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A expansão urbana da Região Metropolitana de Maceió-AL, Brasil: uma análise socioespacial sobre a disseminação de empreendimentos residenciais fechados.

Caroline Gonçalves dos Santos Centro Universitário CESMAC [email protected]

Carlina Rocha de Almeida Barros Centro Universitário CESMAC [email protected]

Marília Pino da Silva Centro Universitário CESMAC [email protected]

Maria Luiza Kassar Lima Centro Universitário CESMAC [email protected]

Samhyra Silva Nascimento Centro Universitário CESMAC [email protected]

Mariana Moraes Guedes Centro Universitário CESMAC [email protected]

8º CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO PARA O PLANEAMENTO URBANO, REGIONAL, INTEGRADO E SUSTENTÁVEL (PLURIS 2018) Cidades e Territórios - Desenvolvimento, atratividade e novos desafios Coimbra – Portugal, 24, 25 e 26 de outubro de 2018

A EXPANSÃO URBANA DA REGIÃO METROPOLITANA DE MACEIÓ-AL, BRASIL: UMA ANÁLISE SOCIOESPACIAL SOBRE A DISSEMINAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS RESIDENCIAIS FECHADOS.

C. G. dos Santos, C. R. de A. Barros, M. Pino, M. L. K. Lima, S. S. Nascimento e M. M. Guedes

RESUMO

Este artigo parte da observação da disseminação de empreendimentos residenciais horizontais fechados, justificados pela propalada sensação de insegurança urbana na Região Metropolitana de Maceió (RMM). Entende-se que o fechamento de áreas urbanas revela as contradições do movimento de articulação entre os espaços público e privado, trazendo para a discussão a questão da segregação urbana. Assim, objetiva-se analisar os impactos socioespaciais desses empreendimentos na produção do espaço urbano da RMM. Para tanto, foram mapeados os empreendimentos – comparando suas morfologias e áreas livres com o entorno - e identificadas as legislações urbanas que regem os mesmos. Desse modo, verificou-se que a ausência de legislação metropolitana com parâmetros urbanísticos, revelada pelo modo como cada município tem permitido a implantação desses empreendimentos, aliada às características que os mesmos assumem, têm ampliado a fragmentação espacial e as desigualdades sociais.

1 REFLEXÕES SOBRE EXPANSÃO E FRAGMENTAÇÃO URBANA: A IMPLANTAÇÃO E REGULAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS RESIDENCIAIS FECHADOS NO BRASIL

O processo de urbanização no Brasil acontece de maneira mais intensa a partir do século XX, impulsionado pelos avanços e mudanças advindos da revolução industrial incentivada pelo presidente Vargas a partir da década de 1930. Estas transformações no cenário econômico e social interferiram diretamente nos espaços que compõem a cidade de forma a gerar expansão do espaço urbano.

Ao longo da segunda metade do séc. XX e início do XXI, a ocupação do solo se acentua, o que leva a necessidade de ampliar o tecido urbano, resultando num maior espraiamento das cidades e na proliferação de empreendimentos nos limites urbanos. Este processo de dilatação dos espaços conduz as cidades a uma perda de seus limites, uma vez que a expansão entra em choque com a densidade dos centros urbanos e resulta em cidades fragmentadas sócio e espacialmente (Limonad, 2011).

O uso frequente do termo “fragmentação urbana” repousa sobre (...) criação de fronteiras ou de rupturas internas nas aglomerações, isolamento dos grupos uns em relação aos outros, manifestado pela segregação e pelas áreas residenciais fechadas, fortes disparidades no acesso aos serviços urbanos, ausência do sentimento de pertencimento (Sposito et al, 2013, p. 100).

Pode-se dizer que as cidades são compostas por ilhas dentro de si (Secchi, 2007), e esta separação física revela a desigualdade social existente nas cidades. Há, portanto, uma busca de “estar entre os seus” (Sposito et al, 2013, p. 98), o que apenas enfatiza e amplia as desigualdades sociais. Além disso, evidenciam-se as contradições do movimento de articulação entre o espaço público e o espaço privado, que é a condição para a realização da esfera pública – de trocas, convívio e interação social - trazendo para a discussão também a questão da segregação urbana1. A proliferação dos empreendimentos urbanos fechados2 em seus espaços homogeneizados revela esta realidade.

A disseminação de empreendimentos residenciais fechados no Brasil remonta à década de 1970 através da implantação do emblemático Condomínio Alphaville, em São Paulo, franquia que depois se ampliou para outras localidades brasileiras e para Portugal3. Embora sejam empreendimentos que apresentam normativas próprias e autonomia de funcionamento interno, sua implantação em determinado município deve seguir os parâmetros urbanísticos designados, o que nem sempre se concretiza devido à ausência de leis específicas municipais para parcelamento do solo e condomínios urbanísticos.

No que concerne à regulação de loteamentos e desmembramentos, a Lei Federal nº 6766/79 tem sido a norteadora dessas implantações. Dispõe sobre parcelamento do solo e orienta, desde alteração em 1999, que cabe à legislação municipal definir os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que incluirão os percentuais das áreas destinadas a áreas livres de lazer e equipamentos comunitários, estas de uso público e irrestrito. Porém, com a escassez de normativas municipais sobre o parcelamento do solo urbano, essa alteração na lei federal gerou uma lacuna que pode estar se ampliando frente aos processos de expansão e espraiamento urbano que demandam parâmetros urbanísticos que regulem o uso do solo.

Essa lacuna se amplia no caso dos empreendimentos residenciais fechados, como é o caso dos condomínios urbanísticos, que não dispõem de uma legislação federal que os regule, e que nem sempre são tratados pela legislação municipal, que deve considerar particularidades como cercamento do perímetro e privatização de áreas livres. O problema só se intensifica quando entra em questão outras figuras hoje presentes na prática urbanística, como os empreendimentos fechados em outras variações, como loteamentos fechados, condomínios de lotes, entre outras designações pouco claras em suas distinções. Essas novas práticas de expansão e ocupação urbana parecem tirar partido de sua indefinição legal para driblar os parâmetros de doação de áreas públicas que normalmente norteiam os condomínios urbanísticos, como contrapartida à privatização de uma parte do tecido urbano.

1 Entende-se como segregação “a tendência à organização do espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e com intensa disparidade social entre elas, sendo esta disparidade compreendida não só em termos de diferença como também de hierarquia” (Castells, 1983, p. 210). 2 Comumente chamados de condomínios, figura jurídica prevista em legislações federal – Lei nº 4591/64 – e municipais, os quais são formados por conjunto de edificações distribuídas em um terreno, protegidas por cercas, muros ou algum sistema de segurança particular, dispondo de espaços de uso comum com infraestrutura de lazer e recreação, correspondendo a cada uma de suas unidades autônomas uma fração ideal do terreno (Maceió, 2007). 3 Segundo o site da Alphaville Urbanismo, atualmente os condomínios Alphaville estão distribuídos em 23 Estados brasileiros e mais o distrito Federal, e todos contam com seu próprio Plano Diretor de Segurança. Disponível em: http://www.alphavilleurbanismo.com.br/experiencia-alpha [acesso 30 abril 2018). A localização desses empreendimentos também apresenta suas particularidades, visto que demandam grandes glebas para sua implantação, o que impacta na ocupação dos limites urbanos, incentivando muitas vezes sua expansão. Esse fenômeno é muito bem observado em Regiões Metropolitanas4, territórios que muitas vezes não dispõem de legislação específica e onde se confundem os limites urbanos entre Municípios devido a processos comuns de conurbação.

No Nordeste brasileiro, estado de , está a Região Metropolitana de Maceió (RMM), objeto de estudo desta pesquisa, onde este tipo de mudança urbanística tem ocorrido em grande escala, sobretudo nos limites dos municípios mais próximos da capital, Maceió. Cerca de 40% dos municípios que compõem a RMM estão localizados na zona litorânea, com disposição de grandes glebas a serem ainda ocupadas em áreas a beira mar e valorizadas pelo mercado imobiliário.

A flexibilidade dos parâmetros urbanísticos de cada legislação municipal influencia na atratividade do mercado imobiliário, direcionando e concentrando a expansão da RMM, produzindo espaços diferentes sócio e economicamente, mas justapostos, com baixa interação socioespacial com o restante da cidade em que se insere ou com as cidades vizinhas, em virtude do cercamento e diferenciação dos espaços públicos. Entende-se que isto se dá em virtude da falta de uma legislação metropolitana que trate de um zoneamento e parâmetros urbanísticos para esta região.

Assim, esta pesquisa objetiva analisar os impactos na produção do espaço urbano da RMM que tem se dado pela intensificação da implantação desses espaços residenciais fechados, com foco em dois municípios litorâneos: e Barra de São Miguel, que apresentam grande quantidade de ERF´s e que serão melhor explicitados ao longo do artigo. Espera-se, com isso, ter embasamento teórico e empírico para discutir a importância de uma legislação metropolitana que venha garantir condições menos agressivas da implantação desses espaços no território da Região Metropolitana de Maceió.

2 SOBRE A REGIÃO METROPOLITANA DE MACEIÓ (RMM): CONTEXTUALIZAÇÃO E ASPECTOS LEGAIS SOBRE A OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO

A urbanização em território brasileiro, conduziu, na segunda metade do século XX, à formação de 12 regiões metropolitanas e 37 aglomerações urbanas não-metropolitanas, onde concentram-se 47% da população do país. Os referidos complexos metropolitanos possuem municípios com gestões distintas e autônomas, com funções complementares e capacidade financeira desigual. Tais características dificultam a relação entre os municípios e adaptam o atendimento das demandas sociais e de infraestrutura urbana. (Grostein, 2001)

Tal realidade é perceptível no caso em estudo, a Região Metropolitana de Maceió (RMM). A RMM foi criada por meio da Lei Complementar Estadual nº 18 de 19 de novembro de 1998, na qual atualmente estão inseridos os municípios de Atalaia, Barra de Santo Antônio, Barra de São Miguel, , Maceió, Marechal Deodoro, Messias, ,

4 As Regiões Metropolitanas são agrupamento de municípios limítrofes que têm como objetivo, entre outros, integrar o planejamento e execução de funções públicas de interesse comum. Paripueira, Pilar, , e . Compreendendo uma área de 2340,9 km² e densidade demográfica equivalente a 517,3 hab/km².5 (Fig. 1)

BRASIL ALAGOAS MACEIÓ

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Fig. 1 Localização de Maceió no contexto brasileiro, e detalhe da sua RM com destaque para a sede Maceió, e os municípios Paripueira e Barra de São Miguel, objetos deste estudo.

A RMM apresenta grande disparidade entre seus municípios e não possui ainda nenhum tipo de legislação metropolitana que integre e articule esses municípios em suas diferenças e similitudes. Segundo o Atlas do Desenvolvimento (2014), em 2010 a RMM possuía um grau de urbanização6 de 97,8%, concentrando cerca de 37% de toda a população do estado de Alagoas, índice considerado alto se comparado ao grau de urbanização do país, que é de 84,36%. Ainda assim, a conurbação7 só é evidente na RMM entre os municípios de Maceió e Rio Largo, Maceió e Satuba, Maceió e Marechal Deodoro, e entre Maceió e Paripueira.

No entanto, com o cenário observado de proliferação da implantação de novos empreendimentos próximos aos limites periféricos dos municípios8, esse fenômeno de conurbação pode ser ampliado por meio do crescimento dos tecidos urbanos de forma

5 O município de Atalaia foi acrescentado em 2013, por meio de Lei complementar nº 38, e em 2014 foi inserido o município de Murici, por meio da Lei Complementar nº 40. 6 Percentual da população residente em áreas urbanas, em determinado espaço geográfico, no ano considerado. 7 Fenômeno urbano que ocorre quando duas cidades limítrofes se estendem até que se encontram nos seus limites territoriais, gerando muitas vezes, dúvidas entre a população quanto aos limites de cada e o que foi parâmetro para a definição de outras regiões metropolitanas pelo país. 8 Verifica-se que a partir de 2006, ano limite para que os municípios elaborassem seus respectivos planos diretores, esses empreendimentos começaram a se implantar de maneira mais recorrente, acentuando a partir de 2009, possivelmente em virtude dos incentivos econômicos na construção civil e o bom momento econômico que vivenciou o país. intensiva e extensiva. A partir dessa percepção, foi realizado um levantamento de Empreendimentos Residenciais Fechados (ERF) implantados ou em fase de implantação nos municípios da RMM, considerando como recorte temporal inicial o ano de 2006, com o objetivo de verificar os impactos dos mesmos na produção urbana da região metropolitana, sendo identificados os seguintes quantitativos (Tabela 1).

Tabela 1 Quantitativo de Empreendimentos Residenciais Fechados encontrados na Região Metropolitana de Maceió, com exceção do município de Maceió9.

MUNICÍPIO QUANTITATIVO DE PADRÃO10 ERF Atalaia 01 (um) MÉDIO Barra de São Miguel 04 (quatro) ALTO Marechal Deodoro 03 (três) BAIXO E MÉDIO Paripueira 06 (seis) MÉDIO E ALTO Rio Largo 01 (um) BAIXO Satuba 12 (doze) BAIXO TOTAL 27 (vinte e sete) Fonte: elaboração equipe, 2018.

Observa-se assim que, dos doze munícipios estudados, em seis deles foram encontrados ERF´s, sendo os municípios mais próximos da cidade de Maceió (sede da RMM) e que vêm apresentando indícios de conurbação de seus territórios com Maceió11, como Paripueira, Rio Largo e Marechal Deodoro; ou que possui um forte caráter turístico ou de veraneio, como é o caso do município da Barra de São Miguel.

A partir desse levantamento prévio de onde estão sendo implantados os ERF´s na RMM, confrontou-se com a existência (ou não) de legislações que direcionam e regulam o uso e ocupação do solo nesses municípios, visto que inexiste qualquer legislação metropolitana na RMM, como já enfatizado. Dos seis municípios destacados, apenas foram identificadas legislações referentes a uso e ocupação do solo em três deles: Rio Largo, Marechal Deodoro e Barra de São Miguel.

Em Rio Largo, oeste da RMM, foi identificado apenas 01 ERF. O município é o que mais apresenta proximidade física com Maceió, onde fica mais claro o processo de conurbação e conta com uma população de 75.688 mil habitantes (IBGE, 2010). Possui uma legislação específica, a Lei nº 1237/99 que dispõe sobre parcelamento do solo urbano, e a Lei 1549/2009, a qual institui o Plano Diretor participativo de desenvolvimento do município de Rio Largo. Em ambas legislações, mesmo a do plano que é mais recente, não se localiza qualquer menção a parâmetros urbanísticos de ocupação, ao fechamento de loteamentos e nem à figura do condomínio urbanístico, como acontece na legislação de Maceió12.

9 Salienta-se que para melhor analisar esse fenômeno nos municípios vizinhos, não foram considerados os ERFs de Maceió, que também têm se disseminado pelo território rapidamente, mas que demandaria uma reflexão mais específica. 10 O padrão foi definido a partir do tamanho dos lotes e diferenciais oferecidos pelos empreendimentos, sendo considerado alto os que possuem lotes mínimos de 450 m² e extensas áreas de lazer, médio os que têm lotes em média de 300 m², e baixo os que alcançam lotes de no máximo 250m². 11 À exceção de Atalaia, que não apresenta limite direto com Maceió e que apresenta apenas 01 ERF em seu território. 12 O Código de Urbanismo e Edificações de Maceió (2007), embora não reconheça outras figuras além do parcelamento em forma de desmembramento e loteamento, e a figura do condomínio urbanístico, oferece a possibilidade posterior de fechamento de loteamentos e desmembramentos, incentivando a proliferação de No caso de Marechal Deodoro, cidade histórica na porção sudoeste da RMM com 45.994 mil habitantes (IBGE, 2010), conta com a Lei nº 919/2006 que institui o Plano Diretor do município, a qual apresenta no art. 107 o incentivo aos condomínios horizontais em determinadas zonas do município, porém sem definir parâmetros claros de como devem se configurar. No levantamento, o município apresenta três ERF´s em seu território. No art. 163 da Lei nº 919 aponta que o parcelamento do solo urbano será regulado por Lei Municipal específica, a qual não foi localizada para observar se permite o fechamento de loteamentos ou mesmo se apresenta parâmetros claros para o parcelamento do solo ou para a criação dos condomínios.

O município litorâneo Barra de São Miguel, localizado no limite sul da RMM, conta com uma população de 7573 mil habitantes (IBGE, 2010). Possui um forte caráter turístico e funciona também como localização de segundas residências e casas de veraneio que são utilizadas sobretudo em finais de semana e períodos de férias. Na Barra de São Miguel decorre algo semelhante ao caso de Marechal Deodoro: no Plano Diretor (Lei nº 538/2013) fala-se na permissão para implantação de parcelamentos e empreendimentos residenciais, mas no Código de Urbanismo (Lei nº 539/2013) só há parâmetros claros para o parcelamento do solo, não abarcando diretrizes para empreendimentos fechados. Apesar disso, foram encontrados três ERF´s de alto padrão no território municipal, que sofre com a pressão imobiliária decorrente da procura turística pelo local.

No caso dos municípios de Satuba e Paripueira, se fossem considerados apenas quantitativos populacionais, nenhum dos dois municípios possui mais de 20.000 habitantes, principal exigência para se ter um Plano Diretor13. Porém, ambos fazem parte da RMM, e segundo o Estatuto da Cidade (2001) em seu Artigo 41, é obrigatório o Plano Diretor para municípios integrantes de Regiões Metropolitanas, assim como para municípios com forte interesse turístico, como é o caso de Paripueira, por exemplo.

Apesar da fragilidade legal, são os municípios que concentram a grande parte dos ERF´s localizados na RMM14, o que demanda uma grande preocupação do ponto de vista urbanístico, haja vista os impactos negativos desse tipo de empreendimento para suas cidades e circunvizinhanças15, especialmente na ausência de legislações e parâmetros urbanísticos bem definidos.

Por fim, no caso do município de Atalaia, apesar de concentrar apenas 01 ERF em seu território e não apresentar limites territoriais diretos com Maceió, chama a atenção o fato de contar com uma população de pouco mais de 44 mil habitantes e de ainda não possuir uma legislação de uso e ocupação do solo.

Em busca de melhor compreender as questões que envolvem os ERF´s e os impactos socioespaciais de suas implantações, definiu-se como recorte de estudo dois municípios litorâneos da RMM, visivelmente os que sofrem maior pressão do mercado imobiliário de ERF´s, onde será melhor destrinchado um ERF em cada um desses municípios, sendo eles:

loteamentos fechados e condomínios de lotes, variações já citadas (e não reconhecidas legalmente) no decorrer do texto.

13 Satuba apresenta pouco mais de 5.000 habitantes, e Paripueira pouco mais de 11.000 habitantes. 14 Foram identificados 12 ERF´s em Satuba, e 06 em Paripueira. 15 No caso de ausência de legislação específica vale o que está exposto na legislação federal de parcelamento 6766/79, a qual não prevê o fechamento de loteamentos nem a figura do condomínio urbanístico. Barra de São Miguel, com Plano Diretor e 04 ERF´s identificados; e Paripueira, município sem Plano Diretor com 06 ERF´s identificados. A partir desse recorte, serão observadas as similaridades e disparidades entre os processos, e o impacto de uma legislação de uso e ocupação do solo no que diz respeito à implantação dos ERF´s nessas áreas.

2.1 Limite sul da RMM: Condomínio Altavistta – Barra de São Miguel – Alagoas

O Condomínio Altavistta localiza-se no munícipio da Barra de São Miguel (Fig. 2), a aproximadamente 34 km da cidade de Maceió, ou como os promotores imobiliários preferem divulgar: a 30 minutos do Centro da capital. O empreendimento ainda está em fase de finalização, mas já conta com guarita e terá segurança 24 horas.

BRASIL ALAGOAS RMM BARRA DE SÃO MIGUEL

Fig. 2 Identificação do ERF na Barra de São Miguel, do município na RMM, e desta em Alagoas, Brasil.

De traçado regular, com lotes medindo em média 17,5 x 32 m, ou seja, em torno de 560 m², possui ainda extensa área verde, ciclovias, circuitos para caminhadas, além de praças e mirante, configura-se como um empreendimento voltado a média e alta renda, como proposta de segunda residência ou a residência fixa, uma vez que se divulga o baixo tempo de percurso para se chegar à capital (Fig. 3).

Fig. 3 Condomínio Altavistta com destaque para seu perímetro, traçado regular, guarita e extensa área de lazer com bastante verde. Fonte: Imagens aéreas do Google Earth, 2017. Adaptado, 2018. Ao se analisar o entorno em um raio de 1 km16, não se verificam outras áreas urbanizadas com áreas públicas, apenas uma construção em andamento que foi identificada com a continuação do próprio Condomínio Altavistta, o que indica uma expansão pontual nessa região do município e que, num futuro próximo, poderá incentivar outras ocupações que naturalmente surgirão no entorno por demandas geradas pelo próprio empreendimento. Ao ampliar a observação para as áreas adensadas mais próximas, já se verifica uma diferença de traçado, tendendo para um traçado mais irregular, com lotes menores, e escassez de áreas públicas dotadas de alguma infraestrutura de lazer (Fig. 4 e 5).

Fig. 4 Entorno do Condomínio Altavistta a partir da guarita de acesso ao ERF. Fonte: Imagens aéreas do Google Earth, 2017. Adaptado, 2018.

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Fig. 5 Entorno do Condomínio Altavistta – 1. Área livre pública e 2. Rua sem infraestrutura. Fonte: Imagens aéreas do Google Earth, 2017. Adaptado, 2018.

16 Distância considerada confortável por Gehl – autor que discute a importância de construir a cidade para as pessoas – para deslocamentos a pé ou bicicleta. O ponto de origem do raio se deu a partir da guarita de acesso aos empreendimentos estudados para se observar as relações entre os ERF´s e seu entorno imediato em busca de relações entre traçados, tamanhos de lotes, equipamentos e áreas livres de uso público. No caso em questão, embora haja Plano Diretor e mesmo Código de Urbanismo na cidade, não existem parâmetros definidos para ERF´s, apenas para loteamentos, embora os empreendimentos fechados sejam cada vez mais comuns nesse território. Dessa forma destaca-se a ampliação do território de maneira a produzir um fragmento de ideal de cidade, com traçado regular que oferece um melhor aproveitamento do terreno e da infraestrutura e extensas áreas de lazer, no entanto, para apenas uma parcela da população, aquela que pode pagar para acessar esses benefícios que são direito de todos, enquanto outra parcela não tem acesso a ruas infraestruturas e áreas de lazer, revelando as desigualdades socioespaciais e acentuando a fragmentação do território e, por conseguinte, a segregação urbana.

2.2 Leste da RMM: Loteamento (fechado) Águas Mansas – Paripueira - Alagoas

O Empreendimento Residencial Fechado (ERF) Águas Mansas está localizado no município de Paripueira/AL. Trata-se de um loteamento fechado que foi implantado no ano de 2009 (Fig. 6). Está distante do Centro da capital cerca de 30 km ou a 40 minutos, conta com duas guaritas, uma que permite acesso por uma rodovia importante do estado de Alagoas, a AL-101; e a outra confere acesso por uma via coletora mais próxima da frente litorânea, além de contar com segurança 24 horas.

BRASIL ALAGOAS RMM PARIPUEIRA

Fig. 6 Identificação do ERF em Paripueira, do município da RMM, e desta em Alagoas, Brasil.

O empreendimento Águas Mansas possui 161 lotes, cada um com área variando entre 600 a 1600 m², o que permite afirmar que volta-se a um público de alta renda, haja vista que o preço do lote está diretamente relacionado a sua grande metragem. Este ERF, assim como os demais em Paripueira, apresenta cono característica a destinação dos lotes para fins de segunda residência, ou seja, destina-se a um público flutuante que eventualmente ocupa esses empreendimentos. Talvez isso explique a grande quantidade de lotes vazios ainda existentes neste caso específico.

Quanto à sua morfologia, destaca-se o traçado regular e aberto17 das vias internas do ERF, que pela intenção do empreendimento não se comunica com o traçado urbano da cidade. Apresenta áreas internas de lazer, além da presença de dois cursos d’água dentro do perímetro do ERF (Fig. 7).

17 Entenda-se como traçado aberto as vias sem continuidade, como aquelas sem saída providas de balão de retorno.

Fig. 7 Loteamento (fechado) Águas Mansas, com enfoque para seu perímetro e traçado aberto e regular (em amarelo) comparando-se ao traçado do entorno (em laranja). Fonte: Imagens aéreas do Google Earth, 2017. Adaptado, 2018.

Analisando um raio de 1km a partir da guarita de acesso ao ERF pela via coletora, observa- se nos aglomerados urbanos, sobretudo os mais próximos às praias, que as vias não são pavimentadas, há uma regularidade no traçado, mas sem ortogonalidades, além de tamanho de lotes bastante variáveis com residências que atendem aos vários perfis de renda da população. Além disso, salienta-se a presença nesse raio de pelo menos mais quatro ERF, bem como vários hoteis e restaurantes, porém verifica-se apenas uma praça pública e um posto de saúde (Fig. 8).

Fig. 8 A esquerda, raio de 1km englobando entorno do Condomínio Altavistta a partir da guarita de acesso; e a direita aspectos do uso e ocupação do solo do mesmo entorno. Fonte: Imagens aéreas do Google Earth, 2017. Adaptado, 2018.

Como mencionado, não foram identificadas legislações municipais que lidem especificamente com as questões urbanas, especialmente com essa de empreendimento. No entanto, foi encontrado o Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima do município de Paripueira (PGI)18, ligado ao Projeto Orla do Governo Federal, onde se prevê que a ocupação dos terrenos vazios pode ser feita por novos ERF´s, empreendimentos de apoio ao turismo e hotéis. Vê-se que a única legislação existente incentiva o fechamento de empreendimentos e a privatização de áreas que originalmente são de interesse público e de acesso irrestrito, como praias e rios. Preocupa a privatização de áreas de uso comum da população pois não há previsão de acessos públicos nos projetos, e nem o município apresenta meios legais que normatizem a abertura desses acessos.

Ressalta-se ainda a contínua expansão por meio desses empreendimentos no município de Paripueira, o que significa mais espaços, que deveriam ser públicos, cercados para acesso de um público restrito, em um território que já se revela carente desses espaços. Novamente, salienta-se a ampliação das desigualdades socioespaciais por meio de um território cada vez mais fragmentado e segregado.

3 CONSIDERAÇÕES

Como se pode observar, a RMM tem se expandido, sobretudo no eixo litorâneo, de maneira extensiva por meio da disseminação de ERF. Com isso, percebe-se que a ausência de parâmetros urbanísticos decorrentes da atualização da Lei Federal 6766 impactou fortemente nos pequenos e médios municípios, até mesmo aqueles que têm Planos Diretores como é o caso da Barra de São Miguel, visto que muitas vezes esses planos não apresentam (e nem deveriam) os parâmetros necessários, ou remetem a outras legislações de uso e ocupação do solo que nem sempre existem nessas localidades.

Quando observada a sua inserção em relação às demais áreas urbanizadas do município, verifica-se que os ERFs são frequentemente afastados, ou próximos a outros ERFs; contrapõem-se em sua maioria à morfologia do entorno, tendo lotes regulares e frequentemente maiores; apresentam baixa integração com a circunvizinhança e isolam áreas verdes de lazer que poderiam responder às necessidades dos cidadãos. O que por sua vez, acentua as desigualdades socioespaciais já existentes, reveladas pela fragmentação e segregação urbana.

Enquanto isso, no entorno observam-se problemas urbanos e ambientais oriundos da ocupação da população que não foi acompanhada por uma dotação de infraestrutura mínima básica, como rede de esgotamento sanitário e pavimentação de vias, bem como carência de espaços públicos com alguma estrutura para ser utilizado como tal.

Por isso, destaca-se a necessidade de uma legislação metropolitana que possa melhor orientar e controlar esse tipo de ocupação, podendo solicitar maiores contrapartidas para o fechamento das áreas; oferecer uma fiscalização mais eficaz e comum ao crescimento e dinamização da RMM; e minimizar os impactos decorrentes da escassez de legislações municipais de uso e ocupação do solo urbano.

4 REFERÊNCIAS

Barra de São Miguel (2013a) Lei Municipal nº 538 de 12 de dezembro de 2013. AL: Altera o Plano Diretor de 2008, Prefeitura Municipal de Barra de São Miguel, Alagoas, Brasil.

18 O PGI é resultante do Projeto Orla, implementado desde 2001 pelo Governo Federal, que busca compatibilizar a política ambiental e patrimonial da União com a ocupação das orlas litorâneas brasileiras, envolvendo diretamente a gestão municipal.

Barra de São Miguel (2013b) Lei Municipal nº 539 de 12 de dezembro de 2013. AL: Institui o Código de Urbanismo e edificações do município, Prefeitura Municipal de Barra de São Miguel, Alagoas, Brasil.

Brasil (1979) Lei Nacional nº 6766 de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências, Brasília, Distrito Federal.

Brasil (2001) Lei Nacional nº 10.257 de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, Brasília, Distrito Federal.

Brasil (2012) Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima de Paripueira, Prefeitura Municipal de Paripueira, SEMARH and SPU-AL, Paripueira, Alagoas, Brasil.

Brasil (2014) Atlas do Desenvolvimento Humano das Regiões Metropolitanas Brasileiras, IPEA, FJP and PNUD, Brasília, Distrito Federal.

Castells, M. (1983) A Questão Urbana, Paz e Terra, Rio de Janeiro.

Grostein, M. (2001) Metrópole e expansão urbana: a persistência de processos “insustentáveis”. São Paulo em Perspectiva, III Encontro da ANPPAS - Efetividade do Planejamento Urbano e Regional: a Cidade Planejada e a Cidade Real. 15(1), 13-19.

IBGE (2010) Síntese de indicadores. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de Janeiro.

Limonad, E. (2011) Urbanização dispersa mais uma forma de expressão urbana?, Revista Formação, 1(14), 31-45. Maceió (2007) Lei Municipal n° 5593 de 08 de fevereiro de 2007. AL: Institui o Código de Urbanismo e Edificações, estabelece o zoneamento da cidade de acordo com os parâmetros de macrozoneamento do Plano Diretor de desenvolvimento, Prefeitura Municipal de Maceió, Alagoas, Brasil.

Marechal Deodoro (2006) Lei Municipal nº 919 de 08 de novembro de 2006. AL: Plano Diretor do Município, Prefeitura Municipal de Marechal Deodoro, Alagoas, Brasil.

Rio Largo (2009) Lei Municipal nº 1.549 de 11 de dezembro de 2009. AL: Institui o Plano Diretor participativo de desenvolvimento do município, Prefeitura Municipal de Rio Largo, Alagoas, Brasil.

Secchi, Bernardo (2007) A cidade contemporânea e seu projeto. In: REIS, Nestor G.; Portas, Nuno; Tanaka, Marta S (coords.), Dispersão Urbana. Diálogos sobre pesquisas Brasil – Europa, FAO/ USP, São Paulo, 111-139.

Sposito, M. and Góes, E. (2013) Espaços fechados e cidades: insegurança urbana e fragmentação socioespacial, UNESP, São Paulo.