Alterosa, perfil editorial e o mercado de revistas no Brasil (1939-1964)1

TAVARES, Frederico de Mello Brandão (Doutor) 2 Universidade Federal de /MG

Alexandro Galeno da COSTA (Graduando)3 Universidade Federal de Ouro Preto/MG

Bianca Lemos COBRA (Graduanda)4 Universidade Federal de Ouro Preto/MG

Hariane dos Santos ALVES (Graduanda)5 Universidade Federal de Ouro Preto/MG

Janine Letícia dos REIS (Graduanda)6 Universidade Federal de Ouro Preto/MG

Resumo: Este trabalho propõe-se a analisar a constituição da identidade editorial da revista Alterosa, extinta publicação mensal editada em , atentando-se para o imbricamento de sua estrutura ao contexto social e mercadológico da época de sua produção. Durante as quase três décadas em que circulou (1939-1964), a revista construiu formas de representar o universo regional (mineiro), inserindo-o em uma “nacionalidade” e em uma “internacionalidade”, ambas enredadas por um público imaginado específico, “familiar”, cujas tradições e hábitos abordados criavam e fomentavam um circuito editorial delimitado. Busca-se refletir sobre uma revista mensal ilustrada do contexto belo-horizontino, representativa no mercado jornalístico, observando-se como este produto incorpora, por meio de características materiais particulares, bem como de conteúdos pontuais, marcas de processos editoriais de grande importância para a consolidação da indústria cultural no país. Metodologicamente, a pesquisa parte da análise da coleção do Arquivo Público da Prefeitura de Belo Horizonte, disponível para consulta em formato digital. Por meio de uma classificação e categorização de 68 edições, são indicadas pontes para compreensão do perfil da publicação e como, por meio de suas seções e assuntos, pode-se problematizar acerca de tramas que compõem sua “totalidade”.

Palavras-chave: Revista Alterosa; Identidade editorial; Mercado de revistas; Indústria Cultural no Brasil.

1 Trabalho apresentado no GT História da Mídia Impressa, integrante do 10º Encontro Nacional de História da Mídia. 2 Doutor em Ciências da Comunicação. Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do curso de Graduação em Jornalismo na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). E-mail: [email protected] 3 Graduando em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq/UFOP). E-mail: [email protected] 4 Graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Ex-bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq/UFOP). E-mail: [email protected] 5 Graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto. Bolsista de Iniciação Científica (PIP- UFOP). E-mail: [email protected] 6 Graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto. Ex-bolsista de Iniciação Científica. E-mail: [email protected]

Alterosa e os percursos de uma pesquisa

A revista Alterosa foi uma revista ilustrada editada mensalmente pela Sociedade Editora Alterosa, em , no período de 1939 a 1964. Fundada pelo jornalista Miranda e Castro, em 1962 foi comprada pelo então Governador de Minas Gerais Magalhães Pinto. As edições contavam com seções fixas que iam desde a literatura – trazendo vários contos a assuntos como culinária, saúde, moda, beleza, rádio, cinema e novidades sobre Hollywood –, além de, também, “resultados de enquetes, pilhérias, aspectos da vida moderna, propagandas, entre outros temas” (MAIA, 2007, p. 32 – 33). Uma das concorrentes da maior revista de variedades da época, a revista O Cruzeiro, publicada pelos Diários Associados de Assis Chateaubriand, Alterosa nasceu com um perfil generalista, com seções sobre temáticas diversas, com mais espaço para os contos do que para reportagens, com espaços para publicidade, ilustrações, entre outros. Os conteúdos eram “democráticos”, voltados para um público primeiramente feminino, mas podendo ser lida por homens e mulheres, jovens, adultos e idosos. Como afirma Maia (2007), a revista era destinada à “família do Brasil” e, por isso apresentava conteúdo amplamente diversificado. Nos 25 anos em que circulou, com a mudança no cenário das famílias brasileiras, os discursos presentes na revista foram se transformando. Nesse contexto, a identidade da família mineira também é impactada. Na representação presente na revista e nos enquadramentos que podem ser observados sobre esta família, principalmente pelos conteúdos e narrativas, nota-se a inserção de Alterosa em um contexto de transformação editorial que diz respeito não só a mudanças na ordem dos valores e costumes de uma época, mas também sua sintonia em relação a um cenário de transformação mundial, que redimensiona o consumo e o entretenimento, e que opera e afeta dialeticamente o mercado de publicações como um todo. Os ecos do american-way-of-life e sua apropriação “a la brasileira”, em muito podem ser sentidos em revistas contemporâneas de Alterosa em seus primeiros anos de circulação e também naquelas que, a partir do boom editorial dos anos 1950, começam a circular. Alterosa, nesse ambiente, identifica-se com títulos que não especificamente

direcionavam-se ao público feminino, mas tinham esse como prioritário no seu horizonte. Nesse viés, as mudanças sentidas em relação às famílias brasileiras e as novidades no âmbito dos papeis sociais (e sua relação com o consumo) ali encontrados, também tornam-se presentes no universo da publicação. Se nos anos 1940 e 1950 publicações como a Revista Feminina tiveram grande adesão desta parcela de público, outras como O Cruzeiro (que, apesar de não se voltar exclusivamente a esse público, lhe dedicava seções específicas), Jornal das Moças (que circulou entre 1914 e 1965), Querida (de 1954 a 1971), e, ainda, “uma grande variedade de títulos de fotonovelas, que também explorava, as questões do coração” (LUCA, 2013, p. 453-454), podem ser incluídas neste rol. Tendo este contexto como também de concorrência, Alterosa posiciona-se ora em acordo com os anseios gerais deste momento, ora costurando sobre ele sua especificidade. Tal conteúdo estava disposto numa variedade de seções que, apesar de não denotarem o foco do feminino na revista, traziam, de maneira implícita, o viés a este público. Também, Alterosa teve seu início marcado por uma pauta principalmente citadina, encampando discursos sobre a capital mineira e as cidades do interior, o que se manteve, do ponto de vista de uma cobertura política até o seu fechamento, incluindo aí o movimento de deslocamento para pautas nacionais e internacionais (COBRA; TAVARES, 2013). O conjunto de tais características e o apanhado cronológico que as envolve colocam em evidência o encontro de dois trajetos de pesquisa. Primeiramente, entre maio de 2013 e julho de 2014, com o apoio dos editais de iniciação científica da UFOP (PIVIC, PIBIC e PIP), estivemos interessados na investigação da trajetória da revista Alterosa, observando o tensionamento indissociado entre processos identitários sociais e editoriais, tendo, pois, a identidade como conceito-chave para pensar a construção de uma revista e suas lógicas de representação simbólica. Na sequência, entre agosto de 2014 até o presente momento7, tendo em vista os saberes percebidos sobre Alterosa, avançamos sobre as marcas da revista de uma perspectiva majoritariamente editorial. Buscamos investigar sobre o “todo” de Alterosa, consideradas aí suas marcas editoriais e o papel destas na compreensão de um estágio específico da editoração mineira e brasileira em meados do século passado.

7 Também com apoio de bolsas dos editais de iniciação científica da UFOP.

Baseado no encontro desses dois trajetos investigativos, este texto, perspectivado por um olhar jornalístico e comunicacional (BERGER, 2002) e suas interfaces históricas (BARBOSA & RIBEIRO, 2005; BARBOSA, 2012), propõe-se a analisar a constituição da identidade editorial da revista Alterosa, atentando-se para o imbricamento de sua estrutura ao contexto social e mercadológico da época de sua produção. Se como afirma Hall (2005, p. 50), as identidades são conjuntos de representações, “um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos”, pergunta-se: como a revista Alterosa, sujeito comunicacional e produto cultural, enredou, ao longo de sua história, uma identidade editorial, organizando sentidos sobre si mesma e sobre o contexto editorial que a cercava? Realiza-se aqui uma análise sobre a estrutura editorial da revista como um todo, “dissecando” suas seções e compreendendo como os conteúdos e temáticas, organizavam- se e ao mesmo tempo davam a ver a composição de uma revista de variedades em meados do século XX, ajudando-nos a refletir sobre questões editoriais e mercadológicas do período. Empiricamente, a pesquisa parte da análise da coleção do Arquivo Público da Prefeitura de Belo Horizonte (APCBH), disponível para consulta em formato digital. Por meio de uma classificação e categorização de 68 edições, indicam-se pontes para compreensão do perfil da publicação e como, por meio de suas seções e assuntos, pode- se problematizar acerca de tramas que compõem sua “totalidade”.

A maturação do mercado editorial de revistas no Brasil

No ambiente histórico brasileiro, é fato que nossas revistas citadinas do final do século XIX e começo do século XX assumiram um papel de destaque ou, como alguns afirmam, de vanguarda. As revistas ilustradas tiveram papel importante não apenas na difusão de hábitos, costumes, valores e sociabilidades urbanas (OLIVEIRA, 2010), mas também na constituição de uma visualidade e sensibilidade modernas. Suas páginas coloridas, “tomadas por fotos que tendiam a subordinar o texto” (LUCA, 2010), criaram uma narrativa visual que reverenciou a vida na cidade, sua estrutura física (edifícios, avenidas, ruas e praças, cafés, confeitarias, restaurantes, hotéis etc.) e social (personagens, desigualdade – pobreza e riqueza). Não é à toa que se encontram em revistas algumas

tensões que marcavam a época, a começar por aquela que permeava a própria imprensa, baseada numa espécie de “profissionalização dos escritores” e da produção periódica. No que diz respeito à diferenciação com os jornais, considerando, pois, o contexto nacional, viu-se, no último quartel do século XIX, a emergência de uma imprensa mais competitiva e a divisão de competências entre o jornalista e o literato conferiam à revista um texto mais elaborado, outro cuidado gráfico, eventualmente melhor fatura. A repercussão de revistas culturais européias, impresso qualificador, em que se colocavam literatos conceituados, também contribuiu para a valorização do gênero, que passou a ser opção preferencial do aspirante às letras, em particular no País desprovido de casas leitoras (MARTINS, 2008, p. 69).

No Brasil, as chamadas “revistas culturais” até a década de 1920 serviram de espaço privilegiado para uma certa experimentação da cultura, favorecendo o debate intelectual a partir da literatura8. “Diretamente envolvidas na criação das chaves conceituais do modernismo brasileiro, elas incentivaram polêmicas e mais distintas estratégias discursivas” (VELLOSO, 2010, p. 79 – 80). Nessa mesma época, as revistas semanais ilustradas9, na outra ponta do “gênero”, vão lidar com a cultura de forma bem distinta. “Procuram ajustar o moderno ao mundo das necessidades e dos sentidos, integrando-o na crônica miúda do cotidiano” (VELLOSO, 2010, p. 80). Nesse sentido, se pensamos essas duas referências – revistas culturais e revistas semanais ilustradas – e os modelos que ambas criaram para um tipo de jornalismo em franca expansão no cenário brasileiro (mesmo que em alguns momentos, elementos de uma e de outra se entrecruzem), um outro fator importante deve ser agregado a elas, modificando definitivamente o contexto midiático nacional: o efetivo surgimento de uma indústria cultural no Brasil. O que, como diz Renato Ortiz (1991), pode ser apontado a partir da década de 1940, com a formação de uma sociedade de massa no Brasil, caracterizadamente urbano-industrial, concentrada nas principais cidades do país e com

8 A presença de escritores nas revistas está relacionada, como aponta Mira (1999), ao gradativo encurtamento do espaço literário nos jornais, que, no início do século XX, começaram um percurso rumo à “objetividade”. No entanto, afirma a autora, “a delimitação dos espaços reservados às questões literárias no interior dos jornais não significou o afastamento dos literatos em relação à imprensa, mas apenas uma adequação ao que esta lhes pedia” (MIRA, 1999, p. 20). 9 Destacam-se neste período as publicações Revista Ilustrada e Semana Ilustrada, que primaram, já na década de 1910, pela publicação de imagens e fotografias. Semana Ilustrada havia sido criada em meados do século XIX pelo xilogravurista, litógrafo e fotógrafo alemão Henrique Fleiuss, circulando em sua primeira versão até 1876 (MIRA, 1999).

papel decisivo na explosão e configuração específica de um mercado editorial dentro desse contexto. Como nos diz Fonseca (2008, p. 81), até esse momento, as empresas culturais existentes, “embora procurassem expandir suas bases materiais, encontravam grandes obstáculos inerentes à incipiência do capitalismo brasileiro, o que colocava limites concretos para o crescimento de uma cultura popular de massa”. O que faz com que as décadas de 1940 e 1950 sejam responsáveis pela constituição de uma sociedade de consumo de massa no Brasil e as décadas seguintes (1960 e 1970) consolidem um mercado de bens culturais brasileiro. Segundo Corrêa (2008), somente a partir da década de 1950, por exemplo, é que teremos, efetivamente, o surgimento de um mercado segmentado de “revistas de consumo” (sobre as quais falaremos em breve). Mesmo se consideramos como tardio o processo de consolidação de nossas indústrias culturais – o que não impediu sua rápida expansão –, no tocante ao processo evolutivo da revista impressa é a partir dos anos 1920, principalmente por meio de uma distinção cada vez maior dos jornais, estabelecendo fronteiras de atuação e estilo cada vez mais delimitadas, que esse meio vai se estruturando e demarcando espaços próprios. O sucesso da Revista da Semana com, já naquela época, traços das revistas semanais atuais (resumo dos acontecimentos da semana – crimes, eventos sociais e esportivos – e reconstituição fotográfica dos mesmos) e a “popularização” de outras publicações como O Malho, Fon-Fon, Careta e Dom Quixote, abre espaço para a consolidação de um novo hábito de leitura e consumo de imprensa no país, com destaque para o universo urbano. E será nessa década e contexto, com o lançamento de O Cruzeiro em 1928, que a história desse segmento editorial no Brasil ganha solidez e, efetivamente, passa a fazer parte do dia a dia de uma parcela significativa da população10. O processo de evolução do jornalismo em fins dos anos 20 e que na verdade antecipa um período de profundas transformações sociais a partir dos anos 30, decorrente de conquistas políticas e econômicas da sociedade catalisadas pelo movimento revolucionário, tem um marco na maior revista brasileira por várias décadas (BAHIA, 1990, p. 184).

Nos primórdios de O Cruzeiro, suas principais características editoriais, mesmo

10 Não tanto pelo número de leitores, mas pelo papel político que a classe consumidora de revistas no Brasil possui.

com as inovações técnicas e materiais (publicação de reportagens fotográficas, por exemplo), ainda mantêm traços literários, com a conservação de espaço significativo para contos e crônicas de autores brasileiros, além da colaboração de escritores, teatrólogos ou cineastas (MIRA, 1999). Com a consolidação das empresas de comunicação, os grupos editoriais (no nosso dessa pesquisa), é que esse cenário será alterado. Não apenas em relação a uma outra rotina produtiva, mas também a uma outra formatação simbólica para os bens culturais por elas produzidos. O que inclui, dessa forma, a partir da reunião de uma série de características históricas, o aprimoramento de uma formatação para a especialidade para a revista; seja como meio, seja como um produto jornalístico. Pode-se afirmar que do papel paradigmático assumido por O Cruzeiro, “filho dileto” dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, outros segmentos e publicações eclodiram, o que ressalta hoje, ainda mais, sua importância. O Cruzeiro marca, definitivamente, a ligação da revista com a vida urbana e com padrões “mais modernos” de sociedade, atuando como “ponte” e possibilitando e/ou influenciando o surgimento de um novo padrão de consumo e produção de imprensa no Brasil, bem como, futuramente, a segmentação do mercado editorial. A partir das décadas de 1920 e 1930, uma série de “experiências revisteiras” passou a fazer parte da realidade brasileira11. Para citar dois exemplos, pode-se destacar duas publicações cuja longevidade e desenvolvimento tiveram grande importância tanto no espaço cultural e político que ocuparam quanto na configuração de um “fazer revista” em âmbito regional no Brasil. Trata-se da gaúcha Revista do Globo (1929 – 1967) e da mineira Revista Alterosa (1939 – 1964), ambas nascidas já com o reconhecimento do papel da revista no contexto midiático (como meio diferenciado para tratar de certos assuntos) e com o propósito ideal de inaugurar um certo “cosmopolitismo” no cotidiano de seus estados de origem, fazendo dialogar assuntos regionais com aquilo que estava acontecendo mundo afora. No caso de Alterosa, durante as quase três décadas em que circulou, a revista passou por fases editoriais marcantes, o que se pode perceber tanto do ponto de vista dos

11 Vale lembrar que há uma predominância, na bibliografia da área, de estudos e pesquisas voltados para os periódicos que circularam (e circulam) a partir do eixo Rio-São Paulo. É muito menor o número de investigações voltadas para as experiências midiáticas vividas em outros estados brasileiros, principalmente durante a primeira metade do século XX.

assuntos quanto de seus discursos sobre o mundo e “sobre si”. Construiu representações e formas de representar uma identidade local (mineira, mas principalmente belo- horizontina) inserindo-a, a partir do contexto da época, em uma “nacionalidade” e uma “globalidade”, ambas tensionadas por um público imaginado específico, “familiar”, cujas tradições e hábitos abordados, criavam e fomentavam um circuito editorial específico.

A revista Alterosa: “linha do tempo” e perfil editorial

A existência da revista Alterosa possui intrínsecas relações com o que estava se passando no período de sua circulação, que abrange um período de quase três décadas entre os anos de 1939 e 1964. Este diálogo entre Alterosa e o seu “tempo” torna-se notório desde as temáticas abordadas em seus primeiros anos. Correspondendo ao slogan que dizia uma revista feita “para a família mineira”, os conteúdos de suas seções eram voltados para atender essa demanda, imposta até mesmo pelas dificuldades logísticas encontradas em meados do século XX para a sua circulação dentro de todo território nacional, além, claro, de uma produção editorial que suprisse a necessidade de um certo público leitor. Tendo como recorte em nosso trabalho o leque de 68 edições de Alterosa disponibilizadas digitalmente através do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH), é possível entender o que esse material pode nos revelar sobre os anos de circulação da revista. Mesmo com a lacuna nos intervalos existentes entre as edições analisadas, em contraponto com todas as publicadas em seus quase 30 anos de publicação, pode-se perceber características editorias da revista que se mantêm durante esse período e ajudam a compreender sua identidade bem como traços do mercado da época. Primeiramente, com a análise destas publicações da coleção, conseguimos distinguir três grandes fases editorias de Alterosa (REIS; TAVARES, 2013): de 1939 a 1947, de 1948 a 1962 e de 1962 a 1964. Cada uma delas revela as intencionalidades editorias da revista, além de demonstrar as mudanças oriundas pela modificação da demanda de seus leitores, isto em consonância com as transformações sociais que aconteceram na primeira metade do século XX. A linha evolutiva de cada etapa da revista pode ser traçada pela observação de seu conteúdo e, por consequência, do seu discurso

editorial. Inicialmente, pelas próprias delimitações logísticas de circulação por todo o território nacional nos anos 1940, a revista possuía características prioritariamente locais em seus conteúdos. A cobertura dada era basicamente as relacionadas a região metropolitana de Belo Horizonte e ao interior mineiro, com o foco na cobertura e temáticas relacionadas a elite social, visto que era composta pela parcela da população que consumia o produto. Neste mesmo período, ocorria a popularização da rádio brasileiro, que teve seu pontapé durante a Era Vargas. Isso era reverberado significativamente quando observamos o destaque dado as seções que realizam a cobertura do meio radiofônico brasileiro. Um exemplo da importância do rádio em Alterosa é a seção “Antena”, que perdura até o ano de 1947, primeira fase editorial da revista. “Antena” era responsável por revelar os principais acontecimentos da rádio nacional e, principalmente, os artistas que ascendiam ao estrelato naquele período, evidenciando a exaltação que estes adquiriam em variadas classes sociais. A leitura das seções que compunham essa fase de centralização da circulação da revista em terras mineiras, mostra o modo como ela dialogava com as tradições e costumes da época. Chama a atenção a presença de temáticas relacionadas às mulheres. Há seções que variam entre a cobertura do mercado da moda, ao mundo das joias, aos cuidados com o lar, além de um viés da mulher como semeadora de comportamentos dogmatizados através de seções comportamentais que ia da educação dos filhos até rígidas regras de “etiqueta”. Destacamos que, nesta fase, o número de seções com pouca durabilidade na revista reflete a lógica do jornalismo da época, menos profissional e institucionalizado que hoje. O que indicava também um projeto editorial ainda em consolidação por parte da publicação. No entanto, Alterosa, assim como as revistas mais recentes, já dispunha em suas páginas aquilo que seu leitor estava disposto a consumir. Nesta primeira etapa da revista (de 1939 a 1947) conseguimos evidenciar a presença de quase 49 seções, entretanto apenas 11 permaneceram sendo publicadas por maior tempo. Destas observamos que quase todas estavam relacionadas a temáticas de cunho social e literário.

Temáticas Seções (1939 a 1947) Literatura Cartas de Carlos Severino (1)*, Cartas dos EUA (7), Cartas de NY (4), Cartas do Rio (4), Esparsos (23), Aqui e acolá (16), Amores Históricos (16), Pingos da História (16), Águas Passadas (3), Outra Comé- dia da Vida (3). Entretenimento Festas (1), Salões (1), Belas Artes (1), Teatro, Musica (1), Filme do Mês (1), Para Seu (1), Hinterlânida Radiofônica (1), Nosso Lar (1), Figuras e Fatos (2), Novidades de Hollywood (3), Livros Novos (3), 1º comunhão (3), Grandes Vultos de MG (5), Tapete Mágico (6), Para o Seu Albúm (17), Páginas das Mães (18), Gravologia (19), Pilhérias (19), Sedas e Plumas (22), De Cinema (8), De Mês a Mês (25), (Crianças (19), Caixa Postal (6), Indicador de Cidades (20). Notícias Noticiário Elegante (1), Terra Mineira (2), Sociedade Mineira (3), Enlaces (11), Recordar é Viver (15), O Mês em Revista (23). Mulher Penteados (3), A Moda e as Jóias (2), Tendências da Moda (17), Bazar Feminino (3), Caixa de Segre- dos (20).

Tabela 1 * Número de edições em que a seção aparece.

Uma das principais marcas observadas pela linha editorial da revista nesta fase diz da retratação e do olhar dado às mulheres (COBRA; TAVARES, 2014). A revista buscava oferecer às mulheres um momento de “fruição” ao consumir, tanto pelos bens materiais expostos na publicidade quanto pelo estilo de vida representado via celebridades, além dos conteúdos ficcionais espalhados pelas edições. A principal aposta para esse processo era a presença significante de espaços destinados a textos literários, com o foco na publicação de “novelas” continuamente, que “obrigam” a leitora a adquirir a próxima edição para a continuidade da história. Desde o seu início a revista dava destaque a parte literária. Alterosa oferecia aos leitores uma diversidade de textos de cunho literário, que variavam desde a publicação de poesias na seção intitulado “Esparsos”, que aliás tornou-se um das poucas a permanecerem em suas duas fases, até crônicas com viés romântico até a histórias policiais na chamada “O crime não compensa”. Na segunda fase da revista, a partir de 1947, esse percurso literário deixa claro a importância que a própria revista dava aos seus leitores. A criação do “Concurso de Contos” permitiu a construção de parte do conteúdo de Alterosa por meio de contos enviados à publicação. A Cia de Seguros “Minas-Brasil” patrocinava o concurso com premiação em dinheiro para os primeiros e segundos lugares, além de uma menção honrosa para os terceiros e quartos. Desta forma, as edições de Alterosa sempre tinham

a presença de no mínimo quatro contos de escritores premiados no concurso e, eventualmente, algum texto de autoria própria da revista. Como indicam os slogans da revista, Alterosa passa a ser a revista não mais apenas da “família mineira”, mas, sim, da “família brasileira”. A revista passa também a abranger conteúdos para potenciais leitores de todo o Brasil, para além dos acontecimentos de Minas Gerais, mantendo como “costura” um viés feminino. Isso ser notado na criação de seções como “Voz do Brasil” e “Panorama do Mundo” que buscavam realizar uma cobertura mais ampla dos acontecimentos que ocorreram no período. Ambas, intercaladas com colunas voltadas para as denotadas “necessidades femininas”. O peso das seções voltadas à mulher ganha ainda mais notoriedade. A seção “Bazar Feminino” seria uma das mais claras evidencias dessa visão sobre a mulher. Esta seção explicitava a presença das temáticas femininas dentro da revista, unificando-as em um mesmo espaço. Ao ler a “Bazar Feminino” a mulher via-se de frente com um leque de informações que variavam deste a dica de penteados e os últimos lançamentos da moda até dicas de decoração para o lar e receitas culinárias. Ou seja, a leitora encontrava naquele espaço recheado de fotografias atraentes “tudo aquilo” que ela precisaria para viver bem. Uma síntese que evidenciava o caráter da revista, um perfil com elementos de várias seções agora em uma só seção. O papel da mulher é ressaltado não apenas como mera leitora da publicação, mas como potencial consumidora, o que se revela, por exemplo, na presença de colunistas que escreviam para a revista diretamente de Paris, com dicas daquilo que havia de mais novo nos parâmetros da moda. Tal característica é marca também da estrutura da revista naquele momento. Alterosa passou a ter um número menor de seções em relações as do seu período inicial. Conseguimos, durante parte desta fase (de 1947 a 1958), destacar a presença de 37 seções, sendo que sete delas se mantiveram com maior perenidade. Isto ocorreu, principalmente, com as de temáticas ligadas ao humor – como a seção “Quintadinha” – e as relacionadas às feminilidades – como “ Bazar Feminino”. O momento preciso sobre esta virada editorial – do protagonismo das variedades ao do feminino, como viés – não pode ser delimitado especificamente, dado o intervalo de quase 10 anos entre os anos de 1947 até 1956, nas edições da coleção do APCBH. No

entanto, as edições existentes após essa lacuna, totalmente reformuladas, dão pistas para a compreensão de seus modos de endereçamento (VERÓN, 2004) a seu “novo” público alvo e ao “padrão” editorial em consolidação – note-se, por exemplo, o crescimento no número de seções classificadas como “de notícias”.

Temáticas Seções (1947 a 1958) Literatura Dentro da Vida (3)*, Páginas Escolhidas (8), Cantigas (10), O Crime Não Compensa (10), Poesia (11) Páginas da História (11), Esparsos (11). Entretenimento Flagrantes (1), Passatempo (1), Cheiros e Negócios (1), Foguetes (1), Problemas de Todo Mundo (2) Satélites e Teleguiados (6), Teatrinho (10), Picadeiro (12). Notícias Dicas (1), Tai (1), Como Falar, Como Escrever (3), Rádio, TV e Discos (3), Arte de Viver (3), Fotos e Legendas (4), Sociedade (4), Cartas à Redação (10), Nossas Crianças (10), Crianças (12), Fuga (19), Fonte Viva (16), Saúde (15), Tapete Mágico (16), Livros e Letras (18), Palavras Cruzadas (17), De Cinema (19), A Voz do Brasil (18), Panorama do Mundo (22). Mulher Para o Seu Lar (9), Bazar Feminino (21), Caixa de Segredos (11).

Tabela 2 * Número de edições em que a seção aparece.

A partir de meados de 1958, ainda nesta fase editorial, Alterosa fica marcada por uma outra mudança significativa em seu projeto: a consolidação da internacionalização do seu conteúdo. Além disso, a partir daí apenas quatro seções aparecem: a “Em poucas palavras” que fazia uma compilação de notas de acontecimentos que ocorreram no Brasil (notamos nela uma semelhança com a “Voz do Brasil” que possui o mesmo direcionamento), a coluna de Bueno Riviera que dava continuação ao lado literário que era marca da revista, além da “Humor”, que, assim, consolidou-se com a mais longeva seção de Alterosa. A revista passa a ser composta, em geral, por reportagens extensas, demostrando um maior caráter jornalístico. Os assuntos abordados são predominantemente relacionados a acontecimentos internacionais ao invés do âmbito nacional. Dando destaque aos astros e estrelas de Hollywood que sempre eram merecedores de longas reportagens. O que demonstra também uma oscilação mais evidente entre assunto “leves” e “sérios”, equilibrando uma nova perspectiva. De 1962 a 1964, Alterosa viveu sua última fase editorial. Em 1962, a revista foi vendida pelo jornalista Olímpio de Miranda e Castro ao grupo do então governador de Minas, Magalhães Pinto, passando por uma ampla reforma editorial comandada por José

Aparecido de Oliveira que confiou ao jornalista e escritor Roberto Drummond, a missão de chefiar a redação da revista. A partir de então, a revista experimentou um período de extrema vitalidade. Isso se deve, principalmente, à introdução de fotorreportagens em suas páginas, acompanhando, um pouco tardiamente, a renovação que aconteceu no fotojornalismo brasileiro a partir da atuação de fotógrafos estrangeiros que trouxeram para o país o modelo das grandes revistas ilustradas europeias e americanas de duas décadas antes (RODRIGUES, 2011).

Além de tais marcas editoriais, é forte nesse período a tentativa de usar a revista com fins políticos, já que seu novo proprietário, ligado à UDN, buscava discursivamente cercar o governo Jango, então no poder. Além de uma alteração no formato e tamanho – Alterosa vai se aproximar (e se inspirar nos) dos moldes da revista Manchete – o viés pelo feminino e pelo regional, com registros da “alta sociedade” mineira, deixa de estar efetivamente no foco. Tal perspectiva seguiu até as vésperas do natal de 1964, quando a revista foi fechada e encerrou suas atividades.

Diálogos com o contexto: considerações finais

Na junção entre as questões empresariais, históricas e mercadológicas, segundo afirma Vallada (1989), a revista é um produto que deve se adequar a uma época, a um público-alvo e a um segmento específico, posicionando-se estrategicamente. No cenário estudado pelo autor, fica clara uma questão pontual e datada: o fechamento de importantes revistas de generalidades (temos o exemplo de O Cruzeiro na década de 1970 e de tantas outras) está acompanhado de uma tendência histórica e mundial no “negócio de revistas”: “a segmentação, a especialização; a segmentação da segmentação ou a superespecialização” (VALLADA, 1989, p. 18). Uma lógica que está atrelada a questões sociais e históricas, mas que se assenta no consumo perene e cada vez maior de títulos específicos e na busca destes de, sem perder o fio editorial, cambiar constantemente conteúdos em busca de um diferencial que acompanhe um público leitor, um leque de anunciantes e, além disso, que reflita sua periodicidade e aquilo que dela possa ser explorado. Alterosa, nessa dinâmica, traz consigo duas questões: soube dialogar com o contexto editorial de sua época, incorporando direcionamentos de público e, ao mesmo

tempo, de orientação pela concorrência; assim como edificou-se como produto a ser consumido, sabendo responder aos anseios da indústria cultural daquele momento e aos hábitos de consumo e entretenimento de um mercado de bens em expansão, o que fica claro pela sua publicidade e sua estrutura editorial. Seu fechamento, menos que motivado por um “insucesso”, deveu-se a questões de ordem política, apontando para um descompasso entre o seu vigor de mais de duas décadas e sua profissionalização no último biênio de existência. Não apenas no sentido comercial, mas pelo viés da análise de sua estrutura e identidade editoriais, pode-se afirmar que a experiência de Alterosa tem como marco a visibilidade de um modelo exitoso do “fazer revista” que antecede a explosão da segmentação sem, no entanto, ter esta como motivo protagonista para o seu fim. Os motivos dessa longevidade, por isso, bem como a compreensão de seus liamos, seguem sendo os focos da continuidade de nossa pesquisa.

Referências

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