suas memórias, enriquecem os valores dos jovens, possibilitando-os a novas buscas e ideais. Invadir a história de um grande atleta, resgatando seus méritos, suas experiências, até suas frustrações, dá-lhes a possibilidade de novas reflexões, novos sonhos, novos ideais.

Considera-se muito importante à compreensão da velhice desde cedo perante as crianças, para que depois, quando jovens, passem a se preocupar e respeitar a velhice, pois esta é uma fase que todos passam e nem sempre as famílias estão preparadas.

No decorrer de nossa pesquisa, assistíamos nos serviços de fisioterapia e reabilitação, outras necessidades que abrangem os atletas idosos: a necessidade de contarem suas lembranças. Freqüentemente suas lembranças de vitórias eram repetidas por inúmeras vezes. Quase sempre a mesma história, porém cada minuto era recordado com diferente sabor, diferente olhar e diferenciada emoção. Há muito tempo sua performance foi esquecida, sendo que as suas alterações na vida ativa, social e econômica afetaram, provavelmente, sua auto-estima e sua autoconfiança.

Entendemos, a partir desses apontamentos, que não havia freqüentemente o espaço na vida atual desses idosos, para explanarem as suas lembranças. Havia diversas histórias significativas para contar nessa etapa da vida, exercitavam suas memórias constantemente. Observávamos que ao buscarem os nossos serviços, buscavam também um local onde pudessem trocar e compartilhar as experiências de vida, muitas vezes desvalorizadas no âmbito familiar e social. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi enfocar a possível alteração da identidade atual do atleta medalhista Olímpico idoso pela análise das suas memórias e sua relação intergeracional no esporte. Tentar identificar se fatores como: 8

expectativa de vida saudável, independência e autonomia estão vinculadas a alterações de identidade; Avaliar o contexto esportivo com suas conseqüências e implicações nessas perdas; Verificar aspectos marcantes que foram registrados em suas vidas e no processo de envelhecimento relacionando-os com o curso de vida de jovens atletas; verificar seu estado geral de saúde.

Quanto à estrutura deste estudo podemos dizer que no primeiro capítulo estão apresentados à contextualização das percepções acerca do envelhecer, da gerontologia e da memória, a fundamentação teórica. No capítulo segundo discutiremos as questões concernentes ao esporte, dos Jogos Olímpicos e da competição, englobando a temática da velhice e abordando suas implicações. No capítulo terceiro detalhamos os procedimentos metodológicos utilizados para a realização desta pesquisa qualitativa. No quarto capítulo apresentamos os sujeitos da pesquisa e seus depoimentos, tendo por base os significados atribuídos pelos atletas idosos a partir de suas lembranças de vitórias e derrotas. Nas considerações finais, apontaremos os possíveis resultados, e faremos algumas sugestões que possibilitem ampliar as reflexões sobre formas de aproximação com aqueles que pertencem ao âmbito esportivo e envelhecem.

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CAPÍTULO I – UM OLHAR SOBRE O ENVELHECER 1.1 - O IDOSO E A VELHICE

A preocupação com o ser humano idoso e com o processo de envelhecimento data de épocas bem remotas, desde Hipócrates, na antiga Grécia; passa por Galeno, já no final do século II, com sua teoria dos humores e do calor interno; pelos regimes de saúde e longevidade da Idade Média, apresentada pela Escola de Salermo e de Montpelier; pelos estudos anatômicos, no período da Renascença; pelas teorias racionalistas e mecanicistas e pelo vitalismo dos séculos XVIII e XIX. Passam pela relação entre os estudos fisiológicos e clínicos e pela medicina preventiva do século XIX. Poucos têm sido os estudos que tentam explicar o processo de envelhecimento de atletas, principalmente de atletas olímpicos, que atingiram o pódio. Seria interessante que os gerontólogos começassem a perceber a importância desta temática para melhor compreensão do fenômeno e, a partir de reflexões sobre o assunto, poderem elaborar ações mais específicas para o idoso que foi atleta, especialmente aquele que obteve grandes resultados, o atleta medalhista olímpico e a sua velhice.

Parece que em alguns setores da sociedade e em segmentos da imprensa há uma grande preocupação com questões relacionadas ao envelhecimento e formas de amenizar suas seqüelas. Porém, temos notado um paradoxo, de um lado a ciência evolui criando meios para prolongar a vida do idoso no aspecto biológico e de outro, a sociedade, pouco tem a oferecer aos mesmos.

As medidas estéticas podem ser importantes para retardar o processo de envelhecer, mas as medidas sociais não têm sido tão eficazes, quando se direcionam ao coletivo.

O envelhecimento populacional é um fenômeno inevitável e muito presente neste século. Pouco tem se relacionado à velhice como uma fase do curso de vida e suas repercussões familiares e sociais. Além disso, a velhice não tem sido incorporada como mais uma fase de desenvolvimento do ser humano, só 10

considerando o idoso com direitos à cidadania. A velhice é um fenômeno biológico, já que o organismo do idoso apresenta particularidades; é também um processo psicológico, pois algumas condições dos idosos são ímpares e sofrem interferências de ações sociais. Como todas as situações humanas, a velhice tem uma dimensão existencial, ou seja, modifica a relação do ser humano com o tempo, modificando sua relação com o mundo e com sua própria história, com sua própria lembrança.

Na compreensão de Papaléo Netto (2002), a gerontologia é uma disciplina científica multi-interdisciplinar e, acrescentamos transdisciplinar, tendo como finalidade o estudo dos idosos, as características da velhice como fase final do ciclo de vida, o processo de envelhecimento e seus determinantes bio-psico-sociais.

Em relação à geriatria e a gerontologia, muitas vezes é possível verificar o seu parcelamento, quando o primeiro conceito surge a partir do segundo termo, tornando difícil o mais importante, que é cuidar do ser humano que envelhece ou já envelhecido, ajudando-o a conquistar uma melhor qualidade de vida, na sua última fase do processo de viver humano. Esses conceitos direcionam a considerar a gerontologia como sendo uma ciência ampla, tendo em seu bojo a geriatria e a gerontologia social. Parece evidente que a explicitação e a análise da sua cientificidade trarão contribuições para tornar mais claros o seu padrão de construção, a sua configuração e a sua especificidade como ciência. Na opinião de Rodrigues e Rauth (2002), a gerontologia não é uma disciplina unificada, mas um conjunto de disciplinas científicas que intervêm no mesmo campo, que necessitam empreender esforços interdisciplinares, os quais excedam os limites de seus próprios paradigmas e teorias, para criar concepções diferenciadas sobre o idoso e os fenômenos da velhice e do envelhecimento.

A justificativa de existência da gerontologia está relacionada a questões sociais expressivas, como o aumento da expectativa de vida, acarretando problemas demográficos como a crescente demanda dos serviços de saúde para idosos e problemas epidemiológicos, como a alta incidência e gastos elevados das doenças crônicas não-transmissíveis, e outros problemas de largo alcance; a questão das desigualdades sociais, originárias do modelo econômico e das relações sociais entre os seres humanos e entre as classes sociais; o exercício 11

pleno da cidadania, não deixando dúvidas, sobre o caráter interventivo da gerontologia. No entanto, cabe a gerontologia não apontar a velhice como um problema social, mas conceber esta fase de vida e suas possibilidades como resultantes de ações multidimensionais.

Papaléo Netto (2002) propõe a criação de uma nova área, que melhor abarque a gerontologia e que poderia ser denominada de Ciência do Envelhecimento, aglutinando pesquisas, cuja interatividade potencializará o manejo da questão do envelhecimento em todas as suas áreas de abrangência e de construção do saber. Concordamos com o autor e compreendemos que por meio da Ciência do Envelhecimento, poder-se-ia estudar o ser humano desde a concepção até a morte. Dessa forma, teríamos mais possibilidades de desenvolvimento da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, por meio da inter-relação das faixas etárias, as relações intergeracionais, considerando-se o curso de vida do ser humano, a sua totalidade e sua integração consigo próprio, com o outro e com o cosmo.

A famosa e sempre citada Resolução 39/125 da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1982, durante a Primeira Assembléia Mundial das Nações Unidas sobre o Envelhecimento da População, relacionou a expectativa de vida ao nascer com a qualidade de vida que as nações propiciam aos seus cidadãos: o ser idoso difere para países desenvolvidos e para países em desenvolvimento. Nos primeiros, são considerados idosos os seres humanos com 65 anos e mais; nos segundos, são idosos aqueles com 60 anos e mais.

No Brasil, é considerado idoso quem tem 60 anos e mais ou, ainda, para determinadas ações governamentais, considerando as diferenças regionais verificadas no país, aquele que, mesmo tendo menos de 60 anos, apresenta acelerado processo de envelhecimento (Brasil, 1998).

Na Constituição da República Federativa do Brasil, segundo Martinez (1997), o idoso é lembrado de várias formas, como:

 Na dignificação do ser humano;

 Na promoção do bem-estar; 12

 Na assistência judiciária;

 No cumprimento de pena;

 Na indistinção salarial;

 No não pagamento do imposto de renda referente à aposentadoria e pensões;

 Na assistência social;

 E com referência a temas diversos.

Dessa forma, na Constituição da República Federativa do Brasil o termo idoso está sempre associado à responsabilidade da família, da sociedade e do Estado por eles, amparando-os, defendendo sua dignidade e garantindo-lhes o direito à vida.

Ora, se a Política Nacional do Idoso, seguindo os pressupostos da ONU, estabelece, no seu capítulo I e artigo 2º que se considera idoso, para os efeitos da Lei 8.842/94, o maior de 60 anos de idade (Brasil, 1998), há certa discordância, ou falta de clareza quanto a quem seja idoso no país. Isto de certa forma termina por confundir os professores, os alunos e a sociedade.

Assim, ao longo deste estudo observamos tanto a consideração da idade de 60 anos para início desta fase do viver humano quanto a consideração de 65 anos. Apesar de ser o menos preciso, o critério cronológico é um dos mais utilizados para estabelecer o “ser idoso”, até para delimitar a população de um determinado estudo, ou para análise epidemiológica, ou com propósitos administrativos e legais voltados ao desenho de políticas públicas e ainda, para o planejamento ou oferta de serviços.

Para Monteiro (2003, p.60) “A idade cronológica, assim como o tempo, é uma abstração e, portanto, cada um pode apresentar formas diferenciadas de acreditar no seu próprio tempo”.

Os fenômenos do envelhecimento e da velhice e a determinação de quem seja idoso, muitas vezes, são considerados com referência às restritas modificações 13

que ocorrem no corpo , na dimensão física. Mas é desejável que se perceba que, ao longo dos anos, são processadas mudanças também na forma de pensar, de sentir e de agir dos seres humanos que passam por esta etapa do processo de viver. Complementamos, acrescentando que o ser humano idoso tem várias dimensões: biológica, psicológica, social, espiritual e outras que necessitam ser considerada para aproximação de um conceito que o abranja e que o perceba como ser complexo.

Verificamos que o idoso não pode ser considerado um velho adulto, ao contrário, são indivíduos que requerem abordagens específicas advindas de conhecimentos profundos dos efeitos fisiológicos, psicológicos, sociológicos patológicos do envelhecimento sobre os seres humanos. Entendemos, portanto que a reserva funcional do ser humano diminui gradativamente com o passar dos anos. Sendo assim, os idosos tornam-se freqüentemente mais suscetíveis às doenças ou aos agravos de sua própria idade.

Na percepção de Ramos (2003), há comprovação de que o grau de desenvolvimento intelectual, verificado por meio do nível de educação formal, seja um fator ligado ao potencial de risco para perdas cognitivas e para o surgimento de quadros demenciais. Deste modo, entendemos que, como existe um grande número de idosos brasileiros, principalmente mulheres, as quais não tiveram acesso à educação formal, não lêem e não escrevem, ou o fazem com limitações, é esperado, para breve, o aumento do número de idosos com quadros demenciais e, em conseqüência disto, o aumento da demanda por atendimento, que precisam estar adequados e com profissionais preparados para atendê-los.

Em um conceito mais transdisciplinar do ser idoso, Sá (2002, p. 120) nos apresenta a seguinte declaração:

“O idoso é um ser de seu espaço e de seu tempo. É o resultado do seu processo de desenvolvimento, do seu curso de vida. É a expressão das relações e interdependências. Faz parte de uma consciência coletiva, a qual introjeta em seu pensar e em seu agir. Descobre suas próprias forças e possibilidades, estabelece a conexão com as forças dos demais, cria suas forças de organização e empenha-se em lutas mais amplas, transformando-as em força social e política”.

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Na compreensão de Beauvoir (1990, p. 345), “a velhice é o que acontece aos seres humanos que ficam velhos; impossível encerrar essa pluralidade de experiências num conceito, ou mesmo numa noção”. Pelo menos, pode-se confrontá-los, tentando destacar deles as constantes e dar razões às suas diferenças. Esta autora mostra a complexidade do conceito de velhice e deixa claro que não se trata de eliminar o conflito, mas de reconhecê-lo como elemento capaz de mexer com as organizações e manter um clima propício à mudança. Ainda para a mesma autora não se trata de homogeneizar, mas de integrar as diferenças.

Ainda para Beauvoir (1990, p. 353) “uma vez que em nós é o outro que é velho, a revelação de nossa idade vem através dos outros, referindo que, mesmo enfraquecido, empobrecido, exilado no seu tempo, o idoso permanece, sempre, o mesmo ser humano”.

Existem pesquisas que apontam para o envelhecimento como processo fluido, cambiável e que pode ser acelerado, reduzido, parado por algum tempo e até mesmo revertido. O processo de envelhecimento pode ser reformulado quando se utiliza, de forma adequada, a conexão mente e corpo e quando se considera o valor da alimentação, a importância da relação com o mundo exterior e a importância do exercício do silêncio interior. Esses estudos, realizados desde as três últimas décadas do século XX, têm comprovado que o envelhecer é muito mais dependente do próprio ser humano do que se imaginou em épocas passadas. Um dos defensores desta teoria é Chopra (1999, p.19),

[...] embora os sentidos lhe digam que você habita um corpo sólido no tempo e no espaço, esta é tão- somente a camada mais superficial da realidade. Esta inteligência é dedicada a observar a mudança constante que tem lugar dentro de você. Envelhecer é uma máscara para a perda desta inteligência [...]

Esses estudos são pautados na física quântica, na qual não há fim para a dança cósmica. Pensamos que essa realidade trazida pela física quântica possibilita, pela primeira vez, manipular a inteligência invisível que está como pano de fundo para o mundo visível, e alterar o conceito de envelhecimento. 15

Concordamos com Mercadante (2003, p. 56) quando diz que:

[...] no modelo social de velho, as qualidades a ele atribuídas são estigmatizadas e contrapostas às atribuídas aos jovens. Assim sendo, qualidades como atividades, produtividade, memória, beleza e força são características e presentes no corpo dos indivíduos jovens e as qualidades opostas a estas presentes no corpo dos idosos [...].

Percebemos, portanto que a velhice pode ser considerada um conceito abstrato , porque diz respeito a uma categoria criada socialmente para demarcar o período em que os seres humanos ficam envelhecidos, velhos, idosos.

O número de idosos está crescendo proporcionalmente no Brasil, existindo mais mulheres idosas e sós do que homens idosos (Berzins, 2003). Acrescentamos que a velhice é um processo normal, dinâmico, e não uma doença, e que são notórias as desigualdades e as especificidades nesse contingente populacional, as quais se refletem na expectativa de vida, na morbidade, na mortalidade prematura, na incapacidade e na má qualidade de vida.

A Política Nacional do Idoso, Decreto n.º 948, de 3 de julho de 1996, em seu Art. 9º, traz entre outras ações, que compete ao Ministério da Saúde: garantia ao idoso da assistência integral à saúde, através do Sistema Único de Saúde (SUS), e tanto de forma preventiva quanto curativa; garantia ao acesso à assistência hospitalar; desenvolvimento de políticas de prevenção para que a população envelheça mantendo um bom estado de saúde; desenvolvimento e apoio a programas de prevenção e promoção da saúde do idoso, de forma a estimular a permanência do idoso na comunidade, junto à família, desempenhando papel social ativo, com autonomia e independência que lhe for própria; estimular o auto-cuidado; envolver a população nas ações de promoção da saúde do idoso (Brasil, 1998). Também, nos estudos investigados verificamos que os gerontólogos estão tendo preocupações que se coadunam com tal política.

Fernandes (1997) alerta que, seja qual for à ótica em que se discuta ou escreva acerca da velhice, é desejável respeitar os direitos intangíveis ou intocáveis 16

do cidadão idoso. Essas situações que dizem respeito a quatro pontos especiais, que são:

 Tratamento eqüitativo, através do reconhecimento de direitos pela contribuição social, econômica e cultural, em sua sociedade, ao longo da sua vida;

 Direito à igualdade, por meio de processos que combatam todas as formas de discriminação;

 Direito à autonomia, estimulando a participação social e familiar, o máximo possível;

 Direito à dignidade, respeitando sua imagem, assegurando-lhe consideração nos múltiplos aspectos que garantam satisfação de viver a velhice.

A velhice esta surgindo como uma possibilidade de se pensar uma nova maneira de ser velho. Justifica-se esta afirmação pelo fato de que os idosos estão se organizando em movimentos que avançam politicamente na discussão de seus direitos. A velhice, vista como representação coletiva, começa, mesmo que de forma tímida, a mostrar outro estilo de vida para os idosos, que ao invés de ficarem em casa, isolados, saem em busca do lazer, saem para os bailes, para as viagens, os teatros, os bingos, os grupos, os clubes e universidades abertas à terceira idade. O movimento referido emerge com uma força ainda desconhecida por aqueles que o vivenciam, de sujeitos que tornam visível à possibilidade de modificação da velhice, tirando os rótulos e contestando os mitos (Lima, 2001).

No início deste novo milênio, é desejável tomar consciência de que, para sobreviver, temos de mudar o paradigma do desenvolvimento econômico para um paradigma de desenvolvimento a favor do ser humano. Assim, os grupos de terceira idade, têm um papel especial na vida dos seus participantes, pois é através deles que procuram ajudar-se para obterem uma qualidade de vida melhor. Acreditamos que muitos idosos buscam nos grupos de terceira idade um segundo lar, onde a motivação de sair de casa é um dos itens relevante entre eles. Isso mostra o descaso que a sociedade e a família têm para com o idoso que não recebe o seu 17

apoio. Um grupo de terceira idade representa um espaço de ampliação de relações extra-familiar, oportunizando seus integrantes dediquem-se à atividade de lazer.

Vimos através de Chaimowicz (1998), que o conceito de envelhecimento é muitas vezes confundido com o conceito de velhice: o envelhecimento é universal, afeta cada indivíduo e família, comunidade e sociedade, sendo este processo normal e dinâmico constituindo a última fase do ciclo biológico do homem. O envelhecimento está relacionado a uma fase da vida. Cabe aqui relembrar que o envelhecimento é processo contínuo durante todo o curso de vida do ser humano e, como tal, tem início com o nascimento, acompanhando o ser humano ao longo da vida, até a morte. Porém parece claro que o envelhecimento só é pensado no seu estágio mais avançado, ou seja, na velhice.

O processo de envelhecer é uma experiência individualizada, uma vez que a maneira como cada ser humano direciona sua vida depende da interação entre os fatores genéticos, ambientais, sociais, econômicos, culturais e de saúde, com os quais está em constante relação. Percebemos que o processo de envelhecimento, compreendido como curso de vida, com suas várias fases: infância, adolescência, idade adulta, idade madura e velhice, apresentam mudanças psicológicas específicas e, na velhice, torna-se desejável que algumas dessas alterações psicológicas sejam consideradas, para melhor atendimento destas necessidades e realização de um cuidado mais individualizado ao idoso (Gavião, 2000).

Considerando que a população jovem brasileira ainda é numerosa e apresenta problemas de saúde e sociais prioritários, não se pode pretender que as ações do Estado sejam totalmente direcionadas para o grupo etário idoso. Porém, é importante que se perceba a importância dos idosos no cenário cotidiano e se procure almejar mais qualidade para sua vida. Na verdade, mesmo percebendo que os problemas relacionados e/ou causados pelo aumento da população idosa são de difícil solução, não é impossível resolvê-los.

Grande parte das soluções está ao alcance do Estado e da sociedade, que ainda não tem uma visão tendenciosa em relação ao idoso. Há o despreparo dos órgãos dirigentes de nosso país para compreender a gravidade da situação do idoso nos dias atuais e buscar soluções para problemas que os afetam, mostrando 18

que os nossos sistemas sociais ainda estão estruturados para proteger de forma precária, as populações jovens ativas e produtivas, rejeitando as mais velhas por conta de sua decadência física, psicológica e social.

Apesar das ações isoladas e mesmo das tímidas tentativas de estabelecer políticas de apoio aos idosos pouco se tem conseguido para garantir condições mínimas de qualidade de vida para os mesmos. Vemos na realidade um aumento da marginalização social, abandono e maus tratos aos idosos, sendo estes confinados em instituições asilares. O atendimento em regime de internato ao idoso sem vínculo familiar ou, sem condições de prover a própria subsistência de modo a satisfazer as suas necessidades de moradia, alimentação, saúde e convivência social, é a realidade a que nos deparamos no cotidiano, na mídia. Estas imagens nos deixam cada vez mais conscientes da responsabilidade de cada um de nós e de todos nós diante do aumento da população idosa brasileira.

O amparo e proteção aos idosos, que por motivos econômicos ou afetivos, não tem onde ou com quem morar, torna-se cada vez mais grave no país, em parte porque há poucas instituições, em parte porque a qualidade da assistência prestada por estas instituições é muitas vezes discutível em virtude principalmente da falta de recursos materiais e humanos. (B0RN, 1997).

Constatamos que, na medida em que aumenta a população idosa brasileira, com seus idosos dependentes, pobres ou desprovidos de apoio familiar, são multiplicados os asilos ou instituições, principalmente os de caráter filantrópico ou privado com fins lucrativos, e mostram a heterogeneidade quanto ao padrão dos serviços oferecidos.

Entendemos que, no Brasil, o processo de envelhecimento populacional caminha para uma rápida intensificação e que isto surge na contínua crise econômica brasileira, quando as desigualdades e os problemas sociais são verificados constantemente. Nesse contexto, é até difícil sustentar expectativas otimistas quanto à evolução de respostas adequadas às crescentes demandas da população idosa. Contudo, a política social em favor da população idosa corre o risco de ser uma batalha perdida, se não houver consciência de que tais ameaças 19

não são problemas deste ou daquele país, mas de todos os governos, de todas as nações, enfim, de todo o planeta.

1.2 - O CORPO ENVELHECIDO

Sabemos que durante o desenvolvimento humano, no aspecto biológico ocorrem reações estruturais celulares, e que após a maturação de alguns grupos de células, o organismo começa a entrar em fase de intenso declínio. Sem a reposição imediata ou sem nenhuma reposição de tais perdas em diferentes partes do corpo, sendo que esses déficits orgânicos começam a ser evidenciado após a quarta ou quinta década de vida. Esses efeitos podem estar relacionados a condições extrínsecas às quais o indivíduo se expõe como: sedentarismo, estresse, qualidade alimentar, exposição a radiações, alcoolismo, drogas e etc.

No aspecto biológico ocorrem várias alterações que modificam e alteram o corpo envelhecido.

Segundo Shepard (1994), em relação às alterações músculo-esqueléticas, a diminuição da força ocorre em torno de 10-20%. O aumento do índice de fadiga muscular e a menor capacidade de hipertrofia estão relacionados.

No idoso a tendência é a diminuição da força, o que interfere nas suas atividades de vida diárias.

O pico da densidade mineral óssea é atingido no início da vida adulta. Um dos mais valiosos benefícios à saúde, decorrente do exercício vigoroso e regular realizado precocemente na vida, é a ocorrência de um pico mais elevado de densidade mineral óssea, reduzindo o risco de osteoporose precoce no período tardio da vida (Nieman, 1999). Sabemos que a osteopenia está associado à perda de material celular ósseo no idoso, o que favorece o aparecimento das fraturas.

O colágeno, o qual provê a estrutura básica dos tendões, sofre degeneração progressiva com o avançar da idade. 20

A quantidade de perda funcional foi estudada mais completamente para flexão dos quadris e da coluna vertebral a partir dos testes de sentar-e-alcançar de Dillon. Um decréscimo de cerca de 20% na amplitude de movimento ocorre entre as idades de 25 e 65 anos (Shepard, 1994, p. 294). A partir desse ponto, a tendência de maiores perdas da amplitude do movimento estará associada às condições articulares e com o nível da prática de atividade física.

Entre as medidas antroprométicas alteradas, podemos citar também a diminuição da massa livre, a diminuição da estatura, o incremento da gordura corporal e conseqüente aumento do peso corporal.

No sistema cardiovascular, para Matsudo & Matsudo (1994), afirmam ocorrer a diminuição do débito cardíaco, da freqüência cardíaca, do volume sistólico, e da diminuição da utilização de oxigênio (O2) pelos tecidos. O aumento da pressão arterial sistêmica a diminuição do volume máximo de oxigênio (VO2 máx), também estão relacionados.

A relação entre os valores da prega cutânea e a densidade do corpo muda com a idade, em parte porque o componente de pele (4 mm no adulto jovem) torna-se mais fino com o envelhecimento e, também, porque os compartimentos dos tecidos magros diminuem por perda de osso. Shepard, (1994).

Para o idoso, os valores da freqüência cardíaca proposta para treino ou atividade física, devem ser avaliados através de exames específicos (teste de esforço) e relacionados ao comportamento de patologias associadas (hipertensão, cardiopatias, doenças crônico-degenerativas).

Entre várias alterações fisiológicas decorrentes do processo de envelhecimento, a menor capacidade de adaptação do organismo novos estímulos e a recuperação dos sistemas, são as mais deformações mais significativas. (MATSUDO & MATSUDO, 1994).

Outras alterações também podem ser citadas tais como: alterações neurais, com a diminuição no número e tamanho dos neurônios e diminuição na velocidade de condução nervosa, o que levam ao aparecimento da diminuição da atividade física e do movimento no idoso. 21

A diminuição contínua da capacidade funcional dos órgãos dos sentidos e as alterações do cognitivo podem ser consideravelmente notadas.

Com o declínio gradual das aptidões físicas, o impacto do envelhecimento no corpo físico e ainda com o aparecimento das doenças crônico-degenerativas, o idoso tende a ir alterando seus hábitos de vida e rotinas diárias por atividades e formas de ocupação pouco ativas. (WEINECK, 2003).

Apesar da necessidade sobre o conhecimento das alterações biológicas, os corpos envelhecidos apresentam alterações subjetivas e simbólicas, onde devemos nos ater em treinamentos da percepção, da sensibilidade e da emoção, para assim, conseguir visualizá-las.

Para Bergson (apud BOSI, 1994, p. 45),

[...] o corpo, interposto entre os objetos que agem sobre ele e os que ele influencia, não é mais que um condutor, encarregador de recolher os movimentos e de transmiti-los, quando não os detém, a ação é reflexa, quando escolhidos os movimentos, a ação é voluntária [...].

Isso nos leva a pensar o quanto traduz o corpo em movimento, as transcrições emocionais que vivem os homens. Quantos dos movimentos corporais não seriam reflexos a situações emocionais vivenciadas. Da mesma maneira, o próprio formato do corpo nos traduz um tanto de sua vida. O novo e o velho se distinguem pelo formato da vivência, da experiência, das transcrições e dos caminhos percorridos pelo tempo.

Não podemos ser taxativos quando falamos que o corpo velho traduz deformações da pele, de cabelo, de tamanho e de brilho, porque mais do isso, nos induz a investigar aspectos aqui não mencionados: as memórias de vida que estão contidas dentro do seu universo pessoal.

Ainda em relação aos aspectos corporais, convidamos os leitores a uma interpretação mais subjetiva. Afora os aspectos biológicos, a leitura das imagens refletidas em corpos desnudos de transformações, mais ricos em informações diversas e contidas, loucas para nos dar indicações de novos caminhos. 22

Cabe aqui, uma passagem vivenciada por nós, durante uma sessão de fisioterapia em nosso local de trabalho, de uma paciente atleta idosa, onde relatava algumas situações corporais experimentadas. Atendemos uma senhora que havia sido atleta da seleção nacional de Atletismo, porém não atingiu o índice para as Olimpíadas de Melbourne em 1956, na Austrália. Reportava-me sua dificuldade em praticar a modalidade de salto em extensão de saia, pois não podia colocar shorts naquela época. Mesmo assim, referenciava suas marcas dos saltos com extrema soberba, entusiasmo e um “brilhar” nos olhos que dava gosto de ouvi-la por horas. Outras senhoras que também se encontravam em tratamento, por vezes entrelaçavam seus pensamentos e deixavam escapar suas paixões pelo esporte, pela vida em movimento, pela luta por vencer desafios. Afirmavam não conseguir lidar com essas situações de expor o corpo sob movimentos bruscos e quedas, mesmo que em função do esporte.

1.3 A MEMÓRIA

Os estudos sobre a memória englobam aspectos subjetivos e objetivos. Podemos abordar referências sobre a memória de alguém direta ou indiretamente. Reconhecer e entender a memória na trajetória desta pesquisa requer um olhar através desta lente para não cair nas especificidades, como os aspectos biológicos, fisiológicos, psicológicos e até questões sociais que envolvem a memória. O estudo sobre as memórias dos atletas olímpicos, foi abordado com idosos que se referenciaram no Esporte, mas precisamente atletas medalhistas Olímpicos, em qualquer modalidade desportiva. Torna-se o palco dessas reflexões, uma quadra, uma piscina, um tatame, ou seja, uma praça desportiva. Segundo Bosi (1994, p. 37), um registro alcança uma memória pessoal, onde busca mostrar também, uma memória social, familiar e grupal. Os motivos da pesquisa serão explicados aos sujeitos com toda clareza e eles sempre terão autoridade sobre os registros de suas lembranças e consciência de seus fatos. As memórias aqui escaladas foram direcionadas em etapas estabelecendo um grau de relacionamento com os sujeitos; ouvindo, transcrevendo 23

e comentando os resultados, embasando-me em referenciais teóricos, porém sem invadir suas lembranças e retirar suas conotações de “cheiro” da lembrança, “brilho” dos seus olhos ou ainda, um “embargar na voz”. (grife do autor) Entendimentos sobre os processos da memória são, portanto:

[...] Aos dados imediatos e presentes dos nossos sentidos nós misturamos milhares de pormenores da nossa experiência passada. Quase sempre essas lembranças deslocam nossas percepções reais, das quais retemos então apenas algumas indicações, meros ”signos” destinados a evocar antigas imagens [...]. BOSI (1994, p. 46)

Explorar os aspectos da memória nos oscila em relação a diversos momentos investigativos, perante teorias já, pré-estabelecidas e constantes descobertas relacionadas ao tema.

Para Bergson (apud BOSI, 2003, p 47.) “em relação à memória, o presente contínuo se manifesta, na maioria das vezes, por movimentos que definem ações e reações do corpo sobre seu ambiente, as lembranças que estão na cola das percepções atuais, estão como sombra junto ao corpo”.

Apesar de ser a velhice uma continuação no desenvolvimento dos sujeitos, a memória os acompanha desde o nascimento. Reflexos de lembranças da vida intra-uterina são abordados em literaturas e assim, em cada fase da vida, a memória atua de forma a proceder a informações resgatadas quando solicitadas.

Em seus estudos, Bergson (1974) estabelece uma relação distinta entre a percepção e a memória. A percepção é explicada pela arte que advém do mundo material, enquanto as lembranças, cujo aparecimento é descritivo, são explicadas pela consciência. De outra forma o corpo está confinado no movimento presente do tempo e limitado ao lugar que ocupa no espaço, se conduz como autônomo e rege mecanicamente as exigências exteriores. Apreende algo que se estende muito mais longe que o corpo no espaço e, que dura através do tempo, algo que solicita ou impõe ao corpo, movimentos não mais automáticos e previstos, mas imprevisíveis e livres: isto ultrapassa o corpo de todos os lados, criam atos ao formar continuamente a si o “eu”, a “alma”, o “espírito”. 24

Para Bergson, (1974, p. 90) “o espírito é que pode tirar de si mesmo mais do que contém; devolver mais do que recebe; dar mais do que possui”.

As formas como as lembranças se conservam na memória, obedecem ao mesmo sistema de funcionamento do cérebro, ou seja, divide em partes, cada qual exercendo uma função determinada e, se uma delas for afetada, poderá impedir, por exemplo, à execução dos movimentos voluntários. (DOMICIANO, 1994, p. 28). Desse modo, o obedecendo a esse sistema, Bergson (1974, p. 90) relata que:

[...] a memória que é tida como uma função essencial do espírito, pode ser localizada por partes, onde cada uma conversa determinado tipo de lembrança, ou seja, lembrança dos sons das palavras, dos movimentos de articulação da fala, das imagens visuais, das palavras e das letras [...]

Ainda em relação à memória, é importante situar que ela faz parte das chamadas funções cognitivas: o raciocínio, a abstração, o julgamento, a linguagem, e capacidade construtiva e as funções cognitivas, sendo essas, a capacidade de organizar, planejar e realizar as tarefas (CANINEU; YASSUDA, P. 139). Ainda reflete a respeito de um estilo de vida saudável pode garantir um cérebro saudável e diminuir a vulnerabilidade das memórias.

Uma vez reprimida a memória, podemos dizer que as lembranças ficam retidas no inconsciente, onde se pode afetar o pensamento e a ação, mesmo que aparentemente se tenha esquecido a experiência em que a memória se baseia. Já uma falsa memória é uma memória que se baseia no ouvir dizer ou em alguma sugestão. A falsa memória difere da memória errônea. Esta se baseia em experiências reais que são recordadas incorretamente. Falsa memória são memórias de ter experimentado algo que na realidade nunca se experimentou. (FLICKER; FERRIS; REISBERG, 1993)

Se avaliarmos o quanto podemos confiar na exatidão da memória, verificamos que podemos nos enganar muitas vezes ao pensar que nos recordamos corretamente de algo. Estudos sobre a memória mostram que muitas vezes construímos as nossas memórias após o fato, que somos susceptíveis a sugestões 25

de outros que ajudam a preencher os buracos na nossa memória de um dado evento. Outro fato interessante sobre a memória é que estudos mostram que não há uma correlação significativa entre o sentimento subjetivo da certeza que uma pessoa tem acerca de uma memória e a exatidão dessa memória. É possível criar falsas memórias nas pessoas por sugestão.

Para Halbwachs (1990, p. 13),

[...] não tem sentido senão em relação a um grupo do qual faz parte, pois supõe um acontecimento real outrora vivido em comum e, por isso, depende do quadro de referência no qual evoluem presentemente o grupo e o indivíduo que atestam[...]

Se refletirmos em relação às memórias de atletas olímpicos do passado, poderemos utilizar os conceitos do autor em relação à memória histórica, que supõe a reconstrução dos dados fornecidos pelo presente na vida social e projetado no passado reinventado; e a memória coletiva, é aquela que recompõe magicamente o passado. (HALBWACKS, 1990, p.14).

Segundo esse autor, sempre que se fala em memória, logo se estabelece a relação com o corpo e um cérebro individual; não se tem o hábito de falar em memória de grupo. Assim, as lembranças podem se organizar em memórias individuais e memórias coletivas, de grupos, sendo que o indivíduo participa de ambas, com atitudes deferentes e mesmo contraditórias, como ocorreu nesta pesquisa.

Halbwacks (1990, p. 53-53), afirma que “um homem para enfocar o passado, tem freqüentemente necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros”. Dessa forma, as palavras do grupo são sempre utilizadas como instrumentos para o bom funcionamento da memória pessoal, onde percebemos que esses instrumentos são utilizados através do meio em que convivem.

Nesta pesquisa estaremos envolvidos com as memórias individuais dos atletas medalhistas olímpicos, sempre lembrando que por mais que alguns desses sujeitos disputassem provas individuais, a memória coletiva do grupo presente naquela Olimpíada sempre será enfocada. 26

CAPÍTULO II – A PRÁTICA ESPORTIVA

2.1 - O ESPORTE

O esporte envolve seus adeptos pela magia de vencer um deslocamento, uma marca, um tempo. A sensação de extremo prazer da vitória ou a busca da mesma atrela aos desportistas, a plenitude do querer e do poder. A vitória como meta e a busca da superação como ideal, embalam os atletas em sonhos jamais esquecidos, retribuindo-os com seus momentos de glória, ou com a memória dessas.

Contudo, para Okuma (2004, p. 121):

[...] A percepção dos sujeitos sobre a importância da atividade física se fundamenta na consciência que passaram a ter a respeito dela, seja como resultado das próprias vivências, seja pelos conhecimentos que adquiriram durante a experiência. As vivências anteriores à atividade física mostraram-se marcantes para que as mudanças positivas fossem evidenciadas, de modo que as informações que receberam sobre suas implicações no processo de envelhecimento pudessem não só ser confirmadas, mas também ter significados para eles.

Isso nos leva a pensar na possível batalha do corpo e com o corpo sobre os sujeitos que se desatrelam a fazer movimentos estereotipados, os quais chamamos de Atividade Física e Esportes. O quanto suas vivências corporais iniciais interferem em suas vidas. Algumas de forma brusca e desajeitada, disforme de leveza e interação com o pulsar dos ventos. Outros de forma casada com o passar dos segundos. Tais percepções deixam em seus corpos, marcas de sentimentos, emoções, de combinação ou de devaneios com o ritmo, a coordenação e com a tranqüilidade.

O esporte se pratica com os braços, as pernas, as costas, mas principalmente, do pescoço para cima. É uma atividade essencialmente prática, onde o que interessa é participar, interagir, seja com o outro, seja contra alguns segundo de tempo ou milímetros de metros. Isso consiste em delegar ao corpo 27

algumas virtudes mais fortes da alma: a energia, a audácia, a paciência, o invadir os limites.

Lembramos aqui que o Esporte cria mais laços, mais uniões e consciências do que a diplomacia mundial. Em tempos de Jogos Olímpicos e Copa do Mundo, somos todos invadidos por emoções advindas de vitórias e derrotas. Forma partes das forças unificadoras da humanidade, pelo mútuo conhecimento e pelo melhor entendimento que provoca entre os homens de diversas raças e culturas, muitas vezes sob o puro signo do ideal Olímpico.

O ser humano se envolve com um dos conceitos mais bonitos entre os que regem as relações humanas, os quais provêem do mundo dos esportes: é a expressão “flair play” – jogo limpo -, que significa os quanto os homens deveriam levar em conta nas suas relações, a amabilidade, a justiça, a imparcialidade e a honra. Quando se pratica esporte corretamente, sempre se aprende a se comportar na vida, a respeitar as regras.

Para Devide (2003), o esporte é considerado um campo onde há possibilidades de ser solidário e cooperativo, onde perpassam ideais de igualdades e liberdade. Contudo, observa-se em determinados momentos, uma marginalidade desses princípios.

Entre outros motivos para a prática esportiva, o motivo saúde aparece em evidencia como um discurso socialmente codificado. (LOVISOLO, 1997).

Observa-se que alguns idosos adeptos ao esporte, treinam para se igualarem em atitude e disposição à figura da juventude, servindo de exemplo para pessoas idosas inativas e também outros mais jovens. Opostamente, alguns jovens atletas olímpicos, quando questionados sobre o processo de envelhecimento e as possíveis perdas funcionais, negam objetivamente, excluindo-se da possibilidade, pois se julgam deuses indissolúveis, com seus volumosos músculos. Neste caso, podem ser enquadrados em certo distúrbio emocional relacionados ao “culto ao corpo”.

Segundo Pope (2002:87), “a Síndrome de Adônis ou a Vigorexia, é um transtorno emocional ligada ao narcisismo físico fora de controle, qualquer tipo de obsessão ou negação, denota um desequilíbrio psíquico na vida”. 28

Possivelmente desconhecem o processo de “destreinamento” que deverão passar, após interromperem seus vigorosos ciclos de treinamentos.

O esporte envolve de forma a codificar sensações, emoções e passa a fazer parte da vida de uma pessoa em determinado momento. Estas se utilizam sempre do mesmo vestuário, carregam apetrechos, às vezes amuletos, criam vínculos supersticiosos durante as práticas que os acompanham em longa caminhada. Correm, saltam, embocam, arremessam até que onde seu fôlego possa chegar, ou as pernas comecem a tremer. Uns continuam lutando até que a dor seja superada e o suor seja enxugado. Outros sofrem calados, pois o cansaço sempre termina em determinados momentos. Sempre pré-determinam onde e quando chegar, mas nem sempre alcançam seus objetivos. Sentem algo que espiritualmente os distingue dos adversários, sejam eles homens, tempos, distância, enfim, suas marcas. O desejo é a própria motivação.

Existe um lema das Olimpíadas Especiais em que se diz: “Faça com que ganhe, mas se não for possível vencer, faça uma valente tentativa”. Assim imaginamos os adeptos ao esporte, sempre valentes em suas jornadas.

2.2 - A COMPETIÇÃO

Vários são os aspectos teóricos relacionados à competição: a conceituação, as diferentes abordagens, a relação com a vitória, a derrota, a rivalidade e a cooperação. Em relação à competição, podemos afirmar que envolve nosso cotidiano. No mercado de trabalho, nos estudos, nos relacionamentos interpessoais. Contudo, é na prática esportiva que a competição torna-se mais transparente. Desvendar o significado de perder e vencer para os competidores, torna-se uma tarefa difícil, uma vez que existem aspectos relacionados à conceituação e as diferentes dimensões do fenômeno da competição no esporte. Para Devide (2003), existem discussões acerca das diferentes dimensões a respeito das representações sociais da prática competitiva do esporte. 29

Se analisarmos a etimologia da palavra “competição”, veremos que poderemos fazer algumas inferências sobre o significado da palavra que vem do latin - competere, que significa “buscar junto”. Como padrão, utiliza-se normalmente uma disputa com oponente e uma comparação do desempenho do competidor. Porém podemos competir com a própria marca, dessa forma, ocorre à busca da auto-superação. Os jogos possuem um caráter antitético, sendo uma das características gerais, a incerteza e a tensão quanto ao seu resultado. (HUIZINGA, 1996). A competição serve para cada um dar provas de sua superioridade. O ideal viril da virtude está sempre ligado à convicção de que a honra para ser válida, deve ser publicamente reconhecida. Os homens aspiram à honra para se convencerem de seu próprio valor, de sua virtude. Aspiram a ser honrado por seu próprio valor por aqueles que têm capacidade de julgar. Portanto, a virtude e a honra, a nobreza e a glória encontram-se desde o início dentro do quadro da competição, isto é, do jogo. Lawther (1973) entende a competição como forma de esforço para provar a si mesmo que se é superior a outrem, obtendo honra e louvor por meio disso. Assim, ela consiste na busca do sucesso, de acordo com as capacidades do esportista em superar o recorde anterior ou o atual oponente. Contudo, segundo o autor, esse esforço para superar outros competidores não traz necessariamente, conotação hostil, mas à medida que o desejo de vencer aumenta, a competição pode começar a apresentar sinais de agressividade e rivalidade. A competição pode ser um processo sócio cultural, onde são oferecidas recompensas às pessoas, com base na comparação de seus desempenhos com os de terceiros que estejam cumprindo a mesma tarefa. Portanto o sucesso de um implica no fracasso do outro. Porém o desejo é a própria motivação. A determinação a inexorável busca do triunfo e o compromisso com a excelência, farão com que esses sujeitos consigam o que estão buscando, o que tira o mérito de quem não chegar lá. Em todos os esportes se joga para ganhar: os pontos, as glórias, o campeonato. É justamente a competição por um “prêmio” (do autor), o que faz com 30

que um jogo seja também divertido, emocionante e congregue sensações próprias e inesquecíveis.

2.3 - OS JOGOS OLÍMPICOS

Várias são as versões que tentam explicar o surgimento dos Jogos Olímpicos. Em uma das últimas e mais belas das versões, relatam-se a imponência e grandeza de Hércules, que ao receber ordens do rei Elis para limpar estábulos de animais, sujos há trinta anos, o fez desviando o curso do Rio Alfeu, fazendo com que suas águas lavassem as estrebarias.

Organizados no remoto século VII a.C ,pelas cidades gregas, as quais ainda que independentes entre si, os praticavam cada 4 anos, em Olímpia, no Peloponeso, quando das festas a Zeus, constituem tradições o que vêm do passado, no que se refere a usos, costumes, hábitos, virtudes, maneiras de ser, e até de pensar. Os jogos olímpicos conservam, além das tradições nos usos e costumes, nos hábitos e virtudes, nos modos de ser, e ainda no folclore, os resultados maiores da arte, e mesmo no esporte, de que o exemplo maior é competir dos jogos olímpicos e se possível ganhar o louro maior, um ramo de oliveira colocado sobre a cabeça do vencedor.

Sabemos que no auge do Império bizantino não houve capacidade dos cristãos de então para assimilar o contexto dos jogos olímpicos. Foram suspensos pelo Imperador cristão Teodósio I, em 393 d.C. Superados os problemas ideológicos, foram praticados novamente em 1896.

A partir desse momento instituiu-se o Comitê Olímpico Internacional e a realização da primeira edição dos Jogos Olímpicos da era moderna, idealizado por Pierre de Fredi, conhecido como Barão de Coubertin. (Colli, 2004:11).

O símbolo olímpico, mais precisamente a Bandeira Olímpica, tem como significado a representação dos cinco continentes através de cinco círculos entrelaçados e distintos por cores representativas; a Europa na cor azul, a África preta, a América na cor vermelha, a Ásia amarela e finalmente a Oceania na cor verde. A Antártida, não era reconhecida como continente na época, mas o fundo 31

branco hoje, faz a sua representação. A bandeira tremulou pela primeira vez em 1920, na cerimônia de abertura da VII Olimpíada da Era Moderna, na Bélgica. (Colli, 2004:49).

A Crença Olímpica se afirma no ditado de que: “o mais importante não é vencer, mas participar; como a coisa mais importante na vida não é triunfar, mas lutar, O essencial não é conquistar, mas ter lutado bem”.

O interessante neste conceito, é que contradiz o espírito dos Jogos da Antiguidade, no qual a vitória era tudo e conquistar o esperado.

O Lema Olímpico: “Cittus, Altius et Fortius”, em latim representa: mais rápido mais alto e mais forte, foi criado em 1890, por Henri Didon, um dominicano naturalizado francês, importante pedagogo e amigo pessoal do Barão de Coubertin, e foi adotado no movimento olímpico desde a primeira edição realizada em Atenas em 1896. Representa o sinônimo do espírito olímpico esportivo, define a ânsia do ser humano pela superação de limites através da prática desportiva.

O Juramento dos atletas representa o compromisso com o respeito às regras da competição, diz: “Em nome de todos os participantes, juro que seremos leais competidores durante os Jogos Olímpicos e que respeitaremos as regras da competição, participando em honra de nossos países e da glória do esporte”.

Ultimamente se torna discutível em função dos últimos casos relatados através do Doping.

A celebração de Abertura dos Jogos Olímpicos se deu a partir de 1908, em Londres, por ser percebido uma imensa desorganização dos atletas no momento do desfile. A partir daí, todos os Jogos passaram a exibir verdadeiramente um show na abertura dos Jogos, o que passou a ser para todos os povos, um momento de glória de seu país e entretenimento pessoal. Quanto nos envolve este sentimento de união dos povos através do esporte.

A cerimônia de premiação nos Jogos da Antiguidade representava ao primeiro colocado, uma coroa de “louros”, com folhas de oliveira, árvore sagrada na Antiga Grécia. O significado desta, era a mais alta honra para o atleta, equivalente a uma medalha de ouro atualmente. Além disto, era celebrado um banquete no salão 32

de festas de Olímpia para homenageá-lo. Sua estátua era esculpida em tamanho real e o atleta ganhava vários e luxuosos presentes.

Na sua cidade natal, ele era carregado em triunfo e um numeroso cortejo em sua homenagem entrava por uma porta aberta aos muros da cidade. O tesouro público de algumas cidades proporcionava-lhe uma vida farta. Somente a partir de 1896, na primeira edição dos Jogos modernos, o segundo e terceiro lugares das competições, passaram a receber a medalha de prata e bronze.

Subir ao pódio para receber sua medalha, foi então vitalizado para os desportistas, seja a qual for o nível de competição.

Através desses entendimentos simbólicos, as experiências vivenciadas por idosos que foram considerados talentos olímpicos devem ser refletidas ao nível da emoção resgatada através das lembranças.

Muitos atletas podem não ser referência para a comunidade em que estão inseridos e nem mesmo para o seu país. Temos infelizmente, alguns fatos que apontam para isso. Os exemplos estão aí, basta querer vê-los: vão do prestigiado futebol até o pouco divulgado handebol. Contudo, tais idosos, se mantêm como vivos pela chama da própria memória sobre as suas lembranças de vitórias e derrotas.

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CAPÍTULO III - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1 – MÉTODO QUALITATIVO

O estudo foi desenvolvido a partir da abordagem qualitativa, privilegiando as relações dos sujeitos com o esporte em nível olímpico, onde vivenciaram amargas derrotas ou grandes vitórias.

Para Minayo (1994, p.21-22):

“A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, de processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.

De acordo com Triviños (1987, p. 128) a pesquisa qualitativa, tem as seguintes características:  Tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e a pesquisadora como instrumento-chave;  É descritiva;  Mantém a pesquisadora preocupada com o processo e não simplesmente com os resultados;  Os dados tendem a ser analisados indutivamente; e  O significado é a preocupação essencial desta abordagem.

Os procedimentos qualitativos são importantes para:

[...] Descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos [...] Richardson (1989, p. 39). 34

A abordagem qualitativa se mostra adequada para se entender um fenômeno social, sendo necessária, em princípio, quando o objeto é uma situação complexa ou particular. O interesse do pesquisador volta-se para a busca do significado das coisas , porque este tem um papel organizador nos seres humanos. O que as "coisas" (fenômenos, manifestações, ocorrências, fatos, eventos, vivências, idéias, sentimentos, assuntos) representam, dá molde à vida das pessoas. Num outro nível, os significados que as "coisas" ganham, passam também a ser partilhado culturalmente e assim organizam o grupo social em torno destas representações e simbolismos.

Segundo Turato (2005), a propriedade do método e o ambiente natural do sujeito são inequivocamente o campo onde ocorrerá à observação sem o controle de variáveis. O pesquisador é o próprio instrumento de pesquisa, usando diretamente seus órgãos do sentido para apreender os objetos em estudo, espelhando-os então em sua consciência onde se tornam fenomenologicamente representados para serem interpretados.

3.2 - HISTÓRIA ORAL

Trabalhando com o método “história da vida”, que possibilita focalizar o indivíduo dentro de um contexto sócio-histórico, analisamos as relações entre acontecimentos individuais e processos pessoais, levando em consideração o contexto desportivo dos indivíduos entrevistados.

Vaitsman (1994) refere-se a “história da vida” como um método, onde se identificam em cada história traços singulares, porém, alguns pontos se repetem de alguma forma, em todas elas. À medida que a proporção do novo em relação ao já conhecido diminui, encontramo-nos diante de um processo de “saturação”. Assim, nos deparamos, cada vez mais, com elementos de um mesmo padrão nas histórias de vida de indivíduos distintos, o que, segundo o autor, pode ser considerado como uma característica estruturante do processo. 35

Para Cruz Neto (1994, p. 58) a “história de vida é uma estratégia de compreensão da realidade, sua principal função é retratar as experiências vivenciadas, bem como as definições fornecidas por pessoas, grupos ou organizações”.

De acordo com Mehy 2 (1998, p.22) “A história oral combina três funções complementares: registro de relatos, divulgação de experiências relevantes e vínculos com o imediato urbano, promovendo assim um incentivo à história local e imediata”.

Observamos durante esta pesquisa diversos fenômenos individuais e sociais, dados interpessoais relacionados às personalidades e identidades a partir do contato para a entrevista tanto com o atleta olímpico jovem quanto com o idoso que participou de jogos olímpicos.

3.2 A ESCOLHA DA AMOSTRA

Dado o número extenso de atletas olímpicos que já defenderam o Brasil em diversas competições, optamos definir os seguintes aspectos:

 Indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos;

 Ambos os sexos; 3

 Inscrito em qualquer modalidade olímpica;

 Atletas que receberam medalhas em qualquer Olimpíada;

 Indivíduos sem comprometimento da área cognitiva;

A composição da amostra intencional é mostrada a seguir na tabela 1, 2 e 3 como segue abaixo:

2 Meihy considera que a história oral situa-se em meio ao desenvolvimento dos métodos qualitativos de investigação. 3 Apesar da escolha de ambos os sexos, não houve atletas do sexo feminino no período consultado. 36

Tabela 1 – Medalhistas do Brasil com mais de 60 anos

Ano Local Medalha Modalidade Atleta Local

1920 Antuérpia Ouro Tiro Guilherme Paraense Falecido

1920 Antuérpia Prata Tiro Afrânio da Costa Falecido

1920 Antuérpia Bronze Tiro- Fernando Soledade Falecido

1920 Antuérpia Bonze Tiro- Sebastião Wolf Falecido

1920 Antuérpia Bonze Tiro- Dario Barbosa Falecido

1948 Londres Bronze Basquete Zenny de Falecido

1948 Londres Bronze Basquete João Francisco Bráz Falecido

1948 Londres Bronze Basquete Marcus Vinícius Dias Falecido

1948 Londres Bronze Basquete Affonso Azevedo Évora SP

1948 Londres Bronze Basquete Falecido

1948 Londres Bronze Basquete Alexandre Gemignani Falecido

1948 Londres Bronze Basquete Alberto Marson SP

1948 Londres Bronze Basquete Alfredo Rodrigues da Motta Falecido

1948 Londres Bronze Basquete de Oliveira RJ

1948 Londres Bronze Basquete Massinet Sarcinelli Falecido

1952 Helsinque Ouro Atletismo Ademar Ferreira da Silva Falecido

1952 Helsinque Bronze Natação Tetsuo Okamoto SP

1956 Melbourne Bronze Atletismo José Teles da Conceição Falecido

1960 Roma Bronze Basquete Zenny de “Algodão” Falecido

1960 Roma Bronze Natação Manoel dos Santos SP

1960 Roma Bronze Basquete SP

1960 Roma Bronze Basquete Moisés Biasi SP

1960 Roma Bronze Basquete Waldemar Blatkauskas SP

1960 Roma Bronze Basquete Carmo ”” SP

1960 Roma Bronze Basquete Carlos Mosquito “Massoni” SP

1960 Roma Bronze Basquete Waldyr Geraldo Boccardo RJ

1960 Roma Bronze Basquete Wlamir Marques SP 37

1960 Roma Bronze Basquete Amaury Antonio Pasos RJ

1960 Roma Bronze Basquete Fernando Pereira de Freitas RJ

1960 Roma Bronze Basquete Antonio Salvador Sucar SP

1960 Roma Bronze Basquete Jatyr Eduardo Schall SP

1964 Tóquio Bronze Basquete Amaury Antonio Pasos RJ

1964 Tóquio Bronze Basquete Wlamir Marques SP

1964 Tóquio Bronze Basquete SP

1964 Tóquio Bronze Basquete Carlos Mosquito “Massoni” SP

1964 Tóquio Bronze Basquete Friedrich “Fritz” Braun SP

1964 Tóquio Bronze Basquete Carmo ”Rosa Branca” SP

1964 Tóquio Bronze Basquete Jatyr Eduardo Schall SP

1964 Tóquio Bronze Basquete Edson Bispo dos Santos SP

1964 Tóquio Bronze Basquete Victor Mirshawka SP

1964 Tóquio Bronze Basquete Sergio “Macarrão” Toledo RJ

1964 Tóquio Bronze Basquete José Edvar Simões SP

1968 México Prata Atletismo Ademar Ferreira da Silva Falecido

1968 México Bronze Vela Reinaldo Conrad SP

1968 México Prata Atletismo Nelson Prudêncio SP

1968 México Bronze Boxe Servilio de Oliveira SP

1972 Munique Bronze Judô Chiaki Ishii SP

1972 Munique Bronze Atletismo Nelson Prudêncio SP Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados coletados.

38

Tabela 2 – Referencial da Amostra

Atletas Olímpicos Medalhistas com 39 100 % mais de 60 anos

Atletas vivos 25 64,10 %

Atletas Falecidos 14 35,90 %

Atletas Entrevistados 7 28 %

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados coletados.

Tabela 3 – Modalidades

Atletas Olímpicos Medalhistas com % N mais de 60 anos

Basquetebol 71.4 5

Judô 14. 3 1

Natação 14.3 1

Total 100 7

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados coletados.

3.3 COLETA DE DADOS

Os dados referentes aos atletas olímpicos idosos, necessários a este estudo, foram coletados junto às Confederações e Federações esportivas da modalidade em que o atleta olímpico praticou nas diferentes cidades do Estado de São Paulo e Rio de Janeiro. Os primeiros contatos foram realizados por telefone, onde após explanação do contexto da entrevista, ficou acertado a data para as entrevistas em locais pré-definidos pelo entrevistado. Os locais escolhidos pelos 39

entrevistados foram: residência, escritório, Federação Paulista de Basquetebol, Academia de Judô ISHII. Foi realizado, para obter aprovação quanto à participação neste estudo, um Termo de Consentimento do entrevistado.

Planejou-se um roteiro guia para que as entrevistas fossem bem sucedidas, de modo que as questões ficassem por conta dos fins e objetivos da pesquisa. O roteiro guia como sugere o título, serviu apenas para direcionar a conversa com os entrevistados. Dessa forma, à medida que surgiram abordagens não exploradas, mas percebidas como de importância para o estudo, o roteiro foi alterado com flexibilidade, permitindo e até convidando o entrevistado a falar longamente, “com suas próprias palavras e com tempo para refletir”. (Gaskell, 2003, p.73).

O roteiro guia elaborado para o presente estudo foi descrito no apêndice A. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. Os relatos foram analisados e incorporados no texto, juntamente com a discussão da análise qualitativa.

Foi explicado ao grupo de entrevistados que seria mantido o anonimato, exceto para confirmação acadêmica, o sigilo das informações e a participação no estudo se deu voluntariamente.

40

CAPÍTULO IV – OS SUJEITOS

4.1 – ONDE TUDO COMEÇOU

O espaço esportivo na vida desses sujeitos aconteceu de forma leve e foi se fixando a partir do vínculo que foram adquirindo com a modalidade, com seus técnicos e com o cheiro da vitória. A cada arremesso, golpe ou braçada seus corpos iam adquirindo transformações internas e externas que os faziam assegurar-se cada vez mais dos seus objetivos.

Apesar de iniciarem a relação com o esporte, na maioria das vezes através do ambiente escolar, alguns atletas iniciaram por indicação médica, por problemas respiratórios.

Para o Sr. Edson Bispo, 74 anos, carioca, atleta do Basquetebol, residente em São Paulo, o aparecimento do esporte em sua vida ocorreu dessa forma: “Era muito magro, não tinha muita saúde, tinha bronquite, o médico me mandava praticar esporte, era traquino, queria o futebol, mas como cresci muito naquela época, fui fazer um teste no Vasco (RJ) para jogar futebol. O técnico lá era o famoso Oto Glória e ele disse: você desse tamanho vai jogar basquete, futebol você não dá não. È muito grande, muito comprido”.

“Fui fazer um teste para Basquete no Fluminense. Eu morava perto do Fluminense e era ainda naquele período (1952), existia certo racismo dentro do Clube, jogador de “cor” tinha que entrar por outra porta. Eu fiz o teste, e logo após o técnico falou de forma não tão clara, mas deu a entender que eu não poderia ficar não dava para eu ficar, que tinha muito atleta já”.

Na situação vinculada ao racismo, percebemos que foi ressaltada com certo grau de “injustiça social”, demonstrada em suas palavras, que a qualquer 41

momento nesta fala, iria acontecer algo que faria aquele clube se arrependesse em tê-lo feito entrar pela porta dos fundos. Esse fato completaria um ”inventário” de todos os obstáculos de uma época em que a hipocrisia da raça branca, sufocava os possíveis talentos negros. Isso nos permite visualizar, de forma realista, uma sociedade onde todos os atos são observados e controlados por uma camada: os ricos e brancos. Não bastasse a injustiça da desigualdade social em nosso país, nosso atleta, amarga em suas memórias a experiência real da humilhação em ter se submeter a “entrar pela porta dos fundos” do clube onde treinaria, representaria e, provavelmente, “vestiria a camisa” literalmente.

“Tudo bem, fui fazer outro teste, agora no Flamengo, meu Clube de coração. Mas eu tinha bronquite na época, né ...? Aí, nos exercícios que fiz durante o teste me deu uma crise. O técnico me mandou embora, disse que era melhor eu não fazer porque eu não iria dar para o esporte, me mandou me curar primeiro. Aí, desisti do esporte.”

A primeira grande desilusão se deu de forma constrangedora, transportando-o para um sentimento de derrota e angústia que o fez desistir de algo que estava contido em sua alma. Quando já havia desistido do Basquete, relata algo inesperado. “Eu tinha 16 anos. Meu pai arranjou uma bolsa de estudos numa escola chamada MABE, no Rio de Janeiro – Moderna Associação Brasileira de Ensino. Nesta escola o esporte era muito desenvolvido. O professor de Educação Física era apaixonado por Basquete, era técnico do América e tinha uma porção de atletas de Basquete, Vôlei, Futebol de Salão..., tinha até teatro. E comecei a jogar basquete de novo. Iniciei muitos “rachas” nas aulas de Educação Física. Até que fui marcar outro teste no Vasco. No período de férias, fui ao Vasco com meu pai, e o técnico pediu para que eu ficasse lá nessas férias pelo período de um mês. Meu 42

pai deixou e eu naquela empolgação me concentrei no Vasco, junto com os atletas de futebol. Fiquei um mês inteirinho treinando e aí comecei a jogar. Tanto é que joguei só um semestre no juvenil e depois já fui para o adulto. O Vasco nessa categoria Juvenil estava em penúltimo colocado no Campeonato carioca e seis meses depois, terminamos o torneio como vice-campeões. Aí o técnico de Basquete mandou todos os jogadores veteranos embora e subiu todos da categoria juvenil para o adulto. Comecei a despontar. Em um ano praticamente eu já estava convocado para a Seleção Brasileira de Basquete, foi quando eu fui para o Campeonato Mundial de 1954. Aí virei “astro”, eu era o astro do Basquete do Rio, do Vasco e da Seleção Brasileira em Mundiais. Participei de três Olimpíadas, ganhamos duas medalhas de bronze nas Olimpíadas de 60 em Roma e 64 em Tóquio”.

O resgate da auto-estima possibilitou a cura da bronquite, integrando-o novamente.

Para o Sr. Tetsuo Okamoto, nadador, 73 anos, residente em São Paulo, o esporte também apareceu em sua vida por motivos de saúde.

“Comecei a nadar porque eu tinha asma. Então, lá pelos 7, 8 anos de idade, meu pai me colocou na piscina para praticar esporte e combater a asma com a prática da natação. Isso foi em Marília, eu nasci em Marília, no interior de São Paulo. Aí, apareceu um ex- nadador de São Paulo, o Fausto Anúncio, por um acaso, se tornou o técnico de natação do clube. Pois ele colocou na nossa “cachola” que a gente tinha que treinar muito e ser um campeão”.

De forma mágica, a influência do professor, pode representar para seus alunos transformações positivas ou negativas. A nitidez da consciência de quem 43

ensina deve ser clara e serena no ato de transmitir conhecimento, sob a pena de descentralizar, arrebatar ou interpor os objetivos dos alunos.

Para o Sr. Carlos Massoni, o “Mosquito”, 64 anos, atleta do Basquetebol, residente em Guarulhos - SP, o vínculo com o esporte se deu pelo contato de seu pai com o ambiente esportivo.

“Minha história é muito longa, né! O meu pai não me deixava jogar futebol... Então ele me trouxe do São Paulo Futebol Clube, do qual ele era “patrão de barco”, instrutor, para a Atlética São Paulo. E lá não tinha futebol, não tinha nada. Então um dia, o administrador do clube falou que queria fazer uma equipe de Basquete na categoria de menores, e perguntou para o meu pai se ele poderia me utilizar. Aí comecei. Tinha 10 anos de idade. Não parei mais. Foram 40 anos...”.

A transferência de valores esportivos passada de pai para filho é nítida. A formação de um novo sujeito/atleta dá-se através da somatória dos valores do pai, de suas vivências, com a vontade e determinação do filho. É interessante perceber a “hereditariedade esportiva” contida nesse relato, porque pensamos que o “Mosquito”, muito provavelmente, não seria um atleta se o pai não estivesse ligado ao meio esportivo. Neste caso, o exemplo do pai aliado ao seu talento e vocação para o esporte, resultou em sucesso esportivo.

O Sr. Carmo “Rosa Branca” de Souza, de 65 anos, atleta do Basquetebol, residente em São Paulo, nos conta de um início muito positivo em relação ao vínculo escolar e o esporte.

“Comecei brincando na escola. As aulas de Educação Física foram fundamentais para minha iniciação no Basquete. O meu professor era um entusiasta, adorava fazer elogios, não cansava de incentivar. Aliás, eu sempre fui assim também, enquanto professor. Acho que 44

aquele modelo de professor que tive, nunca saiu da minha cabeça e sempre persegui a idéia de que o professor de Educação Física é responsável pela a participação efetiva das crianças no esporte”.

O verdadeiro ato pedagógico consiste em fazer com que o aluno desperte o interesse e o gosto pela atividade proposta e, a partir daí que se construam novos saberes e conhecimentos. Sem dúvida, o professor de Educação Física do Sr. Rosa Branca praticava esse gesto de amor que é ensinar a aprender, tarefa a qual ele fora designado quando se formou professor. Falar aqui da importância do profissional, neste caso da Educação Física, seria como “chover no molhado”. Cabe aqui, a reflexão sobre inúmeros atletas, que possivelmente deixamos de revelar por despreparo de alguns profissionais da Educação.

O Sr. Chiaki Ishii, de 64 anos, atleta do Judô, residente em São Paulo, japonês de origem, naturalizado brasileiro, chegou ao Brasil aos 22 anos de idade, com o objetivo de melhorar a modalidade. Reflete em relação a sua iniciação desportiva: “Aprendi Judô com meu pai, ele praticava. Era professor. No Japão é muito comum a pratica do Judô, é uma filosofia, educação, treinamento do corpo e da mente”. Eu gostava muito e nunca mais parei. Pratico Judô até hoje.

É importante destacar aqui, a influência cultural das raças e povos, no esporte, através de determinadas filosofias, valores e costumes.

Na opinião do Sr. José Edvar Simões, 62 anos, atleta do Basquetebol, residente na cidade de São José dos Campos, SP, a influência da escola e do professor de Educação Física para a adesão à prática esportiva também foi relevante. “Comecei a jogar Basquete na escola, no ginásio. O meu professor de Educação Física foi um medalhista do Basquete em Londres, Sr. Alberto Masson, foi ele quem me incentivou a jogar Basquete”. 45

Coincidentemente, o professor e o aluno se reencontram em determinadas paginas dessa pesquisa. Unidos por reflexões, imagens, lembranças, entrelaçam passagens de fortes emoções trazidas pelo esporte. Ocorre aqui um encontro intergeracional, no entanto ambos se enquadram nesta pesquisa dentro de uma mesma população pesquisada.

O relato do Sr. Alberto Masson, 80 anos, atleta do Basquetebol, residente em São José dos Campos, em relação à adesão ao esporte é:

“Eu sou lá de Casa Branca, naquela ocasião a gente só nadava no rio e coisa e tal. Recordo-me da infância, do meu professor de Educação Física, onde me falou: - você é muito grande deveria ir treinar Basquete... Aí eu fui! Comecei aos 13 anos de idade ou coisa assim, continuei sempre nos treinos, comecei a gostar e nunca mais parei”.

Notamos mais uma vez, tanto no relato do ex-aluno, quanto no relato do professor. A grande importância do papel do Educador Físico, a motivação, o entusiasmo, o modelo, foram indiscutivelmente fatores imprescindíveis nas escolhas desses indivíduos.

4.2 – A MAIOR VITÓRIA E DERROTA

Ao retratarmos as vitórias e as derrotas, enfocamos uma visão que pode ir além das quadras, do tatame e da piscina. Os sujeitos são bastante claros ao referenciarem suas vitórias e derrotas. Lembram do cheiro da partida, do gosto amargo de algumas derrotas de campo, mas sempre buscam vinculá-las a algum tipo de situação em suas vidas. Permanecem calados em alguns minutos, investigando o que têm de melhor e pior para relatar.

Para o Sr. Edson Bispo a maior vitória foi vencer os problemas de saúde. A vida esportiva proporcionou-lhe desenvolver relações afetivas e importantes 46

amizades. A vitória de ser convocado para uma seleção nacional e participar de uma Olimpíada. E principalmente as vitórias de quadra, a qual lhe proporcionou a inesquecível experiência de subir ao pódio e receber uma medalha.

“A maior vitória que eu devo ao Esporte é a Saúde.. Eu tive uma infância muito complicada em termos de saúde, tinha bronquite, minha mãe havia morrido de tuberculose, talvez eu já tivesse herdado alguns gens, ou alguma coisa, pois eu era muito fraco na infância. Minha bronquite se curou pelo esporte e por aquelas simpatias antigas, aquelas “garrafadas” que se tomava. Minha avó que fazia. E eu só conseguia fazer esporte. A primeira vitória que eu tive na vida foi a Saúde! Eu pensei que não ia conseguir porque era muito fraco, muito fraco mesmo. Aí, logicamente que algum potencial interno aflorou mais tarde, quando fui estudar. Eu arrumei bolsa de Estudos pelo Basquete, eu fiz CPOR (Polícia Militar), me formei oficial também, através do Basquete. As vantagens que eu tinha no quartel foi tudo através do Esporte, tudo na minha vida foi através do Esporte. Eu conheço grande parte do mundo, viajei bastante como atleta, como técnico e como professor”. A grande vitória foi o esporte ter me proporcionado saúde e, logicamente, que até hoje você tenho grandes amizades que se conquistou desde aquela época. “Eu me sinto satisfeito porque consegui fazer um círculo em volta de mim de ótimas relações”.

“... Bom, agora tem as vitórias de quadra mesmo! Ah, essas medalhas olímpicas, só a pessoa participando e recebendo mesmo, para saber o que significa. Primeiro de tudo, participar de uma Olimpíada. Aquele ambiente esportivo, e aí, você diz assim: Pô, eu tô entre os maiores atletas do mundo. Dentro do meu país, tudo bem. Mas, conseguir congregar todo esse pessoal junto e você ta ali no meio e você ir ao podium duas vezes? A emoção do podium é uma coisa indescritível, quando você sobe ao podium você se emociona, uma emoção que não tem preço!!! Eu falo pro meu pessoal, se tiver uma oportunidade de 47

assistir uma Olimpíada, vá assistir, pois a emoção de estar lá é indescritível. Eu que estive lá e fiz duas vezes pódio, é uma emoção que você guarda pro resto da vida”....

Quando questionado sobre a sua maior derrota, se retrata a uma posição profissional, relembra:

“Ah! Derrotas de campo têm... Uma delas, uma das minhas maiores frustrações foi justamente a Olimpíada de Montreal, eu era o técnico e ficou muito marcado. Hoje, há 2 Olimpíadas o Brasil não leva o Basquete masculino, mas a minha equipe tinha condições de ir, mas machucaram dois atletas de “peso” para a equipe e então ficamos de fora da Olimpíada. Ficou marcado, pois era o meu maior sonho! Já havia participado de três Olimpíadas e essa seria a quarta Olimpíada como técnico. O ápice de um técnico no esporte é esse.

Para o Sr. Carmo “Rosa Branca”, a maior derrota está vinculada às regras e sistemas de disputas, pois se deu de forma marcante uma situação de saldo de pontos em determinada competição onde sua vitória em campo foi lhe arrancada por um sistema de disputa:

“Foi nas Olimpíadas de Roma 1960, pois jogamos contra a Rússia e ganhamos na quadra, iríamos disputar a medalha de ouro contra os americanos, mas aí, nos ficamos em outra chave por causa do saldo de pontos. Fomos disputar o Bronze. É horrível essa sensação... Ganhamos na quadra, deveríamos ir para o podium buscar o ouro. Seria bem difícil ganhar da “máquina” que era o time dos Estados Unidos. Então, isso pra mim, dentro do esporte ficou muito marcado. Ter que conviver com regras e não aceitar a derrota no papel fica difícil, entende? Porém é a vida, temos que respeitar as regras”.

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Para o Sr. Edvar Simões, a maior derrota está vinculada a um processo profissional e político e não a derrotas de campo:

“A derrota foi eu não poder continuar na seleção embora na época eu fosse o técnico que mais ganhou campeonatos sul-americanos, posteriormente eu como técnico ganhei 4 campeonatos brasileiros em seguida fui bicampeão sul americano e não consegui mais voltar à seleção. Com isso, foi colocado um técnico com uma menor expressão, ficou um período, período esse que eu poderia ter uma posição melhor na minha carreira. Foi político, o objetivo era afundar o Basquete e quando estivesse bem no fundo do poço, aqueles que colocaram no fundo não estariam entre nós, infelizmente isso aconteceu... Espero que aqueles que colocaram o Basquete no fundo poço estejam no céu”.

O Sr. Alberto Masson, quando questionado, embargou-se em forma de silêncio e emoção ao relatar sua maior derrota:

“Se nos voltarmos à Olimpíada, a maior derrota foi contra a França. O Brasil disputava com a França a possibilidade de ser Vice-campeão, ou seja, de enfrentar os Estados Unidos. Com certeza seríamos mesmo Vice-campeã porque os Estados Unidos tinham, na ocasião, uma equipe muito boa em relação aos demais paises, a diferença era muito grande. Mas acabamos sendo derrotados pela França. Pois era um país que não tinha um Basquete tão elevado na Europa e com isso, seria a nossa chance. Mas não fomos bem. Mas então, foi o nosso... (silêncio)... não mencionou a palavra... derrota”.

A emoção contida nesse determinado momento, mostrou-nos que após 50 anos dos fatos ocorridos, as emoções vividas são resgatadas à memória, de 49

forma incondicionalmente importante, indiscutivelmente entrelaçando diversas emoções contidas nos diversos momentos de vida. Para os Srs. Ishii, Carlos “Mosquito” e Okamoto, as derrotas relatadas foram exatamente às derrotas de determinado momento esportivo, sempre referenciando as derrotas nos Jogos Olímpicos: Sr Ishii: “No mesmo dia da grande vitória, tive a maior derrota. Eu queria ganhar ouro, mas não consegui. Na luta anterior eu ganhei nos últimos dez segundos, desse mesmo alemão e na segunda luta eu perdi. Disputei a medalha de bronze com a Alemanha Oriental. Eu fui o 3º colocado no Mundial anterior, em 1971. Nessa Olimpíada de Munique em 1972, disputei com o mesmo alemão, achava que estava mais preparado agora, mas perdi. Já tinha ido pro Mundial. Primeiro ganhei do alemão nesse Mundial de Judô, em 1971, a minha primeira medalha em Campeonato Mundial. Estava muito preparado para ir as Olimpíadas. Eu era da categoria absoluta, mas não venci”.

Sr. Carlos “Mosquito”:

“Minha maior derrota, foi não ter conseguido o vice-campeonato nas Olimpíadas de Roma. Foi quando nós perdemos, não sei o que aconteceu... Tínhamos ganhado na Rússia na classificação e, perdemos na colocação. Perdemos para Rússia no final do jogo, no quadrangular final”.

Sr. Okamoto: “A derrota naquela época, era difícil. Enquanto eu estava aqui no Brasil, eu competia aqui e na América do Sul, né? Eu quase que não tinha adversário, né? Não tinha grandes derrotas, né? Depois quando viajava para fora sim, era uma luta ganhar dos adversários, lutava contra o relógio, contra o próprio tempo, entende? Então, eu sempre 50

nadava em sempre provas de fundo. Mas vez, nadava provas curtas, eu nadava tudo que eu poderia né? Para dizer a verdade, quando eu nadava lá no Clube, eu era âncora deles. Eu nadava os quatro estilos. Então quem ganhava os campeonatos, diversificava e nadava quase todas as provas, nado de peito, nado de costas... só pra fazer pontos, entende? Eu nadava tudo”.

Ao tratarmos sobre vitórias e derrotas, tratamos dos significados das mesmas e percebemos que não foram apenas pontuais, vivenciadas somente naquele momento histórico da vida de cada um. A grande maioria dos sujeitos entrevistados, falam de suas vitórias, assim com um ar de mesmice, esquecendo-se, por vezes da relevância e importância do fato. Eles escreveram muito mais que um capítulo nobre na história do Esporte Nacional, e tratam disso com certo saudosismo, porém sem enaltecerem suas conquistas. Não pude identificar se foi falsa modéstia, ou repetição da falta de tato e reconhecimento da sociedade brasileira. Apostaria mais na segunda hipótese. Quanto às derrotas, atrevo-me a afirmar que para os entrevistados, de maneira geral, elas serviram de lição de vida, pois é notório, pelos depoimentos, que estas marcaram definitivamente e acentuadamente a vida de cada um. Na verdade, não foram os sistemas das disputas, ou perder com a melhor equipe, ou a política, os motivos marcantes das derrotas. O momento de se lidar com a sensação da perda e as condições adversas em que se deram as derrotas é o real motivo marcante das mesmas. Porque foram únicos, exclusivos e pessoais, muito pessoais na vida de cada um deles.

4.3 – A SUPERAÇÃO E O IDEALISMO

Em se falar de superação e idealismo, os sujeitos atribuíram os mais diversos significados, porém todos direcionados para a mesma finalidade. 51

Para o Sr. Edson Bispo, a relação de superação e idealismo vem de encontro com os sonhos e a criatividade. Para ele, isso nunca vai sofrer interferência com a idade. “... É você ter amor por aquilo que você gosta de fazer. Você cria seus ideais... Infelizmente, no nosso país, muitos companheiros abandonam seus ideais, porque as portas são muito fechadas. Você tem que ter idealismo, mas tem que sobreviver depois que forma uma família, você tem filhos, netos, tem que deixar o idealismo de lado para sobreviver. Mas o sonho nunca acaba. Eu vou ter sempre um ideal, sempre tive minha parte técnica como atleta, minha parte de técnico de Basquete, de dirigente, sempre foi muito criativo. Pode chegar a idade que chegar, vou ser sempre. Quero me superar”.

“Esse amor que você tem por aquilo que você gosta, vai te acompanhar como ideal até o fim da sua vida. Isso é superação. Já realizei muitos sonhos e ideais, mas eu queria mais”.

“A superação é enfrentar momentos difíceis, a gente enfrenta várias situações durante a vida e tem que superar. Eu não tive muito apoio familiar... alguém cuidou de mim... Não sei quem, mas alguém me ajudou a superar os momentos difíceis que passei na vida. O círculo familiar e a vida familiar são as coisas mais importantes para você superar os momentos difíceis na vida”.

“Tem que ter uma força interior ou alguém que te ajude. Uns procuram ajuda, outros não. Eu tive um problema com minha filha mais velha com drogas. Foi muito difícil ela superar isso, apesar de todo nosso apoio. Hoje ela está curada”.

A força interior de que tanto fala, pode ser a qual o tenha feito superar a bronquite e a situação de descriminação racial a qual foi submetido. 52

Para o Sr. Okamoto:

“Idealismo para mim é um sonho. Idealismo é um sonho que você pára lá, quando chega a realizar esse sonho. É um sonho que você pensa que vai conseguir talvez o ideal de ser um campeão, sei lá. É uma mistura de ·sonho com realidade que... Sei lá, você põe na cabeça o que realmente é ·seu objetivo. Já a superação, está dentro dos tramites do esporte e da vida, ·do ramo que você está, vai evoluindo naquilo que você quer. A gente tem ·que buscar sempre essa superação. Assim que você vai crescer, tem o ·objetivo de querer bater um recorde, né? Melhorar o tempo, se auto-superar, ·né? Então... o que você ta fazendo na prática esportiva, você sempre quer superar né...? Se auto-superar até o máximo, sabe? Então quando eu ganhei essa medalha nas Olimpíadas os próprios jornalistas disseram isso... Não esperavam que eu ganhasse a medalha. Ganhar essa medalha foi uma superação minha. Tanto é que teve uma matéria no jornal a Gazeta Esportiva, que eu achei que foi o melhor elogio que eles poderiam me dar”: “OKAMOTO SUPEROU A SI PRÓPRIO NAS OLIMPÍADAS”. É... Quer dizer... Eu superei né? “Eu consegui alcançar o objetivo que eu almejava”.

Apesar de se encontrar debilitado fisicamente por problemas de saúde, sua voz emana sons de grandeza ao referir sobre o destaque evidenciado pela mídia.

Para o Sr. Carmo “Rosa Branca”:

“É ter um sonho, programar esse sonho e ir buscar a cada instante. É o que eu busco fazer até hoje. Você precisa ter um ideal na vida, um sonho, isso te faz acontecer, te dá forças a todo instante para lutar na vida. Quem não tem isso, se perde. Ter amor por aquilo 53

que você gosta de fazer. Eu convivo muito com essa sensação de vitória na minha vida, me sinto um vencedor. As homenagens que recebo às vezes me fazem reviver isso tudo”.

A importância do reconhecimento social aparece de forma vidente nesse depoimento.

Para o Sr. Edvar Simões:

“Eu diria que é sonhando e tentando criar alguma coisa. Eu me afastei um pouco do Basquete. Desenvolvi uma outra atividade, depois retornei. Tinha uma visão de conquista e de idealização de jogos, depois a vida vai ensinando. O idealismo é criar, não importa o que quer que seja profissionalmente eu ainda busco algumas coisas, tenho 62 anos e me sinto bem, me aposentei por problema de linfoma. Levo uma vida normal, esse problema de saúde não tem nada a ver com o esporte”.

“Já a Superação é a perseverança, você acreditar numa conquista por mais difícil que ela seja é sobrepor toda diversidade você criar aquela força e não desistir, é pena que eu não estivesse aqui foi em 1982, a nossa equipe foi desclassificada na semifinal do mundial. Na época o Basquete tinha um peso bem maior que hoje. Foi um baque muito grande, para mim foi um castelo que ruí. Eu era muito jovem tinha apenas 39 anos, sonhava em trabalhar na Europa, aquilo foi um castelo que ruiu. Um dia uma pessoa, uma torcedora me deu uma poesia e nela dizia:... Embora todas as dificuldades que você tenha tudo de ruim, a gente tem que sorrir e começar de novo, sempre começar de novo. Eu tenho capacidade de absorver os momentos difíceis às derrotas ou coisa parecida, mas eu não 54

absorvo deprimido, ou arrasado, não; eu absorvo olhando que vou dar o bote, a minha vida eu treinei em cima disso”.

Acreditamos que sua fala, diz por si próprio.

Para o Sr. Alberto Masson o idealismo e a superação:

“É alguma coisa, uma mola mestre que move determinado elemento em diferentes funções, meu ideal de ser técnico eu não chamo de técnico, mas “treineiro” do basquete, tive a felicidade de ser convidado pelo Canela ( Douglas Renan Canela), considerado talvez o maior técnico do basquete em determinada época me convidou como assistente para o Pan Americano em Chicago e depois por falta de verba o assistente ficou e o técnico foi, nem por isso morreu o ideal de mexer com o Basquete.

“Já a Superação é a gente conseguir sem recurso nenhum, chegar a um ponto que você almeja isso só mesmo quem passa por essas coisas sabe o que é superação”.

Para o Sr. Ishii:

“Um monte de coisa... (silêncio)... Vivo sonhando... quero ser fazendeiro... Gosto do campo, da plantação e do animal. Gosto de tudo, sítio, charrete, gosto muito, muito bonito! Sempre treinei forte, às vezes com dor, machucado, atleta sempre tem dor no joelho, ombro, cotovelo, clavícula. Tudo machucava, mas é isso que é superação. Treinava com dor! Sempre aconteciam acidentes na lutas e nos machucávamos. Tínhamos que parar a luta e o treinamento às vezes para o atendimento e tratamento. Isso para não prejudicar joelho, ombro, tudo”. 55

Esse atleta atribui seus méritos a superação de dor física, talvez se possa associar isso, a filosofia da modalidade que pratica ou a sua origem oriental.

Para o Sr. Carlos “Mosquito”:

“Bom, idealismo seria ter um objetivo que seria o título de campeão... Infelizmente não foi, né...? Agora, nós conseguimos pelo menos o Bi Campeonato do Mundo. Não esperávamos na Olimpíada ser campeão, talvez esperássemos o Vice-campeonato, mas nós fomos Bicampeões do Mundo nos Campeonatos. Então, essa seria a superação. Superar a tristeza da derrota, quando enxergávamos que éramos melhores”.

Para o Sr. Carlos “Mosquito”, superar a tristeza de uma derrota implica valores de injustiças esportivas, porém nos reflete ao pensamento do “flair play”, onde o jogo deve ser jogado e as regras devem ser obedecidas.

4.4 – O ÚLTIMO ESPETÁCULO

Para esses atletas as várias conotações dadas em relação ao final de uma carreira atlética, são diretamente interligadas as suas atividades profissionais de vida.

Para o Sr. Edson Bispo,

““... Hoje em dia é muito difícil o pessoal que atingiu um status no cenário esportivo, abandonar o esporte. Isso só acontece quando o camarada não tem apoio financeiro. Na nossa época foi assim. Nós tínhamos que subsidiar tudo. Então quando você termina o seu ciclo famoso, você não sente muito. Quando eu saí, fui ser professor e 56

técnico de várias categorias e não senti. Agora o pessoal que teve um padrão de vida alto, fama, “mulherada” e acaba tudo aquilo, a grande maioria acaba mal. Na nossa época, todos se viravam... São médicos, advogados, professores”.

“Todos estudavam. Hoje em dia, de dez anos para cá não acontece isso. Cria-se o sentido profissional do esporte e ninguém estuda mais, só vai vivendo do esporte. De repente acaba o corpo físico e acaba tudo, porque não construiu nada na vida”.

“Eu só fiquei chateado quando minha carreira de atleta acabou por lesão. Não senti muito porque continuei na área como professor e técnico da Seleção Brasileira. A parte financeira não afetou nada porque eu já trabalhava mesmo, sempre dei aulas... Dei aula em uma Faculdade por 14 anos e meus alunos só souberam da minha vida esportiva nos últimos anos, porque um aluno leu uma reportagem minha. Eu, lá, era professor e separava as coisas. Não falava do meu passado atlético. Aí tive que dar uma palestra aos alunos falando de tudo das Olimpíadas”.

A conotação profissional que vem sendo dado ao esporte, faz com que os desportistas jovens, desacreditem em outros potenciais, adquirindo novas metas e ideais, podendo, contudo, serem desvinculados ao sucesso em prol do corpo físico.

Para o Sr. Carlos “Mosquito”:

“Bom, as lembranças... Para mim, o esporte abriu muitas portas. Eu vou num lugar todo mundo me conhece. Apesar de ser uma pessoa tímida, você me conhece, eu sou meio fechado, não sou brincalhão. Sabe, eu vou levando... Eu não chego falando que eu sou fulano de 57

tal. Quem viveu aquela época me conhece. Os novos é que não sabem, não conhecem esporte, não têm memória. Mas não sinto falta de tudo que fiz, já passou. Já parei. E quando eu parei nunca mais quis saber de Basquete, (ar de dúvida). Parei, fiquei com um time aqui de Guarulhos (como técnico), fui para Portuguesa, tive a maior oportunidade de ir para o Monte Líbano. Não quis ir. Preferi ficar em Guarulhos. Depois eu parei. Joguei ainda um ano só no time de veteranos e depois parei. Depois, no ano 2000 tive problema de infarto e aí...desisti...”.

Para esse atleta o esporte lhe abriu portas, o faz reconhecido, porém a negação duvidosa de seu depoimento quanto “ao não querer mais saber do Basquete”, nos levar a pensar se não está relacionado ao seu problema de saúde.

Para o Sr. Okamoto:

“Depois da medalha nas Olimpíadas, meu pai me encurralou... Falou que eu tinha lhe dado muito orgulho, mas que estava na hora de ir pensar na vida. O esporte, naquela época, não trazia dinheiro pra ninguém. Resolvi mudar para os Estados Unidos, em uma Universidade que me deu bolsa de estudos, só para continuar nadando mais um pouquinho. Senti falta das competições e lá poderia fazer isso durante os meus estudos”.

O esporte só trazia glórias e não premiações financeiras ou retorno financeiro através da mídia com assistimos nos dias de hoje. O que terminou por levar a esses sujeitos, aproveitarem seus momentos de glórias para adquirirem bolsas de estudos e darem continuidade em sua vida profissional após deixarem as quadras.

58

Para o Sr. Carmo “Rosa Branca”

“... Acho que não abandonei... Permaneço no meio esportivo, trabalho ainda com esportes. Sou coordenador de esportes de uma escola aqui em São Paulo, gosto de desenvolver esse trabalho com as crianças. É muito importante direcioná-las para o esporte de forma agradável, sadia e saudável. Fora efetivamente isso, vivo encontrando os companheiros de quadra, os que estão vivos, né? Muitos infelizmente já se foram. Nesses encontros, lembramos vários episódios dos campeonatos e revimos algumas situações agradáveis e difícies que passamos. Falamos também do esporte atual, como seria fácil, com toda essa estrutura que hoje o esporte trás consigo. Seríamos campeões várias vezes dessa forma. Nunca recebemos um tostão para jogar. Fazíamos tudo por muito amor e dedicação que tínhamos. Hoje os esportistas recebem muito dinheiro e mesmo assim, vivem machucados, tratando e muitas vezes fora do cenário”.

É público a necessidade desse atleta em mostrar sua permanência no esporte. Ainda mais, colocando-se disposto a permanecer contribuindo de outra maneira. A credita poder estar enfatizando a relevância do esporte nas crianças, nos jovens através de palestras e depoimentos que realiza em escolas, clubes e associações. Acredita que através de suas historias desportivas, os novos ouvintes estarão englobados em um novo sentimento e interesse pelo esporte. Mas alguém tem que fazê-lo.

Para o Sr. Ishii:

“... Não sinto que abandonei só a competição, pois ainda convivo muito no Judô através de minhas filhas e também dou aulas. Gosto de falar para os alunos. Gosto de falar para as pessoas sobre sua as lutas, 59

sobre a medalha. Eu não falo muito! Falo... Eu transmito Judô aqui, transplantei do Japão, a aí o Brasil cresceu na modalidade, antes era muito fraco o Judô no Brasil. Agora tem um monte de medalhistas. Brasil demonstrou honra. Antes Brasil tava muito fraco, segunda classe. Todo campeonato tinha várias lutas e o brasileiro só lutava a primeira ou segunda luta no máximo, aí perdia. Para ganhar precisa lutar seis, sete vezes para vencer. Na minha época, somente iam dois atletas de cada país, era muito difícil. Ah... Eu ensinei bastante, né...? Ensinei Aurélio Miguel, também, mas depois ele treinou com o Shinohara, eu ensinei bastante, muita gente que foi a Mundiais e Olimpíadas. O governo apóia muito pouco o Esporte no Brasil de forma, não dá condições para formar grandes atletas”.

A participação desse atleta em relação ao Judô, nos parece ser eterna e ficará perpetuada. Desde sua vinda ao Brasil, aos 22 anos de idade, já tinha o objetivo de engrandecer o nome do Brasil através da modalidade. Hoje tem 3 filhas judocas que evidenciam o no do Judô em Jogos Olímpicos, Pan-Americanos e em Campeonatos Mundiais. Sua alegria maior é transmitida, quando nos relata eu uma das suas filhas, casou-se com o último campeão olímpico de Judô, das olimpíadas de Atenas. Residentes nos EUA, já apresentaram ao Sr. Ishii o produto do amor pela modalidade: uma netinha que embala seu sono e engatinha sobre um tatame, o que nos relata apontando fotos e com os olhos brilhantes.

Para o Sr. Edvar Simões:

“Nunca senti abandonar totalmente esse cenário. Sempre estive perto. Agente acaba se ligando em tudo no esporte, não dá para se desligar. Fui ser técnico, professor, a gente convive o tempo inteiro com a disputa. Ás vezes a gente se machuca com alguma coisa política que ocorre no esporte, mas no fundo agente ama tudo isso aqui. Hoje tenho meu escritório, mas sei de tudo que ocorre no esporte”. 60

O Sr. Edvar Simões nos remete a pensar que uma vez englobado no cenário esportivo, torna-se difícil uma ruptura. Apesar de estar hoje aposentado como professor e técnico, apresentando hoje outros relacionamentos profissionais, ele não consegue se desligar das informações desportivas e tende sempre a opinar e palpitar por uma ou outra idéia, sistema de jogo ou contratação de jogadores.

Para o Sr Alberto Masson:

“Para mim, deixar as quadras foi triste, mas só eu sabia que estava deixando... Tinha que trabalhar dar aulas e ficava feliz com isso. O intuito era dar aulas e repetir o papel, ser técnico de grandes jogadores como fomos. Talvez quando voltamos dos Jogos Olímpicos, tivesse a sensação que nunca mais voltaria por lá”.

As repetições dos valores sociais, aqui ficam explícitas. Apesar de ter deixado as quadras com tristeza, em prol de suas atividades profissionais, o Sr. Alberto acaba por profetizar seus ideais. Foi técnico de Basquetebol onde revelou mais de dez jogadores de seleção nacional, um deles, fazendo parte dessa pesquisa, o Sr. Edvar Simões. Os mesmos incentivos que recebeu aos 13 anos de idade, quando garoto e integrante à modalidade de Basquete, repassou por anos afins, revelando antes de grandes atletas, as grandes aspirações pessoais desses novos adeptos.

61

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Transpor as experiências aqui vinculadas dos idosos medalhistas olímpicos foi uma tarefa gratificante.

Em certos momentos, quando adormecíamos mergulhados em suas memórias, embutíamos pensamentos emaranhados aos sonhos de seus feitos. Ora percebíamos a realidade em suas falas, ora tudo parecia um sonho. Enfim, era sempre realidade.

Em cada passo aqui percorrido, une-se a experiência vivida pelos atletas às experiências vivenciadas da autora no cenário esportivo.

Os pensamentos, as imagens e a emoção descrita que ora ultrapassa nossos limites, os entendimentos e as interpretações mais objetivas, foram desafiados a se tornarem perpétuos. “Somos aquilo que lembramos” (IZQUIERDO, 2002).

Um dos resultados mencionados, é que esses atletas idosos, são exatamente o que trazem à memória e ainda que, suas lembranças são exatamente seus momentos vivenciados de forma inexorável perante o emocional.

“A emoção do pódio é uma coisa indescritível, quando você sobe ao podium você se emociona, uma emoção que não tem preço”.

(OKAMOTO)

No conjunto das entrevistas, a vitória e a derrota, a lembrança do pódio, foram associadas a diversos níveis de sentimento e emoção.

Os resultados mais significativos dessas nossas reflexões e interpretações revelam que o questionamento inicial sobre a performance de sua identidade, apresenta inesperadamente, revelações de força, entusiasmo e criatividade projetados ao presente e ao futuro, ao contrário do que pensávamos. 62

O contexto da experiência desses atletas hoje idosos foi vivido na juventude intensamente, de tal forma que determinou em suas vidas, a conservação viva em suas memórias, tornando-lhes possível valorizar esse contexto, até mais do que o presente.

“O meu professor era um entusiasta, adorava fazer elogios, não cansava de incentivar. Aliás, eu sempre fui assim também, quanto professor. Acho que aquele modelo de professor que tive nunca me saiu da cabeça e sempre persegui a idéia de que o professor de Educação Física é responsável pela a participação efetiva das crianças no esporte”.

(ROSA BRANCA)

Outro aspecto observado e indagado na inicial é a relação intergeracional, a qual não ocorre quanto ao esporte.

“Eu gostaria de transmitir as experiências aos jovens, fazer palestras. Eu tenho um projeto desses aqui na Federação. Ir para a periferia das cidades, nas escolas, fazer palestras, ensinar Basquetebol, enfim cidadania. Gostaria de transmitir tudo isso para essas gerações novas.”

(ESDON BISPO)

Suas falas revelam tamanha sensatez perante a ausência de tal relacionamento, porém atribuem culpas à ausência de Políticas Públicas relacionadas ao Esporte. Sobre isso, a grande maioria dos atletas olímpicos entrevistados, apresentou idéias, comentários e críticas.

Certamente, sentem-se excluídos de um cenário, o qual nunca deveriam ser destituídos, principalmente por permanecerem atuantes no esporte profissionalmente. 63

Embasar-se nas lembranças desse tempo vivido significou assegurar-se de um tesouro precioso, repleto de experiências e episódios marcantes, alegres ou tristes, mas que representam o suporte e o próprio sentido da vida, porém não assimilado atualmente, pelo esporte e para o esporte.

No âmbito das relações sociais, os sujeitos expressam, unanimemente, a própria prática desportiva e até mesmo os resultados obtidos, como meios facilitadores de relações interpessoais.

A imagem de velhice desenhada por eles, apresenta traços entusiastas e com perfil de virilidade. Em todo momento é relatado pelos entrevistados, o desejo de continuarem no cenário esportivo, através de atuações e intervenções em palestras, cursos, seminários, etc., podendo assim contribuir de maneira ativa e decisiva nas definições das Políticas Públicas Esportivas, com toda experiência de vida legitimamente conquistadas e atestadas por suas medalhas olímpicas.

“Esse pessoal não tem amor à pátria, não valoriza um desfile de 7 de setembro, nem sabem o que é. Não sabem cantar o Hino Nacional, não é mais ensinado como deveria. Só conhecem o Hino na Copa do Mundo e olhe lá. Perdem um pouco o interesse pelo esporte, imaginem quantos talentos deixamos de descobri? Existem Projetos, mas são Projetos Políticos, quando o político sai, acaba o Projeto e os que entram mudam a nomenclatura e ainda chegam para a gente e dizem que não vão mais precisar de nós. Não servimos mais”. (ESDON BISPO)

Quando são focalizadas às suas maiores vitórias, surgem relatos diversificados em relação ao foco da questão. Uns atribuem a situações relacionadas ao aspecto da melhora da saúde, outros resgatam cenas de vitórias obtidas em campo, onde em uma árdua e importante batalha abraçam a conquista de seus méritos.

No entanto, todas as lembranças mencionadas nas entrevistas, não deixaram de sobrepor às emoções inigualáveis da subida ao pódio, onde merecidamente receberam seus “louros”. 64

A representação simbólica aqui aferida perpetua-se em suas falas de afeto à cidadania, do amor à pátria, enfim, ao aconchego do “lar” coletivo.

“Eu poderia também dizer aqui, que vestir a “amarelinha”, ser convocado para a seleção brasileira foi a primeira grande emoção que senti na vida. A emoção de ouvir o hino e ver nossa Bandeira, lembrar de casa, da família deixa a gente mexido”.

(ROSA BRANCA)

Finalmente, o que pretendemos mostrar é a importância das diferentes experiências sociais e afetivas atuam nesses atletas idosos, onde a memória permite conservá-la e evocá-la, tanto no sentido de reproduzi-la, quanto recriá-la.

Esperamos que medidas que contribuam para uma permanência da memória esportiva e identidade cultural, sejam valorizadas e operacionalizadas em um breve espaço de tempo.

Sobre o idealismo e a superação, podemos afirmar que se interpõem entre os sonhos alcançados e os vôos ainda pretendidos.

“É alguma coisa que mexe dentro da gente, uma mola “mestre” que move determinado elemento em diferentes funções”.

(ALBERTO MASSON)

Ao contrário do que indagamos na inicial seus corpos ainda permanecem esguios e fortes, retratando formatos de “Apolos” gregos. Sua saúde, de um modo geral, desfruta de uma boa relação com a prática esportiva. Os problemas de saúde, apresentados por dois dos entrevistados, referem-se a problemas de genética familiar.

Essas colocações contribuem para expressar nossas percepções sobre o envelhecimento de atletas olímpicos, quanto a um fato concreto no âmbito do 65

esporte. Devem servir para estimular maiores conhecimentos, investigações e, evidentemente a divulgação desses estudos.

“Até Cuba trata os atletas que atingem certo status de forma diferenciada. Os atletas são todos aproveitados, são mandados para diversas cidades e locais onde formam núcleos esportivos. Tornam-se “espelhos” para as novas gerações. Nós, não poderíamos desenvolver esse serviço? Poderíamos, é claro! Só depende da visão e da boa vontade do governo. Tem que ter todo um movimento nas escolas. Eu sempre fico a disposição das instituições para divulgar o esporte nas escolas. Tem que ser nas escolas. Mas tem que ter envolvimento, verba para ela fazer os projetos, as competições, as premiações, eu e muita gente, iríamos até de graça”.

(EDSON BISPO)

Suas memórias devem ser projetadas ainda para um futuro através de suas contribuições espontâneas, pois têm muito ainda a relatar e desvendar. Basta que se valorizem as suas histórias e sua experiência.

O que aqui pretendemos mostrar foi a importância e o enriquecimento que as diferentes experiências sociais, emocionais e profissionais puderam causar na vida desses atletas idosos, onde a memória permite conservá-la e evocá-la, tanto no sentido de reproduzi-la, quanto de recriá-la.

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APÊNDICE A – Roteiro para Entrevistas

1) Como iniciou a pratica dessa modalidade desportiva?

2) Quais são as suas memórias no Esporte?

3) Qual foi a sua maior vitória?

4) Qual foi a sua maior derrota?

5) Existe relacionamento formal entre o programa olímpico e algum processo de envelhecimento?

6) A busca pelo pódio olímpico interferiu na sua saúde física, mental ou emocional?

7) O que é idealismo e superação?

8) E a sua medalha, onde está?

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APÊNDICE B – Termo de consentimento

Prezado Sr.______Solicito seu consentimento para relatar sua trajetória olímpica na pesquisa: IDOSOS DE HOJE, ATLETAS OLÍMPICOS DO PASSADO, que está sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifica Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

São Paulo, de de 2005.

______Assinatura do entrevistado

______Maria Rita Cardoso Gomes Assinatura da Pesquisadora 73

ENTREVISTA ALBERTO MARSON

Entrevista realizada 02/11/2205 Em sua residência - Rua Hermínio Neves da Silva nº. 221 Jardim Aquárius – São José dos Campos. Sr. Alberto Marson,

OBS: Quando perguntado sua idade, sorriu e respondeu que passou dos 30 anos, 80 anos.

MR: Como o senhor começou a jogar? AM: Eu sou lá de Casa Branca, naquela ocasião a gente só nadava e coisa e tal, e até eu me recordo à infância, meu professor de Educação Física, me falou: ...”você é muito grande porque não vai treinar basquete”... Aí eu fui, comecei aos 13 anos uma coisa assim, continuei nos treinos, comecei a gostar e não parei nunca mais com o Basquete. Quando me formei no científico lá em Casa Branca, quis fazer faculdade de Educação Física, tive que vir para São Paulo onde fui trabalhar como propagandista de laboratório, para poder sobreviver, né? Sabe, eu não tinha condições de fazer o curso, fiz um esforço e aí, prestei o concurso de ingresso ao magistério em 1948, fui aprovado e de lá pra para cá fui até a aposentadoria, deixei de lecionar na Escola Estadual João Cursino, para ir pra a Secretaria de Esporte e Turismo em São José dos Campos, fui até me aposentar, não me recordo o ano, faz tempo.

MR: Qual foi sua maior Vitória? AM: Maior vitória, você diz na Olimpíada ou na vida em geral?

MR: Fique à vontade, fale do que quiser. AM: AH, eu acho que a melhor coisa que tive foi o seguinte, é que como professor fui muito respeitado pelos alunos, nunca tive um problema com no magistério, consegui formar vários alunos dentro do Basquete, que chegaram à seleção brasileira, posso citar alguns deles, por exemplo, o Professor Bombarda, em 1948 74

lá em Marilia, comecei desenvolver um trabalho, mas fiquei pouco tempo, fui para Presidente Prudente onde também consegui desenvolver, saiu um atleta para a seleção Paulista não sei se chegou a jogar na seleção Brasileira não me recordo. Paulo era seu nome. Depois vim pra São José. Aqui então nós formamos muitos garotos e inclusive nos treinava lá no Tênis Clube que era considerado um clube de elite. Portanto, não permitia muito a entrada no clube de não sócios, só entrava os sócios. Como não tinha na ocasião, mais nenhum técnico, porque o antigo técnico, Professor Edézio, também teve uma rusga lá e abandonou o negócio, e ainda, como não ganhava nada, eles tinham que me aceitar do jeito que eu era. Com isso levei para lá, vários meninos que estudava no João Cursino, cujos pais não tinham menor condição de ser sócio do clube. Estão quase todos na seleção Brasileira. Eu posso citar o primeiro deles: Vile Pechher, hoje arquiteto, Valdir Boccardo, filho de um motorista de praça, depois teve Edvar Simões, que foi considerado um dos melhores jogadores do mundo, no mundial de Basquete, Pedro Ives, Emílio e tivemos vários elementos. Eu fico até meio triste de ver hoje, a cidade de São José dos Campos que, com essa imensidão de colégios, e coisa que tem, não tem uma equipe de Basquete. O Basquete foi uma pedra fundamental aqui, a tal ponto que em 1967, nos sediávamos os Jogos Abertos do Interior e, nessa ocasião, até tínhamos certeza que a única modalidade que poderia apresentar algum resultado era o Vôlei feminino, porque tinha uma equipe muito boa, treinada pelo professor Bombarda. Ai nós fomos até o prefeito Elmano Ferreira Veloso, conversando com ele e falamos até que nos iríamos sediar os jogos pra fazer festa para os demais, pois o nosso prefeito foi também doente do pulmão e veio aqui para se tratar. Ele lembrou que graças ao Basquetebol, nos desfizemos uma imagem que tinha na cidade, quando ia uma equipe jogar fora: “sai tuberculoso”, então, e ele falou que iria apoiar a formação de uma equipe ou de um sistema, que nos queríamos apresentar. Nós não queríamos apresentar uma equipe só. Nos criamos o DEMEF - Departamento de Educação física e Esporte da municipalidade, e com isso então, ele nos apoiou e o, DEMEF foi um órgão muito bom que trouxe grandes resultados pra São José. Justamente numa ocasião em que não se pagava jogadores, eram todos amadores, então creio que isso foi pra mim, talvez uma das grandes coisas que nós fizemos.

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MR: Como foi para o Sr. deixar o cenário esportivo?

AM: Para mim, deixar as quadras foi triste, mas só eu sabia que estava deixando... Tinha que trabalhar, dar aulas e ficava feliz com isso. O intuito era dar aulas e repetir o papel, ser técnico de grandes jogadores como fomos. Quando voltei dos Jogos Olímpicos, tive a sensação que nunca mais voltaria por lá.

MR: Qual foi a sua maior derrota? AM: Se nos voltarmos a Olimpíada foi contra a França. O Brasil disputava contra a França a possibilidade de ser Vice-campeão ou de enfrentar os Estados Unidos, normalmente seria mesmo Vice-campeão porque os Estados Unidos tinham na ocasião, uma equipe muito boa em relação aos demais paises, a diferença era muito grande e acabamos sendo derrotados pela França, que era um País que não tinha um basquete tão elevado na Europa. Com isso então foi o nosso... (silêncio) não mencionou a palavra... (derrota).

MR: A busca pelo pódio Olímpico interferiu na sua vida? AM: Quando nos saímos daqui, quando nós saímos para ir para as Olimpíadas ano de 1948, nos saímos meio desacreditados. Não tínhamos o conhecimento de como eram as equipe lá pela Europa, só conhecimento das equipes da América do Sul. Também não tínhamos verba pra ir, conseguimos então, que a equipe fosse formada de um técnico e 10 jogadores, não tínhamos o mínimo de 12 atletas que era indicado. Com isso já saímos em desvantagem. Aconteceu que nós fomos e ficamos numa antiga base das forças áreas da Inglaterra, não tinha nem uma quadra de Basquete, era um gramado que existia por lá, onde a gente treinava fisicamente. Não tinha a cesta. Estávamos a 80 km de onde se jogava ou treinava com isso como o gramado não era nada especial. Um dos nossos titulares Everley, torceu o tornozelo e foi impedido de participar. Então agora éramos em com 9 jogadores. Era muito comum ter 5 titulares, eles é que jogavam os reservas, só entravam em ultimo caso, se alguém se machucasse. Aí era substituído, jogava os 40 minutos aquele jogador. Os outros assistiam no banco, nada mais do que isso. Só mais tarde é que tivemos uma modificação. Desse local, a gente ia assistir o treino das outras equipes. Era tudo programado, não tinha onde treinar, só treinava no ginásio durante 76

uma hora. Ao assistir o treino da equipe Americana, nós já perdemos só de olhar. Não só nós, como também os demais atletas. Enquanto nós treinávamos, apenas com uma bolinha, os americanos entravam cada um com uma bola para o aquecimento e isso era humilhante. Ai que nos vinha a certeza que estávamos em outro mundo. Perdíamos...

MR: E a sua saúde, como está? AM: O que interferiu na saúde, foi a pratica do Basquete e natação durante todo esse período eu comecei aos 13 anos e fui jogando até 35 anos de idades. Joguei em clubes, na seleção e tive oportunidades de participar de todos os campeonatos, primeiro mundial, onde tive a infelicidade de machucar o pé e acabei não participando. Só ia assistir. Mas o Campeonato Sul Americano eu não fui, mas fui para uma Olimpíada. Nunca tive problemas de saúde.

MR: Como foi para o Sr. subir ao pódio? AM: Não tem como explicar a alegria de conseguirmos, com o resultado de 3.º colocado perdemos para a França com maior número de vitória do que de derrota e nós acabamos em 3.º colocados e a França acabou em 2.º lugar. Só sabe com é quem já participou disso.

MR: O que é Idealismo e Superação? AM: É alguma coisa mexe com a gente, uma mola mestre que move determinado elemento em diferentes funções, meu ideal ser técnico eu não chamo de técnico, mas “treineiro” do Basquete, tive a felicidade de ser convidado pelo técnico Canela (Douglas Renan Canela), considerado talvez o maior técnico do basquete em determinada época me convidou como assistente para o Pan Americano em Chicago e depois por falta de verba o assistente ficou e o técnico foi, nem por isso morreu o ideal de mexer com o basquete.

Superação é a gente conseguir sem recurso nenhum chegar a um ponto que você almeja. Isso só mesmo quem passa por essas coisas sabe o que é a superação. Eu, no começo falei, fui propagandista de laboratório, vários laboratórios Franceses, eles 77

não consideravam tempo de casa e sim todo mês você fazia uma sabatina e você deveria apresentar seu produto ao médico e no caso era a diretor do laboratório de São Paulo ele argumentava sobre contra aquele produto ele não gostava daquele produto eles usavam os similares, e você tinha que mostrar que o seu produto era melhor e eu consegui, começando no subúrbio de São Paulo um ano depois estava no centro de são Paulo e com isso então o ordenado realmente subiu, mas quando entrei na USP Faculdade eu tinha que trabalhar meio período não poderia trabalhar o período todo, só que era considerado mais importante o trabalho desenvolvido nos laboratórios mais como a organização era Judaica de um conto e duzentos foi para 500 reais foi uma queda brusca, eu precisei arrumar um serviço a mais não dava para pagar pensão, três vezes por semana eu ia para Santos chegava em casa as duas da manhã para levantar as seis, e começar o dia corrido novamente, mas assim mesmo sentia muito bem. Para mim a faculdade era tudo, fiz um curso considerado relativamente bom entrei em segundo lugar e fiz todas as matérias em primeiro lugar, os três anos de faculdade, com problema seriíssimo, ter que estudar no corredor no bonde em todo lugar, não tinha horário, como a gente ia fazer, a única maneira foi essa, o problema maior foi quando me ofereceram a chefia de setor de Cuiabá ganhando três mil conto de réis (hoje três mil reais), é evidente que não quis,de jeito nenhum e depois que me formei o ordenado do professor era de oitocentos reais, mas assim mesmo o vencimento do professor de educação secundário era bom porque equiparava a do delegado de polícia, hoje está menos que.

MR: E a sua medalha, onde está? AM: As medalhas estão por aí fora, encaixotadas, minha filha veio morar conosco estamos ajeitando, você quer ver? Sabe o que acontece: eu vejo o pessoal, ficam arrumando um lugarzinho para colocar o troféu, as medalhas, eu nunca coloquei. Eu só mostrei uma ocasião em chegou o representante da Band, que fez uma tomada para a TV, não sei por que e quem falou, aí, eu fui obrigado a mostrar, mas no demais, eu nem converso sobre isso.

MR: E as suas memórias em relação ao esporte? 78

AM: O basquete brasileiro teve um período muito bom, de repente ele teve uma queda vertiginosa, por exemplo, mas não na minha época, nos tivemos uma seleção que conseguiu vencer os Estados Unidos lá nos Estados Unidos o Pan Americano. Eles venceram o Pan Americano e estavam no auge, mas talvez não se tenha observado a renovação de valores, tanto que teve uma queda vertiginosa, ai começou um trabalho de renovação graças a Deus. Atualmente estamos com elementos novos, inclusive participando do NBA, da Europa com isso o Brasil vai fazer um papel muito bom com o Basquete. O nosso problema em nossa cidade é que não pensam nessas coisas. Eu soube, nem fui assistir nenhum jogo de Basquete porque eu fico aborrecido com uma coisa. Uma cidade como São José dos Campos, tem uma equipe formada por elementos de fora. Para mim isso é um absurdo, não poderia acontecer se fosse uma equipe de alto nível. Está faltando um trabalho de renovação, pensar em se fazer um trabalho a longo prazo, o problema são os dirigentes e quem patrocina. Querem o imediatismo, não há possibilidade de se conseguir um atleta da casa.

MR: E a sua saúde, como está? AM: Normal para um elemento de 80 anos. Não posso me queixar. Tudo que vem depois dos 30 anos é lucro. Não tenho tido muito problema a única coisa que tenho é o nervo ciático inflamado, por uma bobagem de esforço que não deveria ter feito e sempre faço.

MR: O Sr. se sente velho? AM: Não de jeito nenhum. E quando me perguntam quantos anos tenho eu digo já fiz 30 anos, não tenho problema nenhum, se eu não tivesse problema com o ciático estava batendo uma bolinha.

MR: Sobre essas conquistas o Sr. gosta de comentar? AM: Não sou muito de estar falando em entrevistas. Ficar falando de vez em quando, até falo. Há 1 ou 2 anos atrás, cooperando com a Secretaria de Esporte do Município, passei a dar palestras, cursos de Basquete.

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ENTREVISTA EDSON BISPO

Entrevista realizada na Federação Paulista de Basquetebol em 05/10/2005.

MR : Como o Sr. iniciou no basquete? BISPO: Bom, eu sou carioca, né...? E o sonho de todo garota á jogar futebol, como sempre adorava aquelas peladas de rua, de arrancar os dedos, as unhas... De família meio pobre não conheci minha mãe, faleceu logo quando eu nasci. E fui criado um pouco em casa de familiares. Meu pai tinha uma série de coisas, e eu passei uma infância pobre e queria ser jogador de futebol. Mas era muito magro, não tinha muita saúde, tinha bronquite, o médico me mandava praticar esporte, era traquino, queria o futebol, mas como cresci muito naquela época, fui fazer um teste no Vasco (RJ) para jogar futebol. O técnico lá era o famoso Oto Glória e ele disse: você disse: você desse tamanho vai jogar basquete, futebol você não dá não. È muito grande, muito comprido. Fui tentar o teste para o basquete, eu era muito tímido, menino e quando cheguei lá, o time já estava montado, e entrou um cara novo (eu). Os jogadores começaram com uma série de apelidos: “poste da Light” / “Bananão”... E eu disse: - não vou ficar não. Não gostei. Fui fazer outro teste para Basquete no Fluminense. Eu morava perto do Fluminense e era ainda aquele período (1952), existia certo racismo dentro do Clube, jogador de “cor” tinha que entrar por outra porta. Eu fiz o teste, e logo após o teste o técnico falou de forma não tão clara, mas deu a entender que eu não poderia ficar, não dava para eu ficar, que tinha muito atleta já. Tudo bem... Fui fazer outro teste, agora no Flamengo, meu Clube de coração. Mas eu tinha bronquite na época, né...? Aí, nos exercícios que eu fiz durante o teste me deu uma crise. O técnico me mandou embora, disse que era melhor eu não fazer porque eu não ia dar pro esporte, “vai se curar primeiro”. Eu aí, desisti do esporte.

MR : Quantos anos você tinha? BISPO: Eu tinha 16 anos. Aí meu pai arranjou uma bolsa de estudos numa escola chamada MABE, no Rio–Moderna Associação Brasileira de Ensino. Até quando deu, 80

eu estudei em colégio pago. Quando não deu mais meu pai arranjou essa bolsa e eu fui fazer o científico. Nesta escola o esporte era muito desenvolvido. O professor de Educação Física era apaixonado pelo basquete, era técnico do América e tinha uma porção de atletas do basquete, vôlei, futebol de salão... , tinha teatro. O colégio era coisa assim muito boa, dava uma cobertura muito grande para a parte cultural. E comecei a jogar basquete de novo, iniciei muitos “rachas” nas aulas de Educação Física. Até que fui marcar outro teste no Vasco. No período de férias, fui ao Vasco com meu pai, e o técnico pediu para que eu ficasse lá nessas férias pelo período de um mês. Meu pai deixou e eu naquela empolgação me concentrei no Vasco, junto com os atletas de futebol. Fiquei um Mês inteirinho treinando e aí comecei a jogar.

MR : Se você já tinha alguma aptidão escondida, aí ela começou a aflorar, né...? BISPO: Tanto é que joguei só um semestre no juvenil e depois já fui para o adulto. O Vasco nessa categoria Juvenil estava em penúltimo colocado no Campeonato carioca e seis meses depois, terminamos o torneio como vice-campeões. Aí o técnico de basquete mandou todos os jogadores veteranos embora e subiu todos da categoria juvenil para o adulto. Aí comecei a despontar. Em um ano praticamente eu já estava convocado para a Seleção Brasileira de Basquete, foi quando eu fui para o Campeonato Mundial de 54. Aí virei “astro”, eu era o astro do Basquete do Rio, do Vasco. De lá eu vim embora para São Paulo para jogar no Corinthians um ano, depois joguei dez anos no Palmeiras, fui sempre jogador da Seleção Brasileira em Mundiais, participei de três Olimpíadas, ganhamos duas medalhas de bronze nas Olimpíadas de 60 em Roma e 64 em Tóquio. Foi quando eu me machuquei. Não quis operar o joelho e fui ser o técnico da Seleção Brasileira Adulta Masculino. Eu tive uma ruptura de ligamento do joelho. Naquela época a medicina não era tão aperfeiçoada como agora, né? Eu via os atletas do futebol que operavam e não dava certo, e não quis fazer esse tratamento, eu achava muito arriscado essa cirurgia. Encerrei a carreira com 30 anos. Eu já tava “focado” na Educação Física, eu achava que ia ser técnico e professor de Educação Física mesmo, e achei que minha parte como atleta já estava bom. Ainda fui para o Clube Hebraica um ou dois anos, mas somente com final de carreira. MR : Quais Olimpíadas você participou? 81

BISPO: Participei em 1956 em Melbourne na Austrália fomos o 6º colocado, em 1960 em Roma, medalha de Bronze terceiro colocado, e, em 1964 em Tóquio – 3º colocado novamente. Depois em 1976 eu era Técnico da Seleção Brasileira e não conseguimos nos classificar para as Olimpíadas de Montreal. Nós “ficamos” no Pré- Olímpico. Pela primeira vez. É uma das tristezas que eu guardo assim na questão do esporte... (olhos cheios de lágrimas)... Porque nós tínhamos um time em condições de ir e o time que pegou nossa vaga, o time do México, não era superior a nós, e isso magoou muito, pois eu era o técnico deste Pré-Olímpico no Canadá. Se não fosse isso, poderia ter feito minha quarta Olimpíada, agora como técnico.

MR: Em relação as suas memórias, qual a sua maior vitória no Basquetebol? BISPO: A maior vitória que devo ao Esporte, em primeiro lugar é a Saúde, pois eu tive uma infância muito complicada em termos de saúde, eu tinha bronquite, minha mãe havia morrido de tuberculose, então talvez eu já tivesse herdado alguns gens, ou alguma coisa, pois eu era muito fraco na infância. Minha bronquite se curou pelo esporte e por aquelas simpatias antigas, aquelas “garrafadas” que se tomava, minha avó fazia. E eu só conseguia fazer esporte.. A primeira vitória que eu tive na vida foi a Saúde! Eu pensei que não ia conseguir porque era muito fraco, muito fraco mesmo. Aí, logicamente que algum potencial interno aflorou mais tarde quando fui estudar. Eu arrumei bolsa de Estudos pelo Basquete, eu fiz CPOR (Polícia Militar), me formei oficial também, através do Basquete. As vantagens que eu tinha no quartel foi tudo através do Esporte, tudo na minha vida foi através do Esporte. Eu conheço grande parte do mundo, viajei bastante como atleta, como técnico e como professor. Então a grande vitória minha, foi o esporte ter me proporcionado saúde e, logicamente, que até hoje você tem grandes amizades que se conquistou desde aquela época. Eu sempre fui um cara que nunca fui briguento, nunca fazia arrelias, somente às discussões normais de jogo. Eu sempre fui muito bem “quito”, tanto como atleta, técnico, professor. Eu me sinto satisfeito porque consegui fazer um círculo em volta de mim de ótimas relações. Até aqui, na Federação, eu sou Diretor do Setor Educacional Desportivo. Bom, agora tem as vitórias de quadra mesmo! Ah! Essas medalhas olímpicas... Só a pessoa participando e recebendo mesmo, para saber o que significa. Primeiro de tudo, participara de uma Olimpíada. Aquele 82

ambiente esportivo, e aí, você diz assim: Pô, eu tô entre os maiores atletas do mundo. Dentro do meu país, tudo bem. Mas, conseguir congregar todo esse pessoal junto e você ta ali no meio e você ir ao podium duas vezes? A emoção do podium é uma coisa indescritível, quando você sobe ao podium você se emociona, uma emoção que não tem preço!!! Eu falo pro meu pessoal, se tiver uma oportunidade de assistir uma Olimpíada, vá assistir, pois a emoção de estar lá é indescritível. Eu que estive lá e fiz duas vezes podium, é uma emoção que você guarda pro resto da vida.

MR: E você costuma passar essas emoções para sua família? BISPO: Sim, até hoje não teve outra equipe que conseguiu isso no Brasil, e ainda a mídia, às vezes, lembra da gente. Às vezes, eles lembram que estamos vivos ainda e vem fazer alguma entrevista, pois não teve outra geração ainda. Ta na hora de surgir outras medalhas do Brasil nos mundiais. Essa geração nova que ta aí pode até ser. Pode até ser... Nós somos lembrados às vezes, mas entre nós, mantemos o ambiente. Temos uma Associação de Basquete de Veteranos que todo ano tem um encontro. Jogamos, conversamos, matamos a saudade. Às vezes chegamos e dizemos: “Eu sou o fulano:”... Nossa, é você? Encontramos amigos de velhos tempos, masculino e feminino. Isso é importante para manter a “chama da vida”, porque você fez a vida toda esporte e assim que temos para nos manterem vivos e felizes. Depois me dediquei a dar aulas, fui professor universitário, treinador. Treinei gente nova, velha, adulta, criança, feminino e masculino. Sempre procurando me dedicar a essa área, assim, de vez em quando a gente faz palestras, algumas coisas assim.

MR : E qual a sua maior derrota? BISPO: Ah! Derrotas têm de “campo”... Uma delas, uma das maiores frustrações minhas foi justamente a de Montreal, eu era o técnico e ficou marcado. Hoje, há 2 Olimpíadas o Brasil não leva o Basquete masculino, mas a minha equipe tinha condições de ir, mas machucaram dois atletas de “peso” para a equipe e então ficamos de fora da Olimpíada. Ficou marcado, pois era o maior sonho, pois já tinha ido a 3 Olimpíadas e iria nessa quarta Olimpíada, como técnico. O ápice de um técnico no esporte é esse. Primeiro ser técnico de uma Seleção Nacional, depois 83

levar a equipe para uma Olimpíada, e por último, subir ao podium. Então, isso pra mim, dentro do esporte ficou muito marcado. Nem na época que eu machuquei e parei de jogar sofri tanto. Deixou frustrado nas minhas memórias esportivas, ficou essa marca. Por muito tempo ficou marcado também na mídia como o Edson Bispo foi o técnico que não levou o Basquete do Brasil para a Olimpíada. Hoje já amenizou porque já tem 2 Olimpíadas que não vão, né...? Não fomos a Sidney e nem a Atenas. São coisas que acontecem, mas as alegrias foram muito superiores.

MR: Existe algum outro cenário na sua vida que permite as sensações experimentadas no esporte? BISPO: Outra atividade?

MR : Sim, alguma coisa que se compare a essas emoções vividas no esporte? BISPO: É difícil, quer dizer, eu gostaria de transmitir as experiências aos jovens, fazer palestras. Eu tenho um projeto desses aqui na Federação. Ir para a periferia das cidades, nas escolas, fazer palestras, ensinar Basquetebol, enfim cidadania. Gostaria de transmitir tudo isso para essas gerações novas. Não gostaria de falar para esse pessoal que joga no clube, sei lá onde, mas sim o pessoal da periferia. Eu trabalhei por 4 anos no Projeto do Estado “Basquete na Escola. O que hoje se chama Escola da Família. É uma pena ter acabado, falávamos de Basquete, palestras sobre Educação, civismo, que é uma coisa que desapareceu da escola. Eu adoraria transmitir para a periferia, para as favelas tudo isso, porque sei que eles têm pouca oportunidade de ouvir. Existe muito planejamento, ONGs e alguns trabalhos de atletas atuais com crianças, Fundações ... O Airton Sena fez, Zico no Rio de Janeiro, Raí, etc. Eles ajudam e atingem um público reduzido. Eu gostaria de englobar mais crianças, despertar o civismo nas escolas. Só o Esporte pode dar jeito nesse pessoal. Volto a repetir (ênfase) Só o esporte!!! . Temos muito pouco exemplos, talvez o da favela de Heliópolis. Esse pessoal não tem amor à pátria, não valoriza um desfile de 7 de setembro, nem sabem o que é. Não sabem cantar o Hino Nacional, não é mais ensinado como deveria. Só conhecem o Hino na Copa do Mundo e olhe lá. Perdem um pouco o interesse pelo esporte, imaginem quantos talentos deixamos de descobri? Existem Projetos, mas são Projetos Políticos, 84

quando o político sai, acaba o Projeto e os que entram mudam a nomenclatura e ainda chegam para a gente e dizem que não vão mais precisar de nós. Não servimos mais. Eu fazia um trabalho nas escolas da Zona Leste. Eram trinta escolas jogando basquete, fazíamos Torneios, mostrávamos um podium, colocávamos o Hino Nacional nas premiações. O governador Mário Covas sim, esse sim, gostava de Esportes, iniciou o Projeto “Parceiros do Futuro”, era muito bom. Aí entrou o secretário Chalita e mandou todo mundo embora e colocou o Projeto “Escola da Família”, mas não são professores de Educação Física, e englobam 6 mil escolas com universitários de outras áreas. Tem pouquíssimos estagiários de Educação Física. Têm que fazer o trabalho, aos sábados e domingos, das 9h às 17h, mas tem “cara” das Letras dando esporte, alunos de Direito, jogando com as crianças. Ta tudo errado! É pena que meu tempo já está acabando e vai diminuindo... Sou aposentado da Prefeitura, e, ainda assim, gostaria de atuar nessas atividades, porque sei que só o esporte pode salvar muita gente. Você tem que motivar essa gente. Tem que fazer competição! Eles se envolvem com isso, mas precisa dinheiro e aí fica difícil. Enfim, assim caminha a humanidade...

MR: A busca pelo podium interferiu na sua vida de alguma forma? BISPO: Sim. Você pratica esporte e você tem a meta de chegar ao pódio. A mídia enfoca muito o esporte, mas mais o futebol. Nós tínhamos que lutar contra os “cortes” que havia em cada convocação. Nossa motivação vinha através da imaginação de subir ao podium. O prestígio também interferiu em nossas vidas. É gostoso dar autógrafos, ser bem vindo nos locais, ser reconhecido. Quem não gosta? Em 1960, nós trouxemos somente 2 medalhas para o Brasil. Uma do Basquete (bronze) e outra, da Natação (100m livre) com o Manoel dos Santos. Em 1964, em Tóquio, só a nossa delegação trouxe medalha. Veja como é difícil. Então você se sentia mais valorizado. Isso nos dá uma motivação muito grande. Hoje a preparação de todas as outras modalidades é absurda, perto da nossa. Iatismo traz sempre medalha, mas é outra realidade, eles têm berço, não é a realidade do Brasil.

MR : O que é idealismo e superação para você? 85

BISPO: É você ter amor por aquilo que você gosta de fazer. Você cria seus ideais... Infelizmente, no nosso país, muitos companheiros abandonam seus ideais, porque as portas são muito fechadas. Você tem que ter idealismo, mas tem que sobreviver depois que forma uma família, você tem filhos, netos, tem que deixar o idealismo de lado para sobreviver. Mas o sonho nunca acaba. Eu vou ter sempre um ideal sempre tive, minha parte técnica como atleta, minha parte de técnico de Basquete, de dirigente, sempre foi muito criativo. Pode chegar a idade que chegar, vou ser sempre. Quero me superar. Esse amor que você tem por aquilo que você gosta, vai te acompanhar como ideal até o fim da sua vida. Isso é superação. Já realizei muitos sonhos e ideais, mas eu queria mais. Se tivéssemos mais apoio dos patrocinadores (o que é difícil conseguir), valia muito mais. As portas às vezes se fecham, mesmo com o prestígio que a gente conseguiu. Os órgãos governamentais fazem e desfazem na hora em que eles querem e a gente fica vulnerável. Mas não pode acabar aquele amor que a gente sente pelos ideais. A superação é enfrentar momentos difíceis, a gente enfrenta várias situações durante a vida e tem que superar. Eu não tive muito apoio familiar... Alguém cuidou de mim... Não sei quem, mas alguém me ajudou a superar os momentos difíceis que passei na vida. O círculo familiar e a vida familiar é a coisa mais importante para você superar os momentos difíceis na vida. Os pais têm que dar atenção ao filho até ele caminhar sozinho. Eu não tive isso, então minha superação foi feita com meu esforço próprio, e, talvez de Deus. Fui superando as barreiras dia-a-dia e um dia sempre mais e melhor em todos os sentidos da vida. Por que existe suicida? Porque o cara não consegue se superar... Ele não encontrou aquele apoio para superar sua situação atual como nós encontramos. Tem que ter uma força interior ou alguém que te ajude. Uns procuram ajuda, outros não. Eu tive um problema com minha filha mais velha com drogas. Foi muito difícil ela superar isso, apesar de todo nosso apoio. Hoje ela está curada.

MR : Como foi para você abandonar o cenário esportivo? Ou não abandonou? BISPO: É exatamente. Hoje em dia é muito difícil o pessoal que atingiu um status no cenário esportivo, abandonar o esporte. Isso só acontece quando o camarada não tem apoio financeiro. Na nossa época foi assim. Nós tínhamos que subsidiar tudo. Então quando você termina o sei ciclo famoso, você não sente muito. Quando eu 86

saí, fui ser professor e técnico de várias categorias e não senti. Agora o pessoal que teve um padrão de vida alto, fama, “mulherada” e acaba aquilo, a grande maioria acaba mal. Na nossa época, todos se viravam. Hoje são médicos, advogados, professores. Todos estudavam. Hoje em dia, de 10 anos para cá não, cria-se o sentido profissional do esporte e ninguém estuda mais, só vai vivendo do esporte. De repente acaba o corpo físico e acaba tudo, porque não construiu nada na vida. Eu só fiquei chateado quando minha carreira de atleta acabou por lesão, mas não senti muito porque continuei na área como professor e técnico da Seleção Brasileira. A parte financeira não afetou nada porque eu já trabalhava mesmo, sempre dei aulas... Dei aula em uma Faculdade por 14 anos e meus alunos só souberam da minha vida esportiva nos últimos anos, porque um aluno leu uma reportagem minha. Eu, lá, era professor e separava as coisas. Não falava do meu passado atlético. Aí tive que dar uma palestra aos alunos falando de tudo nas Olimpíadas.

MR : Tem alguma coisa neste contexto que te faz falta? BISPO: Exatamente! Gostaria que o Brasil aproveitasse mais essas pessoas que colocaram o esporte lá no alto. Nós somos muito mal reconhecidos. Nós poderíamos transmitir muita coisa boa. Não é fama ou dinheiro, são conceitos e história de vida que poderíamos passar. De vez em quando alguma instituição faz alguma homenagem pra gente. Mas não é isso que to falando. É aproveitar mesmo a nossa experiência. Temos muito para contar e muito para mostrar do nosso idealismo, da nossa superação que pode incentivar e ajudar algum jovem por esse Brasil afora. O Governo não enxerga isso. Agora ta fazendo um programa com alguns atletas atuais que saem para dar palestras, mas ficam só 2 dias numa cidade e vão embora, não criam vínculo. Esse pessoal não tem nem o que comer?! Como vão jogar e praticar o esporte? Dentro de cada modalidade, poderiam pegar alguns atletas e nos colocar para dar palestras em até um período do ano incentivando esses jovens a praticar esportes. É claro, deveríamos ser remunerados por isso, mas pra gente nunca mais vai ter dinheiro, o governo não enxerga que podemos trazer outro tipo de “ouro”, outros valores para o esporte do Brasil. É só ir incentivar, participar, ganhar essa garotada por aí! Nós apresentamos vários projetos, eles dizem que vão estudar, mas sempre a mesma desculpa, não tem verba. Aí cada um acaba indo 87

para outras funções. Esse projeto tem que ser empregado aos jovens das escolas estaduais. Tudo tem que partir das escolas, do Ensino Fundamental, Ensino Médio e, principalmente, das Universidades. Tem que haver uma Política de Esportes. Porque tem muita gente que iria contribuir com essa Política. Muitos até fariam de graça, eu não faria mais, já fiz muito para o Governo de graça! Tem muitos idealistas e amigos que fariam essa atividade de graça. Nós vemos esses países de 1º mundo, o quanto valoriza os esportistas do presente e do passado. Até Cuba trata os atletas que atingem certo status de forma diferenciada. Os atletas são todos aproveitados, são mandados para diversas cidades e locais onde formam núcleos esportivos. Tornam-se “espelhos” para as novas gerações. Nós não poderíamos desenvolver esse serviço? Poderíamos, é claro! Só depende da visão e da boa vontade do governo. Tem que ter todo um movimento nas escolas. No Rio de Janeiro acontece um programa semelhante na Escola da Beija-Flor e as outras escolas para não ficar para trás desenvolvem programas semelhantes através da escola de Esportes. A Mangueira é muito grande, tem um Departamento Esportivo impressionante. Tem empresas multinacionais que também desenvolvem programas esportivos, como a Xérox, por exemplo. Voltando à Mangueira, temos uma atleta na Seleção Brasileira de Basquete que saiu de lá, a Kelly!

MR : E a sua medalha olímpica, onde está? BISPO: Está em casa, guardada, estou em reforma em casa e não tenho um local, no momento, para deixar exposta. Às vezes, quando vamos dar palestras, levamos as medalhas olímpicas. Muitas vezes as maiorias das pessoas nunca viram uma medalha olímpica. Elas são lindas. Estão em um estojo muito lindo. Têm uma corrente muito especial, foi a 1ª medalha fabricada com uma corrente, cheia de folhas cravadas. As pessoas ficam abismadas de ver. São lindas mesmo! No nosso país é muito restrito o número de medalhistas, por isso é raro ver uma medalha exposta. Eu gosto muito de mostrar. Não para me gabar, mas parra a pessoa ver mesmo. Em época de Olimpíada a gente é convidado, por várias vezes para dar palestras. Aí a gente leva e mostra nas escolas, nas Universidades. Mas isso é só na época de Olimpíada (risos). Se eu estiver vivo, só darei palestras em 2008, é quando lembram da gente. Eu vou, e gosto de ir dar palestra. Vou até de 88

graça, pego as medalhas e vou. Gosto mesmo. Sempre dá uma emoção diferente. É gostoso falar e pegar nessas medalhas. Existem pessoas que trabalham na área esportiva que nem imaginam como é uma medalha olímpica e até mesmo uma Olimpíada. Há uma falta de conhecimento geral desse pessoal. Eles falam às vezes: onde é que andam essas “caras” que foram campeões do mundo no Basquete? Eles só sabem dos “caras” do futebol. Tirando o Oscar que foi um ídolo e já está com 45 anos, eles mal conhecem outras pessoas que foram da área. Nós não temos muitos ídolos, quando aparece é no futebol, porque não valorizam o Esporte Amador como deveria. Aliás, as vezes, vinculam a imagem de um atleta a símbolos sexuais. O voleibol cresceu muito em cima disso, meninos altos, bonitos, quase pelados no voleibol de praia, abriu espaço para a modalidade. Cresceu muito, muitos adeptos. Antigamente os garotos altos iam para o Basquete, agora vão para o voleibol, tem mais mídia. Só tem um jeito de desenterrar o Basquete, porque tem pessoas que acham que nós já não existimos mais. Eu sempre fico a disposição das instituições para divulgar o esporte nas escolas. Tem que ser nas escolas. Mas tem que ter verba para ela fazer os Projetos, fazer as competições, premiações.

MR: E a sua saúde, como está? BISPO: Está bem, tirando a bronquite que voltou um pouco, só que agora é asma. Mas controlo bem. A pressão também é controlada com medicação e alimentação. Tenho dor nas costas, nervo ciático, e tive que emagrecer. Hoje tenho 102 quilos com 1,97 m de altura. Controlo a dor nas costas com alongamento e exercícios que faço em casa mesmo. Faço calor também nas costas e me sinto bem. Tenho artrose no joelho e trato com gelo e alongamento.

MR: Você quer falar alguma coisa em especial? BISPO: Na verdade eu adoro falar dessas coisas. Espero que seu trabalho ajude a fazer as pessoas entenderem a importância do esporte para a nossa sociedade, só assim resgataremos alguns conceitos básicos de amor, respeito pelo próximo e cidadania; só através do Esporte.

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ENTREVISTA SR. JOSÉ EDVAR SIMÕES

Entrevista realizada dia 03/11/2005 Realizada em sua Residência - Rua Paraibuna n.º - São José dos Campos – SP José Edvar Simões 62 anos, participou da Olimpíada de 1964 em Tóquio, obtendo medalha de Bronze, em 1968 no México foi 4.º colocado, e em 1972 Munique, obteve a Medalha de Bronze.

MR: Como você iniciou no Basquetebol? ES: Na escola, no ginásio comecei a jogar basquete, professor de Educação Física ele é medalhista em Londres Sr. Alberto Marson, foi ele quem me incentivou a jogar Basquete.

MR: Qual foi a sua maior vitória? ES: É muito difícil à vida da gente é uma grande vitória do momento devido à dificuldade a diversidade é lógico que a medalha olímpica é uma conquista que há de máximo no esporte mundial, isso marca para o resto da vida obviamente, às vezes uma pequena vitória uma competição até sem muita expressão dado a circunstância que ela ocorreu ela é importante, mesmo sendo uma competição de menos importância você venceu, você venceu no momento, a grande vitória de quem prática esporte e conseguir seguir uma carreira muito anos competindo e por si só acho que isso é uma grande vitória.

MR: Qual foi sua maior derrota? ES: Eu não considero maior derrota, fui técnico da seleção brasileira. Nós iniciamos um trabalho num momento difícil do basquete onde os jogadores eram muito explosivos e violentos, foi num momento difícil eu tinha esperança que dali seguisse um novo ciclo do basquete foi em 82. Não foi como eu esperava e o Brasil não foi bem tirou o 8º no mundial. A derrota foi eu não poder continuar na seleção embora na época eu fosse o técnico que mais ganhou campeonatos sul americanos, posteriormente eu como técnico ganhei 4 campeonatos brasileiros em seguida fui bicampeão sul americano e não consegui mais voltar à seleção, antão foi colocado 90

um técnico com menor expressão, ficou um período, período esse que eu poderia ter uma posição melhor na minha carreira, foi político, o objetivo era quando o basquete estivesse bem no fundo do poço, aqueles que colocaram no fundo não estariam entre nós, infelizmente isso aconteceu... Espero que aqueles que colocaram o basquete no fundo poço estejam no céu.

MR: A busca pelo pódio interferiu na sua saúde física, mental ou emocional? ES: Na realidade o que eu vou falar tem mais valor hoje que na época, perante a sociedade tem mais valor hoje, eu vivi numa geração que sofreu grandes transformações não tecnológicas como hoje, mas políticas, nos anos 60 e 70 a mudança como os Beatles, você vivia pressionado por aquela educação controladora e a mudança de novos rumos do mundo da juventude, você vivia esses dois lados, mas o que vou falar aqui esse período anos 50 e 60 quem praticava esporte era vagabundo, a imagem que se tinha de quem praticava esporte era de um vagabundo, então você tinha que obrigatoriamente estudar pra comprovar para a sociedade que você praticava esporte, cometia esse crime, mas você não era vagabundo, você estudava era estudante, e nas horas vagas cometia esse crime de ser atletas, não ia para os bares de shorts, beber cerveja ou quaisquer outras bebidas, você praticava esporte cometia esse pecado você praticava esporte, então a minha geração não só de esporte conviveu com isso o sujeito que praticava esporte era vagabundo, não queria nada com nada é diferente de hoje que o esporte é mais valorizado, então pra mim como eu continuei dentro do esporte eu não senti muito isso, mas acredito que aqueles que praticaram comigo esporte de alto nível e se afastaram por atividades profissionais devam sentir muito isso hoje, você não era bem visto não aos olhos da sociedade, eu presenciei na época pais pedindo dispensa da educação física para seus filhos, eles diziam que... Fazia mal aquele negocio de ficar suando, ficar correndo... O esporte em si põe você na escola, paralelamente, começa a exercer uma atividade profissional então isso vai criando hábito sadio, você passa a ter vida diferente, proporciona ter uma qualidade de vida melhor.

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MR: O que é Idealismo Superação? ES: Eu diria que é sonhando e tentando criar alguma coisa, eu me afastei um pouco do basquete desenvolvi uma outra atividade, depois retornei, eu tinha uma visão de conquista e de idealização de jogos, depois a vida vai ensinando. Eu hoje não só na vida esportiva como no dia eu só penso em realizar alguma coisa, eu não me vejo assim a não ser por problemas de saúde que independe da vontade da gente. O idealismo é criar não importa o que quer que seja profissionalmente eu ainda busco algumas coisas, tenho 62 anos e me sinto bem, me aposentei por problema de linfoma levo uma vida normal, esse problema de saúde não tem nada a ver com o esporte. Já a Superação é perseverança, você acreditar numa conquista por mais difícil que ela seja é sobrepor toda diversidade você criar aquela força e não desistir, é pena que eu não estivesse aqui foi em 82 a nossa equipe foi desclassificada, na semifinal do mundial na época o basquete tinha um peso bem maior que hoje. Foi um baque muito grande, para mim foi um castelo que ruí, eu era muito jovem tinha apenas 39 anos, sonhava em trabalhar na Europa, aquilo foi um castelo que ruiu, um dia uma pessoa uma torcedora me deu uma poesia e nela dizia: “Embora todas as dificuldades que tivesse tudo de ruim a gente tem que sorrir e começar de novo, sempre começar de novo”... Eu tenho capacidade de absorver os momentos difíceis às derrotas ou coisa parecida, mas eu não absorvo deprimido arrasado não, eu absorvo olhando que vou dar o bote, a minha vida eu treinei em cima disso.

MR: E a sua medalha, onde está? ES: Eu guardo os momentos, a medalha em si, as medalhas estão no meu escritório, boa parte está em uma caixa, a da olimpíada esta na exposição no meu escritório, eu guardo o momento, aquilo foi importante para mim para minha vida, mas hoje é insignificante. Hoje o sujeito mostra a medalha olímpica com satisfação, mas no fundo não é medalha olímpica, são os contratos, os retornos financeiros. A nossa vida, a vida de uma geração desportiva é diferente de hoje, cada um tem seu tempo, sua época e cada um têm que aproveitar o seu tempo, é um momento totalmente diferente você era perseguido na escola, se trabalhasse na empresa era perseguido dentro da empresa, porque ia para olimpíada tinha gente que perdia o emprego. 92

Naquela época existia um número menor de escolas, eu estudava na USP, para ir a olimpíada foi um desastre, a maior dificuldade qualquer risco perdia o ano, não tinha essa liberdade, depois gradativamente ao final do meu curso as coisas já estavam ficando mais brandas sobre esse aspecto. A dificuldade que o brasileiro tem de provar o tempo todo que é honesto, então a gente tinha que lutar para mostrar que o a gente fazíamos, era certo.

MR : Como está sua saúde? ES: Minha saúde, vida normal, com meus hábitos, costumes, eu sempre fui “tigrão´´, a saúde está bem, nunca tive problemas de saúde, vim fazer uma bateria de exame de sangue há dois ou três anos atrás, que apareceu esse problema, há 30 anos eu não sabia o que era colesterol, nunca tive nada e hoje continuo não sentindo, embora tenha cometido alguns abusos, quem é que foi jovem e não cometeu algum abuso? Não tem graça, o fato de você ser um jovem e o fato de viver um pouco. Eu tenho saúde boa, nada que me impeça de levantar e seguir.

MR: Fale o que sente sobre o Envelhecimento? ES: Eu não me sinto velho! Devemos estar sempre bem! O grande impacto que a pessoa sente é que depois de uma determinada idade, fica mais dentro de sua própria casa, dentro do seu próprio grupo social, começa a ficar encostado, fica de lado porque não está mais produzindo. Nós temos centenas, milhares de pessoas no mundo que tem 70 anos e segura uma platéia de cinco mil pessoas para ouvir o que ele vai falar ele está transmitindo experiência. Agora existem pessoas que se aposentam e não fazem mais nada, ficam improdutivos e acabam sendo deixados de lado, se estivesse ativo e participasse de uma entidade, uma ONG (Organização Não Governamental) ele estaria sendo respeitado. O grande problema é que as pessoas deixam de produzir e dizem: vou viver, vou aproveitar a vida e não fazem mais nada, ficam coçando a cabeça, dizendo que está ruim. A pessoa tendo uma ocupação toda deficiência física que aparecer de acordo com a idade ele vai administrando de uma forma ou de outra. O que acaba acontecendo é que à cada problema que aparece ele cada vez mais se isolando. A tendência da pessoa quando está ficando velha é não produzir, é isolar-se, mas se ela tem uma atividade 93

profissional, principalmente se for uma pessoa respeitada um profissional liberal importante, um político ele coloca-se alheio ao que está ocorrendo no mundo.

MR: Como foi a participação da sua Família? Ela deu apoio? ES: Meu pai trabalhou 57 anos em uma indústria em São José dos Campos, e com dificuldade tinha uma vida modesta, eu nunca tive impedimento pelo contrario apoiavam.

MR: Quais são as suas memórias? ES: Minha juventude foi uma geração que viveu tradição de hábito, eu acho que se eu não tivesse tido uma vida como a que tive, tivesse uma vida pior, se tivesse enfrentado dificuldades e muitos problemas, independente minha juventude pagava. Aqui na minha cidade, tenho minha turma, tenho amigos que encontro uma vez por semana, conserva a memória da época.

MR : Como foi para o Sr. abandonar o cenário esportivo? ES : Como já disse, nunca senti abandonar totalmente. Sempre estive perto. Agente acaba se ligando em tudo no esporte, não dá para se desligar. Fui ser técnico, professor, a gente convive o tempo inteiro com a disputa.

MR: Ao término da entrevista ele repete... ES: No dia a dia eu diria que a gente sempre está produzindo, para não correr o risco de ficar no mesmo lugar, isso como a vida não só no meio esportivo, a pessoa tem que produzir mais do que é solicitado, assim ela agrega mais valor a ela. A tendência é crescer na vida, aquela história do sujeito que nasceu para carimbar e fica só no carimbo, vai ficar o resto da vida carimbando.

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ENTREVISTA SR. CARLOS MASSONI “MOSQUITO”

Realizado dia 6/10/2005 Local: Associação Atlética Flamengo – Guarulhos - SP

MR: Como você começou a jogar Basquete? Mosquito: Minha história é muito longa, né! O meu pai não me deixava jogar futebol... Então ele me trouxe do São Paulo Futebol Clube, do qual ele era “patrão de barco”, ele era instrutor, e me trouxe para cá, para a Atlética São Paulo. E lá não tinha futebol, não tinha nada. Então um dia, o administrador do clube falou que queria fazer uma equipe de basquete na categoria de menores, e perguntou para o meu pai se ele podia me utilizar. Aí eu comecei. Comecei com 10 anos de idade. aí não parei mais. Foram 40 anos...

MR: Qual foi a sua maior vitória? Mosquito: A nossa maior vitória... Eu digo maior só porque nós chegamos à Seleção Brasileira jogando logo no primeiro ano numa Olimpíada, em Roma em 1960 e nós chegamos em 3º lugar. Depois, logo em seguida, quatro anos depois, na próxima Olimpíada, em Tóquio, nós fomos de novo 3º lugar. Isso foi inesquecível. Também tive uma grande vitória quando morri e voltei. Você sabe, infartei há uns anos atrás.

MR: Qual foi a sua maior derrota? Mosquito: Minha maior derrota, foi não ter tirado o vice-campeonato nas Olimpíadas de Roma. Foi quando... Não por que... Nós perdemos, não sei o que aconteceu... Tínhamos ganhado na Rússia na classificação e, perdemos na colocação. Perdemos pra Rússia no final, no quadrangular final.

MR: A busca pelo pódio interferiu na sua saúde física, mental ou emocional? Mosquito: Nenhuma viu, nenhuma! Só alegria... Só alegria, sempre!

MR: E as suas memórias como atleta? O que você guarda de memória? 95

Mosquito: Não posso me queixar. São quase 30 anos de Seleção Brasileira e Clubes, entendeu? Jogando Basquete, eu conheci o mundo todo quase, em função do Basquete, 40 anos de Basquete. Por isso eu falo pra você que é só alegria. Eu só tive alegrias, porque eu conheci outras culturas, outras condições, muitas pessoas... Abriu muitas portas, pra mim. Tudo que tenho, veio desse caminho... Do Basquete.

MR: O que é idealismo e superação? Mosquito: Bom... Idealismo seria aquele, no caso, ser o. Ter um objetivo que seria o Título... Infelizmente não foi, né...? Agora, nós conseguimos ao menos o Bi Campeonato do Mundo. Não esperávamos na Olimpíada sermos os campeões. Talvez esperássemos o Vice-campeonato, mas nós fomos os Bicampeões do Mundo! Então, isso é a superação. Superar também é sentir a tristeza da derrota, quando enxergávamos que éramos melhores.

MR: E dor? Você superava a dor? Mosquito: Ah! Pra mim não tinha dor.. Eu não tinha dor. Eu nunca tive dor, dificilmente. Olha, se eu falar pra você que eu nunca fiquei doente, que eu tomei um remédio, você acredita? Eu nunca tomei remédios na vida. Só to tomando agora depois de velho... (risos)... Então, depois de velho que eu estou tomando remédio. Mas eu joguei meus 40 anos e, dificilmente eu tinha alguma lesão ou uma inflamação, coisas assim. Torcia o tornozelo, enfaixava com aqueles esparadrapos por cima dos pêlos e ia embora. – “ia pro jogo” como a gente falava. Enfrentava tudo e todos e nem lembrava da dor...

MR: E a sua medalha, onde está? Mosquito: Eu acho que quem for ainda para as Olimpíadas, nunca terá uma medalha igual a que eu tive, principalmente daquela Olimpíada em Roma. Não por ser 3º olímpico.... Alguma coisa... A de ouro é um título praticamente, né! O meu é o título que seria a medalha de bronze. Mas a medalha é maravilhosa. Chegaram a me oferecer US$ 35 mil por essa medalha de bronze de Roma. As minhas medalhas ficam na minha casa, nós não tenho nada exposto. A não ser os troféus que ficam lá em cima do armário da sala de casa. Uns ficam lá no sítio, outros na casa da minha 96

irmã. E as medalhas também... Eu tenho medalha que não acaba mais, fora de série, nunca vi... Tenho várias medalhas

MR: Jura? Não pensou em vender? Mosquito: Não, não pensei e não vendi, de jeito nenhum! É a única que tem corrente, entendeu? Porque o resto é tudo fita. Você não chegou a ver né? Quer ver? Trago pra você ver... Ela é maravilhosa. Fui levá-la para fazer uma exposição no shopping e ficaram com medo de deixar lá exposta, pois valia muito e não existia um seguro para medalhas olímpicas... (risos). Não quiseram, não puseram... Tiraram uma foto da medalha e aí puseram só a fotografia dela.

MR : Você conta isso para sua família, seus netos? Você fala das suas conquistas? Mosquito: Eu não preciso contar, eu tenho já alguma coisa... Minha neta não se incomoda muito com o esporte... Pode ser que o meu neto venha a praticar... Parece que já anda dando uns arremessos com quatro anos. Meu filho, ele começou a jogar Basquete, viu que não dava, foi para os estudos e se formou, graças a Deus. Minha filha, então, não pode ver esporte. Nem xadrez, acho! Ela não gosta de ver jogo, assistir, comentar sobre jogos. A Ilse, minha esposa, me acompanhava, eu sempre gostei disso. Ela ia ao clube, aliás, a conheci no Palmeiras. Sempre me acompanhou. A minha irmã foi nadadora, foi Campeã Brasileira de natação. O meu pai foi remador. Naquela época ele já era treinador de barcos. Ele era do São Paulo Futebol Clube, veio para o Clube Espéria. Não sei porque ele não queria que eu jogasse futebol. Então ele me tirou de lá, do São Paulo. Ele rasgou até carteirinha do clube, na frente do Diretor. Meu pai disse que eu não viria mais pra cá, principalmente se fosse para jogar futebol. Colocou-me em num clube que não tinha futebol. Só tinha piscina, tinha quadra de Basquete e tinha o rio, que era o Tiete, na marginal. Ele não gostava porque ele achava que o futebol na época, não dava muita assistência. Ele teve um amigo, o Lima, que jogava no Palmeiras e que se machucou e nunca se consertou, então ele achou que num valia a pena. E nunca me deixava jogar bola, e eu era doido pra jogar. Nem quando eu ia jogar em várzea, escondido, se ele ficasse sabendo... 97

Depois é que no ano de 1958 e 1959 eu fui para o Palmeiras. Lá no Palmeiras, meu pai falou assim: de agora em diante a vida é sua. Não vou mais assistir basquete, não vou assistir mais nada. Você toma cuidado com o que você faz. E aí, eu comecei brincar um pouco na várzea, jogar futebol e tal... Tanto é que eu me machucava mais no futebol do que no basquete. Os diretores do Palmeiras ficavam loucos comigo (risos). No fim eles foram acostumando. Mas eu não ganhava dinheiro para jogar, ou quase nada, então você tem o direito de fazer o que tem que fazer o que der para fazer também.

MR: Como é que você vive hoje com essas memórias do esporte? Mosquito: Bom, as lembranças... É bom, não é? Só pra mim, mas, abriu muitas portas. Eu vou num lugar todo mundo me conhece. Apesar de ser uma pessoa tímida, você me conhece, eu sou meio fechado, não sou brincalhão. Sabe, eu vou levando... Eu não chego falando que eu sou fulano de tal. Quem viveu aquela época me conhece. Os novos é que não sabem, não conhecem esporte, não têm memórias. Mas não sinto falta de tudo que fiz, já passou. Já parei. E quando eu parei nunca mais quis saber de basquete, (ar de dúvida). Parei, fiquei com um time aqui de Guarulhos (como técnico), fui para Portuguesa, tive a maior oportunidade de ir para o Monte Líbano. Não quis ir pra ficar em Guarulhos. Depois eu parei. Joguei um ano só nos veteranos e parei. Depois do ano 2000 tive problema de infarto e aí... Desisti.

MR: E a sua saúde agora? Mosquito: Eu to bem, assim... O coração está bem, está necrosado.. A pulsação ta boa agora. Eu tenho os médicos do meu lado, o Dr. Nabil, um dos maiores cardiologistas do Brasil. Isso é genético. Meu pai teve problema cardíaco. Eles (os médicos) acham que é isso, e eu também acho, porque em 40 anos, nunca tive nada. Se eu falar pra você, pô! Acabei de falar! Eu nunca tomei remédio na vida toda. Agora não! Eu vou tomar remédio pro resto da vida. O meu problema foi herança mesmo. Eu não sou hipertenso, não tenho problema cardíaco, não sou diabético, não tenho nada. O que é isso? Eu estava sabe onde? Eu estava no sítio nadando, praticando esportes (risos). É eu estava nadando. Foi quando eu infartei 98

no ano 2000. É isso aí (se referindo ao fato de ser ou não genético) eu falei no Incor porque meu pai tinha falecido disso. Eu quis operar. E eu pedi pro Dr. Nabil falar com o Dr. Jatene, porque ele teve o mesmo problema que eu. E o Dr. Jatene disse que não era necessário porque abrir o peito, só porque eu tinha só a ponta do coração entupida. É isso.

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ENTREVISTA – SR. CHIAK ISHII

Entrevista realizada em 08/10/2005 Local: Academia de Judô Ishii – São Paulo - SP

MR: Qual a sua idade? ISHI: Tenho 64 anos.

MR: Como iniciou a prática do Judô? ISHI: Aprendi com meu pai, ele fazia. Era professor, no Japão é muito comum a pratica do Judô, é uma filosofia, educação, treinamento do corpo e da mente.

MR: Em qual Olimpíada o senhor Participou? ISHI: Participei da Olimpíada 1972, Munique. Fui o terceiro colocado no Judô.

MR : Qual foi sua maior vitória? ISHI: Maior vitória foi na Olimpíada 1972, Munique. Fui o primeiro medalhista do Brasil, conseguida no Judô! O Judô do Brasil era muito ruim. Quando vim do Japão e vi como era o Judô no Brasil, achei que poderia ajudar o esporte à ficar mais forte aqui, me naturalizei brasileiro e anos depois fui para as Olimpíadas e consegui trazer essa classificação para o Brasil. Nunca havia acontecido isso.

MR: E sua maior derrota? ISHI: No mesmo dia. Eu queria ganhar ouro, mas não consegui. Na luta anterior eu ganhei nos últimos dez segundos, desse mesmo alemão e na segunda luta eu perdi. Disputei a medalha de bronze com a Alemanha Oriental. Eu fui o 3º colocado no Mundial anterior, em 1971. Nessa Olimpíada de Munique em 1972, disputei com o mesmo alemão, achava que estava mais preparado agora, mas perdi. Já tinha ido pro Mundial, sim, primeiro ganhei do alemão nesse Mundial de Judô, em 1971, a minha primeira medalha em Campeonato Mundial. Estava muito preparado para ir às Olimpíadas. Eu era da categoria absoluta.

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MR: E a sua família, interferiu nessa sua vivência com o Judô? ISHI: Filhas gostam também do Judô. A minha maior emoção de vida, foi ver as filhas também tentando conquistar medalhas nas Olimpíadas.

MR: Que filhas? Poderia me contar isso? ISHI: Tenho três filhas. As três praticam Judô! Sim, as três são atletas. A mais velha foi para Olimpíada de Barcelona. É não conseguiu, mas ela era muito boa atleta. Acabou cedo, casou com um atleta do Judô, norte americano e foi embora com ele. Agora é o neto que treina. E a Vânia foi para Atenas. Continua treinando muito já pegou medalhas nos Jogos Pan-Americanos e está tentando nas Olimpíadas, ta treinando para as próximas em Pequim. Vânia foi para Sidney e Atenas, mas não conseguiu medalhas.

MR: E o senhor, tem orgulho disso? ISHI: Veja as fotos na parede, a terceira é Vânia. Esta é minha vida, no esporte, pode ser eu ou filhas, sempre estamos no meio de tudo isso. Veja aqui a academia, sempre moramos aqui. Agora é que mudamos.

MR : Existe algum outro fato na sua vida, que o senhor iguala à emoção que teve na Olimpíada? ISHI: Não sei não, eu lutei muito aqui no Brasil. Vejo minhas filhas tentando sempre nas Olimpíadas, mas não conseguiram ainda. Tem que lembrar sempre do sacrifício. Filha foi até agora 6 vezes para os Campeonatos Mundiais, duas vezes para Olimpíadas, muitas medalhas nos Jogos Pan-americanos, Olimpíadas e não conseguiu ainda. Mas conquistou medalhas ouro no Pan-Americano. Aí, filha ganhou ouro, prata, bronze no Sul-Americano e o Campeonato Brasileiro, conquistou com 15 anos. Campeonato Brasileiro conquistou muitas vezes.

MR: O senhor treinava muito? Quantas horas por dia? ISHI: Naquela época, seis horas por dia treinando Judô.

MR: O senhor veio para o Brasil com qual idade? 101

ISHI: Eu vim para cá em 1964, quando já tinha 22 anos. Esperei me formar na Universidade no Japão, em Educação Física e Pedagogia, aí eu cheguei aqui.

MR: O que é idealismo e superação? ISHI: Um monte de coisa... (silêncio)... Vivo sonhando... Quero ser fazendeiro... Gosto do campo, da plantação e do animal. Gosto de tudo, sítio, charrete, gosto muito... Muito bonito! Sempre treinei forte, às vezes com dor, machucado, atleta sempre tem dor. Joelho, ombro, cotovelo, clavícula... Tudo machucava, mas é isso que é superação, treinava com dor! Acidente, lutando, acontecia muito, machucava. É... Tinha que parar luta e treinamento às vezes para atendimento para não prejudicar joelho, ombro, tudo. Operei também duas vezes o joelho, duas vezes o cotovelo. Assim atleta sempre tem... Vem sempre com isso. Sempre me machuquei aqui no Brasil, no Japão nunca.

MR: E sua medalha onde está? ISHI: Sim, gosto muito dela. Tenho quatro netos e mostro sempre a eles quando posso. Veja aqui os quadros (muitas fotos de torneios e competições).

MR: Seus netos praticam Judô? ISHI: Primeiro e segundo casal estão treinando lá no Japão, filha de italiano. Eles estão treinando sempre. A outra (neta) é americana. Minha filha casou com Mike, Campeão Mundial de Judô e estão morando na Califórnia.

MR: Então vai ser uma boa lutadora né, filha de dois grandes lutadores? ISHI: Num sei não... É difícil adivinhar, parece que gosta e está treinando lá, mas é pequena ainda, vamos ver.

MR: E hoje, como o senhor vive com essas lembranças? ISHI: Gosto de falar para os alunos. Gosto de falar para as pessoas sobre sua as lutas, sobre a medalha. Eu não falo muito! Falo... Eu transmito Judô aqui, transplantei do Japão, a aí o Brasil cresceu na modalidade, antes era muito fraco o Judô no Brasil. Agora tem um monte de medalhistas. Brasil demonstrou honra. Antes 102

Brasil tava muito fraco, segunda classe. Todo campeonato tinha várias lutas e o brasileiro só lutava a primeira ou segunda luta no máximo, aí perdia. Para ganhar precisa lutar seis, sete vezes para vencer. Na minha época, somente iam dois atletas de cada país, era muito difícil. Ah... Eu ensinei bastante, né...? Ensinei Aurélio Miguel, também, mas depois ele treinou com o Shinohara, eu ensinei bastante, muita gente que foi a Mundiais e Olimpíadas. O governo apóia muito pouco o Esporte no Brasil de forma, não dá condições para formar grandes atletas.

MR: E a sua saúde hoje, como está? ISHI: Ótima. Você viu, eu dou aulas todos os dias e luto com os alunos, faço os exercícios. Não sinto nada. Não tenho dor em lugar nenhum. Gosto de fazer exercícios com meus alunos!

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ENTREVISTA CARMO DE SOUZA “ROSA BRANCA”

Entrevista realizada em10/10/2005 Em sua residência – R. Cuevas, 421 - Sumaré – São Paulo - SP

MR : Por que Rosa Branca? RB: Ah, isso aconteceu na época em que o Getúlio Vargas morreu. Ele tinha um motorista particular que era muito parecido comigo fisicamente. Lá na minha cidade, em Araraquara, começaram a me chamar de Rosa Branca, porque descobriram o cara, o motorista e sua semelhança comigo. Aí fomos para os Jogos abertos do Interior e aí, a mídia começou a divulgar meu novo apelido. Justamente nesse ano, eu sobressaí nos Jogos Abertos e então saiam reportagens no jornal e no rádio, falando sobre o novo grande talento do Basquetebol Brasileiro, o jogador Rosa Branca. Daí por diante, pegou, até hoje, todos me conhecem por Rosa Branca.

MR: Como iniciou no basquete? RB: Comecei brincando na escola. As aulas de Educação Física foram fundamentais para minha iniciação no Basquete. O meu professor era um entusiasta, adorava fazer elogios, não cansava de incentivar. Aliás, eu sempre fui assim também, quanto professor. Acho que aquele modelo de professor que tive nunca me saiu da cabeça e sempre persegui a idéia de que o professor de Educação Física é responsável pela a participação efetiva das crianças no esporte. Se ele fizer a coisa errada, fizer cobranças exageradas e fora de hora, a criança acaba recebendo um “fardo” maior do que suporta. Aí, acaba desistindo de tudo, não pega gosto pelo esporte e acaba abandonando as quadras, daí, corre o risco de se envolver com outras coisas, você sabe né? Drogas, crimes e essas coisas que a gente vê tanto hoje em dia. E é por isso, falta o esporte na vida dessas pessoas. Eu tenho uma mágoa grande de um profissional que acabou desmotivando meu filho em relação ao Basquete. Ele é alto, tem um corpo forte, gostava de Basquete e logo, desistiu, por causa do técnico, hoje ele está bem, com outras atividades profissionais, mas poderia ter sido um grande jogador.

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MR : Quantos anos você tinha quando iniciou o esporte? RB: Ah, nem me lembro ao certo, mas deveria ter uns 13 ou 14 anos. Aí foi quando comecei na escola. Fiquei um tempão jogando só na escola. Tínhamos muitos jogos contra outras escolas e eu adorava esse clima de competição. Treinava bastante, até quando acabava o treino eu ficava treinando alguns arremessos um pouco a mais que os outros. Depois fui jogar em um clube da cidade e aí não parei mais. Foi só alegria... (Risos...). Participei muito de Jogos Abertos do Interior, sabe cidade contra cidade. Foi aí que me enxergaram. Depois fui disputar pelos clubes, até ser convocado par integrar a equipe brasileira de Basquetebol.

MR : Quais Olimpíadas você participou? RB: Participei dos Jogos Olímpicos de Roma em 1960, onde fomos medalha de Bronze terceiro colocado, e, em 1964 nos Jogos Olímpicos de Tóquio, que também fomos 3º colocado novamente. Mas entre essas competições, fomos Bicampeões, Mundiais em 1961 e 1963.

MR : Em relação as suas memórias, qual a sua maior vitória no Basquetebol? RB: Ah, foi o jogo que nos deu a medalha de bronze nas Olimpíadas de Roma. Tinham duas grandes potências disputando o campeonato, era muito difícil o Brasil conseguir uma colocação melhor. Os Estados Unidos eram imbatíveis e a Rússia não ficava atrás, a ascensão dessas equipes era incontestável e nós teríamos que passar por essas barreiras, ao menos uma equipe dessas iríamos pegar. No campeonato teríamos também que pegar “os donos da casa”, a Itália, com a torcida toda contra nós. Estávamos perdendo o jogo, quando um atleta nosso, brasileiro, da natação, tirou um apito do bolso e apitou durante o jogo. Todos nos jogadores pararam achando que era o apito do mesário ou do juiz. Nossa isso deu uma confusão danada! Parou tudo, até a polícia entrou no meio, foi um tumultuo. Queriam tirar o brasileiro do local e o nosso chefe da delegação ficou muito bravo. Tiraram o apito do rapaz, acalmaram a situação e o jogo recomeçou. Nesse tempo o nosso técnico mudou a equipe, trocou uns jogadores e acabamos vencendo o jogo. Isso pra mim, foi a vitória mais emocionante da minha vida. 105

Eu poderia também dizer aqui, que vestir a “amarelinha”, ser convocado para a seleção brasileira foi a primeira grande emoção que senti no esporte.

MR : E você costuma passar essas emoções para sua família? RB: Sempre gosto de contar minhas histórias... Minha família, eu acho que não agüentam mais... É tão bom lembrar dessas coisas, parece que a gente revive os momentos, as emoções. Como estamos fazendo agora, entende? Quando vou a academia, onde faço atividade física, encontro sempre um amigo que freqüenta também e é diretor ou escritor do site Humortadela. Ele adora ouvir minhas histórias do esporte e transcreve nas suas estórias em quadrinho. Ele me diz sempre que eu o ajudo a ganhar dinheiro.

MR : E qual a sua maior derrota? RB: Ah! Na mesma Olimpíada, em Roma 1960, pois nos jogamos contra a Rússia e ganhamos na quadra, iríamos disputar a medalha de ouro contra os americanos, mas aí, nos ficamos em outra chave por causa do saldo de pontos. Fomos disputar o Bronze. É horrível essa sensação... Ganhamos na quadra, deveríamos ir para o podium buscar o ouro. Seria bem difícil ganhar da “máquina” que era o time dos Estados Unidos. Então, isso pra mim, dentro do esporte ficou muito marcado. Ter que conviver com regras e não aceitar a derrota no papel fica difícil, entende? Porém é a vida, temos que respeitar as regras.

MR : Existe algum outro cenário na sua vida que permite as sensações experimentadas no esporte? RB: Não, creio que não. As emoções do esporte são inesquecíveis. É difícil misturar a emoção de ter um filho, por exemplo, com a emoção de subir ao pódio e receber uma medalha. Isso é só seu entende? O filho não é só fruto seu. Não dá pra comparar, só você vivendo isso, para saber entender o que é subir ao pódio. E aí fica difícil. Enfim, assim caminha a humanidade...

MR : A busca pelo podium interferiu na sua vida de alguma forma? 106

RB: Nunca, (sinais com a cabeça negativamente)... Eu nunca tive problema físico no esporte, nunca tive lesões. Se tive, foi uma ou duas vezes, entorse no tornozelo. Eu sempre superava a dor, amarrava uma faixa no tornozelo e ia embora. A emoção maior era vestir a camisa e sair jogando, que era eu mais amava em fazer.

MR : O que é idealismo e superação para você? RB: É ter um sonho, programar esse sonho e ir buscar a cada instante. É o que eu busco fazer até hoje. Você precisa ter um ideal na vida, um sonho, isso te faz acontecer, te dá forças a todo instante para lutar na vida. Quem não tem isso, se perde. Ter amor por aquilo que você gosta de fazer. Eu convivo muito com essa sensação de vitória na minha vida, me sinto um vencedor. As homenagens que recebo às vezes me fazem reviver isso tudo.

MR: Como foi para você abandonar o cenário esportivo? RB: Acho que não abandonei... Permaneço no meio esportivo, trabalho ainda com esportes. Sou coordenador de esportes de uma escola aqui em São Paulo, gosto de desenvolver esse trabalho com as crianças. É muito importante direcioná-las para o esporte de forma agradável, sadia e saudável. Fora isso, vivo encontrando os companheiros de quadra, os que estão vivos, né? Muitos, infelizmente já se foram. Nesses encontros, lembramos vários episódios dos campeonatos e revimos algumas situações agradáveis e difícies que passamos. Falamos também do esporte atual, como seria fácil, com toda essa estrutura que hoje o esporte trás consigo. Seríamos campeões várias vezes dessa forma. Nunca recebemos um tostão para jogar. Fazíamos tudo por muito amor e dedicação que tínhamos. Hoje os esportistas recebem muito dinheiro e mesmo assim, vivem machucados, tratando e muitas vezes fora do cenário.

MR: Tem alguma coisa neste contexto que te faz falta? RB: Ah tem sim. Sinto falta do governo se envolver mais com o esporte. Deveria apoiar mais. Aproveitar a gente que ta vivo ainda, para falar de esporte para os mais jovens, mesmo aqueles que não são do esporte, às vezes, só falta um empurrãozinho para eles adentrarem ao esporte. Nós poderíamos fazer isso de 107

forma agradável, com muito prazer. Alguns atletas fazem isso por conta própria, mas esses têm dinheiro, né? A Paula e a Hortência, o Oscar, o Raí e outros atletas utilizam o seu nome, a sua importância no esporte e abrem ONGs, escolinhas de esportes, mas isso deveria partir do governo e não da nossa própria vontade.

MR : E a sua medalha olímpica, onde está? RB: No momento está guardado no meu armário. Você ta vendo, minha casa está em reforma e deixo tudo bem guardadinho. Meus filhos já enjoaram de ver minhas medalhas. Às vezes eu pego pra levar nos encontros, entrevistas e homenagens. Mas se não, fica tudo aqui na sala de casa. Você ta vendo essas fotos? (dois quadros pendurados na sala), são dos campeonatos que fomos. Bonito, não?

MR: E a sua saúde, como está? RB: Está boa, né? Você ta vendo meu tornozelo enfaixado... Torci na semana passada, jogando futebol. Mas fora isso ta muito bem. Eu me cuido... (risos...). Vou à academia duas vezes por semana. Faço esteira, bicicleta e musculação (só um pouquinho), além disso, sempre jogo futebol com os amigos. Também pertenço ao grupo dos veteranos do Basquete, vira e mexe jogamos por aí.

MR : Você quer falar alguma coisa em especial? RB: Não, acho que falei bastante, você não acha? Mas só para complementar minha idéia em relação ao esporte, gostaria de deixar claro que o esporte muda não só a vida de uma pessoa, mas muda a pessoa interiormente. Ele ajuda as pessoas se orientarem na vida, por que trás os ideais para a tona. As pessoas passam a ter metas e correr atrás dos objetivos. Daí, nunca mais consegue viver sem isso. Sabe, acho muito importante isso que você está fazendo, revivendo o esporte, falando sobre o esporte, ouvindo nossa opinião, isso deveria ser adotado por esse ministério dos esportes que não fazem nada lá. Só na época das Olimpíadas é que eles resolvem lembram da gente e pedem para fazermos algumas palestras e entrevistas falando da nossa experiência. Mesmo assim, muitas vezes é para conseguir mais patrocinadores. Se os jornais, as revistas e o próprio governo tivessem um projeto para reviver as estórias do esporte, todos iriam valorizar mais. Nosso país não tem 108

memória, as coisas acontecem e logo, todos esquecem ninguém liga para mais nada. Não adianta nada o governo pegar atletas de alto nível do vôlei e mandar bem pra longe, no meio do nordeste, onde passam à tarde com as crianças, jogando voleibol e depois vão embora. Essas crianças precisam de história do esporte, precisam de quadra na escola, precisam até mesmo de escola. Isso não é uma política adequada para o esporte.

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ENTREVISTA TETSUO OKAMOTO

Entrevista realizada em 13/10/2005 Em sua empresa – Av. Santo Amaro 3.120 – Santo Amaro – São Paulo - SP

MR: Como iniciou a Natação? OKAMOTO: Comecei a nadar porque eu tinha asma, né? Então lá pelos 7, 8 anos meu pai me colocou na piscina para praticar esporte e combater a asma com a prática do esporte. Isso foi lá em Marília, eu nasci em Marília, no interior de São Paulo. Aí, apareceu um ex-nadador de São Paulo, o Fausto Anúncio, ele eventualmente se tornou o técnico de natação do clube. Pois ele botou na “cachola” nossa que a gente tinha que treinar muito e ser um campeão. Dizia que iríamos viajar pelo Brasil todo e talvez pelo mundo nadando. Isso ficou na minha cabeça. Ele vendeu o “peixe” dele e a gente, era garoto né? A gente não tinha o que fazer no interior, e viajar, era coisa do outro mundo! Aí vinha até São Paulo competir e viajava por conta de alguém, já era uma grande conquista, né? Aí a gente acabava praticando esporte, para fazer essas viagens pequenas até São Paulo, Rio de Janeiro, pelo interior de São Paulo, nos Jogos Abertos do Interior. Eu aproveitei a idéia para melhorar minhas marcas e posteriormente então, comecei a participar das competições pela Seleção Brasileira, ganhei o Campeonato Pan-Americano em 1959, em Buenos Aires e, no ano seguinte então, me consagrei nessa Olimpíada em Helsinque em 1960. Após isso, como esse negócio de nadar não dava dinheiro, meu pai parou de me subsidiar.. (risos)... ”Está na hora de você começar a cuidar de sua vida. Então você comece a trabalhar, se quiser estudar, você continua estudando e se quiser nadar, nade depois do trabalho”. Mas não fiz isso. Ficava de 8 a 10 horas por dia no treinamento, então não dava para trabalhar. E naquela época, quem praticava esporte era considerado vagabundo. Mas então, depois da Olimpíada, fui consagrado com aquela medalha nos 1500m. Antes, já tinha ido muito bem nos Jogos Regionais em 1954. Aí tava estudando aqui no Brasil, fazendo o curso de Direito. Aí encontrei, num Campeonato no interior um amigo. Ele estava estudando nos Estados Unidos, como bolsista. Aí eu falei: - Pô será que eu posso arranjar uma bolsa de estudos também? Ele me disse, para escrever uma carta lá para a 110

Universidade informando meus resultados e meu interesse em continuar nadando pela Universidade e estudando ao mesmo tempo. Mandei meu currículo, e aí, eles me aceitaram. Então em 1954, eu me mandei lá para o “Texas University”, era um colégio Militar no Texas. Nos campeonatos universitários americanos, eles sempre admitiam atletas bolsistas. Eu dei sorte também. Aí eu cursei Administração de empresas. Fiquei mais ou menos 6 anos e meio e voltei para o Brasil. Quando voltei para o Brasil e percebi que a Natação não me trazia dinheiro, abandonei a prática mesmo e fiquei na vida profissional trabalhando. Trabalho com poços artesianos.

MR: Que idade que o senhor está hoje? OKAMOTO: Setenta e três anos.

MR: É eu já peguei um monte de reportagens sobre o senhor, então eu conheço um pouquinho da sua história...

MR: Em qual Olimpíada participou? OKAMOTO: Das Olimpíadas de 1972 em Munique na Alemanha.

MR: Qual foi sua maior vitória? OKAMOTO: Ah... A minha maior vitória foi bater o recorde da natação, dos 1500m lá nas Olimpíadas, né? Lembro-me que fiz os 1500 metros em 18 minutos, 51 segundos e 4 décimos. A diferença do 3º lugar para o 4º colocado foi de apenas 2 décimos de segundo. Então foi uma chegada bem apertada. Ganhei dele por 2 décimos de segundo, que vale quase uma batida (é a chegada na natação) de sonho... Eu bati a mão na borda primeiro e ele (o adversário, o 4° colocado), em seguida à minha batida. Não posso nunca me esquecer disso. Foi a minha mais linda vitória.

MR: E a sua maior derrota? OKAMOTO: A derrota naquela época era difícil. Enquanto eu estava aqui no Brasil, eu competia aqui e na América do Sul, né? Eu quase que não tinha adversário, né? 111

Não tinha grandes derrotas, né? Depois quando viajava para fora sim, era uma luta ganhar dos adversários, lutava contra o relógio, contra o próprio tempo, entende? Então, eu sempre nadava em sempre provas de fundo. Mas vez, nadava provas curtas, eu nadava tudo que eu podia né? Para dizer a verdade, quando eu nadava lá no Clube, eu era âncora deles. Eu nadava os quatro estilos. Então quem ganhava os campeonatos, diversificava e nadava quase que todas provas, nado de peito, nado de costas ... Só pra fazer pontos, entende? Eu nadava tudo.

MR: E ganhava tudo? OKAMOTO: Ah.. Eu pegava 1° lugar, às vezes 2 ° lugar, só pra fazer uns pontos. As provas de nado Livre, eu pegava em 1º lugar, quase tudo, velocidade e provas de fundo principalmente, eu ganhava sempre, as outras era só para pegar alguns pontos ou melhorar minhas marcas, meus tempos. Para dizer realmente a verdade, a prova que eu mais nadei com maior competitividade, com muita garra, onde realmente eu nadei uma prova de verdade, foi nas Olimpíadas. Foi uma chegada muito, muito apertada... Nunca vou esquecer.

MR: E a sua medalha, onde está? OKAMOTO: Eu doei todas as minhas medalhas. Meus troféus também, meus recortes de jornais, minhas fotos, lá para o Iara Clube de Marília. É o clube o qual eu passei grande parte da minha vida treinando, tenho muito carinho por lá. Então eu ainda freqüento o clube. É que de vez em quando, eu ainda vou pra lá né...? Lá ainda conheço tudo e todos. Eu deixei lá para incentivo para molecada, para nova geração, né? Lá é constante a equipe de natação. Eles levam muito a sério a Natação. Então doei tudo para eles lembrarem que sempre vale a pena. Você conhece o clube?

MR: Conheço. Fui lá várias vezes levar meus atletas nadadores para competir lá. É a gente sempre ia lá; eles vinham aqui. Fazíamos intercâmbio e competições amistosas. Eu fui técnica de natação. Mas depois larguei a natação e hoje eu sou fisioterapeuta. 112

OKAMOTO: Ah..., que bom... Mas é a sua profissão agora, é Fisioterapeuta? Trabalha com esporte?

MR: Sim, trabalho com Fisioterapia Desportiva também.

MR : Como está sua saúde? OKAMOTO: Ê, não está muito boa não. Eu peguei um problema aí... Eu tive uma doença meio estranha, me quietou. Estragou meu rim... Sei lá. Uma doença que ninguém sabe de onde veio pra onde vai, e nem sabem muito sobre sua cura. Ela ataca os órgãos internos, os vasos, então... Eu tive uma infecção no rim que estragou meu rim. Meu rim não está funcionando.... Eu estou fazendo hemodiálise, Atacou também meu pulmão, eu fiquei um bom tempo com dispnéia. Aí eu caí e machuquei uma costela. Quebrei uma costela então. Então estou mais ou menos! Com essa costela quebrada já faz um bom tempo, não estou muito bem não. Estive hospitalizado um bom tempo, para ver se descobrem o que tenho, mas só falam em uma vasculite. Desde julho que eu estou com um “estaleiro” aqui no peito. Não estou nem trabalhando. Só passo pela firma às vezes.

MR: O que é idealismo e superação? OKAMOTO: Idealismo pra mim é um sonho, né? Idealismo é um sonho que você pára lá... Quando chega a realizar esse sonho. É um sonho que você pensa que vai conseguir talvez o ideal de ser um campeão, sei lá, é uma mistura de sonho com realidade que... Sei lá, você põe na cabeça o que realmente é seu objetivo. Já a superação, está dentro dos tramites do esporte e da vida, do ramo que você está, vai evoluindo naquilo que você quer. A gente tem que buscar sempre essa superação. Assim que você vai crescer, tem o objetivo de querer bater um recorde, né? Melhorar o tempo, se auto-superar, né? Então... O que você ta fazendo na prática esportiva, você sempre quer superar né...? Se auto-superar até o máximo, sabe? Então quando eu ganhei essa medalha nas Olimpíadas os próprios jornalistas disseram isso... Não esperavam que eu ganhasse a medalha. Ganhar essa medalha foi uma superação minha. Tanto é que teve uma matéria no jornal a “Gazeta Esportiva”, que eu achei que foi o melhor elogio que eles poderiam me dar: 113

“OKAMOTO SUPEROU A SI PRÓPRIO NAS OLIMPÍADAS”. É... Quer dizer... Eu superei né? Eu consegui alcançar o objetivo que eu almejava. Há 50 anos atrás não tinha televisão, não tinha nada, só tinha jornal. Quando você recebia a Gazeta Esportiva no interior era só isso que tinha de informação. Também tinha radinho de pilha de cabeceira, porque a televisão começou lá pelos anos de 1952 ou 1953, eu já tinha terminado a minha vida esportiva. Então a gente não conhecia os aspectos de treinamentos no mundo. A evolução como hoje, que o pessoal tem a Internet e você aperta o botão já sabe o que o “cara” ta fazendo aqui, na “Conchinchina”, ou lá na Europa ou coisa mais... Então o nosso treinamento era tudo empírico, agente ia tocando como a gente achava, dentro da nossa capacidade física, né.? Eu treinava muito pouco lá em Marília...

MR: Esse dia o senhor melhorou seu tempo bastante? OKAMOTO: Sim, superei meu próprio tempo. Nunca tinha feito esse tempo, fiz em 18 minutos, 51 segundos e 4 décimos. São coisas, detalhes que a gente nunca vai esquecer. No Brasil, durante minhas práticas esportivas, eu consegui o que eu tinha almejado por 6 ou 7 anos. Na Olimpíada eu ganhei né? ... Agora tem que continuar. Meu pai falou: ...” Você venceu, me deu muita honra, muita satisfação como filho”... Agora vai se cuidar, né? Vai trabalhar... (risos)... Então estava na hora mesmo. Os jornais falaram muito, muitas manchetes, deu uma satisfação pessoal muito grande né...? Ainda bem que eu coloquei a mão na consciência e fui cuidar disso né? Têm muitos esportistas que continuaram e ficaram nessa vida, do esporte. Tá certo que é um objetivo, o desafio da auto-superação, mas que atrasa a vida profissional do atleta, atrasa né? Ainda mais se você não vai pro ramo de Educação Física ou qualquer coisa relacionada. Se você está no ramo de Educação Física, você pode optar por ser um técnico ou professor da modalidade e aí é uma continuação. Mas agora, se você ta noutro ramo, você perde um pouco do ritmo do esporte.

MR: A busca pelo pódio interferiu na sua saúde física, mental ou emocional? OKAMOTO: Não, eu sempre fui muito feliz!

MR: Como foi para você abandonar o cenário esportivo? 114

OKAMOTO: Como eu te disse, depois da medalha, meu pai me encurralou... Falou que eu tinha lhe dado muito orgulho, mas que estava na hora de ir pensar na vida. O esporte, naquela época, não trazia dinheiro pra ninguém. Resolvi mudar para os Estados Unidos, em uma Universidade que me deu bolsa de estudos, só para continuar nadando mais um pouquinho. Senti falta das competições, e lá podia fazer isso durante o meu curso.