RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 86 [ 26/4/2012 a 2/5/2012 ] Sumário

CINEMA E TV...... 4 Correio Braziliense - Festival Brasileiro em ...... 4 Estado de Minas - Menor e melhor ...... 4 Folha de S. Paulo – "Girimunho" extrai poesia do sertão mineiro...... 5 Folha de S. Paulo – Festival de Cannes: Cacá Diegues preside júri para iniciantes...... 6 Valor Econômico - O cinema como destino...... 6 Valor Econômico - Cannes esquenta os motores...... 10 O Estado de S. Paulo - Realismo fantástico baiano / Entrevista / Edgard Navarro...... 11 O Estado de S. Paulo - Girimunho e as voltas da vida...... 12 Estado de Minas - Brasil multifacetado ...... 13 Folha de S. Paulo – Quarteto Fantástico...... 15 O Estado de S. Paulo - O 'novo' Brasil, por Spike Lee...... 16 O Estado de S. Paulo - Helena e seus dois maridos...... 17 Jornal de Brasília - Filmes brasileiros em Lisboa ...... 19 Estado de Minas – Sessão de gala ...... 19 Estado de Minas – Em nome do pai ...... 21 Folha de S. Paulo – 'O Brasil é moralista, é racista’ / Entrevista / Bruno Barreto ...... 21 TEATRO E DANÇA...... 22 Correio Braziliense - Coreografias aéreas...... 23 Estado de Minas – Teatro: Monólogo mineiro vai a Cuba ...... 24 ARTES PLÁSTICAS...... 25 Veja - O acervo de uma vida...... 25 Estado de Minas - Prêmio Nacional...... 27 Estado de Minas - Criação com método...... 28 Valor Econômico - O homem que pinta Niemeyer...... 29 O Estado de S. Paulo – Amilcar condensado em série...... 31 IstoÉ - Um pintor 100% brasileiro...... 32 Correio Braziliense - Geometria do belo...... 33 Estado de Minas – Artes visuais: Eterna mudança ...... 34 FOTOGRAFIA...... 35 Zero Hora – Olhar brasileiro na Líbia...... 35 Zero Hora – “Faz um ano que eu próprio quase morri” / Entrevista / André Liohn...... 35 MÚSICA...... 36 Correio Braziliense - Palco para virtuoses...... 36 Estado de Minas - Fanfarra contemporânea ...... 37 Folha de S. Paulo – Música: Sesc lança um portal de partituras com 300 obras de brasileiros....38 Pagina 12 (Argentina) - Una ecuación sin muchas incógnitas...... 38 Correio Braziliense - O Brasil cantado em francês...... 39 Correio Braziliense - Meio brega, meio pop ...... 40 Correio Braziliense - Orgulho nativo ...... 41 Correio Braziliense – Pixinguinha ganha partituras...... 43 LIVROS E LITERATURA...... 44 Correio Braziliense - Poesia do movimento ...... 44 Veja - O crítico justiceiro...... 45 Folha de S. Paulo - Projeto conta história indígena em idioma falado por 6 pessoas...... 46 Correio Braziliense - Utopia da cultura reencontrada ...... 47 Correio Braziliense - Flipiri de graça ...... 49 ARQUITETURA E DESIGN...... 50 O Estado de S. Paulo - Lina. obra poética de uma humanista...... 50 QUADRINHOS...... 51 Valor Econômico - O herói dos quadrinhos...... 51 Folha de S. Paulo - Brasileiro recria Bíblia ao estilo de HQs de super-heróis...... 53

2 GASTRONOMIA...... 54 O Globo - Restaurante de Atala eleito o quarto melhor do mundo...... 54 O Estado de S. Paulo - D.O.M., de Atala, é o 4º melhor do mundo...... 55 O Estado de S. Paulo - 'Agora não é mais sorte. Nem acaso'/ Entrevista...... 56 Folha de S. Paulo – No clube dos cinco...... 56 Folha de S. Paulo – Para Sudbrack, Brasil será 'força na gastronomia'...... 57 Valor Econômico - Caminho duro, glória longa...... 58 OUTROS...... 60 Istoé - Constelações artísticas...... 60 Valor Econômico - Vanguardas latinas ganham arquivo virtual...... 61

3 CINEMA E TV

Correio Braziliense - Festival Brasileiro em Paris

(26/4/2012) De 9 a 22 de maio, será realizado, no cine Le Nouveau Latino, o Festival de Cinema Brasileiro de Paris, que chega à 14ª edição e se consolida como o evento audiovisual brasileiro de maior prestígio no exterior. Realizada pela Associação Jangada, da carioca Katia Adler, a mostra exibirá 29 filmes: 12 documentários fora de competição, sete ficções que disputam o prêmio de Melhor Filme, eleito pelo voto popular, além da retrospectiva Riofilme 20 Anos e de uma homenagem ao cineasta francês Claude Santiago.

Estado de Minas - Menor e melhor

Cine PE Festival do Audiovisual inicia sua 16ª edição hoje com novo formato e reduz filmes das mostras competitivas

Thaís Pacheco

O produtor Alfredo Bertini é organizador do Cine PE, que começa hoje

(26/4/2012) Décima sexta edição, três homenageados e 40 filmes. Esse é o cenário do Cine PE – Festival do Audiovisual, que começa hoje, no Cine Teatro Guararapes, no Centro de Convenções de Pernambuco, em Olinda. Durante os sete dias de evento (que custou R$ 2 milhões aos produtores), o público esperado é de 300 mil pessoas.

Na edição anterior, os organizadores Alfredo e Sandra Bertini ouviram dos frequentadores que a programação era muito extensa e inviável de ser totalmente consumida. Atendendo pedidos, pensaram uma agenda mais enxuta.

Desta vez serão exibidos apenas três curtas por noite e um longa por noite nas respectivas mostras competitivas. A escolha foi resultado da experiência. “Depois de 16 anos, estamos num estágio de maturidade”, garante Alfredo Bertini. “Conseguimos programação enxuta e ao mesmo tempo plural. Quem pensa festival tem de pensar dessa maneira; se não houver pluralidade é mostra. O modelo estava realmente cansativo para o público e para a produção”, diz.

4 O produtor conta que a intenção sempre foi criar espaço democrático para exibir curtas e longas, sem distinção. “Continuamos fazendo isso, mas a programação diminuiu”, avisa.

Nas mostras competitivas, serão seis longas e 18 curtas. Entre os curtas, quatro pernambucanos, outros três nordestinos e nenhum representante mineiro. Fora da competição serão exibidos outros quatro longas. O último deles, produzido por Alfredo Bertini, é o documentário também pernambucano Sons da esperança, de Zelito Viana.

Os demais são ligados aos homenageados. Cacá Diegues receberá homenagem pelos 50 anos de carreira e Xica da Silva será apresentado. Fernando Meirelles, que celebra 10 anos de Cidade de Deus, verá exibida sua nova produção, Xingu. O ator Ney Latorraca verá na telona do festival Beijo no asfalto, de 1980, que estrelou sob direção de Bruno Barreto. “Estávamos com o nome do Ney em mente por ser um dos grandes atores brasileiros. Não tem uma data marcante para celebrar. Mas foi uma escolha nossa reconhecer nele um ator merecedor de uma homenagem do cinema brasileiro”, explica Bertini.

Sem solenidades de abertura, o primeiro filme a ser apresentado na mostra competitiva de longas, hoje à noite, é À beira do caminho, de Breno Silveira (de Dois filhos de Francisco). “Esse filme foi terminado há cerca de dois anos e é da Conspiração, que há muito tempo não entra em nenhuma competição. Para nós, é uma honra tê-los”, celebra Bertini.

Frente dos Festivais Bertini vai aproveitar esta edição do Cine PE – Festival do Audiovisual, para lançar a Frente dos Festivais, grupo de produtores de grandes eventos brasileiros que deve se unir para somar esforços e colher benefícios como mais qualidade técnica e patrocínios, por exemplo.

“É importante que ocorram eventos audiovisuais no Brasil, seja festivais ou mostras, para difundir o produto brasileiro. A existência de 400 atualmente é importante e tem seu mérito, mas é evidente que numa massa tão grande, não há como se pensar de maneira uniforme”, ele justifica, falando da importância de diferenciar a pluralidade de um festival para a especificidade de temas de uma mostra.

“Então, decidimos reunir um grupo que não se sentia representado diante da diversidade, que é importante ser trabalhada de maneira diferente”, explica. Nesse grupo, que visa à cooperação técnica e parcerias públicas e privadas, já estão o Cine PE, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o Cine Ceará, o Festival do Rio e o Festival de Cinema de Gramado, onde a conversa começou.

Folha de S. Paulo – "Girimunho" extrai poesia do sertão mineiro

Longa de Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina narra efeitos da instabilidade e da inquietude nos habitantes de um povoado ALCINO LEITE NETO, ARTICULISTA DA FOLHA (27/04/12) Nos últimos anos, o documentário no Brasil desenvolveu uma linguagem bem mais forte e relevante do que a dos filmes de ficção.

Uma das razões disso é o fato de a TV ter impregnado de tal forma a dramaturgia brasileira que as imagens da ficção no cinema parecem quase sempre variações dos clichês das telenovelas.

Por isso, "Girimunho", que já recebeu três prêmios no exterior, nos festivais de Havana (Cuba) e Nantes (França), merece ser visto com atenção.

Misto de ficção e documentário, o filme busca um modo de contar histórias do país que rejeita as fórmulas dramáticas hegemônicas.

Nele, os diretores Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina reencenam o cotidiano de um povoado no sertão mineiro, tendo os próprios habitantes como atores.

LINHAGEM

5 Filiam-se, assim, a uma antiga linhagem cinematográfica -dos ancestrais Robert J. Flaherty (1884- 1951) e F.W. Murnau (1888-1931)-, que refloresceu no trabalho de realizadores atuais, como o iraniano Abbas Kiarostami ou o português Pedro Costa.

Ao contrário de Kiarostami, porém, os diretores brasileiros evitam sobrepor a sua própria narrativa às que já estão dadas pelo dia a dia dos "personagens".

E, diferentemente de Pedro Costa, eles têm um trato mais poético do que político do universo abordado.

CONFLITOS

As imagens iniciais mostram uma agitada festa no povoado, ao som convulsivo de um batuque. O que se vê depois, entretanto, é um lento fluir das coisas, como se o tempo fosse parar.

Como ele não para, uma série de conflitos emerge no lugar: entre a estagnação e o movimento, o silêncio e o discurso, a juventude e a velhice, a morte e o giro incessante da vida.

A beleza de "Girimunho" provém do rigor da observação, do modo como os diretores conseguem captar e descrever os efeitos da instabilidade e da inquietude nos habitantes daquele lugar no fim de mundo.

Talvez se possa extrair daí a dimensão política do filme: neste esforço de Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina de buscar no sertão miserável um poema sobre o desassossego e a mudança.

Folha de S. Paulo – Festival de Cannes: Cacá Diegues preside júri para iniciantes

(27/04/12) O brasileiro Cacá Diegues será presidente do Caméra D'Or no Festival de Cannes, a partir de 16/5. O troféu premia iniciantes. "É bom para ver novas tendências do mundo", diz. O festival exibirá "Xica da Silva" (1976) em sessão especial. Já o francês Bertrand Bonello presidirá a Semana da Crítica.

Valor Econômico - O cinema como destino

(27/04/2012) O diretor Cao Hamburger chega ao Vito - pequeno restaurante no Alto de Pinheiros, a um pulo de sua casa - vestindo camiseta preta, calça clara. O sorriso é aberto. Suas feições são um banquete para os caricaturistas, ele mesmo admite, dono de sobrancelhas fartas e desgrenhadas, rosto largo e queixo proeminente. Prestes a completar 50 anos, os fios brancos ainda são parcos na cabeleira preta.

Quando pequeno, Carlos Império Hamburger costumava ouvir do pai, Ernest: "Desligue essa caixa maldita!" - ele se referia à televisão, veículo malvisto pelos educadores e intelectuais da época. Anos mais tarde, Cao seria responsável por rechear a tal caixa com produtos aos quais nem Ernest se oporia, como a premiada série "Castelo Rá Tim Bum", exibida por anos a fio na TV Cultura, um episódio de "Cidade dos Homens" (2004) Cao com atores de “O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias” e a série "Filhos do Carnaval" (2006). No cinema, Cao fez "O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias" - narrado sob o ponto de vista de um menino de 12 anos em meio à ditadura militar, ao afastamento dos pais e aos festejos da Copa do Mundo de 1970. Os pais do diretor, os cientistas Ernest e Amélia Hamburger, foram perseguidos e presos nessa época. "O filme funcionou como um expurgo desse trauma familiar", conta Cao.

6 Conquistou diversos prêmios, foi exibido em 20 países, mereceu indicação para melhor filme estrangeiro no Festival de Berlim, em 2007.

Agora é a vez de "Xingu", projeto em que Cao esteve mergulhado nos últimos cinco anos. Produzido pela O2 Filmes, o filme narra as expedições dos irmãos Villas Bôas e a luta deles pela preservação dos índios na floresta amazônica - que culminou na criação do Parque Nacional do Xingu. Conquistou o terceiro lugar no prêmio de público do Festival de Berlim e foi selecionado para participar do Festival de Tribeca, em Nova York.

E chegou a hora do lançamento no Brasil. Cao gostaria mesmo é de sumir em dia de estreia. As quase três décadas de experiência e os prêmios amealhados de nada servem para abrandar seu nervosismo. Cao entra e sai da sala de exibição, espia de soslaio a reação da plateia ou fica "alucinado", como cão de guarda na porta, para garantir que esteja sempre fechada. Quando as luzes se acendem, é hora de receber, sempre com desconfiança, os elogios dos convidados.

Com todas as mesas ocupadas, o burburinho no restaurante é grande. "Nossa, vai dar para você gravar?", Cao diz, olhando para o aparelhinho sobre a mesa, adivinhando o pior dos pesadelos da repórter. Para um diretor de cinema, ele diz, uma falha no áudio é mais grave do que o de uma lacuna na imagem.

Antes de estudar o cardápio, Cao anuncia que vai de macarrão. Logo muda de ideia e pede um peixe recheado com espinafre e "pinoli", com um pouco de manteiga e sálvia, e substitui o purê de batatas, que faz parte do prato, por legumes. Peixe era o prato que mais consumia quando esteve com os índios. "Era pescado na hora e assado numa estrutura de galho. E muito beiju, feito de mandioca. Hum, um negócio."

A garçonete o traz de volta ao sugerir como entrada uma salada de folhas verdes, parmesão e tomate-cereja. Nos copos, vinho branco.

Quando indagado sobre o que queria ser quando crescesse, o moleque sempre tinha a resposta na ponta da língua: "Pai". Casado com a pedagoga Ana Maria Caira, eles têm dois filhos: Tom, que participou como assistente de direção em "Xingu", e Carolina, que estuda pedagogia. Nos anos 90, época de "Castelo Rá Tim Bum", as crias eram pequenas e Cao respirava o universo infantil 24 horas por dia. "Foi uma das fases mais felizes da minha vida", diz, balançando o copo de vinho antes de dar o primeiro gole. Nunca teve dúvida: "Ter filhos é o grande evento da nossa existência."

O segundo sonho de Cao era ser músico. Fez aulas de violão por vários anos e chegou a montar uma banda com o Titã Nando Reis, chamada Os Camarões. "Tentei ser músico, muito, muito, muito e de verdade. Até o momento em que percebi que não era bom e nunca seria. Desisti. Sou cineasta porque não consegui ser músico."

Quando o projeto acalentado durante tanto tempo minguou, o rapaz se viu "meio perdidão". Entrou em três faculdades diferentes - música, geografia e engenharia florestal - e não seguiu nenhuma. Até topar, no puro acaso, com um cartaz que oferecia um curso de cinema de animação.

"Nossa, nunca tinha pensado nisso. Eu, como os irmãos Villas Bôas, já tinha uma preocupação com o meio ambiente." Enquanto rega sua salada com azeite, segue apontando outras semelhança entre ele e os sertanistas. "Os três se meteram numa expedição sem saber o que queriam da vida e encontraram os índios; eu, procurando uma profissão, encontrei o cinema. Acho que todos nós, buscando um motivo para estar no mundo, passamos por isso. Nossa, me perdi, onde eu estava mesmo?", pergunta, antes de espetar, certeiro, um dos tomates-cereja de seu prato.

Cao recebeu da família uma formação "diversa e aberta". Os bisavós maternos, católicos praticantes, vieram da Itália, enquanto a família do pai, judia - e nem tão praticante assim - veio de Hamburgo, a segunda maior cidade da Alemanha, fugindo da guerra. Na infância, celebrava todas as festas cristãs e outras tantas judaicas.

Cao recorda-se de um domingo específico, lá pelos 18 anos, em que essa mistura ficou ainda mais evidente. No almoço, devorou macarronada e tomates recheados em volta de uma mesa em que todos falavam ao mesmo tempo na casa da avó italiana. No fim da tarde foi para a casa dos avós

7 paternos, cheia de livros e móveis de madeira rústica, fartar-se de quitutes judaicos. À noite estava nos ensaios de bateria numa escola de samba paulistana. "Minha criação foi, literalmente, um grande samba do crioulo doido."

Dos pais e do tio - irmão de Amélia, o cenógrafo e artista plástico Flávio Império (1935-1985) -, Cao e seus irmãos receberam grande incentivo para as artes. Prova disso é a profissão que cada um escolheu. Sônia é produtora de cinema; Vera, diretora de arte; Fernando, fotógrafo; Esther, professora de comunicações e artes; e Cao a gente já sabe. Divulgação“Castelo Rá Tim Bum”, sua criação, na TV Cultura desde os anos 1990

Os anos no Colégio Equipe corroboraram a vocação. "Era um ambiente muito efervescente, éramos adolescentes metidos a besta e a artistas, no bom sentido." Dali saíram os artistas plásticos Rodrigo Andrade, Carlito Carvalhosa e Nuno Ramos - criadores da Casa 7, como ficou conhecido o grupo que marcou a arte brasileira nos anos 80 -, o apresentador Serginho Groisman, que estava à frente do centro cultural da escola - e todos os músicos dos Titãs.

A garçonete recolhe os pratos de salada vazios e passamos para a comida quente. Depois da primeira garfada, Cao - guiado pelo gosto do peixe - muda o rumo da conversa. "Xingu" foi, segundo ele, o trabalho mais difícil que já fez. O roteiro, elaborado com Anna Muylaert e Elena Soares, envolveu muita pesquisa. O narrador da história é Cláudio, dos irmãos Villas Bôas, aquele que sempre se mostrou avesso ao convívio em sociedade. "Ele não gostava de aparecer e não se sentia bem na cidade, por isso se enfiou no meio do mato", Cao explica. "Me identifiquei muito com ele." Em que ponto? "Tenho uma entrega sem limites, fico tomado pelo que faço. Foi assim com todos os meus trabalhos."

Depois do roteiro, é o momento da "explosão". "Precisa acontecer um 'big-bang' e o universo criado passar a fazer sentido e você acreditar nele. Esse é o grande mistério de fazer um filme. Todos os elementos têm que combinar de uma maneira harmoniosa e ao mesmo tempo explosiva."

Não há fórmulas para isso. O único segredo que tem dado certo é repetir parcerias, seja para escrever o roteiro, para fazer a trilha sonora ou a fotografia. "É uma das coisas mais sagradas de minha profissão. É muito difícil a química entre as pessoas acontecer; quando acontece, valorizo muito. Com os atores dá pra variar mais."

A escolha dos atores, "fase mais prazerosa no processo", é o início da materialização do roteiro. Para viver os irmãos Villas Bôas, Cao convocou João Miguel, Felipe Camargo e Caio Blat. Os dois últimos já tinham trabalhado com ele. "O fato de repetir eu quase chamo de coincidência. O mais importante na escolha é que o ator tenha a ver com o personagem e que forme uma química entre eles."

O início das pesquisas para o filme coincidiu com a descoberta de um câncer em sua mãe, que morreu há um ano.

"Foi simbólico para entender como a vida acontece. Enquanto eu dava vida ao universo do filme, minha mãe estava morrendo. Quando fui para o Xingu, achei que nunca mais ia vê-la." Cao mexe na comida, espalha os legumes no prato. "Foi muito duro. Tinha um esquema para eu voltar a qualquer momento, numa emergência e minha mãe..." - interrompe antes de completar a frase e depois de uma pausa prossegue. "Minha mãe morreu, eu tinha acabado de filmar."

Os índios são incríveis, muito mais civilizados que nós. Têm um rigor ético, moral e uma organização social muito superior à nossa

Nesse momento o diretor de cinema Heitor Dhalia - que lança "12 Horas", feito nos Estados Unidos, e almoça numa mesa próxima - levanta-se para saudar o colega. "Você está me devendo um almoço", cobra. "Só falta marcar a data", Cao responde. Assim que Dhalia se afasta, "Xingu" volta à baila.

Cao e sua equipe abandonaram o conforto da cidade para enfrentar desafios de toda sorte, em locações de difícil acesso no Tocantins e no Parque Nacional do Xingu (Mato Grosso). No primeiro dia de filmagens, a locação escolhida foi destruída por uma queimada, um dos aviões usados por eles caiu, muitas das quase 150 pessoas envolvidas no trabalho tombaram doentes. Isso, sem falar nas picadas de mosquitos e no calor de 40 graus. E como esquecer a invasão de um set por uma onça e

8 outro por jacarés? A responsável pela maquiagem contou, ainda, no blog do filme, do medo "de cruzar com uma sucuri nadando no rio".

Desse medo Cao não sofria, pois tomava banho de rio e dormia em rede. "É muito gostoso. Você tem que deitar atravessado, para não machucar a coluna." Quando fala dos índios e da paisagem do lugar, se esquece de que "filmagem é um moedor de carne", durante a qual tem que responder "a duas mil perguntas por dia" e dormir quase nada. Silvia Costanti/Valor Cao tem dúvidas quanto ao futuro do cinema: “Não sei se vai durar da maneira como existe hoje”

Cao é só elogios aos índios que atuaram no filme. O único cuidado era com as cenas com muita gente - Cao conta rindo -, em que tinha que repetir a mesma tomada inúmeras vezes. Quando cansavam, os índios simplesmente abandonavam a cena e deixavam a equipe a ver mosquitos.

"Sabe, os índios são incríveis, muito mais civilizados que nós", observa, deixando o garfo no prato e liberando as mãos italianas para enfatizar o relato. "Têm um rigor ético, moral e uma organização social muito superior à nossa." Um exemplo?

Um dia duas pessoas da equipe técnica, já exaustas, discutiram por alguma bobagem. Os índios ficaram ofendidos, pois não brigam na frente de estranhos. "É muita prepotência achar que evoluímos mais que eles. Enquanto descobrimos a tecnologia, para a criação de computadores e máquinas [e aponta para a fotógrafa que dispara flashes em sua direção], eles evoluíram em outros campos. Sabem viver com pouca tralha, são mais felizes e menos ansiosos. É só observar a relação deles com o planeta, com o lugar onde moram. Têm sabedorias, é um tesouro mais valioso do que qualquer coisa que a gente possa oferecer para o mundo."

A garçonete ameaça levar seu prato, e Cao só então se lembra da comida, que estava abandonada, e segura firme o garfo. A moça entende a mensagem e se afasta.

Despedir-se dos índios foi "emocionante". Até hoje, o ator Caio Blat, que faz Leonardo, o Villas Bôas caçula, e Tom, o filho de Cao, mantêm contato com os índios pelo Facebook. Sim, os jovens das tribos são loucos por internet e celular.

"Xingu" não esgotou o interesse do cineasta pelo assunto, tanto que seu próximo projeto trata de grupos de índios que nunca tiveram contato com nossa civilização. "Fogem de nós feito diabo foge da cruz."

Já o garçom não sai de perto e agora quer saber se queremos sobremesa. "Vocês já querem ir embora?", Cao pergunta, rindo, e logo pede uma fatia de abacaxi. O restaurante, agora, tem apenas nossa mesa ocupada, e os funcionários começam a arrumar o salão.

Cao circula entre os veículos, mas nunca se aventurou no teatro. "Não tem câmera, como faz?" E documentário, faz parte de seus projetos? "Tenho muito medo de fazer documentário. Porque não tem roteiro para eu me apoiar." Conta que abandonou um documentário que tinha até título, "Um Terreno em Berlim", sobre terras que foram confiscadas da família do pai pelos nazistas, depois passaram para os comunistas e só foram devolvidas após a queda do muro. "Eram 20 descendentes espalhados pelo mundo que não se conheciam. Era uma forma de reunir essa gente e entender a história. Mas não tive coragem de fazer. “Castelo Rá Tim Bum”, sua criação, na TV Cultura É a prova de que a gente só se arrepende do que desde os anos 1990 não faz."

Embora seus últimos trabalhos tenham sido para o público adulto, ele está envolvido em dois projetos para a televisão, voltados para crianças e adolescentes. Produz uma série para a TV Globo e o Canal Futura, sobre o período do império no Brasil, da vinda da família real até a Proclamação da

9 República. "É mais de entretenimento que educativo", avisa, enquanto brinca com a rolha do vinho entre os dedos.

A outra série que prepara é para a TV Cultura e tem os adolescentes como foco. Cao valeu-se da própria experiência para criar esse universo, que abordará temas como drogas, sexualidade e preconceito. "Tudo com muita delicadeza." Vejam-se as cenas de sexo no filme "Xingu", que são apenas sugeridas, lampejos. "Foi uma opção estética, não precisava mostrar."

Na hora do café, Cao conta que, em 1995, fez um curta-metragem - "um dos trabalhos que mais me orgulho de ter feito" - para uma produtora do Reino Unido, chamado "O Menino, a Favela e as Tampas de Panela", o que o levou a morar oito meses no país. Trata-se de um episódio brasileiro da série "Open a Door", que pode ser visto no YouTube.

"Na época, a televisão independente no Brasil era rara, hoje está num momento muito bom. O cinema também tem uma tendência de coproduções, não só com a Europa e Estados Unidos, mas com a América Latina. Um movimento bem globalizado."

Na segunda rodada de café, Cao diz que tem dúvidas quanto ao futuro do cinema. "Não sei se da maneira como existe hoje, em salas grandes, ainda vai durar. A gente vive um momento de transformação, com muitos filmes curtos na internet, até séries. Hoje, as pessoas gravam no seu iPhone, editam no seu iNão-sei-o-quê, jogam na rede. É o caminho natural. Na minha época, era super 8. Tenho curiosidade em saber aonde isso vai dar."

Estamos velhos? "Não acho que estamos velhos", responde, rindo. "Acho que a gente viveu bastante." Há alguns anos, Cao mostrou para os filhos uma antiga máquina de escrever. Carolina encarou aquilo, virou o treco de ponta-cabeça e quis saber: "Pai, onde fica a impressora?"

Fora do restaurante o sol está forte, nem parece que o verão já se foi. Enquanto aguarda seu carro, Cao quer notícias sobre pessoas que a repórter também conhece, amigos com quem jogava bola anos atrás. Conto que um deles não pisa mais em campo desde que operou o joelho e outro não consegue mais correr, tamanha a barriga. Antes de entrar em seu carro, Cao anuncia. "Eu era um excelente goleiro. Pode checar!" O verbo no passado sugere que ele abandonou, além da música da juventude, as chuteiras. Sorte do cinema.

Valor Econômico - Cannes esquenta os motores

Por Amir Labaki, diretor-fundador do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários.

(27/04/2012) Depois da homenagem no ano passado ao cinema egípcio, será o Brasil a cinematografia oficialmente celebrada pela 65ª edição do Festival de Cannes, entre 16 e 27 do próximo mês. Ao centro, a projeção em "Sessão Especial" do documentário "A Música Segundo Tom Jobim", de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim, que já superou por aqui a marca de 70 mil espectadores, superada recentemente apenas pelos mais de 100 mil ingressos vendidos de "Raul - O Início, O Fim e O Meio" de Walter Carvalho.

Eduardo Coutinho foi também convidado a apresentar a versão restaurada de "Cabra Marcado para Morrer", exibida e debatida há pouco no É Tudo Verdade 2012. Pois é: documentários, documentários. Além de Coutinho, segundo o diretor geral de Cannes, Thierry Fremaux, Carlos Diegues e Ruy Guerra também farão parte da delegação homenageada.

Nada mais oportuno, assim, que a volta de um cineasta brasileiro à disputa da Palma de Ouro com Walter Salles, com a estreia mundial de sua versão para "Na Estrada" de Jack Kerouac, numa coprodução franco-anglo-americana. "É um filme que alterna momentos de aceleração com momentos em que o tempo parece suspenso, para acentuar a dor dos personagens", adiantou Walter a Luiz Zanin Oricchio em bela entrevista na semana passada em "O Estado de S. Paulo".

Em seu retorno a Cannes depois da premiação de Sandra Corveloni em "Linha de Passe" (2008, codireção de Daniela Thomas), Walter Salles encarará uma disputa congestionada com outros grandes nomes internacionais do cinema de autor. Do total de 22 concorrentes à Palma de Ouro,

10 quatro já ostentam na prateleira a estatueta: o austríaco Michael Haneke, que concorre com "Amour"; o iraniano Abbas Kiarostami, rodando pela primeira vez no Japão, com "Like Someone in Love"; o britânico Ken Loach, com a comédia social "The Angel's Share"; e o romeno Cristian Mungiu, com "Beyond the Hills".

Marcando um retorno vigoroso à competição depois de um tímido par de anos, o cinema americano desembarca com nada menos que cinco concorrentes, mas assinados por realizadores ainda em busca de um lugar ao sol. Lee Daniels, do melodrama "Preciosa" (2009), apresenta "The Paperboy"; o australiano Andrew Dominik abandona o faroeste de "O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford" (2008) em "Killing Them Softly"; seu compatriota John Hillcoat ("A Estrada", 2010) alia- se a um Nick Cave roteirista para visitar os EUA da era da lei seca em "Lawless"; e Jeff Nichols ("O Abrigo", 2011) visita o gênero do "road movie" de fugitivos com "Mud". A exceção da seleção americana é o "cult" Wes Anderson ("Os Excêntricos Tenenbaums", 2001), que abre o festival e participa da competição com sua fábula amorosa "Moonrise Kingdom".

Ao contrário, três cineastas de gerações distintas e com premiadas passagens pela Croisette vão representar as cores nacionais francesas: o nonagenário Alain Resnais, com "Vous N'Avez Encore Rien Vu", o bissexto Leos Carax com "Holy Motors" e o ascendente Jacques Audiard ("O Profeta", 2010) com "De Rouille e D'Os". Fortalecendo a tradição recente de um encerramento com títulos franceses, o festival presta homenagem ao recém-morto Claude Miller com a estreia "hors concours" de seu filme póstumo, "Theresa Desqueiroux", adaptado de um romance de François Mauriac.

Entre os quase vitoriosos em edições anteriores, ainda em busca de sua primeira Palma, destacam- se David Cronenberg ("Cosmopolis"), Matteo Garrone ("Reality") e Thomas Vinterberg ("The Hunt"). Os principais estranhos no ninho, com seu cinema de poesia, são o ucraniano Serge Loznitsa, com "Dans La Brume", e o mexicano Carlos Reygadas, com "Post Temebras Lux", ao lado da estética do grotesco do austríaco Ulrich Seidl, com "Paradise: Love".

Duas tendências polares do cinema da Coreia do Sul marcam presença com "In Another Country", de Hong Sangsoo, e "Taste of Honey", de Im Sangsoo. Por fim, representando a cinematografia celebrada no ano passado, o egípcio Yousry Nasrallah examina a vida pós-Mubarak com "Après la Bataille".

Favoritos? O presidente do júri, Nanni Moretti, já adiantou que espera ser surpreendido. Na entrevista coletiva de anúncio dos selecionados, no dia 19, Thierry Fremaux rompeu o protocolo para expressamente destacar para Moretti, que não estava presente, "In Another Country" e "Post Tenebras Lux". Aqui entre nós, duvido que o diretor de "Caro Diário" tenha gostado do recado.

O Estado de S. Paulo - Realismo fantástico baiano / Entrevista / Edgard Navarro

O Homem. Jungliana, obra foca “aspectos sombrios da mente e do coração”

(27/4/2012) Depois de Eu me Lembro, o filme mais palatável de sua carreira - vencedor de vários prêmios no Festival de Brasília -, Edgard Navarro volta ao cinema marginal e de invenção que tem sido sua praia e assina nova obra transgressora com O Homem Que não Dormia, que estreia hoje. Numa entrevista realizada sábado no café do Centro Cultural Banco do Brasil, antes de debater seu trabalho com o público paulistano na Mostra do Filme Livre, o cineasta põe os pingos nos is e explica que não é bem assim que a coisa funciona.

E então, Edgard, já se acertou?

11 É difícil explicar o processo criativo, mas certamente não se trata de uma reação de causa e efeito. Eu me Lembro saiu daquele jeito porque era a memória de toda uma geração, não só a minha. Era Freud, O Homem Que não Dormia é Jung, uma obra muito mais nebulosa, que trabalha com os aspectos mais sombrios da mente e da criação. Era um roteiro que eu tinha havia mais de 30 anos. Cheguei a pensar em fazê-lo no começo dos anos 2000, mas aí, na hora de inscrever nas leis de patrocínio, achei que seria recusado, como sempre foi e escrevi o Eu Me Lembro de um jato, sabendo que seria mais palatável. Depois, ia fazer outro filme e a culpa é do Djavan. Estava ouvindo uma música dele que falava da necessidade de encarar os demônios. Voltei ao Homem Que não Dormia e senti que era a hora de fazer o filme.

Você fala muito no artista, em você, como cavalo dos deuses. O Homem Que não Dormia tem um lado forte de candomblé, não? O roteiro já nasceu daquele jeito, com os cinco personagens que precisam se purgar. São cinco exus vivendo e superando sua danação. E é um filme cheio de referências. O Pra Frente Brasil, por exemplo, é um personagem inspirado no filme do Roberto Farias (de 1982). O barão, que enterra o tesouro que vai ser perseguido por toda aquela gente acometida do mesmo pesadelo, é um personagem típico do Nordeste. Não pensava em fazê-lo, mas aí, quando Luiz Paulino dos Santos aceitou fazer como ator, me dei conta de que tinha dois personagens, e não um. O barão e o andarilho. Fiz o barão e entreguei o andarilho ao Luiz Paulino. Meu cinema transita por temas de fundo social e político, mas sempre comprometido com as motivações que me assombram. Costumo ser acometido por intuições que beiram a loucura, mas essas coisas não são irracionais. Terminam por fazer sentido, para mim e para os outros. Minha loucura é criativa, continuo sendo tido como são. Na verdade, tudo faz parte de um movimento consciente para estabilizar minha psique, me permitindo apaziguar deuses e diabos.

Tem um lado trash, mas é um filme elaborado, até no visual. Me emocionei com o padre interpretado por Bertrand Duarte. De onde veio o voo final? Havia lido Cem Anos de Solidão, do Gabriel García Márquez. É o meu realismo fantástico baiano. O importante é que esse filme fecha um ciclo e vai me permitir contar outra história que me assombra. Sabe aquele grito do final: Abaixo a gravidade (e a grave idade)? É o título do próximo filme.

O Estado de S. Paulo - Girimunho e as voltas da vida

Flavia Guerra

Elas. Bastú e Maria do Boi vivem, e interpretam, si mesmas

12 (27/4/2012) "Conheço São Paulo. Ainda não fui de avião, mas já fui em sonho. Vi tudo. E achei lindo. Tanta luz", disse em setembro de 2010 a matriarca Bastú, aos 83 anos, em conversa com o Estado, durante as filmagens de Girimunho.

Pouco mais de um ano depois, há cerca de 20 dias, o filme que ela, ao lado de Maria do Boi, de 85 anos, protagoniza tinha sua pré-estreia no Cinesesc, em São Paulo. Presente na sessão, Bastú finalmente iria não só ver o seu filme na telona, como tinha, finalmente 'vindo para São Paulo de avião'. E continuava achando tudo lindo. "Tanta luz, tanta gente, tanta cor", dizia ela novamente ao Estado, num misto de encantamento e familiaridade de quem já tinha vindo, ainda que em sonho, muitas vezes à cidade.

Bastú, que é 'especialista em ser feliz' e acredita que um peixe dourado a protege, é este misto de personagem de si mesma e de mulher muito real que dá a Girimunho o mistério necessário para que, mais que um documentário ficcionado ou uma ficção documental seja uma história que dialoga com plateias mineiras, paulistas e internacionais. "Há quem diga que o filme é muito regional, que tem este universo de Guimarães Rosa, por exemplo. É fato. Mas também é fato que o interesse que Girimunho tem despertado em plateias de festivais internacionais pelo qual tem passado é também prova de que é uma história universal", comentam os diretores Helvécio Marins e Clarissa Campolina. "O filme trata de temas como morte, desapego, choque de gerações e tradições que se perdem. Que país, que família não têm estas questões?"

O longa, que fez sua pré-estreia mundial no Festival de Veneza, em setembro de 2011, conta a história de Bastú e Maria de uma forma pouco convencional.

O longa filma a trajetória das duas de forma realista, quase documental, mas faz disso uma ficção. Em linhas gerais, na pequena São Romão, no sertão mineiro, às margens do Rio São Francisco, a narrativa segue o cotidiano de Maria e Bastú. Maria enfrenta o drama de encontrar um herdeiro para as tradições musicais que aprendeu com os pais. Ela vê um mundo em transformação e precisa deixar seu legado. Já Bastú, que acaba de perder o marido Feliciano, um ferreiro respeitado na cidade, precisa dar novo sentido à vida. Ao mesmo tempo, lida com a partida da neta que cuida dela para estudar em outra cidade e escuta o falecido marido fazer barulhos à noite em sua oficina.

Ainda que o tempo do filme tenha sido pautado pelo tempo e pela vida real das personagens, Helvécio e Clarissa fazem questão de ressaltar: "É ficção. Tem curva dramática. Só que trata de pessoas reais, que estão neste limiar da atuação e de serem elas próprias. Foi tudo feito de uma forma muito delicada", explicam.

O ciclo agora se fecha. Amanhã, é dia da população de São Romão ver sua história na tela grande, durante a sessão do programa Cinema no Rio, que exibe filmes nas cidades ribeirinhas. "Vai ser a prova. Se o filme conseguir se comunicar com seu próprio universo, vamos ter cumprido nossa missão."

Estado de Minas - Brasil multifacetado

Cine PE exibe o talento de diretores de várias regiões do país. Dois filmes destacam a trajetória de Jorge Mautner e a importância do autor de Maracatu atômico para a MPB

Thaís Pacheco

13 O músico e escritor Jorge Mautner é o astro de dois documentários: Macaratu atômico Kaosnavial e O filho do holocausto

(30/4/2012) Recife – Pluralidade. Foi isso que os produtores do Cine PE – Festival do Audiovisual prometeram para a 16ª edição do evento, em cartaz na capital pernambucana até quarta-feira. E cumpriram. As duas principais mostras competitivas de longas e curtas- metragens expressam a diversidade.

O evento começou na quinta-feira, com exibição dos curtas Depois da queda (mato-grossense, dirigido por Bruno Bini), O descarte (paranaense, de Carlon Hardt e Lucas Fernandes) e o catarinense Qual queijo você quer, da diretora Cíntia Domit Bittar, selecionado para 18 festivais e premiado em seis.

Se depender do público, a comédia Até a vista, dirigida pelo gaúcho Jorge Furtado, leva o troféu, que será entregue depois de amanhã. O filme fez a plateia rir e aplaudir muito. Os críticos, por sua vez, têm destacado o curta pernambucano Macaratu atômico – Kaosnavial, de Marcelo Pedroso e Afonso Oliveira, também muito aplaudido na sala do Centro de Convenções de Pernambuco.

Documentário de 20 minutos sobre o encontro entre o compositor Jorge Mautner e o mestre Zé Duda (que resultou em disco da dupla), Kaosnavial foi exibido na mesma noite do longa Jorge Mautner – O filho do holocausto, de Pedro Bial e Heitor D’Alincourt. Mais uma vez, reações de público e crítica divergiram. O longa de Bial fez a plateia rir e cantar. Nos bastidores, críticos destacavam a longa duração da fita, o excesso de cenas e até mesmo de canções.

De qualquer forma, ambos prestam bom serviço ao destacar a obra de Jorge Mautner, cuja importância para a MPB nem sempre é lembrada. Pernambuco, aliás, tem importância nesse aspecto: Maracatu atômico, parceria dele com Nelson Jacobina, é um dos clássicos do repertório de Chico Science, ícone do manguebeat.

Eletrônica Outros longas da mostra competitiva que chamaram a atenção foram Paraísos artificiais, de Marcos Prado, e À beira do caminho, de Breno Silveira. Enquanto o primeiro deixou a plateia calada, talvez pelo tema polêmico, o outro fez as pessoas cantarem.

Paraísos artificiais trata de jovens, sexo, drogas e música eletrônica. À beira do caminho traz um home solitário e atormentado, uma criança, canções de Roberto Carlos e a sabedoria das frases de para-choque de caminhão.

14 Uma pena o longa de Breno Silveira ter enfrentado problemas em sua estreia, na abertura do Cine PE. Parte dos diálogos não foi ouvida devido a problemas técnicos – que, aliás, não são novidade em festivais. Na era dos filmes digitais, a padronização exige adaptações e provoca surpresas desagradáveis. Para compensar, o longa foi exibido novamente no sábado.

Ney é o show Além de passar filmes e promover seminários, o Cine PE sempre homenageia nomes de destaque nas telas. O ator Ney Latorraca foi o primeiro a receber o troféu Kalunga por sua contribuição ao cinema. Em 48 anos de carreira, ele atuou em 15 longas e vários curtas. O ator foi aplaudido de pé e fez graça no palco.

Durante entrevista coletiva, Ney relembrou momentos divertidos de sua trajetória. “Estou no elenco do pior filme feito na Terra. Chama-se O grande desbum e está escondido. Estamos eu e Marília Pêra numa banheira suja”, revelou. O ator diz que sua melhor cena pode ser vista em Festa, longa de Ugo Giorgetti.

Ney gostaria de filmar mais – porém, como protagonista. “Não quero pequenas pontas de participação afetiva. Prefiro caminhar na Lagoa, perto de minha casa”, brinca. Deve estrear em breve O gerente, seu novo longa. Baseada em conto de Carlos Drummond de Andrade, a fita foi dirigida por Paulo César Saraceni, que morreu este mês.

O outro homenageado, Fernando Meirelles, brincou ao receber prêmio pelos 10 anos do filme Cidade de Deus. “Fico envaidecido, mas receoso. Quando você está na ativa, ganha prêmios. Quando foi para a estante, aí começam as homenagens”, disse ele. Fernando se considera “novato”, pois dirigiu apenas seis longas. “Ainda tenho muitas ideias, quero fazer muita coisa”, garantiu.

Ontem à noite, foi a vez de o terceiro homenageado, o cineasta Cacá Diegues, receber o carinho do público no Cine PE.

A repórter viajou a convite da organização do festival

Folha de S. Paulo – Quarteto Fantástico

Cineasta brasileira Juliana Rojas participa pela quarta vez do Festival de Cannes, com o curta “O Duplo”

Primeiro longa da dupla, 'Trabalhar Cansa' concorreu na mostra Um Certo Olhar na edição de 2011

'Nunca imaginava ir a Cannes', afirma 'veterana' do evento

Aos 30, Juliana Rojas desenvolve em Paris, com Marco Dutra, novo roteiro, em residência apoiada pelo festival

Rodrigo Salem, enviado especial a Olinda

(30/4/2012) Há cineastas que passaram a vida inteira tentando um lugar em Cannes. Outros morreram sem ter a honra de ter um filme no festival. Mas a brasileira Juliana Rojas, aos 23 anos, já caminhava pela Croisette. Agora, aos 30, pela quarta vez apresenta um filme no festival. "Nunca tinha imaginado participar de Cannes", conta a diretora, indicada pela primeira vez em 2005 pelo curta "O Lençol Branco", codirigido por Marco Dutra, seu parceiro profissional desde os tempos das aulas de cinema na USP.

15 "Chegamos ao escritório da Cinéfondation [fundação criada para apoiar novos cineastas] e o diretor Eduardo Valente nos convidou para uma comemoração do filme 'Cinema, Aspirinas e Urubus'. Ficamos na varanda do apartamento e começou a chuviscar. Lembro da imagem das pessoas na calçada e vários guarda-chuvas se abrindo."

Dois anos depois, eles voltaram à mostra paralela da Semana da Crítica com o curta "Um Ramo", que levou o prêmio Descoberta. "Tivemos um contato maior com público dessa vez. E o prêmio de melhor curta foi importante para viabilizar nosso primeiro longa." "Trabalhar Cansa", o longa de Rojas e Dutra, foi selecionado para a mostra oficial Um Certo Olhar. "Foi a experiência mais intensa. A imprensa comparece em massa, nossa agenda era puxada." Em seguida, Juliana fez dois curtas solo, "Dormir Tranquilo" (2011) e "O Duplo", este último selecionado para a Semana da Crítica da edição deste ano. "Acho importante filmar com frequência. 'Trabalhar Cansa' levou três anos para ser viabilizado." Rojas prepara agora seu segundo longa, "As Boas Maneiras", novamente com Dutra. Ela está hoje em Paris, dentro do programa de residência de, adivinhe, Cannes. "É um programa de convivência em que você mora com cinco diretores e fica no país encontrando produtores e diretores franceses. Mas isso não garante que o filme estará em Cannes", diz ela, que volta ao Brasil em agosto. "Claro que vou inscrevê-lo, mas há outros festivais importantes no mundo." O mais intrigante em Rojas é que todos seus projetos flertam com o horror, um gênero subaproveitado no Brasil. "Sempre gostei de filmes de terror, via muito 'trash' e nem sabia quem eram os diretores e atores", revela ela, que gosta do trabalho de M. Night Shyamalan, George Romero e Alfred Hitchcock. "Amo e respeito muito o cinema fantástico e de horror, mas sempre sou muito resistente a associar meus filmes a esses gêneros, porque sei que isso cria uma expectativa sobre o que vai ser visto." Se a lógica predominar, "As Boas Maneiras", história de uma babá da periferia que precisa cuidar de um bebê após uma série de acontecimentos, pode render a quinta indicação para Cannes. Ironicamente, a produção engatinha lentamente no Brasil e não tem data para o início das filmagens. "Do ponto de vista do marketing, não deve ser interessante investir em meus filmes. Eles não têm pessoas famosas e não sou conhecida." Vamos ver por quanto tempo.

O Estado de S. Paulo - O 'novo' Brasil, por Spike Lee

16 Cineasta começa a rodar o documentário Go, , Go

RAFAEL MORAES MOURA / BRASÍLIA

(28/04/2012) Em viagem pelo Brasil para dar início aos trabalhos do documentário Go, Brazil, Go (Vai, Brasil, Vai, em tradução livre), o cineasta norte-americano Spike Lee - uma das vozes mais ressonantes do cinema mundial, conhecido por abordar a classe média afro-americana em filmes marcados por engajamento político-social - cumpriu o roteiro de celebridades estrangeiras em terras tropicais: conheceu artistas e políticos, atiçou a curiosidade da imprensa, emplacou um encontro com a presidente Dilma Rousseff.

Por pouco, o tour não incluiu também uma apresentação direta ao banditismo nacional. Na quarta- feira, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) discutia a legalidade do sistema de cotas raciais nas universidades públicas, Spike aterrissou em Brasília, assistiu à parte do julgamento (no melhor jeitinho brasileiro, o STF flexibilizou as rígidas regras e autorizou a sua entrada, embora Lee estivesse sem gravata) e foi até o Palácio do Planalto se encontrar com Dilma Rousseff.

Com uma agenda apertadíssima na capital, onde ficou menos de dois dias, colheu depoimentos do deputado Romário (PSB-RJ), do ministro Joaquim Barbosa, do STF, e do senador Paulo Paim (PT- RS), com quem gravou durante duas horas. De volta a São Paulo, deve ficar no País até terça-feira. "Achei-o uma personalidade mundial com a humildade que só as grandes figuras têm. Porque tem muita gente que pensa que é o que não é. Ele é o que é e age com a simplicidade de um mortal", disse Paim ao Estado - o senador é fã particularmente de Malcolm X, que retrata a vida do ativista americano. "(Ele me) perguntou muito sobre a realidade brasileira, racismo, a invisibilidade do negro no Brasil. Você não vê negro na mídia, no governo, e ele disse que não conseguia entender isso."

De um cineasta como Spike Lee, não dá para esperar um documentário cartão-postal, ufanista, exaltando supostas virtudes do povo brasileiro e porcentagens do crescimento econômico. "Como outsider, documentarista, quero encontrar uma história, mostrar quais eventos ocorreram para transformar o Brasil numa superpotência. Estou impressionado apenas com as leituras que fiz, de como uma nova classe média foi formada. Será um processo de aprendizagem para mim", disse o diretor a jornalistas, após encontro com Dilma.

Spike Lee disse que não vai ouvir somente pessoas de esquerda ou direita, mas o "espectro total". Para isso, deve vir para cá repetidas vezes, coletando documentos em curtas temporadas pelo País - e lançar o documentário antes da Copa do Mundo. "Espero conseguir uma entrevista com a presidenta Dilma, nós acabamos de nos conhecer e ela me falou dos obstáculos e metas no seu trabalho", disse ele, que seguiu para uma conversa particular com o ex-presidente Lula. "Faço este projeto com mente, coração, olhos e ouvidos abertos. Se Deus quiser, farei justiça ao povo do Brasil, caso contrário não voltarei mais aqui", disse rindo. "É brincadeira, voltarei para a Copa do Mundo."

O tour pela cidade incluiu visita às obras do novo Mané Garrincha, uma das arenas do próximo Mundial. O cineasta estava com a camisa laranja (mesma cor utilizada pelos operários), pegou o capacete azul e, com a câmera em punho e sentado num caixote, filmou as estruturas da arquibancada. Falou pouco e observou muito.

O cineasta já passou pelo Brasil outras vezes, na mais recente, em 1995, filmou o videoclipe They Don't Care about Us, estrelado por Michael Jackson no Pelourinho e no Morro Santa Marta, no Rio. Agora, com Go, Brazil, Go, quer mostrar a realidade do "novo Brasil" - o escritor Fernando Morais está auxiliando-o na produção do filme.

O Estado de S. Paulo - Helena e seus dois maridos

Atriz foi casada com Glauber e Sganzerla e lança filme dia 11

Luiz Carlos Merten

17 Cartaz. Helena dirige Luz nas Trevas, com base em roteiro que Sganzerla deixou inacabado: tributo ao companheiro de 35 anos

(01/05/2012) Nas paredes da produtora Mercúrio, localizada num prédio da Rua Nestor Pestana, no centro de São Paulo, as fotos não deixam mentir. A jovem Helena Ignez foi um assombro. Em cenas de filmes ou em poses com o segundo marido, Rogério Sganzerla, Helena é deslumbrante. E não é só o corpo, bem proporcionado, do tipo mignon. É a luminosidade do sorriso, a loirice que faz dela um anjo sapeca. Agora, com mais de 70 anos e o rosto marcado pelas intervenções, Helena olha para si mesma sem nostalgia: "Sou filha de Brecht", explica, e isso diz tudo.

A jovem Helena, que foi Glamour Girl em Salvador e segunda colocada no concurso de Miss Bahia, pode ter sido, e foi, uma linda mulher, mas já naquela época se interessava mais por coisas profundas do que pela exterioridade da imagem. Brecht e o distanciamento. No começo dos anos 1960, Helena já pensava no cinema de autor e escreveu um roteiro, sobre a relação de duas mulheres. Não chegou a filmá-lo, mas parte do que colocara no papel foi parar no clássico Deus e o Diabo na Terra do Sol, de seu primeiro marido, Glauber Rocha - as cenas de Rosa e Dadá.

Aproveitando a estreia, dia 11, de Luz nas Trevas - o longa com roteiro de Sganzerla e que dá sequência ao cultuado O Bandido da Luz Vermelha, de 1968 -, o encontro na sede da Mercúrio é para falar do filme e traçar um perfil de Helena Ignez a partir dos dois homens com quem se casou. Dona Helena e seus dois maridos. Simplesmente, o guru do Cinema Novo (Glauber) e o grande nome do cinema de invenção e marginal do País (Sganzerla). O barroquismo e a explosão baiana do primeiro e a concentração exacerbada do catarinense de Joaçaba.

Foi a primeira coisa a que Helena teve de se acostumar, ao se unir a Sganzerla. Aos seus silêncios. Ele era meditativo, capaz de ficar horas trabalhando, sem lhe dirigir a palavra. "Eu, às vezes, penso que ele gostava mais de nossas filhas (a compositora Sinai e a atriz Djin) que de mim", ela diz, mesmo sabendo não ser verdade. Rogério, com frequência, só interrompia o movimento interior para brincar com as meninas. Era quem as levava ao colégio. "Sinai disse na escola: minha mãe maneja a espada, meu pai rega as plantas."

A espada fazia parte dos exercícios de tai chi chuan de Helena. Ela aderiu à prática há muitos anos. "É uma disciplina da defesa. Explora a força do inimigo contra ele. Se o golpe vem, você o evita, e devolve." Credita à prática sua excelente saúde. O corpo está rijo, a mente a mil. Filmar o roteiro que Sganzerla deixou inacabado - o final -, era um desafio e um tributo ao companheiro de 35 anos, o homem a quem mais amou e que morreu em 2004. Para viabilizar o projeto difícil, ela aceitou uma codireção (com Ícaro Martins) que resultou em disputa no tribunal. O caso foi resolvido, o que é de Ícaro é de Ícaro, mas não a autoria. Luz nas Trevas é puro Sganzerla, mas também tem tudo a ver com Baal, longa que Helena fez bebendo na fonte de seu mestre Bertolt.

Ela admite que era jovem demais quando se casou com Glauber. "Talvez a gente não devesse ter-se casado, apenas ter nos amado." Fizeram um curta, Páteo, importante na deflagração do novo cinema baiano por volta de 1960. Tiveram uma filha, Paloma. "Glauber era gênio, mas era garoto mimado, machista." Em seu livro, Primavera do Dragão (Objetiva), Nelson Motta conta que Glauber apoiou Helena quando foi indicada pelos colegas da Faculdade de Direito de Salvador para concorrer a Miss Bahia. Ele devia pensar que a vitória da garota intelectualizada seria uma bofetada na cara da oligarquia soteropolitana, pois chegou a cabalar votos. Mas não fazia segredo de que, se ela ganhasse, como seu homem a impediria de ir ao Rio para o Miss Brasil.

Quando o casamento acabou e Helena quis se separar, ele foi duro. "Já era atriz, e a profissão era malvista. Glauber foi à Justiça, conseguiu a guarda de Paloma." Ela ama a filha, existe respeito entre elas. Mas admite, porém, que o fato de ter gravitado em torno de Paloma, na infância, sem a haver criado, marcou a relação das duas. Em 1966, como atriz, Helena Ignez fez O Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade, baseado no "negro amor de rendas brancas" do poema de Drummond. O

18 filme foi a Berlim, ela ganhou uma menção de atriz. Sganzerla, que ia fazer O Bandido da Luz Vermelha, chamou-a para o elenco. "Eu queria ir a Cuba com o filme, e disse que só fazia na volta. Ele começou a filmar com os demais atores, deixou minhas cenas para depois. Quando cheguei ao set, aconteceu. De cara."

Foi paixão à primeira vista. "Durou 35 anos, todo o tempo em que vivemos juntos." Até hoje, ela não consegue falar do ex-marido sem transmitir essa paixão. Mas fala com calma, não é derramada nem melodramática. Até aí consegue ser brechtiana. "Havia companheirismo, admiração mútua. Nos completávamos." Atravessaram momentos difíceis, tiveram de se exilar. Não havia ciúme, ou rivalidade, entre eles? Rogério era gênio, como Glauber. "Apesar das diferenças estéticas entre eles, e dos ressentimentos da nossa separação, Rogério nunca estimulou nenhum rancor contra Glauber. Não era meu ex-marido. Era o artista." O que Helena aprendeu com os homens de sua vida, e com "o" homem, Sganzerla? "Glauber tinha o ímpeto, Rogério... Qual é a palavra? Não é serenidade, porque ele também era consumido pela criação. Acho que, com Rogério, vivi a fidelidade plena. À nossa relação, às ideias." Conscientemente ou não, Helena associa Sganzerla à luz. O farol de sua vida. Com - claro - Brecht.

Jornal de Brasília - Filmes brasileiros em Lisboa

(01/05/2012) A produção de cineastas brasileiros é destaque na terceira edição do Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa (FESTin 2012), em Lisboa (Portugal), entre 9 e 16 de maio. O festival pretende celebrar a cultura dos países de língua portuguesa e exibir filmes que não estão no circuito comercial. A programação está nos sites www.festinfestival. com e www. fa cebook. com/ fest in. lisboa.

Estado de Minas – Sessão de gala

São Romão parou para assistir a Girimunho, filme rodado na cidade, que ganhou prêmios em vários países. Fama inesperada em nada mudou a vida das protagonistas Bastu e Maria do Boi

Branca, neta de Bastu, espera que Girimunho ajude a criar oportunidades para os jovens de São Romão Luiz Ribeiro

(02/05/2012) São Romão – O filme Girimunho, de Helvécio Martins Jr. e Clarissa Campolina, correu mundo, ganhou prêmios nos festivais de Veneza (Itália), Nantes (França), Havana (Cuba) e Mar del Plata (Argentina). Encantou plateias ao ser exibido nas mostras cinematográficas de Toronto (Canadá), San Sebastián (Espanha), São Paulo, Tiradentes e em Nova York (EUA).

Rodado em São Romão, a 600 quilômetros de Belo Horizonte, esse longa mexeu – pela segunda vez – com os moradores daquela pequena cidade do Norte de Minas. A primeira foi durante as filmagens. A segunda no último fim de semana, quando cerca de 1,5 mil pessoas puderam assistir à fita em plena praça, graças ao projeto Cinema comentado. Teve gente que chorou ao se ver na telona ou ao deparar ali com algum parente ou amigo.

A rotina de protagonistas de fitas de sucesso costuma mudar. Assédio, pedidos de entrevistas e de fotos passam a fazer parte do cotidiano – pelo menos por algum tempo. No caso de Girimunho, as duas protagonistas – Maria do Boi e Bastu, aposentadas, que já passaram dos 80 anos – continuam levando a mesma vidinha simples em São Romão. Sem qualquer baladação, como acontece com a gente do sertão, aquele universo tão bem descrito por Guimarães Rosa.

19 Maria do Boi tem no tambor, no canto e no batuque a sua alegria. Bastu ficou viúva durante as filmagens, mas a perda não significa trauma. A vida segue, bem sabe ela.

Maria da Conceição Gomes de Moura, conhecida como dona Maria do Boi, teve lugar reservado à frente da plateia de Girimunho. O filme passou no sábado, ao ar livre, à beira do Rio São Francisco. Ela pouco pôde observar e pouco comentou. Depois de perder o filho Luiz, há pouco mais de um ano (quando já haviam se encerrado as gravações), ela enfrentou problemas de saúde. Atualmente, tem dificuldade para enxergar e para se locomover. A fala já não é a mesma e Maria do Boi se viu obrigada a interromper as atividades no grupo de batuque. Parou com a dança do boi.

Ao receber a reportagem em sua casa simples, a protagonista de Girimunho pouco falou. “Gostei muito”, resumiu dona Maria, sob os cuidados da filha, Maria do Carmo Santos. Mas não deixou de comentar sua arte: “Mexia com isso desde os 5 anos, veio dos meus pais. Já trabalhei muito na roça: de enxada, foice e até com machado”. Mãe de 12 filhos (seis vivos), ela já perdeu a conta do número de netos e bisnetos. A pedido da reportagem, segurou a caixa e começou a tocar. Também arriscou alguns cantos, mas a voz saiu baixa.

Maria Sebastiana Martins Álvaro, a Bastu, tem 84 anos. Exibe o mesmo espírito alegre que se vê no filme. “Estou nas mãos de Deus e do povo”, diz. Com melhor sorte que a “colega de elenco”, mantém a saúde – tanto que pôde viajar para assistir a Girimunho em mostras de cinema de Tiradentes e de São Paulo.

Nascida em Urucuia, ela conta que no seu tempo essa cidade norte-mineira era “praticamente roça”. Só tinha duas ruas. Bastu jamais imaginou entrar numa sala de cinema, muito menos aparecer na tela. “Realmente, fiquei muito contente. Isso foi um sonho”, revela. Evangélica, ela só conhecia fitas religiosas. Encantada com o trabalho dos diretores Helvécio Marins e Clarissa Campolina, ela relembra histórias que conta no filme. Até se confunde na hora de escolher a cena preferida: “Não dá para falar qual foi a mais bonita. Pra mim, ficou tudo bonito”.

Em sua casa antiga e humilde, Bastu planeja levar a vida contente – do jeito que ela sempre foi. “Com alegria, sei que sempre vou vencer. Com tristeza, a gente não tem coragem”, filosofa a protagonista de Girimunho.

Choro, orgulho e esperança

São Romão é uma das cidades mais antigas do Vale do São Francisco. A antiga Vila Risonha é citada no clássico Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e tem quase 400 anos. Girimunho levou para o mundo sua rica cultura local: a dança do boi e o batuque, heranças dos negros.

“Um fato marcante desse filme foi dar importância à simplicidade, a coisas da nossa vida que a gente não valoriza muito”, elogiou a comerciária Sueliane Rosa de Menezes Miranda, de 30. Sábado passado, ela se arrumou e se juntou ao marido e aos três filhos para assistir à sessão na tela armada na beira do Rio São Francisco. “Foi muito legal. Várias pessoas do meu lado choraram”, descreve. “Era emocionante ver pessoas que conheço participando do filme”, completou o marido dela, o padeiro Emerson de Oliveira. Ele se refere às netas de Bastu, as gêmeas conhecidas como Branca e Preta.

O pedreiro Valmir Alves dos Santos, de 30, nunca foi ao cinema. Até sábado. “Tive uma sensação muito boa. Não dá nem para contar direito”, diz. Ele sempre participou da dança do boi, deveria ter aparecido no filme. Entretanto, na época das gravações teve de deixar São Romão para trabalhar.

A estudante Luciane Gonçalves Silva, de 21, a Branca, apareceu no filme ao lado da avó, Bastu. Ficou contente com o que viu: “Mostraram a realidade dos jovens daqui. Muitos deles vivem sem perspectiva de estudo e de emprego. Espero que a partir de agora a situação mude e apareçam novas oportunidades”, sonha ela.

O agricultor Jerônimo de Moura, de 63, irmão de Maria do Boi, confessa: foi “invadido de satisfação” ao se ver tocando sanfona naquela tela enorme. “Me senti mais poderoso. A gente é pobre, mas tem alguma coisa criativa para mostrar.” Ele luta para preservar as manifestações culturais de sua terra. “As dificuldades são muitas, não temos ajuda de ninguém. Com esse filme, a gente espera algum apoio”, conclui.

20 Estado de Minas – Em nome do pai

Boa parte dos filmes exibidos no Cine PE aborda questões familiares ou traz a parceria de parentes no set. Festival pernambucano será encerrado hoje, depois de apresentar 43 fitas

João Miguel e Vinícius Nascimento em cena do longa À beira do caminho, sobre um garoto em busca do pai Thais Pacheco

(02/05/2012) Recife – Durante o Cine PE, evento que será encerrado hoje na capital pernambucana, a pesquisadora Maria do Rosário Caetano constatou: “Este é um festival de pais e filhos”. Ela tem razão. Essa relação está presente na maioria dos filmes exibidos.

Primeiro longa da mostra competitiva, À beira do caminho traz João (João Miguel) e Duda (Vinícius Nascimento), garoto que perdeu a mãe e está em busca do pai. Paraísos artificiais aborda a questão da culpa, todos os protagonistas carregam algum tipo de arrependimento. Entre eles está Nando (Luca Bianchi): em vez de ir pescar com o pai, o rapaz opta por uma festa. Fica órfão justamente naquele dia. Jorge Mautner – O filho do Holocausto traz a conversa do cantor e compositor com a filha, a diretora Amora Mautner. Verdadeiro “divã” essa cena psicanalítica. “Amora foi uma fonte riquíssima. Contou detalhes e muitas intimidades”, revelou o diretor Pedro Bial.

Já nas primeiras cenas de Boca, outro longa da competição, o pai do protagonista é assassinado. Segue-se a dúvida sobre o parricídio cometido pelo bandido Hiroito Joanides (Daniel de Oliveira). Corda bamba – História de uma menina equilibrista, dirigido por Eduardo Goldenstein, tem como protagonista a filha do cineasta, Beatriz, de 12 anos. Ela filmou quando tinha 10.

Entre os curtas-metragens, mais família. Na comédia César!, sobre adolescentes metidos em confusão, a veterana Maria Alice Vergueiro interpreta a mãe de um dos garotos. Na vida real, ela é avó do ator José Fontana. As folhas, do alagoano Deleon Souto, fala de um menino em meio às lembranças da mãe. O badalado documentário Di Melo – O imorrível traz a filha do protagonista fazendo palhaçadas. Tal e qual o pai.

Canção

Outro tema recorrente no Cine PE: música. Dois documentários sobre o compositor Jorge Mautner, canções de Roberto Carlos como fio condutor de À beira do caminho e raves de eletrônica como “atrizes coadjuvantes” de Paraísos artificiais, não deixam dúvida: o Brasil é mesmo país musical.

Hoje, no encerramento do festival, será exibido o documentário Sons da esperança, do diretor Zelito Viana. Não poderia ser diferente: o Cine PE vai acabar com música. O filme mostra a Orquestra Criança Cidadã do Coque se preparando para fazer concerto no Recife. Em uma semana, a 16ª edição do evento apresentou 43 longas e curtas-metragens.

A repórter viajou a convite da organização do festival

Folha de S. Paulo – 'O Brasil é moralista, é racista’ / Entrevista / Bruno Barreto

Mônica Bergamo

21 O cineasta Bruno Barreto, em SP (Eduardo Knapp/Folhapress)

(02/05/2012) O diretor Bruno Barreto se prepara para filmar "Flores Raras", em junho. O longa, que se passa nos anos 50 e é estrelado por Glória Pires e uma atriz internacional ainda não confirmada, mostra a história de amor entre a poetisa americana Elizabeth Bishop, ganhadora do Pulitzer, e Lota de Macedo Soares (Glória Pires), arquiteta carioca que idealizou o aterro do Flamengo, no .

A produtora LC Barreto diz que não conseguiu patrocínio para "Flores Raras" porque seu tema central é a relação homossexual entre as duas mulheres. O longa, que é baseado no livro "Flores Raras e Banalíssimas", de Carmen Oliveira, e tem roteiro de Carolina Kotscho, está orçado em R$ 10 milhões. Barreto falou à coluna em seu apartamento, nos Jardins:

Folha - Vocês estão tendo um pouco de dificuldade para captar recursos?

Bruno Barreto - Pouco, não. Total. O Brasil, é um país falsamente, aparentemente liberado. No fundo, é um dos países mais moralistas que existem, é racista. Não conseguimos um tostão de nenhuma empresa. O dinheiro que temos até agora é do Fundo Setorial, do BNDES, de instrumentos estatais, e da Globo Filmes, Telecine e Imagem Filmes.

O que as empresas dizem?

Nós, brasileiros, não somos bons em dizer não, é parte da nossa cultura. Então, as pessoas não dizem um não. Por exemplo, a personagem da Lota terá um carro que aparecerá bastante. Várias montadoras foram procuradas para um "product placement" [espécie de merchandising]. Nenhuma topou.

E quais as justificativas?

Dizem: "Ah, não é o perfil". Até que um diretor de marketing falou pra Paula [Barreto, irmã do diretor e produtora do filme]: "Você está tendo essa dificuldade porque é uma temática gay e realmente não é o perfil da nossa empresa". Aí caiu a ficha. Todas essas grandes empresas que apoiaram vários filmes nossos disseram: "Não, não, não".

O longa mostra muito da história do Rio. O governo fluminense não apoia o projeto?

O prefeito Eduardo Paes abraçou a ideia, assim como a Rio Filmes. O Estado do Rio ainda está em cima do muro. Fomos ao Eike Batista. O projeto fala da Marina da Glória, do aterro do Flamengo [Eike é dono do hotel Glória, no local]. Não tivemos resposta. Temos uma cena da festa de comemoração da vitória de Carlos Lacerda que se passa no hotel Glória.

Vão filmar sem patrocínio?

Sim. Somos loucos. Temos uma linha de crédito num banco grande. Fico triste, porque vivemos um momento ufanista, mas temos que baixar a bola um pouco. Existem problemas estruturais na nossa cultura. A gente não é tão moderno quanto acha.

TEATRO E DANÇA

22 Correio Braziliense - Coreografias aéreas

Cena do espetáculo O que me toca é meu também: teatro, dança e circo

Ricardo Daehn

(26/4/2012) No último meio ano, as protagonistas do espetáculo O que me toca é meu também passaram bastante tempo na ponte aérea Brasília-Rio, enquanto uma guia pra lá de especial — a diretora Raquel Karro — não se furtou do mesmo trajeto. No palco-picadeiro que as reúne, hoje e amanhã, no Teatro Plínio Marcos (Funarte), os voos seguem entrelaçando teatro, dança e circo — “com o diferencial de uma profissional capaz de criar raras coreografias aéreas, como é o caso da Raquel Karro”, pelo que ressalta a acrobata Julia Henning —, as dançarinas arriscam números que exigiram preparação corporal supervisionada por três colegas. Esforços diários de seis horas de aplicação do duo da companhia brasiliense Instrumento de ver (Julia e Maíra Moraes) entram em jogo, no encadeamento das cenas que totalizam uma hora de apresentação (com entrada franca, às 21h).

Elementos cênicos como trapézio, tecido e quadrante (um aparelho que permite o balançar das intérpretes) estão a serviço de um intrigante desafio. “Tudo remete a um ensaio, no qual, em dado momento, a plateia interage e opina”, conta Maíra, que tira do campo da abstração os movimentos, ao delimitar o tema abordado. “Nesses tempos de acessos culturais facilitados, criamos um debate sobre cópia e inspiração, o limite de situações como essas”, explica. “Tratamos de números alheios, apresentados no passado, e de o que eles nos provocaram, em termos artísticos. Como cada um reverberou no nosso corpo. Falamos da emoção do ato de recriar — e a arte traz, sempre, esse movimento circular”, completa Julia Henning.

Nelson Rodrigues

Atualmente envolvida com Two roses for Richard, em coprodução com a Royal Shakespeare Company (Londres) e com ateliê, em território belga, a partir do reencontro com a obra de Nelson Rodrigues, Raquel Karro assenta a dramaturgia de O que me toca é meu também. Atração integrada ao Festival Mulheres em Cena, a apresentação revolve uma criação de Dani Lima, um expoente no universo da dança, batizado de Coisa que dá e passa ou Ausência, além de reaproveitar o número Beatriz, criação de Beatrice Martins, outra integrante da Instrumento de ver que, por sinal, faz uma participação pré-gravada em vídeo.

23 “Nosso campo é o circo, mas não apegamos somente a uma linguagem”, explica Julia, que exalta pesquisas de memória e imitação conectadas ao show de acrobacia aérea. Um dos grandes eixos de apoio vem da trilha sonora original assinada por Luiz Oliviéri. “Tudo foi composto especialmente por um parceiro nosso. Com a música, cheia de contornos poéticas, ele trouxe um acompanhamento muito fiel à narrativa”, observa Julia, 29 anos, 10 dos quais dedicados à acrobacia.

Contando com ambientação que remete “à charmosa sala de ensaios”, pelo que aponta Maíra, O que me toca é meu também ainda é composto por outras quatro coreografias reunidas para um público com idade superior a 12 anos. A plateia, aliás, é convidada a empreender viagens mentais que localizam a trama até debaixo de uma lona de circo montada por grupo cigano em turnê por Paris. Pioneiras em Brasília no segmento do circo-dança, as moças defendem intenso intercâmbio com pares de outros Estados brasileiros, “por força da formação limitada nesse segmento”, como explica Julia. Desta vez, contaram com o interesse de Raquel Karras, formada pela Escola Nacional de Circo e pela presença em montagens como as do Cirque du Soleil (Varekai) e da Intrépida Trupe.

O que me toca é meu também De Raquel Karro. Dança acrobática com Julia Henning e Maíra Moraes, da Instrumento de ver, no Teatro Plínio Marcos (Funarte). Hoje e amanhã, às 21h. Entrada franca. Não recomendado para menores de 12 anos.

Estado de Minas – Teatro: Monólogo mineiro vai a Cuba

Carolina Braga

(27/04/2012) É um gênero para guerreiros. Afinal, enfrentar uma plateia sem colegas em cena é sempre desafio. Mas nem por isso os monólogos têm festivais especializados. Os apoios também não são frequentes, mesmo sendo produções de custos mais reduzidos. A atriz mineira Michelle Ferreira que o diga.

Selecionada para participar do primeiro Festival de Monólogos Latino-Americano em Cienfuegos, Cuba, ela tem dedicado os últimos meses para tentar arrecadar fundos para levar o monólogo Apareceu a Margarida ao evento. “Vou dever até 2013, mas vou de qualquer jeito”, avisa.

Com viagem marcada para 18 de maio, Michelle já tentou, em vão, apoio em editais públicos de órgãos como o Ministério da Cultura. A dificuldade de êxito pelos caminhos tradicionais de incentivo à cultura fez com que ela criasse uma campanha na internet para a arrecadação. A vaquinha está disponível no site Catarse (http://catarse.me/pt/projects/625-apareceu-a-margarida- em-cuba). “Mas até agora só conseguimos 20% do total do orçamento”, lamenta.

Apareceu a Margarida é um texto de Roberto Athayde escrito na década de 1970. A montagem de Michelle Ferreira tem direção de Camilo Lélis e estreou em Belo Horizonte há dois anos. Certa de que era chegada a hora de mostrar o trabalho fora do país, ela se pôs a descobrir festivais especializados em monólogos. Foi quando se deparou com evento realizado em Cuba. “É a primeira edição que eles abrem para os artistas latino- americanos. Antes era só para cubanos”, conta.

Foram selecionados representantes do Uruguai, Porto Rico, Michelle Ferreira vai apresentar México, Espanha, El Salvador, Peru, Colômbia e Argentina. Além Apareceu a Margarida no festival de Michelle Ferreira, o paulista Alexandre Roit apresentará o número de palhaço Pelada na rua. “Pelo fato de ser em Cuba, acredito que haverá uma identidade maior com o nosso trabalho. Abordamos questões que compõem um cenário político e cultural do Brasil. Acho que vai ser uma ótima oportunidade para entrar em contato com outros artistas que também fazem trabalho solo”, avalia Michelle.

24 Além da apresentação em Cienfuegos, Michelle Ferreira também apresentará Apareceu a Margarida em Havana, no complexo cultural Bertolt Brecht. Como aquecimento para a temporada em espanhol, a atriz apresentará a versão traduzida do espetáculo em 5 de maio, no Esquyna – espaço coletivo teatral (Rua Célia de Souza, 571, Sagrada Família). O objetivo é atrair estudantes da língua espanhola e amantes da cultura hispânica em geral.

Quem quiser informações sobre o festival pode acessar http://www.monologo.cubaescena.cult.cu/

ARTES PLÁSTICAS

Veja - O acervo de uma vida

Às vésperas de completar sessenta anos, a coleção de Gilberto Chateaubriand. o filho de Chato, mistura-se com a trajetória de grandes mestres e ajuda a remontar a história da pintura brasileira do século XX

Marcelo Bortoloti

(29/04/2012) Mais velho dos três filhos do magnata da imprensa Assis Chateaubriand, o Chatô, Gilberto Chateaubriand vivia esbarrando com artistas brasileiros de renome na casa do pai, mas só começou a se interessar mesmo por pintura no dia em que um amigo o levou para conhecer José Pancetti, já célebre por suas vibrantes marinhas. Nessa ocasião, o então diplomata de 27 anos seria presenteado com o primeiro quadro de sua coleção, que abriga hoje 8000 obras. É a maior reunião de obras-primas da arte brasileira do século XX. Vivendo em uma fazenda em Porto Ferreira, interior de São Paulo, Gilberto reserva pelo menos dois dias da semana para rodar as galerias à caça de mais e mais obras. Como as telas já se espalhavam por todos os cômodos de sua casa até um ponto em que mal se podia circular, ele decidiu emprestar quase tudo o que tinha ao Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, em 1993.

Às vésperas de completar seis décadas, o acervo será o tema de uma coleção de três livros (um deles recém-lancado) e de um documentário, ambos os projetos encabeçados pelo MAM junto à editora Francisco Alves. O material revisita momentos cruciais, como aquele em que. por obra do acaso, Gilberto topou em uma galeria com Ururu, óleo da amiga Tarsila do Amaral, acumulando pó em um armário. É hoje a tela mais valiosa da coleção. Ele também rememora o pai, com quem mantinha uma relação conflituosa. Chato, apesar de grande colecionador, só deu ao filho uma única tela em toda a vida, um Portinari. Mesmo assim, quis tirar-lhe depois. Sem sucesso. "Se eu dependesse do senhor Assis Chateaubriand, não teria colecionado nem as molduras", dispara com a notória acidez. Aos 87 anos. Gilberto conta detalhes inéditos dessas e de outras passagens, cujo conjunto ajuda a decifrar os artistas que cruzaram seu caminho e a própria história da arte brasileira do último século.

LEMBRANÇAS AMARGAS

A tela Cavalo Empinado, de Cândido Portinari (1903-1962), é a única de todo o acervo presenteada por Assis Chateaubriand ao filho, no fim dos anos 50. Ela revira lembranças amargas. Em breve passagem pelos Diários Associados, o conglomerado de Chatô, Gilberto havia fechado um vultoso contrato de publicidade e reivindicava como recompensa justamente o Portinari que enfeitava uma

25 das paredes da antessala do gabinete do pai. O pedido foi atendido, mas, em meio a uma das violentas brigas que permearam a relação entre os dois, o velho Chateaubriand cismou de querer o quadro de volta. Gilberto sumiu com a obra, e Chato tomou-se de ódio. Sob o pseudônimo de Macaco Elétrico, dispararia em uma nota amplamente divulgada em seus jornais e TVs: "O quadro Cavalo Empinado foi roubado do senhor Chateaubriand por um meliante conhecido". O filho fez-se de morto. E Chato voltou à carga. Agora, o Macaco Elétrico ameaçava entregar o nome do "ladrão". Deu até a dica: ele vinha das fileiras do Itamaraty. Enfurecida, a cúpula do Ministério das Relações Exteriores encarregou uma comitiva de ir à casa de Chatô, que, já orientado por seus advoga dos, não apareceu para dar o nome do acusado. Mais tarde, o Itamaraty conseguiu na Justiça suspender por 24 horas a transmissão das emissoras afiliadas ao império de Chatô. Ele nunca mais dirigiria a palavra ao filho, que, ao olhar para Cavalo Empinado, vê a si mesmo, em riste para enfrentar o pai.

A VINGANÇA DA VIÚVA Foi o acaso que levou Gilberto a esbarrar com Urutu, óleo da amiga Tarsila do Amaral (1886-1973), hoje a obra mais valiosa de seu acervo. Estava entregue às traças, cheio de furos, esquecido dentro de um armário em uma galeria de São Paulo. Fora alvo da fúria da antiga proprietária, Marinette Prado, viúva do empresário e mecenas Paulo Prado, um dos articuladores da Semana de Arte Moderna de 22. Correm duas versões para explicar a ira que a tela lhe despertava. A primeira foi contada a Gilberto pela própria galerista, que não tinha dúvida: a viúva movia-se por ciúmes. Teria descoberto um caso entre o marido e Tarsila. Depois de uma noitada em Paris, a pintora teria lhe dado Urutu como recordação. A biógrafa de Tarsila, Aracy Amaral, refuta a história: “Tarsila me falava sobre seus romances abertamente. Nunca mencionou este". Aracy acredita que a repulsa da viúva se voltava, na verdade, contra o marido da pintora, o escritor Oswald de Andrade (acima, o casal em viagem à Grécia, em 1926). Oswald havia fuzilado o livro de Prado, Retrato do Brasil, em um artigo publicado na Revista de Antropofagia. Detalhe: o empresário era seu padrinho de casamento com Tarsila. Nunca mais se falaram. Abandonada, a obra foi adquirida por uma pechincha equivalente a 18000 reais. Vale hoje 30 milhões de reais. Gilberto queria ter comprado mais quadros de Tarsila, especialmente os de um lote de altíssimo nível que ela guardou até seus últimos anos de vida. Mas sempre que pensava em lhe fazer uma oferta refreava a vontade. Ele lembra: "Tinha medo de ela colocar o preço lá em cima e, como éramos muito amigos, ficaria com vergonha de regatear".

EMPURRADO PELA SORTE

Em meio a um temporal no ano de 1971, Gilberto refugiou-se na Fundação Armando Alvares Penteado, em São Paulo. Foi ali que, em um lance de sorte, ele fez um de seus melhores negócios no campo das artes. Estava em exibição uma boa mostra da pintora Anita Malfatti (1889-1964), que pouco conhecia. Enquanto passava os olhos pelas telas, Gilberto era observado por uma senhora ao fundo. Era Georgina Malfatti, irmã de Anita, que o abordou disposta a livrar-se de obras que, mesmo depois da morte da artista, ainda desagradavam à família. Nos anos 1910, Anita passara uma temporada na Alemanha e nos Estados Unidos sorvendo do expressionismo então em voga e produziu óleos como este O Farol. Seu tio e padrinho, Jorge Krug, enfurecia-se ao vertais pinturas, dizendo que não era para "aquilo", afinal, que custeara os estudos da sobrinha no exterior. A pressão aumentou depois de uma exposição demolida pela duríssima crítica do escritor Monteiro Lobato no célebre artigo "Paranóia ou mistificação?"- Abalada, Anita derivaria para um estilo mais tradicional e marcado por temas populares. "Ela se dobrou e nunca mais produziu nada de vanguarda", lamenta a especialista Aracy Amaral. Chateaubriand é um dos raros colecionadores que guardam os exemplares daquela que foi a melhor fase de Anita Malfatti.

O QUADRO NÚMERO 1

26 Gilberto tinha 27 anos quando começou sua coleção. Ele nem mesmo se interessava por arte. Em Salvador, durante uma missão pelo Itamaraty, o amigo que o buscou no aeroporto fez um desvio repentino em direção a um hotel abandonado. Ali ficava o ateliê de José Pancetti (1902-1958), que naquela época pintava compulsivamente, até três quadros por dia. As telas se espalhavam pelo chão da casa , do jardim e do galinheiro, onde tapavam as brechas na cerca. "As obras encalhavam. Não havia como escoar tamanha produção", conta o biógrafo José Roberto Teixeira Leite. Pancetti trocava-as por garrafas de vinho ou consultas médicas, já que sofria de tuberculose. "Pode escolher qualquer uma", disse a Gilberto, que foi fisgado pelo colorido de Paisagem de Itapuã. Ao presentear o jovem diplomata, o artista deu uma tacada de mestre. Foi aquele singelo quadro que lhe despeitou a curiosidade por arte. Gilberto se tornou um dos grandes clientes do pintor, pagando caro pelas obras e contribuindo para que elas chegassem aos níveis de hoje. Paisagem de Itapuã, um dos dezesseis Pancettis da coleção, vale l milhão de reais.

UM MAU CONSELHEIRO

No início dos anos 60, em visita ao ateliê do amigo Di Cavalcanti (1897-1976), Gilberto encantou-se por uma marinha recém-pintada. Decidiu comprar o quadro, mas, como ele ainda tinha a tinta fresca, combinou que o buscaria no dia seguinte. Nunca mais viu aquela obra. Quando voltou ao ateliê, ouviu do pintor: "Gilbertinho, uns turistas alemães passaram aqui e carregaram o quadro. Não adiantou dizer que era seu". Um mês depois, Gilberto receberia em troca a tela Mulheres de Pescadores, que na mesma hora julgou ser de qualidade inferior. Em nome da amizade, porém, não protestou. Ocorreu outras vezes de fazer mau negócio por ter dado demasiado crédito às palavras do pintor, que, como outros, conhecera na juventude, por intermédio do pai. Opositor ferrenho da arte abstraía, Di Cavalcanti recomendava a Gilberto que fugisse do "embuste" da turma neoconcretista, encabeçada por Hélio Oiticica e Lygia Clark, a vanguarda da época. "Ele me dizia que aquilo não era arte", relembra Gilberto, que ainda se ressente de oportunidades que perdeu e da lacuna deixada em seu acervo, por ter tido Di Cavalcanti como conselheiro.

Estado de Minas - Prêmio Nacional

(26/4/2012) A pintora mineira Yara Tupynambá (foto) ganhou o Prêmio Clarival do Prado Valladares, categoria trajetória artística, concedido pela Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). Os troféus serão entregues em 22 de maio, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo. Além de Yara, a ABCA premiou Sérgio Lucena (PB), a exposição de Joaquín Torres-Garcia realizada na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, o curador Agnaldo Farias, a crítica Daisy Peccinini e a pesquisadora Annateresa Fabris, entre outros. Criada em 1949, a ABCA é a mais antiga associação brasileira de profissionais das artes visuais. Sua fundação, no Rio de Janeiro, foi liderada pelos críticos Sérgio Milliet, Mário Barata, Antonio Bento e Mário Pedrosa.

27 Estado de Minas - Criação com método

Walter Sebastião

Caixa d'água, fotografia de João Castilho em exposição

(26/4/2012) A poética do pica-pau. Isto é: “Obras que nascem, em sua maioria, de trabalho metódico e, em muitos casos, cabe imaginar, até monótono, de escavação da matéria com o objetivo de fazer emergir uma forma ou de delimitar o vazio que a define. Trata-se, como é evidente, de processo lento, cuja duração é geralmente imposta e definida pelo próprio trabalho, até no ritmo com que as coisas vão se definindo”. Conceito e definição do curador Jacopo Crivelli Visconti, que rege a exposição Métodos empíricos para a extração (ou construção) de uma forma, que tem abertura hoje, a partir das 19h, na Celma Albuquerque Galeria de Arte.

“Em alguns casos, a ideia da escavação, do trabalho físico que faz aparecer o que antes era invisível, é central”, acrescenta Jacopo Crivelli Visconti em texto escrito para a mostra. E aponta obra que, para ele, é uma das mais significativas da exposição: escultura de José Bento, “que assimilou o próprio modus operandi dos pica-paus e durante anos foi cavando, em duas enormes toras, dois ‘ninhos’ onde quem quiser pode entrar, sentar, assistir a um vídeo ou simplesmente olhar a exposição de dentro para fora.” A mostra surgiu de interesse dele por processos artísticos – acaba de concluir doutorado, cuja tese é sobre trabalhos e artistas que operam com o caminhar.

Arte, para o curador, tem sempre alguma coisa de metódico. Mas ele recorda que há também artistas que preferem trabalhar com a intuição. Na produção contemporânea, observa, há muitos artistas que vêm enfatizando a dimensão de pesquisa e o uso de método, para se afastar da visão romântica da arte, da ideia de gênio, de iluminação. Aproximam-se de visão filosófica que procura ir além da questão artística, chamando para a percepção de processos, métodos e premissas que levam à obra. A questão do tempo, nesta maneira “quase zen de trabalhar”, é importante. Há trabalhos, observa, que o artista só interrompe devido a uma exposição – “poderia continuar fazendo indefinidamente”, conta.

28 Jacopo Crivelli Visconti é italiano e está vivendo e trabalhando no Brasil há 10 anos. Já realizou outras curadorias em Belo Horizonte, como a exposição Sismógrafo, apresentada no Palácio das Artes. “Acho a produção da cidade, em especial de vídeo, sensacional”, elogia. Considera que BH, hoje, tem quase situação ideal para a produção de arte. “Não é periferia, que todo mundo gosta, mas que deixa a obra isolada; nem grande centro, onde tudo fica perdido ou tido como já visto. Sinto que há fome de fazer arte, que hoje quase não existe em outros lugares”, observa. Também considera que há vontade coletiva de fazer crescer o cenário, o que ele considera muito bom.

“O que falta a Belo Horizonte é o mesmo que falta no Brasil todo: instituições que consigam manter produção de qualidade por longos períodos. A cidade tem programações interessantes, mas cujo nível cai, volta a crescer, cai outra vez”, afirma Jacopo Crivelli, observando que isso também é problema nacional (“a exceção é a Pinacoteca de São Paulo”). “O papel de uma instituição é formar público que veja de maneira crítica o que ocorre – e estamos longe de ter realizado esse trabalho. E isso só é possível com programação boa, que permita comparações e visão ampla e mais crítica”, argumenta. Estar enfatizando obras metódicas, observa, não quer dizer que só goste desse enfoque. “Gosto de muitas coisas”, avisa.

Métodos empíricos para a extração (ou construção) de uma forma Mostra com curadoria de Jacopo Crivelli Visconti. Obras de Alessandro Lima, Angelo Venosa, Eder Santos, Isaura Pena, Joacélio Batista, João Castilho, José Bento, Mabe Bethônico, Nuno Ramos, Pedro Motta e Roberto Bethônico. Na Celma Albuquerque Galeria de Arte, Rua Antônio de Albuquerque, 885, Savassi, (31) 3227-6494. Aberta de segunda sexta, das 9h às 19h; sábado, das 9h30 às 15h. Até dia 27.

Valor Econômico - O homem que pinta Niemeyer

Por Maurício Assumpção

Obra "Mulher" da série "Brasília Cinquenta Anos", de Benoit: nus são uma referência à sensualidade das curvas expressas no traço de Niemeyer

(27/04/2012) Se, no clássico "2001 - Uma Odisseia no Espaço", o diretor houvesse incluído a imagem de uma cidade, ela seria, certamente, Brasília - uma espécie de capital do planeta Terra no futurístico século XXI. Essa é, pelo menos, a visão do pintor francês Jacques Benoit, de 57 anos, que fez de boa parte da sua carreira um tributo à obra do arquiteto .

No seu ateliê, no charmoso bairro da Mouzaia, em Paris, Benoit guarda alguns dos cerca de 60 trabalhos, entre telas em vinílico, gravuras e serigrafias, que criou nos últimos 17 anos, todos inspirados em projetos de Niemeyer, sobretudo no conjunto arquitetônico da Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Nascido em Argel, quando a Argélia ainda estava sob domínio francês, Benoit e sua família chegaram à França nos anos 60, ao mesmo tempo em que, no Brasil, o golpe militar de 1964 corroborava o fim do sonho ideológico de Brasília. Mas isso ainda não preocupava o menino de 9 anos, que descobria nas revistas assinadas pelos pais fotos em preto e branco daqueles estranhos edifícios, construídos no meio do nada, num país cuja localização no mapa ele não sabia indicar.

"Eu não tinha a menor ideia de onde ficava o Brasil. Mas, depois, pesquisando nos livros, eu descobri o país e, sobretudo, os nomes Niemeyer e Kubitschek. Eu fiquei intrigado pelo exotismo daqueles nomes. Como alguém chamado Kubitschek poderia ser presidente do Brasil? E Niemeyer? Que nome fascinante, misterioso", relembra Benoit.

As fotos de Brasília publicadas na imprensa da época não foram a única referência à nova cidade disponível aos franceses. De certo modo, pode-se dizer que foi o galã de cinema Jean-Paul Belmondo quem, na França, introduziu Brasília às massas. Em 1963, Belmondo e a equipe do diretor

29 Philippe de Broca viajaram ao Brasil para rodar "O Homem do Rio", um filme de aventura que tem como cenário os mais importantes marcos arquitetônicos do Rio de Janeiro, incluindo o Palácio Gustavo Capanema, onde Niemeyer começara a sua carreira de arquiteto. Do Rio, a filmagem segue para o Eixo Monumental. Na França, o filme fez um estrondoso sucesso, atraindo milhares de espectadores, entre eles o próprio Niemeyer, que, saudoso do Brasil, assistiu a "O Homem do Rio" num cinema em Paris e se emocionou ao ouvir os aplausos do público na sequência filmada em Brasília.

"É um filme maravilhoso, que contribuiu para essa mistificação de Brasília na minha vida", explica Benoit. "Belmondo correndo naquele imenso canteiro de obras, se equilibrando sobre os andaimes, fugindo dos bandidos, tendo, como pano de fundo, a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes: aquelas foram as primeiras imagens de Brasília que muitos franceses viram nos anos 60."

Apesar de ser presença constante em sua obra, não foi Niemeyer quem levou Benoit às telas. Suas primeiras incursões pela arte da pintura partem das suas interpretações visuais do trabalho da cantora canadense . Mais tarde, Benoit estabeleceria, através da pintura, uma relação entre sua musa inspiradora e as ideias de Niemeyer.

"Existe um forte paralelo entre Mitchell e Niemeyer", sugere Benoit. "Assim como Niemeyer decanta a sensualidade das nuvens do cerrado na sua biografia ["As Curvas do Tempo"], Mitchell fala de amor e nuvens em "Both Sides Now" [do álbum "Clouds", 1969]. E, melhor ainda, Mitchell descreve em "Paprika Plains" [do álbum "Don Juan's Reckless Daughter", 1977] a sina dos povos indígenas da América do Norte, que tem muito a ver com a desventura dos primeiros candangos, enaltecidos por Niemeyer, mas alienados de Brasília depois da chegada da elite política."

Obcecado por Brasília, era natural que, mais cedo ou mais tarde, Benoit chegasse lá. Em 1994, depois de passar alguns dias no Rio de Janeiro, o pintor desembarcou no Planalto Central. "Parecia um sonho. Eu fiquei muito emocionado quando cheguei à Praça dos Três Poderes. Tive vontade de chorar. Não havia viva alma nas ruas, o que só reforçava aquela imagem da minha infância. Brasília, uma cidade do futuro, como num filme de ficção científica. Só mais tarde eu fui entender: era um domingo de carnaval!"

O impacto emocional da viagem ao Brasil mudaria os rumos da carreira de Benoit para sempre. De volta a Paris, ele se dedicou de pincel e alma à obra de Niemeyer. As primeiras telas ficaram prontas em 1996, sempre fiéis às proporções arquitetônicas, "em absoluta reverência ao mestre", mas livres na combinação de cores fortes e saturadas. Figuras humanas, homens, mulheres e crianças, quase sempre nus, davam um toque onírico às telas, numa referência à sensualidade das curvas expressas no traço de Niemeyer.

Nove anos e muitas pinceladas depois, Benoit estava pronto para organizar sua primeira exposição exclusivamente dedicada à obra do arquiteto. Mas não antes de realizar um segundo sonho: conhecer Niemeyer pessoalmente. Para isso, acionou conhecidos na França e no Brasil, com os quais conseguiu apoio para a produção de um documentário sobre Niemeyer, então com 97 anos. Numa manhã de verão, Benoit aterrissou no Rio com uma equipe de quatro pessoas, indo direto para Copacabana, onde o arquiteto trabalha em seu escritório com vista para o mar.

"Minhas pernas tremiam", confessa o pintor. "Quando eu apertei a mão de Niemeyer, eu só conseguia dizer que eu estava muito, muito comovido. Ele foi bastante gentil em nos receber, mas não me deu muita bola. Afinal, havia duas mulheres muito bonitas na nossa equipe de filmagem, e ele só tinha olhos para elas. Só depois nós conseguimos nos sintonizar, quando ele me deu mais atenção, e até respondeu às minhas perguntas em francês". No fim da entrevista, que durou três horas, Benoit presenteou Niemeyer com a tela "Aeroporto de Brasília", representando o projeto de aeroporto para a capital rejeitado pela ditadura militar, uma das maiores frustrações na carreira de Niemeyer.

Fim semelhante teve o projeto de documentário de Benoit: encalhou por falta de recursos para a pós- produção na França. Em compensação, a primeira exposição em Paris, "Brasília de Carne e Alma", atraiu a atenção do Partido Comunista Francês (PCF), cuja sede fora projetada por Niemeyer durante o seu exílio voluntário na França. Uma nova exposição foi planejada, a pedido do PCF, para estar pronta em 12 meses. Às pressas, Benoit voltou ao ateliê, com vontade de inovar.

30 "Eu não queria somente aqueles personagens nus, sensuais e oníricos, nas pinturas de Brasília. Eu queria ter também uma relação mais direta com Niemeyer. Mas, claro, eu não poderia pintá-lo nu", brinca Benoit, apontando as telas nas quais figura o arquiteto.

Desse segundo ciclo datam as telas em vinílico que vão além de Brasília, abrangendo, principalmente, as três grandes obras de Niemeyer na região metropolitana de Paris: a sede do Partido Comunista Francês, a Bolsa do Trabalho (um centro de atividades sindicais) e a antiga sede do jornal L'Humanité, associado ao PCF. Em muitas delas, a figura de Niemeyer aparece só ou acompanhada de Lúcio Costa, Kubitschek ou até mesmo Stanley Kubrick, circulando pelo saguão da sede do partido.

Nas festividades oficiais dos 50 anos de Brasília, em 2010, Benoit foi convidado para expor sua obra no Espaço Cultural Renato Russo, no Distrito Federal, o que lhe deu a oportunidade de apresentar uma série inédita sobre o período da construção de Brasília, com técnica mista sobre papel, e suas últimas telas inspiradas na capital. Fechando por completo mais um ciclo Niemeyer na sua carreira, Benoit voltava às raízes da sua inspiração com a tela "O Homem de Brasília", em referência a "O Homem do Rio". "Por ora me despeço de Niemeyer e de Brasília com Jean-Paul Belmondo correndo pela cidade. Resta saber se ele corre de Brasília ou ao encontro dela."

O Estado de S. Paulo – Amilcar condensado em série

Mostra celebra o escultor apresentando um raro conjunto de 140 peças

Camila Molina

(27/4/2012) O escultor mineiro Amilcar de Castro (1920-2002) orgulhava-se de ser o primeiro artista a ter dobrado o aço. "Ele dizia que depois disso, tudo havia se tornado fácil", conta a galerista Marilia Razuk, que trabalhou por anos representando-o no mercado de arte. Agora, quando sua galeria comemora duas décadas de atividade em São Paulo, Marilia resolveu fazer uma homenagem a Amilcar exibindo uma preciosidade, a série completa de 140 pequenas esculturas que representam toda a pesquisa de corte e dobra que o escultor desenvolveu desde a década de 1960.

As diminutas formas em aço puro, na principal sala da exposição, condensam, numa mesma visada, a marca de um artista - "formas bidimensionais anônimas e fechadas em si mesmas (o retângulo, a circunferência), transformadas por uma ação. Uma ação que, rompendo a inércia da forma matriz, projeta-a para o tridimensional, transformando-a e a transformando o espaço ao redor", tão bem definiu o historiador Tadeu Chiarelli no livro Amilcar de Castro - Corte e Dobra (Cosac Naify).

Essas obras do escultor conseguem ser diferentes em si, mas também revelarem um pensamento único. Cada peça, afinal, revela a complexidade e a leveza de tornar um plano quadrado, retangular ou circular em mais de uma centena de possibilidades. As formas que vemos diminutas originaram obras de outras escalas, inclusive, esculturas monumentais criadas para a esfera pública e abrigadas em localidades tão distintas como Londres ou a Praça da Sé, em São Paulo.

A série de 140 esculturas de corte e dobra, com altura que varia de 21 cm a 23 cm, pertence à família do artista. Amilcar de Castro fez uma edição de três exemplares desse conjunto, mas apenas este, agora na Galeria Marilia Razuk, foi preservado em sua totalidade, o que o torna raro. "Não tenho ainda uma estimativa de valor da série, mas garanto que não vai ser desmembrada", diz a galerista, que depois de um hiato voltou, no fim do ano passado, a ser responsável pela comercialização das obras de Amilcar. O objetivo é de que a série seja adquirida por um museu de São Paulo. "É uma referência", afirma Marilia.

31 O neoconcretista é referencial em muitos aspectos e foi mestre de uma geração de artistas. Volta e outra sua obra é comparada à do norte-americano Richard Serra - ambos se dedicaram a trabalhar com a solidez do metal em suas criações -, mas a diferença entre eles, como destacou Chiarelli em seu ensaio, é a relação afetiva que Amilcar conseguiu promover entre suas esculturas e o público. Serra fecha suas obras em si, diz o historiador, e o escultor mineiro "com uma chapa de ferro e um corte decidido" cria espaços de passagem, de abertura.

A singularidade de sua obra, acompanhada de sua consagração, vem atingindo o território internacional. Importante citar que no ano passado uma das mais poderosas galerias do mundo, a Gagosian, exibiu em Paris a mostra Brasil - Reinvenção do Moderno, com peças do escultor e de Sergio Camargo, Lygia Clark, Oiticica, Lygia Pape e Mira Schendel. Neste momento, a atual exposição de Amilcar na Galeria Marilia Razuk é uma oportunidade condensada de ver seu pensamento artístico, não apenas por meio da série completa de corte e dobra, como pela exibição de outras cinco esculturas em escala média e oito de seus desenhos.

Ainda como parte do aniversário da galeria, será inaugurada na próxima quinta-feira, em seu outro espaço na Rua Jerônimo da Veiga, no número 62, uma coletiva com curadoria do artista Claudio Cretti. Marilia Razuk ainda destaca em sua programação mostras, este ano, da artista mexicana Julieta Aranda e da colombiana Johanna Calle.

Amilcar de Castro Galeria Marília Razuk. Rua Jerônimo da Veiga, 131B, Itaim-Bibi, telefone 3079- 0853. 10h30/19 h (sáb., 11 h/15 h; fecha dom.). Grátis. Até 9/6.

IstoÉ - Um pintor 100% brasileiro

Ivan Claudio

(30/04/2012) São apenas nove telas e desenhos, mas é um conjunto de valor suficiente para tornar imperdível a exposição “Di – Alguns Inesquecíveis” (Paulo Kuczynski Escritório de Arte, São Paulo, até 28/5). O primeiro motivo é que as obras de autoria do pintor carioca Emiliano Di Cavalcanti pertencem ao seu melhor período – aquele posterior à Semana de Arte Moderna e que vai até os anos 1940. Além disso, os trabalhos são raríssimos, três deles inclusive inéditos em galerias. No grupo das telas nunca exibidas estão “Mulher no Divã”, que traz no verso o desenho “Cena de Porto”; “Conversa no Cais”, mostrando duas negras em trajes africanos; e “Serenata”, retratando um flautista e sua amada, obra de colorido sombrio que torna reducionista o título de “pintor de mulatas” atribuído ao artista.

+5 artistas modernistas

Tarsila do Amaral (FOTO) É autora da obra emblemática do modernismo brasileiro, a tela “Abaporu”, inspiradora do movimento antropofágico

Lasar Segall De origem lituana e formado no expressionismo alemão, integra a cor e a luminosidade brasileiras à sua obra

Anita Malfatti Chocou a sociedade paulistana ao expor suas telas de formas distorcidas nos anos 1910, entre elas “A Boba”

Victor Brecheret

32 Suas esculturas fundem o cubismo, a art déco e a síntese de formas atingida pelo romeno Constantin Brancusi

Vicente do Rego Monteiro Retratou lendas indígenas e foi influenciado pela cerâmica marajoara

Correio Braziliense - Geometria do belo

Exposição traz para a cidade amplo painel da arte construtiva brasileira e faz conexões com a criação de Brasília, capital ícone da modernidade

Nahima Maciel

Hércules Barsotti (1914-2010)

(01/05/2012) Quando Brasília começou a tomar forma nas pranchetas e mentes dos brasileiros responsáveis pelo sonho a ser erguido no meio do Planalto Central, o Brasil passava por uma revolução artística. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, artistas se desprendiam da figuração e ingressavam na aventura abstrata, um caminho sem volta que acabou por mudar os rumos da arte brasileira. E o que isso tinha a ver com Brasília? Simples: a conexão está na modernidade e na ideia de ruptura que orientaram tanto artistas quanto arquitetos. Max Perlingueiro quis deixar isso bem claro ao realizar a curadoria de Geometria da transformação — Arte construtiva brasileira na coleção Fadel, em cartaz no Museu Nacional Honestino Guimarães (Complexo da República).

Com 142 obras de 55 artistas, a mostra traz à cidade a produção mais importante da arte construtiva brasileira, um momento no qual a geometria se tornou o ponto de partida para toda uma geração. “Em 1951, houve a 1ª Bienal de São Paulo e foi apresentada a arte abstrata. Max Bill ganhou o prêmio e modificou a cabeça dos artistas”, conta Perlingueiro. Em São Paulo, liderados por Waldemar Cordeiro, artistas como Lothar Charoux, Geraldo de Barros e Luiz Sacilotto se organizaram no Grupo Ruptura. A proposta era uma arte geométrica sóbria, séria, sem a exuberância da cor.

No Rio de Janeiro, a liderança era de Ivan Serpa, sob o nome de neoconcretismo. O manifesto, redigido por Ferreira Gullar, não prometia nada, apenas pedia uma arte boa e livre. Helio Oiticica e Lygia Clark se encantaram e aderiram. Franz Weissman até coloriu as esculturas e Abraham Palatinik se encantou. “O neoconcretismo era um grupo mais poético, permitia a utilização da cor na arte, tinha mais liberdade, mais poesia, mas também era fiel à forma geométrica”, observa o curador.

Ideias abstratas

Geometria da transformação reúne, sobretudo, esses artistas emblemáticos para o construtivismo, mas também dá espaço a outros. Figuras não necessariamente ligadas aos movimentos, porém influenciadas pelas ideias abstratas, assim como a uma segunda geração, herdeira da primeira leva. Se abriga os clássicos integrados e engajados, recebe também os avulsos. Cícero Dias experimentou a geometria, assim como Milton Dacosta, Alfredo Volpi e Maria Leontina. Mira Schendel flertou com os concretos. Na leitura de Perlingueiro, Antônio Dias e Raymundo Colares são expressões mais recentes que também Arnaldo Ferrari (1906-1974) se deixaram influenciar pelo movimento.

33 Perlingueiro enxerga um diálogo implícito entre a exposição e a arquitetura do Museu Nacional. O fato de ter sido projetado por Oscar Niemeyer e de estar no coração da Esplanada, moderna desde o nascimento, são detalhes simbólicos. “Essa exposição tinha que começar em Brasília e a arquitetura do museu que a abriga é essencial. Não sei se estou sendo ufanista, mas não imagino essa exposição em outro lugar”, diz. Autoexplicativa, com linhas do tempo e comentários breves que ajudam a percorrer e compreender as obras com certa leveza, a mostra ganhou ainda a voz de Caetano Veloso. É possível ouvir o baiano recitar Dias, dias, dias, o poema concreto de Augusto de Campos, enquanto se descobrem os metaesquemas de Helio Oiticica e as superfícies moduladas de Lygia Clark. “Essa é uma exposição educativa para sabermos onde estávamos e com quem dialogávamos na época em que a cidade foi construída”, avisa Wagner Barja, diretor do museu.

GEOMETRIA DA TRANSFORMAÇÃO Curadoria: Max Perlingueiro. Visitação até 24 de junho, de terça a domingo, das 9h às 18h30, no Museu Nacional do Conjunto Cultural da República (Setor Cultural, Esplanada dos Ministérios)

Estado de Minas – Artes visuais: Eterna mudança

Poda, trabalho da mostra Ser rio, ser adro, ser planta Walter Sebastião

(02/05/2012) Plantas, pedras e autorretratos fazem parte da primeira exposição individual da artista plástica Juliana Gontijo, que será aberta hoje para convidados. Os trabalhos poderão ser vistos a partir de amanhã no BDMG Cultural. De forma delicada, Juliana, de 24 anos, constrói a aproximação entre o corpo humano e o mundo.

Ser rio, ser adro, ser planta é o nome da exposição. “Considerando que todos somos feitos dos mesmos elementos, corpo e lugar podem se confundir”, provoca Juliana, referindo-se ao termo “ser adro”. Por sua vez, “ser rio” remete ao filósofo grego Heráclito – veio dele a frase “não se entra duas vezes no mesmo rio”, que traz a consciência da eterna transformação. “Ser planta é nascer e morrer a cada dia”, esclarece a artista. Como ela também gosta de escrever, promete incluir textos ao lado das obras. “Eles colocam questões, são poéticos e não explicativos”, conta Juliana.

A elaboração dos trabalhos se valeu de aspectos visuais e literários, além de diferentes materiais: telas, tintas, registros fotográficos, madeira, plantas e terra. Essa articulação, explica Juliana, faz um elemento potencializar o outro, “construindo algo maior, algo que eles não conseguem produzir sozinhos”.

A operação conceitual é movida por uma autora atraída pelo fazer, inclusive manual. “Passei vários anos pintando muito”, observa Juliana, que gosta da dimensão lúdica da arte. “O que me atrai é matéria, imagem”, resume.

34 Juliana Gontijo diz que seu trabalho tem certa dimensão do realismo fantástico. “As imagens despertam uma fantasia em torno do que as pessoas veem”. Ela cultiva o misterioso, é fã dos livros de Franz Kafka e do mineiro Murilo Rubião. “São textos sobre outros mundos. Coisas que não podem acontecer acontecem”, conclui.

FOTOGRAFIA

Zero Hora – Olhar brasileiro na Líbia

HUMBERTO TREZZI

A cobertura da mais sangrenta rebelião da Primavera Árabe, a guerra civil da Líbia, rendeu a um brasileiro o Robert Capa Gold Medal, um dos mais prestigiados prêmios de fotografia do mundo. O vencedor da edição 2012 do prêmio é o paulista André Liohn, 39 anos. Correspondente de guerra freelancer há mais de uma década, já cobriu conflitos na Somália e na Síria, entre outros locais. Ele foi premiado por uma série de 12 fotos tiradas em Misrata, a cidade mais castigada pela guerra, que ficou dois meses sitiada por tropas do ditador Muamar Kadafi, entre março e abril de 2011. Foi em Misrata que o fotógrafo brasileiro testemunhou a morte de dois colegas e amigos: o britânico Tim Hetherington e o americano Chris Hondros. Em entrevista a ZH, Liohn falou sobre o prêmio.

Zero Hora – “Faz um ano que eu próprio quase morri” / Entrevista / André Liohn

André Liohn, fotógrafo de guerra

Zero Hora – Este é o maior prêmio da sua carreira? André Liohn – Sim. Creio que é o mais importante prêmio de fotografia de guerra no mundo. É uma honraria e tem muita importância para a nossa profissão. Sou o primeiro sul-americano a ser contemplado com a medalha Robert Capa em 57 anos de prêmios. Espero que isso sirva para que, no Brasil, o fotojornalismo ganhe impulso mais crítico e independente. Tem muita gente fazendo trabalho bom por aí, mas tem de sair do país, para ganhar um bom espaço. Fotojornalismo não é apenas cobrir pauta e voltar para casa horas depois. Nem precisa ser devaneio estético. Pode ser um meio-termo, um bom trabalho de pesquisa, que retrate uma cultura em meio ao conflito.

ZH – Um dos últimos vencedores desse prêmio foi o Chris Hondros, fotógrafo a quem você ajudou nos últimos instantes de vida. Liohn – Dia 20 fez um ano da morte do Chris e hoje (ontem), quando recebo este prêmio, faz um ano que eu próprio quase morri. São coincidências intrigantes.

ZH – Como está o projeto Almost Dawn in Libya, de ajuda ao país? Liohn – Procuramos ir além do jornalismo. Viramos interlocutores da reconciliação dos líbios, é uma tentativa de contribuir para isso. É um projeto novo e ambicioso. Dia 7 de maio volto à Líbia, imprimo catálogos e começo a montar a exposição itinerante. Será bom para os líbios voltar à vitrina internacional, agora de forma positiva. A situação lá melhorou bastante, embora existam algumas escaramuças.

ZH – Quais seus planos de cobertura de guerras imediatos? Síria? Liohn – Estive na Síria em dezembro. Agora não dá para ir, nenhuma empresa está bancando, em decorrência dos riscos para os repórteres. O que é triste... O povo sírio precisa da presença da imprensa. E sem apoio de jornais ou TVs, não penso em retornar. É difícil enfrentar riscos, sem sequer a certeza de vender o material e ter um apoio logístico.

Robert Capa - A Medalha de Ouro Robert Capa, instituída em 1955, homenageia o fotógrafo húngaro de mesmo nome. Ele cobriu os mais importantes conflitos da primeira metade do século 20, como a Guerra Civil Espanhola e a II Guerra Mundial. Morreu em 1954, quando trabalhava na primeira guerra da Indochina (Vietnã).

35 MÚSICA

Correio Braziliense - Palco para virtuoses

Gabriel de Sá, Especial para o Correio

Vitor e Marcos Mesquita se apresentam amanhã no Brasília Instrumental

(26/4/2012) Há dois anos, Vitor Mesquita, 21 anos, teve a ideia de realizar um projeto que reunisse instrumentistas brasilienses de gêneros diferentes. Aluno do gaitista Pablo Fagundes e filho do violeiro Marcos Mesquita, o rapaz se divide entre os dois instrumentos e o violão, e constatou que a música feita por seus mentores não era tão valorizada. O pai embarcou na ideia e, desde terça-feira, o Brasília Instrumental tomou o palco da Sala Martins Pena. “Queremos dar oportunidade aos músicos de Brasília e mostrar ao público a alta qualidade que temos aqui”, alerta Marcos Mesquita. Amanhã, ao lado do filho, ele é atração do projeto, às 21h.

Foram convocados artistas radicados e nascidos na cidade, na maioria professores da Escola de Música de Brasília e da Escola de Choro Raphael Rabello. A diversidade de estilos que marca o projeto é reflexo da pluralidade musical presente no Distrito Federal. “Caso a empreitada dê certo, vamos levá-la a outras cidades do país, e também para fora”, planeja Marcos. A intenção é que o circuito instrumental se consolide na capital. “Pessoas que não conheciam muito a música brasiliense começam a pesquisar sobre ela, veem os cartazes do projeto e vão ouvir as obras ou assistir vídeos na internet”, festeja Vitor.

Na terça, se apresentaram o Quarteto Artesanal e a dupla Pablo Fagundes e Marcus Moraes. Os espetáculos continuam hoje, com Oswaldo Amorim e Paulo André Tavares abrindo para Aparício Ribeiro; amanhã, com o grupo Mandrágora antecedendo Marcos Mesquita e banda; e sábado, com Jaime Ernest Dias e Liliana Gayoso, seguidos de Advogado e Engen. Marcos acredita que o intercâmbio musical entre esses artistas é um dos maiores legados do projeto; e garante: “se tivéssemos mais dias, chamaríamos diversos outros músicos”.

Marcos Mesquita é também colega de trabalho de vários artistas do elenco do Brasília Instrumental, já que leciona na EMB há 25 anos. Já foi, inclusive, aluno de violão de Paulo André Tavares. No show de amanhã, ele divide o palco com Vitor, Eric Germano (bateria), Fábio Pessoa (violão), Michel

36 Venâncio (baixo elétrico) e Wladimir Barros (baixo elétrico). Conhecido como violeiro caipira, mas com um pé no rock progressivo, ele avisa que, atualmente, enveredou mesmo para as bandas do último gênero. “É um lado diferente da viola, que transcende a música caipira tradicional e explora seus recursos harmônicos e melódicos”, explica. No repertório, canções de sua autoria, como Abertura, Trans, 12 de junho, Na praia, Sinos na varanda e uma versão de Primeira estrela, de Luli e Lucina.

Brasília Instrumental 2012 Hoje, amanhã e sábado, às 21h, na Sala Martins Pena do Teatro Nacional Claudio Santoro. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia). Classificação livre.

Estado de Minas - Fanfarra contemporânea

Orquestra Voadora pega carona na formação comum a grupos do Exército e de escolas, mas rompe fronteiras e faz som mais moderno e espontâneo, tocado por gente jovem

Thaís Pacheco

A Orquestra Voadora foi criada no carnaval de 2008, mas mantém a formação e os shows até hoje

(26/4/2012) Marcelo Camelo, do Los Hermanos, que está vindo aí (19 a 21 de maio, no Chevrolet Hall), que me desculpe, mas um fato consumado desafia sua afirmação de que “todo carnaval tem seu fim”. Prova disso é a banda Orquestra Voadora, criada no carnaval de 2008. Depois de se conhecer tocando marchinhas em blocos de rua do Rio de Janeiro, 15 músicos decidiram que a festa não deveria acabar e criaram sua própria fanfarra, na estrada desde então.

Sem baixo ou guitarra, composta por cinco percussionistas e 10 músicos com instrumentos de sopro, a Orquestra Voadora se apresenta nas ruas ou em palcos de casas noturnas. Onde são chamados para fazer a festa, vão. E tocam marchinhas e sambas, mas também apresentam versões para músicas de Tim Maia, Roberto Carlos e até Jimi Hendrix.

Para facilitar a vida do leitor e fazer uma referência de algo parecido com o som da Orquestra Voadora, poderíamos citar o Funk Como Le Gusta ou a Orquestra Imperial. Mas um dos trompetistas, Tiago de Castro, diz que não é bem por aí. “Esses nomes são referência porque, de certa forma, influenciaram nossa formação musical individual. Mas o formato da banda é diferente. Não temos muita referência no Brasil de outras bandas que façam o que a gente faz”, diz.

O que eles fazem é fanfarra. “Fanfarras são bandas de rua, mas no Brasil têm essa conotação de marchinha e toque militar porque são atreladas ao Exército ou a escolas municipais. Pegando essa formação e fizemos algo mais espontâneo. É moderno, com gente jovem e músicas populares, que não foram pensadas para esse formato”, explica Tiago.

Vez ou outra, alguém entra cantando, mas o foco principal da Orquestra Voadora é ser instrumental. Até porque, as letras, de acordo com o trompetista, o público se encarrega de cantar.

Turnê internacional Depois de quatro anos na estrada, o grupo rompeu fronteiras e esta semana acaba de voltar de turnê de um mês pela Europa. Tocaram em Paris, Toulouse e Marseille, na França; Lisboa e Porto, em Portugal; Barcelona, na Espanha; Londres, na Inglaterra; e Bruxelas, na Bélgica. E botaram o povo para dançar. “Foi diferente, principalmente porque no eixo Rio-São Paulo já conseguimos um público bem cativo e crescente. Tocamos para grandes plateias em lugares como o Circo Voador ou a Fundição Progresso. No exterior, ao contrário do que esperávamos, encontramos público empolgado, extremamente dançante e que interagia. Foi surpreendente”, celebra Tiago de Castro.

37 Depois do retorno triunfal, é a vez de a orquestra chegar a BH. Na verdade, voltar. Eles estiveram aqui em fevereiro, durante o S.e.n.s.a.c.i.o.n.a.l, quando se apresentaram na Praça da Liberdade. A festa só acabou porque a polícia mandou. “Quando acaba o palco, vamos para o meio da galera. Se dependesse de nós e da galera, continuaria noite adentro. Mas a polícia teve de pedir para pararmos”, lembra Tiago.

Quem ficou com gostinho de quero mais da última vez pode matar a vontade agora. A Orquestra Voadora se apresenta hoje, no Granfinos. E Tiago garante que vai ser uma grande festa: “Nosso objetivo é fazer com que ninguém fique parado”.

No repertório, músicas como Top top, dos Mutantes, e Sossego, de Tim Maia, além de algumas faixas autorais e versões inéditas para o público mineiro.

Orquestra Voadora Show hoje, às 22h, no Granfinos, Avenida Brasil, 326, Santa Efigênia. Ingressos: 1º Lote: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada); 2º lote: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada). Informações: (31) 3241-1482.

Folha de S. Paulo – Música: Sesc lança um portal de partituras com 300 obras de brasileiros

(26/04/12) DE SÃO PAULO - Está no ar a biblioteca virtual do portal Sesc Partituras (www.sesc.com.br/sescpartituras), que reúne cerca de 300 obras de artistas brasileiros contemporâneos e do período colonial.

É possível fazer "downloads" gratuitos de composições consagradas de Francisco Mignone (1897- 1986), Glauco Velásquez (1884-1914) e Guerra-Peixe (1914-1993), entre outros.

A música popular é representada por Adelmo Arcoverde, Fernando Cerqueira e João Rodrigues de Jesus. Novos compositores, como Alexandre Schubert e José Orlando, também têm espaço.

O portal faz ainda a mediação com os representantes das obras para os interessados em gravar as composições.

Pagina 12 (Argentina) - Una ecuación sin muchas incógnitas

Lenine tiene la virtud de hacer canciones populares sin rehuir a la búsqueda creativa.

El brasileño trajo hasta Buenos Aires un concierto que requiere de un diseño sonoro especial del lugar donde se realiza. Mostró las canciones de Chao, el disco en el que prescinde de baterías y percusión, y repasó en ese mismo plan algunos de sus temas más conocidos.

Por Karina Micheletto

(27/4/2012) Además de ostentar el título de “brasileño que triunfa en el exterior” (incluidos mercados codiciados más allá de las crisis), Lenine es quizá la muestra más acabada de aquello que puede envidiarse en la comparación, desde este lado del mapa, a los vecinos del gran país. Es esa capacidad para hacer canciones muy populares, melodías que suenan en los rankings de radios y en las cortinas de novelas, sin dejar de inscribirlas en búsquedas creativas que toman el riesgo como parte del asunto. Hay en la música de Lenine unas ansias exploratorias que ponen a este inquieto “descubridor” en constante movimiento. El miércoles, frente a un Gran Rex que se mostró entusiasta e incondicional, el cantautor pernambuquense subió

38 su apuesta experimental con Chao, un proyecto en el que prescinde por completo de percusión y batería. O, más exactamente, que se lanza a explorar nuevas bases rítmicas. El concierto, planteado como una obra conceptual, tuvo además la marca de un diseño estereofónico que hizo que el Gran Rex sonara por todos lados.

Lenine trajo su disco nuevo para mostrar, Chao. Un disco que parte de un desafío muy concreto: hacer canciones en las que no suenan en absoluto baterías ni percusiones. A falta de esta base, van apareciendo otras: los pasos que se marcan en “Chao” y que se suman en la apertura del concierto a un tren que envuelve todo el teatro. O los latidos de corazón en “Se nao for amor, eu cegue”, que en el vivo es también una respiración profunda. O el pájaro loopeado que lleva tan bien el ritmo de “Amor é para quem ama”. Esos tres temas, que abren el último disco, sirven también para presentar el concierto de Lenine, sonando a su vez modificados por un trío que por momentos trabaja sin ninguna base rítmica, tampoco el bajo.

Hay también espacio para temas más viejos, que la concurrencia conoce y festeja. No son entregados como en los originales, sino convenientemente modificados según esta propuesta conceptual –que abre y cierra con el tren que envuelve al teatro y con la letra de “Isso é só o comeco” (“Eso es sólo el comienzo”), del último disco–. Y así suenan, en este trío envolvente y sin batería, “O atirador”, “Rua da passagem (Transito)”, o la declaración de pertenencia “Leao do norte”. Hay otros, como “A ponte”, que traen las percusiones desde los loops. Y otros como “A rede”, transformada según el criterio que guió al último disco: son unas sincronizadas poleas, que suenan desde arriba y desde los costados del teatro, las que increíblemente marcan el ritmo justo para esta canción.

Llevado al vivo, el concepto se amplifica en los nuevos temas: la tetera que marca el ritmo de “Uma cancao e só”, las cigarras que gana protagonismo en “Malvadeza”, la sierra eléctrica de “Envergo mas nao quebro”, un alto momento del concierto. El metrónomo y el tecleo de máquina de escribir en “De onde vem a cancao”, que ahora recuerda, loopeada, a un bombo de chacarera. O el cruce de loops y mandolina, llevada a un primer plano en “Tudo que me falta, nada que me sobra”. Junto a Lenine, se lucen en el disco y en el vivo su hijo Bruno Giorgi –productor del CD y encargado del diseño sonoro del teatro– en bajo, guitarras y mandolina y en efectos electrónicos y loops, y Jr. Tolstoi, también productor del disco, que completa el trío en guitarras y teclado. Lenine marca al público los coros “Acredita ou nao”, y funcionan a la perfección. El cuidado que mostró el músico en pronunciar las letras de modo que sean lo más comprensibles posible muestra también el valor dado a la poesía.

Lenine no dijo casi nada durante el concierto: su conexión con el público pasa exclusivamente por la música, y tal vez por esa larguirucha y graciosa manera de bailotear que no tiene nada que ver con una estrella de rock, o de MPB, o de funk, o de la canción, o de lo que sea que pueda ser su inclasificable música. “Un concierto es como una ecuación con muchas incógnitas. Y es muy difícil hacer un grupo con todos estos elementos de la tecnología”, dijo apenas al presentar a todos los que trabajaron para el show. La elección de ofrecer esa ecuación con muchas incógnitas, más que un cálculo cerrado de antemano, fue lo que el público agradeció hasta lograr un bis de yapa, de última hora.

Antes, en el bis programado, la hermosa “Paciencia”, que en el Acústico MTV suena con una orquesta de cuerdas, ganó el coro de todo un teatro definitivamente admirador de la obra de Lenine: La vida no para... La vida es tan rara...

Correio Braziliense - O Brasil cantado em francês

39 (30/4/2012) Cantora nascida em Brasília (mas de “coração carioca e alma francesa”), Luciana Luppy (foto) volta à cidade com o show A França enCanta o Brasil. Desta vez, para apresentações na Sala Martins Pena (Teatro Nacional; 3325-6239), hoje, às 19h e às 21h, e amanhã, às 21h. No ano passado, Luciana cantou para cerca de 400 diplomatas, a convite da Embaixada da França, na abertura da Semana da Francofonia. “Depois do show, Jocelyne Saint Geours, embaixatriz da França no Brasil, me pediu um abraço e disse que a minha interpretação de Ne me quitte pas é a única que poderia ser comparada à de Jacques Brel. Esse elogio foi, para mim, uma chancela”, conta.

Luciana mostra espetáculo intimista, no qual reinventa, em versão bilíngue, canções de Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Herbert Vianna, entre outros. “Proponho a releitura, a globalização da MPB, num momento em que o país está sendo tão bem visto lá fora. Além disso, faço homenagem à francofonia”, comenta.

A artista possui influências diversificadas que vão de Marisa Monte, Tom Jobim e Caetano Veloso à musa do sertanejo, Paula Fernandes. “Apesar de não me identificar com o estilo musical da Paula, admiro sua incrível qualidade como compositora e intérprete”, revela. Luppy diz receber do público o maior estímulo para dar continuidade ao trabalho. “As pessoas saem encantadas, elas não conhecem esse formato e ficam surpresas”, alegra-se. Em junho, a cantora se apresenta na França e na Bélgica e planeja, para a volta, uma turnê pelo Brasil. Os ingressos de hoje custam R$ 50 e R$ 25 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.

Correio Braziliense - Meio brega, meio pop

O som do Pará ganha peso nacional nas vozes de Gaby Amarantos e Felipe Cordeiro. Ela já é vista como uma grande estrela do cenário musical do país

Gabriel de Sá Gabriela de Almeida

(30/04/2012) O Pará, terra de belas paisagens, tempo quente e úmido e culinária farta, também produz um som muito peculiar. Gaby Amarantos e Felipe Cordeiro (leia entrevista na página 3), os maiores expoentes musicais de lá, lançam seus primeiros discos solos: respectivamente, Treme, no começo de maio; e Kitsch Pop Cult, à venda no site www. newamazoniasmusic.com. Amarantos, a musa do tecnobrega, considera o estilo uma modernização do que fazem — ou faziam — Reginaldo Rossi, Fernando Mendes e Waldick Soriano, mas com batidas eletrônicas, sintetizadores e efeitos especiais. “O brega é tido como pejorativo, mas o tecnobrega vem redimir isso. O nosso caminho já está pavimentado”, acredita a moça. Felipe não tem a eletricidade do tecnobrega. Mais contido — mas, ao mesmo tempo, intenso e criativo — o músico segue uma linha eletromelody, com guitarrada e uma fusão de referências. “Para a minha geração, a chamada música brega é um gênero, com características estilísticas claras, adquiridas, afirmadas e reafirmadas ao longo do tempo”, defende o músico. Gaby, Cordeiro — e muito mais — você não vai encontrar mais somente no Pará.

Gaby do Brasil

Esqueça essa história de Beyoncé do Pará. Madonna Tupiniquim, Tina Turner da Amazônia e Lady Gaga do Jurunas também não cabem mais. A cantora Gaby Amarantos, de 33 anos, conquistou seu espaço e agora prescinde das comparações lisonjeiras para que sua música esteja em pauta. Principal responsável por levar o som do “Norte” do país para o “Sul”, ela lança seu primeiro disco, no

40 qual reitera a mescla do tecnobrega com outros estilos paraenses, ritmos amazonenses e caribenhos. Não que ela queira se desvencilhar do gênero que está carimbado em sua imagem; mas, ao dividir o palco com artistas de estilos tão variados quanto Zeca Pagodinho, Zezé di Camargo e Luciano, Móveis Coloniais de Acaju e Tulipa Ruiz, ela está, na verdade, dizendo: “Não me rotulem, sou uma artista brasileira”, como contou ao Correio.

Na capa de Treme, um dos discos mais aguardados do ano, segundo a revista Rolling Stone, elementos que inequivocamente remetem ao Pará e seu tecnobrega. Com botas escuras de cano alto e um collant roxo de mangas compridas, ela segura uma coleira de LED que leva uma pantera negra. Em meio às folhagens amazônicas, caixas de som. Dos seios da cantora, saem dois jatos de laser. “O encarte define a artista que eu sou: guerreira e procurando abrir os meus caminhos.” O trabalho foi feito por Priscilla Brasil, também diretora do videoclipe de Xirley, lançado no fim do ano passado e beirando os 500 mil acessos no YouTube. “O clipe foi só para esquentar, para entenderem do que a gente ia falar”, comenta.

Xirley, composição de Zé Cafofinho e mais uma turma, é canção emblemática do estilo de Amarantos. Batidas eletrônicas e ritmo dançante, com letra maliciosa abordando linguajar típico do tecnobrega, caso de “eu vou samplear” e “aparelhagem”. No disco, ainda, a clássica Ela tá beba doida (de Romin Mata — “é o hit dos shows, não tinha como não entrar”), composições autorais, uma parceria com Felipe Cordeiro e participação de Fernanda Takai.

Vinda de uma família de sambistas, Gaby cresceu no bairro de Jurunas, periferia de Belém. Chegou a cantar em missas, mas sua animação desmedida e seu poder de colocar a multidão para tremer começaram a incomodar os puritanos. Resultado: Gaby foi convidada a se retirar do grupo gospel. “Você acha que está no palco, é melhor procurar sua turma”, disseram a ela. Começou a cantar em um barzinho, acompanhada pelo violonista Cléber Viana, misturando MPB ao brega local. “Cantava de segunda a segunda, e ganhava R$ 30 por noite”, relembra.

Após dois anos, montou sua própria banda, a Tecno Show, com a qual gravou dos discos de tecnobrega. Em 2010, um vídeo em que cantava Hoje eu tô solteira, versão paraense para o hit de Beyoncé (daí a comparação), Single ladies, foi parar no YouTube. No carnaval do mesmo ano, o show dela foi escolhido o melhor no festival Rec-Beat, no Recife. O sucesso à porta dela — aparentemente efêmero, como o de tantos outros artistas “exóticos” — se provou, até agora, consistente.

Êxito global

Desde 9 de abril, os noveleiros podem conferir a canção Ex my love na abertura da novela das sete da TV Globo, Cheias de charme. A música, do paraense Veloso Dias, também está em Treme. O consultor musical da novela, Hermano Vianna, ouviu o disco e “pirou”, segundo Gaby. A vilã da trama, Chayenne, vivida por Cláudia Abreu, tem o visual inspirado na paraense. Além disso, a história das protagonistas — empregadas domésticas que sonham com o estrelato nos palcos — remete à de Gaby, já que elas ficarão conhecidas após gravarem um clipe e o colocarem na internet.

Se antes a cantora tinha dúvidas de como sua música chegaria ao resto do país, elas não existem mais. Um tema em uma novela é sucesso quase sempre garantido. Não que ela precisasse de mais. “Como é um estilo relativamente novo, não há rádios específicas para o gênero fora do Pará. Agora, várias emissoras já estão tocando”, destaca. “Meu trabalho estava na ponta do estilingue. (A novela) era o que faltava para ele estourar”, comemora.

Correio Braziliense - Orgulho nativo

Formado em filosofia e fã da vanguarda paulista, Felipe Cordeiro mostra que não há fronteiras para a música nascida no Pará

Felipe Cordeiro tem forte veia musical na família: sem dicotomia entre brega e chique

41 (30/04/2012) Depois de Gaby Amarantos fazer sucesso, ganhar música em trilha de novela e se tornar nacionalmente conhecida, outro nome surge na cena cultural como uma aposta para 2012. É Felipe Cordeiro, filho de Manoel Cordeiro, um dos principais responsáveis pelo crescimento da lambada no Pará, homem que deu visibilidade a artistas como Beto Barbosa. Ao contrário de Gaby, Felipe não tem a eletricidade do tecnobrega. Mais contido, mas ao mesmo tempo intenso e criativo, o músico vai para uma linha eletromelody, com guitarrada e uma fusão de referências. Com o sangue de Manoel e quatro tios paternos músicos, Felipe Cordeiro não tinha como fugir do destino. Filósofo formado pela Universidade Federal do Pará, lançou no ano passado o disco Kitsch pop cult e agora está colhendo os louros do reconhecimento.

Você acha que finalmente o Brasil dá valor à música paraense? Ao que tudo indica, independentemente de sucesso, o que vai acontecer é que a música produzida no Pará se integrará à tradição musical brasileira, que, até então, a ignorava.

Embora brega possa soar ofensivo em algumas capitais, no Pará é um estilo musical. Como você enxerga esse olhar estrangeiro? A questão não é a dicotomia brega x chique, isso é datado, que eu, por exemplo, nunca tive sequer a noção exata do que se trata. Para a minha geração, a chamada música brega é um gênero, com características estilísticas claras, adquiridas, afirmadas e reafirmadas ao longo do tempo. Vem da tradição melódica romântica italiana, do sentimento hiperbólico dos boleros e samba-canções, do humor desencanado (e, por isso, às vezes “cafona”) e muitas vezes perspicaz, e da referência do rock internacional (Elvis e Beatles, principalmente), que chegou ao Brasil via Jovem Guarda. No Pará, isso é muito forte e tradicional, o tecnobrega é a versão contemporânea de uma história consistente, no campo da estética, mercado e sentimento popular.

Kitsch vem de recriação, de cópia. Como surgiu esse conceito para o seu disco? Você acredita que as músicas são cópias e recriações que depois de muito processadas se tornam inéditas? A ideia era exatamente essa: como soar original a partir dos processos contemporâneos de cópia? Essa inquietação nasceu da observação do mundo ao meu redor, permeado de samples, fórmulas, táticas de “originalidade”, recriações. Queria tocar nessas questões e ambientar os sentimentos que permeiam esse mundo, como o controle velado que se exerce a partir dos dispositivos de adestramento (como as redes sociais) e como ficam os sentimentos nessa coisa toda, aqueles mais “puros” como a felicidade, o amor, a felicidade.

Qual é a sua relação com o André Abujamra? Como surgiu o convite para a produção do CD? Abujamra é um gênio que fez trabalhos de notável importância para a música brasileira e que me influenciaram. Mulheres Negras é uma das bandas mais importantes da cena paulistana oitentista. Karnak influenciou a existência de Legal e ilegal, faixa que abre o Kitsch pop cult. A liberdade que Abu tem de deixar acontecer o trabalho é o mais interessante, sem medir com prudência, ele é bem imprudente no estúdio, deixa tudo acontecer, experimenta muito e sem freios.

Você tem um conhecimento notável da música paulistana. O que você curte ouvir? Luiz Tatit é junto com Aldir Blanc o maior letrista que já existiu no Brasil. Escuto com tesão Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, Premê, Dante Ozzetti, Ná Ozzetti, Maurício Pereira, Adoniran Barbosa, Zé Miguel Wisnik. Isso sem falar na geração atual que acompanho e ouço com muita atenção.

Você estudou filosofia. Como isso interfere no seu trabalho? A arte é uma resposta possível para a limitação temporal da existência. Acho que nas músicas essa interferência é bem sutil, a música tem uma linguagem própria e dá possibilidades que não se encontra na filosofia. Faço um trabalho que tenta equilibrar conceito e intuição, uma coisa não vive sem a outra, mas a intuição prevalece, o lançar-se no desconhecido é exatamente o processo criativo.

Você começou na MPB e só depois mudou de gênero. Por que a mudança? Foi um resgate às raízes do seu pai? O interesse pelo patrimônio estético herdado do meu pai na música popular do Pará desde anos 1970 nasceu da inquietação que adquiri criticamente com a MPB. Esse interesse foi crescente ao ponto de eu mergulhar nele com toda intensidade.

42 Você tem como referência Alípio Martins. Qual é a importância dele na carreira? Quem mais você poderia listar como referência? Alípio é toda a alma do Kitsch pop cult: desencanado, inteligente e que sarcasticamente trabalha com elementos da pieguice. Queria essa “alma”, mas com referências musicais mais abrangentes. E como eu achava que não havia diferença conceitual entre o backing vocal do Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé do que rolava na lambada do Alípio, resolvi aproximar e me aproveitar dos resultados possíveis. Mas as guitarradas do Pará são outras referências fundamentais. A musica eletrônica está presente também em vários momentos do álbum. Queria aproximar os fenômenos de world music eletrônicos que estão rolando mundo afora, como os sons dos Balkans, a Cúmbia Digital e claro, o paraense eletromelody (variação do tecnomelody).KITSCH POP CULT

Primeiro disco de Felipe Cordeiro. Produzido por André Abujamra, Felipe Cordeiro e Manoel Cordeiro. Lançamento do selo Ná Music, 10 faixas. Preço: R$ 20. À venda no site www. newamazoniasmusic.com. Ouça algumas músicas em www.felipecordeiro.net. "Para a minha geração, a chamada música brega é um gênero, com características estilísticas claras, adquiridas, afirmadas e reafirmadas ao longo do tempo"

Correio Braziliense – Pixinguinha ganha partituras

Irlam Rocha Lima

Pixinguinha: obras desconhecidas do grande público estão em destaque

(01/05/2012) Gênio da música brasileira, Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha, faria aniversário (115 anos) em 23 de abril. Em comemoração à data, será lançado no próximo amanhã Pixinguinha — Inéditas e redescobertas, livro com 20 partituras com a assinatura do compositor. Iniciativa do Instituto Moreira Salles (IMS) e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, a publicação foi organizada por Bia Paes Leme, coordenadora do acervo de música do instituto; Pedro Aragão, bandolinista e regente; e Paulo Aragão, violonista e arranjador. O preço do exemplar é R$ 60.

Entre as partituras reunidas, nove são inéditas e outras há muito tempo estão inacessíveis ao grande público. A série de inéditas reflete períodos históricos e influências diversas da carreira musical de Pixinguinha (1897-1973) e é dividida em diferentes conjuntos: o primeiro, representado por composições que remetem à linguagem do choro do século 19, foi produzido durante a juventude do mestre.

No segundo foram agrupadas músicas nas quais se nota a influência da efervescência cultural do Rio de Janeiro, nas duas primeiras décadas do século 20, reunindo influências musicais tão díspares como as das músicas nordestina e norte-americana. Um terceiro conjunto apresenta Pixiguinha em plena maturidade como compositor. São choros, valsas que facilmente poderiam ser enquadradas na categoria de clássicos, por sua invenção melódica.

Joias musicais, ignoradas até hoje, que revelam facetas pouco conhecidas do compositor, integram a categoria das redescobertas. É uma seleção de músicas cujas edições — em sua maioria das décadas de1940 e 1960 — estavam esgotadas havia tempo. A seleção traz choros, valsas, tangos e outros gêneros, cuidadosamente revisados e harmonizados.

Exposição

O Instituto Moreira Salles, que detém, desde o começo da década 2000, o acervo de Pixinguinha, lançou há dois anos Pixinguinha em pauta, livro que reúne 36 arranjos do mestre para o programa de rádio O pessoal da velha guarda, comandado por Almirante, entre as décadas de 1940 e 1950. No lançamento de Pixinguinha — Inéditas e redescobertas, amanhã, haverá show dos pianistas Benjamim Taubkin, Leandro Braga e Cristovão Bastos, na sede do Instituto, no Rio de Janeiro. Eles vão apresentar todas as músicas inéditas, com arranjos próprios; e clássicos como Carinhoso, Ingênuo e Naquele tempo.

43 Pixinguinha, a exposição com o acervo familiar do compositor, saxofonista, flautista e arranjador, idealizada pela produtora Lu Araújo, por Marcelo Vianna (neto do homenageado) e pelo maestro Caio Cesar, estará em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil até sexta-feira. Na mostra, já visitada por 20 mil pessoas, que ocupa 12 salas, pode-se ver o saxofone e a flauta usados pelo músico, seus documentos pessoais, passaporte, gravatas, chapéu, discos, condecorações e principalmente fotografias e vídeos, que recuperam imagens de época.

O CCBB, por meio do Programa Educativo, agenda visitas guiadas de grupos de estudantes das redes de ensino público e particular e de outras entidades, e disponibiliza ônibus para conduzir os interessados. O contato pode ser feito pelos telefones 3108-7623 e 3108-7624. A exposição, que conta um pouco da história da música brasileira, fica aberta das 9h às 21h.

LIVROS E LITERATURA

Correio Braziliense - Poesia do movimento

Maranhense e paulista que vivem no DF lançam livros de poemas influenciados por deslocamentos e distâncias

Felipe Moraes

Lília Diniz se inspirou no cordel para escrever Sertanejares

(26/4/2012) Quando os e-books parecem cada vez mais atraentes e baratos (apesar do preço ainda assustador dos leitores digitais), a maranhense Lília Diniz investe no bom e velho título de papel. Mas Sertanejares, quarto livro da poetisa, não é um produto tradicional: os poemas foram impressos em papel kraft, mais escuro que o comum, em formato parecido com bandeirinhas de festa junina, e o acabamento é caseiro, com fragmentos de chita e embalagem feita da palha do babaçu. A edição é independente, e Lília já vendeu 500 das mil unidades da primeira tiragem. Para facilitar a entrada nas livrarias, ela criou um selo, Edições Lamparina.

Amanhã, às 20h, na Casa do Cantador (Ceilândia), dentro do projeto Sexta do Repente, a escritora lança o livro, em cujas páginas resgata tradições orais e um vocabulário tipicamente sertanejo. No fim da coletânea das “poesias rimadas”, o leitor encontra a seção “Palavreado”, com uma porção de expressões regionais: de termos mais fáceis de decifrar, como passim (passo) e juêi (joelho), a outros mais complicados, como encambitar (prender no cambito, feito de pedaços de paus finos).

Nada disso é por acaso. Lília Diniz nasceu no povoado de Creoli do Bina, próximo à cidade de Imperatriz, para a qual se mudou aos 7 anos. O cordel foi a sua porta de entrada para a leitura. “Fui alfabetizada lendo cordel. Chamo o que faço mais de arremedo de cordel do que de cordel”, brinca. “A sonoridade, a liga, a rima do cordel são muito fortes na minha vida. E adoro uma cantoria”, explica.

Sertanejares é parte de um projeto que extrapola a poesia. Lília faz trabalho social com comunidades do sul do Maranhão — uma biblioteca comunitária é mantida na comunidade Vila São Luiz, em Davinópolis. Ela acredita que os versos podem ajudar a resgatar a cultura oral e a riqueza vocabular que só as cidades do interior têm. “Se você coloca isso no livro, fica plasmado. Esses falares ainda são muito utilizados no interior. São ricos na poética dessas pessoas e cheios de significados. Essas palavras fazem parte da nossa história e da língua portuguesa. Algumas eu até ouço meus pais falarem, não sei o significado, mas termino utilizando em várias situações”, diz a autora.

Entre São Paulo e Brasília

44 Outro poeta que leva para os versos uma sensibilidade geográfica é o paulistano Sérgio Avancine. Boa parte do segundo livro de poemas, Lua e meia (Arte Paubrasil), que ele lança hoje, às 17h30, na livraria Dom Quixote (CCBB), não foi feita em Brasília. Avancine veio de São Paulo para cá há dois anos, quando passou em um concurso público. “De qualquer maneira, a cidade é impactante. O modo de vida de uma das maiores metrópoles do mundo é diferente do modo de vida de uma cidade planejada. Essa diferença de espaços tem me motivado a fazer coisas que certamente não faria se ainda estivesse em São Paulo”, ele conta.

Avancine gosta de andar. Se a distância exige caminhadas desumanas, ele adere ao transporte público. “Esse caminhar permite que o olho vá fotografando uma série de instantâneos da cidade”, diz. Às vezes, cenas inteiras ou palavras se intrometem na rotina imóvel do concreto. A esses motivos, ele acrescenta o céu e a lua. Quando se senta para escrever, o poeta tenta concentrar um grande volume de impressões em poemas econômicos. “Eu falo pouco e procuro dizer o essencial. No papel, também procedo dessa maneira”, explica. Como diz Avancine em Virgulíneas, “se na vírgula respiro/ entre vírgulas cochilo”. A palavra é o cotidiano em repouso.

SERTANEJARES De Lília Diniz. Edição independente, 102 páginas. R$ 30. Lançamento amanhã, às 20h, na Casa do Cantador (Ceilândia, QNN 23, área especial G). Informações: 3378-4891.

LUA E MEIA De Sérgio Avancine. Arte Paubrasil, 64 páginas. R$ 18. Lançamento hoje, às 17h30, na livraria Dom Quixote (no CCBB; SCES, Tc. 2).

Veja - O crítico justiceiro

Em sua coletânea de ensaios, Roberto Schvvarz preocupa-se mais em exercer o vício de "pensar o Brasil" por sua pauta ideológica do que em fazer avaliações literárias

Nelson Ascher

(29/04/2012) O subtítulo de Martinha Versus Lucrécia (Companhia das Letras; 318 páginas: 44 reais), novo livro de Roberto Schwarz, é "ensaios e entrevistas". No caso de um professor aposentado de teoria literária na USP e na Unicamp, seria de esperar que esses textos tratassem sobretudo de literatura. Esta, porém, não passa de coadjuvante. Como Schvvarz é um critico marxista ou, pelo menos, de esquerda, ele tem assuntos mais importantes a discutir: as desigualdades sociais e a luta de classes, o desequilíbrio das relações internacionais e o imperialismo americano, as deformações da história brasileira e as injustiças que esta teria gerado etc. Tudo isso não só eclipsa questões propriamente literárias, como, por assim dizer, as sobredetermina, de modo que qualquer obra só tem valor na medida em que de algum modo as reflita e tome partido (aquele que o ensaísta julgue correio). Assim, termos como "capital" ou "capitalismo" são bem mais fáceis de achar neste volume do que palavras como, digamos. "sinédoque". "anacoluto" ou "barroco".

O título do livro vem do primeiro ensaio, Leituras em Competição, no qual o autor, além de analisar uma crônica de Machado de Assis sobre um crime (cuja perpetradora, a tal Maninha, é comparada a Lucrécia, figura romana lendária que se suicidou, pedindo vingança, depois de estuprada), dá um panorama da recepção internacional do grande escritor brasileiro — e aproveita para fazer a apologia de uma leitura não exatamente nacionalista, mas pelo menos nacional e histórica (segundo o modo como ele vê a nação e sua história) do criador de Dom Casmurro. Atual-mente, no Brasil, os membros mais graduados da hierarquia universitária têm se arvorado em intérpretes oficiais de nossos principais escritores, cada qual deles monopolizando um, às vezes dois autores. Schwarz monopolizou Machado. E, segundo suas teses, a essência e a grandeza da obra machadiana consistiriam em "pensar" o Brasil. Boa parte da autoridade intelectual e moral do ensaísta reside em, através dessa leitura, ter deixado de ser um "mero" crítico literário (daqueles que opinam se um livro é bom ou ruim e por quê) para virar um "metapensador" do Brasil.

A obsessão por "pensar o Brasil" remonta no mínimo ao romantismo e se acentuou com o modernismo. Define-se mais ou menos como a propensão da intelectualidade a explicar o país e seus problemas (atraso, desigualdade, sujeição ao imperialismo) à massa ignara, receitando-lhe os

45 remédios que, enquanto dona Revolução não chega, vão lhe ser ministrados goela abaixo — e para seu próprio bem — pela máquina do estado e respectivas extensões. Não se trata, porém, da única obsessão do autor. Ele é um justiceiro que está do lado dos anjos e, portanto, volta a toda hora ao tema da injustiça (social, bem entendido), algo que não se reduz à miséria nem se resolve com o eventual fim desta. O problema, para ele, é a desigualdade econômica, e, se a história do século XX serve de exemplo, esta somente pode ser abolida ou por uma revolução ou por um estado onipotente, ambos comandados por uma elite iluminada, infinitamente bem-intencionada e. de preferência, composta de intelectuais. (Sabemos no que isso dá.) Entre suas outras obsessões encontram-se, claro, o capitalismo, a alienação, a exploração, a indústria cultural, o golpe de 1964. O exercício da crítica, para Schwarz, consiste em articular uma historiografia vazada nessas categorias e extremamente seletiva nos seus fatos.

De resto, a coletânea traz textos sobre gente que é afim com o autor — o poeta Francisco Alvim, o Chico Buarque romancista. Francisco de Oliveira, Gilda de Mello e Souza, Bento Prado — e outros (re)explicando algumas de suas formulações centrais ("ideias fora do lugar" e "periferia do capitalismo", noções-chave de livros anteriores sobre Machado de Assis). Há duas entrevistas, uma sobre o grande modelo teórico de Schwarz, o filósofo alemão Theodor W. Adorno (que transformou a perpétua lamúria em categoria filosófica), e outra autobiográfica. O centro, o filé-mignon da coletânea, é um longo ensaio sobre Caetano Veloso, cujo ponto de partida são as memórias deste, Verdade Tropical. O ensaísta dá continuidade aqui a um texto seu de fins dos anos 60 e, aferrado a suas obsessões, pouco ou nada diz sobre as canções do compositor: é a política que o interessa. Schwarz e seus amigos se consideram um pouco os donos do golpe militar de 1964. não como seus responsáveis, é claro, mas como seus intérpretes autorizados. Qualquer outra maneira, por mais despretensiosa que seja, de falar sobre o assunto é necessariamente herética e está sempre a um passo de ser acusada ou de leniente com a ditadura, ou até de sua cúmplice. Aliás, em meio a elogios superficiais, é isso que o ensaio dá a entender sobre Caetano, quando diz que "o memorialista compartilha os pontos de vista e o discurso dos vencedores da Guerra Fria", capitulando ao "horizonte rebaixado e inglório do capital vitorioso". Vislumbra-se ali o que sempre subjaz a esse tipo de crítica "dialética", ou melhor, ideológica: não um juízo literário, mas uma condenação penal que, só pela sorte de o acusado viver numa democracia, não se converte em sentença e punição.

Folha de S. Paulo - Projeto conta história indígena em idioma falado por 6 pessoas

(28/04/2012) Narração em língua maraguá estará no site da editora em maio

MÁRIO MOREIRA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Uma iniciativa editorial vai ajudar na preservação sonora de idiomas indígenas.

O livro bilíngue (português-maraguá) "A Origem do Beija-Flor", de Yaguarê Yamã, da nação saterê mawé, sai em maio pela Peirópolis. No site da editora (www.editorapeiropolis.com.br), haverá um link para ouvir a narração do livro em maraguá, falado hoje por apenas seis pessoas, segundo a editora Renata Borges. A obra será a segunda da coleção Peirópolis Mundo, em idiomas em extinção (o primeiro foi uma história em xhosa, língua sul-africana, já disponibilizado no site). Borges diz que a ideia do projeto "é trabalhar com a diversidade linguística e cultural" e "proporcionar o contato da criança com a riqueza fonética" do idioma maraguá. "Há 190 línguas indígenas em extinção no Brasil", afirma ela, que pretende editar, como volume seguinte da coleção, um livro português-crenaque (grupo indígena da região do Vale do Rio Doce). Os crenaques são estimados hoje em cerca de 350 pessoas. A editora FTD já havia lançado uma coletânea com 20 histórias de povos indígenas de todas as regiões do país. Foi escrita em português e na respectiva língua indígena, incluindo um CD com a narração no idioma original. O projeto, intitulado "Antologia de Histórias Indígenas", foi capitaneado pelo escritor Daniel Munduruku, um dos principais autores indígenas do país. Reuniu diferentes narrativas de povos indígenas do Norte (sete), Centro-Oeste (seis), Nordeste (duas), Sudeste (quatro) e Sul (três). "A oralidade é a fonte mais primitiva da cultura indígena. Suspeitamos que muitas dessas histórias foram registradas pela primeira vez na língua original", afirma Ceciliany Alves, editora de literatura infantojuvenil da FTD.

46 NA GAVETA

Desde os anos 1990, os escritores índios vêm ganhando espaço, sobretudo na literatura infantojuvenil. Hoje são mais de 30, de acordo com o escritor Kaká Werá Jecupé. "Até os anos 1990, tinha sempre alguém escrevendo pelo índio. Hoje, de maneira ainda incipiente, já existe uma visão diferente daquela que enxerga o índio como animal folclórico e exótico." O autor Olivio Jekupé, que na infância frequentou aldeias guaranis no Paraná, chegou a cursar filosofia na USP e já teve 12 obras infantis lançadas. "Em compensação, tenho um livro sobre a situação dos índios, mas não consigo publicar. As editoras não acreditam muito em índio falando de seus problemas. Pelo menos a literatura infantil foi uma abertura para nós."

Correio Braziliense - Utopia da cultura reencontrada

Obra reconstitui o ciclo da Candango Produções, constituída por três amigos, que animou o teatro, o cinema e a música na cidade

Mariana Moreira

Cena do filme Brasiliários, dirigido por Sérgio Bazi e Zuleika Porto, uma das produções da Candango

(2/5/2012) Nos anos 1980, quem se arriscava a fazer arte em uma Brasília recém-saída da adolescência já era considerado um pioneiro. Desafiando a aridez e as dificuldades que se impunham, três amigos decidiram semear cultura na terra vermelha da capital e acabaram escrevendo capítulos importantes da história da cidade. Em 1982, Cláudia Pereira, Romário Schettino e Cleber Almeida montaram a Candango produções, e, ao longo de quatro anos, revelaram obras e artistas que fazem parte da antologia local. Esse capítulo da história ganhou a forma de um livro O sonho candango, que será lançado, hoje, a partir das 19h, no foyeur da Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional.

Cleber não participou da feitura do livro, missão na qual foi substituído pelo ator, dramaturgo e jornalista Alexandre Ribondi. “Não era da Candango, mas sempre fui muito amigo, estávamos juntos

47 o tempo todo”, conta ele, que passou cinco anos registrando entrevistas nas quais relembrava os tempos áureos da produtora. O material, que não é só textual e reúne ainda fotos do período, foi dividido em três eixos temáticos: teatro, música e cinema. A pesquisa de imagens ficou por conta do ator Chico Sant’Anna.

Sob a égide da Candango, passos importantes da cultura local foram dados: entre os filmes lançados à época, coube à produtora assinar Cruviana, de José Acioli, Taguatinga em pé de guerra, de Armando Lacerda e Brasiliários, dirigido por Zuleica Porto e Sergio Bazi, entre outras produções. Outro feito foi mapear a cena roqueira local e levá-la ao palco, revelando nomes como a Legião Urbana, a Plebe Rude e o Capital Inicial, que brilharam na Semana do Rock de Brasília, produzida pelo trio. “Eles que deram impulso, estimularam e investiram nesse movimento que ficou conhecido em todo o país”, destaca Ribondi.

O epicentro das produções da Candango (e presença constante nas páginas do livro) é um espaço marcante nos primórdios da cultura, que hoje não existe mais. Trata-se do Teatro da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), cedido por um amigo do pai de Cláudia. O lugar abrigou espetáculos que marcaram a cena teatral, como Crepe Suzette, o beijo da Grapette, com Ribondi e Marcos Bagno, Rapazes da banda, dirigida por Dimer Monteiro, Besame mucho, de Hugo Rodas, Poleiro dos Anjos, de Buza Ferraz e ainda Pedro e o lobo, de Guilherme Reis. “Costumava brincar que esse era o primeiro teatro feito à mão. Não contrataram ninguém: pegaram um auditório e eles mesmos adaptaram as coxias, o palco, as poltronas”, relembra o ator.

Pensamento perdido

Desde 2004, Cláudia Pereira alimenta o sonho de reviver os feitos de sua iniciativa, resgatando, principalmente, um pensamento perdido. “É importante para as pessoas reencontrarem um tempo fértil de produção, de trabalho. A partir dos anos 1990, a cidade perdeu muito do seu sonho brasiliense, baseado no projeto das grandes figuras que pensaram essa cidade. É importante recuperar esse sonho de um Brasil grande, humano, generoso”, avalia ela.

Além das conversas reveladoras com personagens que construíram ativamente essa cena (Armando Lacerda, Guilherme Vaz, Hugo Rodas, Humberto Pedrancini, Phillipe Seabra, entre outros) os textos relembram a dura realidade de produzir arte na cidade durante aquele período. Sem qualquer lei de incentivo e antes da cultura do patrocínio, só restava aos produtores “passar o pires”. “Uma coisa bonita que resgatamos O sonho candango é esse espírito solidário da época, a escala gregária de Lúcio Livro de Alexandre Ribondi, Cláudia Costa. Nós, que fomos a primeira geração da cidade, Pereira e Romário Schettino. Editora compramos essa ideia”, acredita ela. Gabinete C, 227 páginas.

A intenção é captar o clima da época e também reminiscências esquecidas. Dentre os episódios engraçados que ressurgem está a queda do ator e diretor Fernando Villar, em cena, durante a peça Besame Mucho — caracterizado de Marilyn Monroe. E a história de um certo menino, vizinho do Teatro da ABO, que todos os dias descia para brincar, mas preferia atravessar a rua e se maravilhar com as peças de teatro encenadas. Era o saudoso Robson Graia, que depois se tornaria um elemento formador das Artes Cênicas da cidade, perpetuando o sonho da Candango.

Continuidade A festa de lançamento hoje contará com a presença de vários dos entrevistados, além de muitos representantes da cena cultural brasiliense. O foyeur ganhou ambientação do artista plástico Ralph Gehre e iluminação desenvolvida por Dalton Camargos. E os planos não param no lançamento do livro. O projeto em breve se tornará um blog, programa de rádio e televisão, apresentado pelo próprio Ribondi.

48 Correio Braziliense - Flipiri de graça

Quarta edição da Festa Literária de Pirenópolis reúne 41 escritores de quatro estados e traz o cronista e músico Luis Fernando Verissimo como principal convidado. No sábado, ele toca com sua banda, 6

FELIPE MORAES

O escritor Luis Fernando Verissimo se apresenta sábado na festa literária com sua banda, Jazz 6

(2/5/2012) O entrelaçamento entre música, cultura popular e literatura permeia a quarta edição da Festa Literária de Pirenópolis (Flipiri), que começa hoje e vai até domingo, no Centro Histórico de Pirenópolis (Goiás). Neste ano, a festa, de entrada gratuita, expande suas atividades para mais duas comunidades vizinhas — Corumbá de Goiás e Cocalzinho — e homenageia os escritores José Mendonça Teles e Isócrates de Oliveira (1922-1999), nascido em Pirenópolis. O convidado da vez é o gaúcho Luis Fernando Verissimo. Na sexta, às 19h30, ele compõe mesa de debate com Mendonça Teles e Lucília Garcez, secretária executiva do Plano Nacional do Livro e da Leitura, com mediação de Margarida Patriota. Sábado, às 21h15, o cronista e saxofonista se apresenta com sua banda Jazz 6.

A coordenadora Iris Borges espera que a festa, em 2012, se integre ainda mais com a comunidade. “A minha maior expectativa é em relação à consolidação do evento. Queremos que ele tenha a simpatia e caia nas graças das pessoas de Pirenópolis”, diz. E ela, moradora de Brasília, já tem observado a ansiedade das pessoas nas últimas semanas. “Tenho ido muito para lá. Vou comprar frutas e ouço gente dizendo, ‘a Flipiri está chegando’. E também crianças animadas com as visitas de escritores às escolas”, continua. Sob um tema que conecta música e literatura, a programação privilegia serestas, serenatas, saraus, palestras e oficinas sobre composição e instrumentos, shows e concertos.

Crescimento

Com investimento igual do ao ano passado, de R$ 170 mil, a organizadora também destaca a proximidade da festa literária com a Festa do Divino Espírito Santo, de 4 a 13 de maio. “Várias coisas estarão acontecendo antes, como a saída para o pouso, a folia do padre. Todas as noites, o pessoal vai se reunir para fazer as verônicas (doces tradicionais da festa). Isso geração atração à parte. É quase uma off Flipiri”, enfatiza.

Iris vê a Itinerância (de hoje a sexta), segmento que coloca os escritores em contato com os estudantes, como o coração da Flipiri. “É um encontro riquíssimo. Há um mês e meio, mandamos livros dos autores para as escolas. As crianças já leram e agora terão a chance de conhecer os escritores e magia do processo criativo de cada um”, destaca.

José Mendonça Teles, poeta, cronista e autor de livros históricos, não dispensa o diálogo com os leitores. “Sempre é fundamental, porque escrevo para ele. Ele é o meu crítico literário”, revela um dos homenageados deste ano. O goiano acredita que a “feira já está consolidada”. “Perfeita interligação dos livros com os leitores. Das manifestações populares envolvendo a literatura, o resultado é diferente das manifestações políticas. O que fica é a poesia e a prosa, que passam a viver no cotidiano das pessoas”, completa.

Mais importante que trazer nomes de peso, segundo a coordenadora, é conquistar habitantes de comunidades da região, como Corumbá e Cocalzinho, que participam pela primeira vez da Flipiri. “Em vez de crescer verticalmente, nosso desejo é crescer no sentido lateral, abrangendo cidades vizinhas. E com música, será muito agradável”, adianta.

49 ARQUITETURA E DESIGN

O Estado de S. Paulo - Lina. obra poética de uma humanista

Ex-assistente se recorda da ousadia que marcava o trabalho da arquiteta

Casa de Vidro. Construída em 1951, no Morumbi, mantém diálogo com aMata Atlântica: em1986 foi tombada pelo Condephaat

MARCELO FERRAZ, ESPECIAL PARA O ESTADO

(30/04/2012) O dia 20 de março marcou os 20 anos da morte de Lina Bo Bardi. Em 2002, escrevi um artigo para o jornal O Estado de S.Paulo intitulado Dez Anos Sem Lina. Agora, ao contrário, escolho fazer um artigo comemorando mais 20 anos com Lina. Explico.

O nome da arquiteta e o interesse que sua obra tem despertado em estudiosos de várias áreas e no público em geral, em todos os cantos do planeta, só cresceram nestes últimos anos.

Transformada em uma Lina mais palatável e feminina, até dócil, a figura complicada da profissional intransigente e dura, que preferia ser chamada de "arquiteto", sempre tão difícil de digerir pela mídia e por sucessivas gerações de colegas, está agora em toda parte, na agenda cultural, em publicações as mais diversas, em debates acadêmicos, em exposições e simpósios.

Será que a morte e o tempo estão fazendo de Lina "salsinha, que vai em todo prato" - como ela mesma dizia com ironia? Será que vale a máxima que diz que quem morre já não incomoda mais?

Arrisco afirmar que o rastro deixado por Lina, a estrada pavimentada por ela, é tão forte e rica quanto a imagem que ela mesmo fazia do Brasil quando dizia apaixonadamente: "Que país incrível... Você anda pelas ruas pisando em pedras preciosas."

A obra de Lina é também povoada de joias e, cada vez que a ela voltamos, novos e muitos caminhos se abrem: saídas para crises e entradas em novos mundos poéticos de espaços públicos e de convivência humana. E nela não cabe diluição. A mensagem de Lina era clara... e dura.

No momento atual, quando é notável a falência que vivenciamos no campo da arquitetura praticada e apregoada pelo grupo de arquitetos do chamado "star system", Lina tem muito a contribuir. A crise econômica quebrou as pernas dos arquitetos malabaristas, contorcionistas e mágicos, colocando-os na ridícula situação de quem só sabe "fazer bonito" com muito recurso financeiro.

Vejam o que foi essa avalanche de projetos mirabolantes das últimas décadas, criados nos países de economia forte e vendidos por todo o planeta como modelo a ser seguido independentemente da diversidade cultural ou socioeconômica de cada rincão onde se assentaram.

São exemplos de uma arquitetura sem alma e espírito - ou o que quer que possamos nomear como algo que ressoe no "coração" de pessoas e comunidades -, feitas com uma enormidade de recursos financeiros e sociais que não se justificam. É uma arquitetura rica, porém pobre, como a pobre menina rica, de Vinicius de Moraes.

É claro que há exceções, projetos exemplares que merecem ser estudados e difundidos. Mas o rolo compressor do movimento da "arquitetura show" é forte, mesmo que decadente. Ainda mais se associado ao espírito "lambe botas" que também é forte por essas bandas de cá.

50 A obra de Lina é vigorosamente contrária a toda essa parafernália midiática e se pauta por outros critérios e prioridades. Sua obra foi sempre guiada pela economia - de meios, materiais e trabalho. Este é o fundamento que impulsiona o desenvolvimento científico e técnico. Economia e rigor. No mundo moderno, populoso e ainda muito injusto, com enormes desafios para prover conforto ao hábitat humano, estes são parâmetros indispensáveis.

Em Londres, uma pequena mostra apresentada no AA (Architectural Association), com curadoria de Ana Araujo e Catalina Meijia, faz pensar. A mostra se chama Lina and Gió: The Last Humanists. Trata-se de uma exposição comparativa (ou aproximativa, para ser mais preciso) de certos aspectos das obras de Lina e Gió Ponti, grande arquiteto italiano e seu mestre. Em seu estúdio milanês, recém- formada, ela teve seu primeiro emprego nos difíceis anos da Segunda Grande Guerra.

A pequena exposição, que ocupa duas salas do AA (térreo e primeiro piso) prima pela escolha e qualidade da informação, deixando de lado a quantidade. É delicada e calma, merece ser visitada e apreciada com gosto de quem quer entender o tal título "os últimos humanistas".

Na mostra, ainda no andar térreo, passeamos por desenhos originais de Ponti (e alguns poucos de Lina), onde se vê sua enorme influência sobre ela na maneira de representar; poucos móveis, sem deixar faltar as cadeiras Superleggera de Ponti e a Girafa (superpesada), de Lina; fotografias e anotações em blocos e cartas de ambos; um pequeno vídeo com Adriana Calcanhotto intercalando suas canções com leitura de textos de Lina quando do relançamento do livro Lina Bo Bardi, no Sesc Pompeia; objetos e ex-votos colecionados por Ponti em confronto com publicações e textos de Lina sobre cultura e arte popular; numa parede, o forte e ainda vivo documentário de Aurelio Michiles e Isa Grinspum Ferraz, realizado em 1993, sobre Lina e o Brasil. No primeiro pavimento apenas fotografias de Iñigo Bujedo, clicadas recentemente no Sesc Pompeia. Belíssimas fotografias de grande e médio formato revelando novas visadas e novas cenas do tão conhecido e utilizado centro. Um olhar muito especial. É isso!

A retomada do termo "humanista" para falar de Lina e sua obra é precisa e oportuna dentro desse panorama atual - que rapidamente tentei traçar acima - de uma arquitetura anacrônica, sem claros fins e funções, incluindo aí uma das mais nobres, a poética. Lina fazia questão de se intitular humanista, ligada às lutas e conquistas sociais e libertárias do século 20. Mas o termo caiu em desuso e foi sumindo do panorama midiático. A pequena mostra em Londres cumpre seu papel de delicado alerta ao andamento das coisas no mundo da arquitetura e do design. Bastou mostrar dois grandes arquitetos que, por incrível que pareça, ainda vivem em suas criações e têm muito a dizer e contribuir com a busca de conforto para os humanos. Bela comemoração dos 20 anos.

Passear pela obra de Lina - espaços, escritos, desenhos ou objetos - nos dá a nítida sensação de que estes foram mais 20 anos em sua companhia. E, para não deixar por menos, como ela nunca quis, queremos vivos seu incômodo, sua intransigência e indignação, e por muito mais tempo, no combate à mediocridade e à hipocrisia que andam soltas por aí. QUADRINHOS

Valor Econômico - O herói dos quadrinhos

Por Cadão Volpato

Álvaro de Moya foi um dos primeiros a classificar histórias de quadrinhos como arte: "Parece cinema, parece literatura, mas é uma forma importante de expressão"

(27/4/2012) O status artístico que as histórias em quadrinhos atingiram no Brasil nos dias de hoje, com a chancela de um termo literário muito chique - "graphic novel" - e a fundação de selos dedicados ao gênero dentro de grandes editoras como a Companhia das Letras, esconde um passado de lutas históricas, nunca sangrentas, mas sempre renhidas. E um de seus principais

51 combatentes é Álvaro de Moya, 81 anos. Ainda é porque acaba de lançar um livro que recupera historicamente um acontecimento decisivo para os quadrinhos mundiais ocorrido em São Paulo no início dos anos 1950.

A data exata é 18 de junho de 1951. Nesse dia, no Bom Retiro, bairro então de forte presença judaica, foi realizada a Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos. Ou, como escreveu o criador de Spirit, Will Eisner, no texto de apresentação de "A Reinvenção dos Quadrinhos - Quando o Gibi Passou de Réu a Herói" (Editora Criativo): "Em 1951, no dia 18 de junho, uma exposição de quadrinhos foi inaugurada no Centro Cultura e Progresso, em São Paulo. Foi um ato de grande coragem cultural e de visão, pois naqueles tempos os quadrinhos estavam relegados a um plano inferior no mundo das artes."

O que a exposição de Moya e sua turma de amigos fez foi levantar a lebre clássica, que as "graphic novels" não colocam mais em questão: serão os quadrinhos uma forma de arte? Como se não bastasse ser filho bastardo do cinema e da literatura, no início dos anos 50 os quadrinhos eram mal falados em várias frentes, sob a acusação básica de desvirtuar a juventude. O macartismo patrulhou e acossou desenhistas e roteiristas nos Estados Unidos. "Em São Paulo, os padres e os professores perseguiam os gibis. Nas escolas, eles eram recolhidos e queimados no pátio. Era o Fahrenheit 451 dos quadrinhos", explica Moya, numa referência ao filme de Truffaut, inspirado por sua vez no livro de Ray Bradbury.

O que moveu Moya e sua turma, composta por Jayme Cortez, Syllas Roberg, Reinaldo de Oliveira e Miguel Penteado, foi o amor comum e uma paixão de infância pelos desenhos de artistas como Eisner, Alex Raymond (Flash Gordon), All Capp (Ferdinando) e outros. O grande gol da rapaziada foi conseguir trazer os originais desses ídolos para essa exposição que nasceu de forma quase irresponsável, como em geral costumam ser as grandes coisas. E tudo começou com um truque.

Na casa dos 20 anos, vivendo de trabalhos mal-remunerados, cujo salário servia integralmente para comprar livros e gibis, a turma inventou um expediente simples que colou às mil maravilhas. Aproveitando o inglês autodidata de Moya, eles escreveram cartas aos ídolos pedindo originais em nome de um certo Studioarte, de logotipo desenhado pelos falsificadores e palavras muito elogiosas, chamando os artistas de artistas, algo que ninguém fazia na época. A primeira carta a chegar no bairro de Santana, no endereço de Moya, fora escrita por Alex Raymond, à máquina: "Meus amigos, agradeço sua elevada opinião a meu respeito como artista". Raymond encaminhara um pedido ao poderoso King Features Syndicate, que se encarregou de enviar outras preciosidades.

Isso tudo resultou numa exposição extremamente didática e preciosa, apesar do formato simplório de suportes de madeira, cartazes colados com goma arábica e letras desenhadas com capricho. Ali, nas paredes do Bom Retiro, ficaram os originais de obras-primas, como o original de uma página maravilhosa do "Príncipe Valente" de Hal Foster. Ou uma prancha de "Flash Gordon" datada de 1937. Tudo isso era puro ouro para os rapazes do Brasil.

O livro de Moya documenta toda essa euforia. A exposição ganhou uma ampla cobertura da imprensa, incluindo aí a televisão, que tinha chegado ao país apenas um ano antes. Foi um sucesso polêmico, no entanto. O editor Ênio Silveira, da futura Civilização Brasileira, escreveu numa revista que Moya e amigos eram "inocentes úteis da decadente cultura imperialista ianque", um clichê de arrepiar os cabelos de qualquer esquerdista. A defesa dos rapazes foi nacionalista: "O que nós queremos dizer é que a história em quadrinhos parece cinema, parece literatura, mas é uma forma importante de expressão, e achamos que os jornais e as revistas deveriam publicar quadrinhos brasileiros e colocar a cultura brasileira em suas páginas".

Parecia cinema, parecia literatura, mas era HQ. A exposição não foi a primeira do mundo, mas abriu caminho para o que veria a seguir. Novos nomes surgiriam, e Ziraldo e Maurício de Souza, no Brasil, foram apenas dois deles. A turma de fãs capitaneada por Álvaro de Moya continuou no terreno das tiras. Jayme Cortez foi um batalhador do gênero durante décadas. Todos já morreram.

Moya, que também desenhou - e muito bem - os seus próprios quadrinhos, estagiou na CBS americana, voltando de lá com uma ideia mais clara do que fosse fazer uma rede de televisão, algo que ajudaria a implantar na pioneira TV Excelsior. A estadia em Nova York também aproximou Moya

52 de seus ídolos, não só os dos quadrinhos. Ele se lembra, por exemplo, de ter batido à porta do dramaturgo Arthur Miller. "E quem atendeu foi a Marylin Monroe", ele conta.

Nos anos 60, a convite de Jacó Guinsburg, da editora Perspectiva, Álvaro de Moya ajudou a colocar os quadrinhos no mapa universitário, publicando "Shazam!", um marco da coleção Debates, que incluía nomes portentosos como Umberto Eco e Tzvetan Todorov. "Eu via os quadrinhos como um diamante", diz Moya. "Para iluminar os vários ângulos desse diamante, chamei gente como o apresentador Jô Soares e o psicólogo Ângelo Gaiarsa, além do jornalista Sergio Augusto, todos entusiastas dos quadrinhos". O livro é ainda hoje uma obra de referência.

Desenhista "fantasma" da Disney no Brasil, ainda nos anos 50, Moya fez muitas capas do Pato Donald. Antes, chegou a adaptar Shakespeare para os quadrinhos, com um traço de artista, e fez charges políticas para o jornal "O Tempo". A amizade com Will Eisner durou até a morte do desenhista, em 2005. Eisner, como se sabe, foi o inventor do termo que elevou os quadrinistas do Brasil e do mundo à categoria de artistas quase literatos. Nasceu, segundo Moya, de uma diatribe. Eisner havia se afastado dos quadrinhos ainda nos anos 50, e ao voltar, já na década de 70, desenhou o célebre "Um Contrato com Deus", que o editor não conseguiu compreender de primeira. "O que é isso?", teria perguntado. Ao que Eisner respondeu, lançando mão do velho parentesco entre literatura e quadrinhos e recuperando o antigo orgulho que a exposição dos rapazes de Moya havia ajudado a levantar: "É uma 'graphic novel'". Ou seja, um romance gráfico, com todas as maravilhosas liberdades que a criação artística tinha o direito de tomar desde sempre.

Folha de S. Paulo - Brasileiro recria Bíblia ao estilo de HQs de super-heróis

Marco Aurélio Canônico, do Rio

(30/4/2012) Histórias em quadrinhos e religião andam juntas na vida do pernambucano Sergio Cariello, 48, desde a infância, quando ele desenhava no boletim da Igreja Presbiteriana que frequentava no Recife. Essa duas forças motrizes --responsáveis também por sua ida para os Estados Unidos, onde vive desde 1985 e desenha para editoras como Marvel e DC-- se encontram na "Bíblia em Ação", adaptação em quadrinhos do livro sagrado, que Cariello autografa no Brasil nesta semana. A volumosa HQ (752 páginas), publicada nos EUA em 2010 e com mais de 350 mil exemplares vendidos, segundo o desenhista, usa o estilo visual e narrativo dos gibis de super-heróis para contar a história da humanidade, a partir de textos bíblicos.

53 "A 'Bíblia em Ação' entretém, mostra a ação como uma HQ normal faria", diz ele. Tendo desenhado personagens célebres como Batman, Wolverine e o Cavaleiro Solitário ("Lone Ranger", pelo qual foi indicado ao prêmio Eisner, o Oscar das HQs, em 2007), o brasileiro diz ter levado para sua adaptação bíblica o "dinamismo no jeito de desenhar, nos ângulos". "Ilustrei Jesus de forma mais rude, mais apto para as tarefas do dia a dia, como ser carpinteiro. Ele tem as mãos grossas, músculos, parece mais um herói do que uma figura angelical, delicada." Cariello lembra que não faltam boas histórias de heroísmo e personagens com poderes sobrenaturais na Bíblia e que, com certa licença poética, é possível fazer paralelos com ícones das HQs. "O Sansão, por exemplo, está mais para o Wolverine, porque pecou, errou. Mas foi usado por Deus de uma maneira bem significante."

Seu livro, porém, não tem a violência ou a sexualidade das HQs --é "para a família".

Cariello autografa a "Bíblia em Ação" no próximo sábado, às 17h, na Feira Literária Internacional Cristã (flic2012.com.br) e dará aulas em São Paulo (dia 4/5) e no Rio (6/5), na Impacto Quadrinhos (impactoquadrinhos.com.br ).

GASTRONOMIA

O Globo - Restaurante de Atala eleito o quarto melhor do mundo

Oscar da gastronomia tem mais 2 brasileiros

(01/05/2012) O restaurante D.O.M, em São Paulo, do chef brasileiro Alex Atala, foi eleito o quarto melhor do mundo, na décima edição do The World's 50 Best Restaurants, considerado o Oscar da gastronomia. O primeiro lugar, pelo terceiro ano consecutivo, ficou com o Noma, restaurante do chef René Redzepi, em Copanhague.

O anuncio dos 50 grandes nomes da gastronomia mundial foi feito ontem, em cerimónia concorrida, no imponente London's Guildhall, em Londres. Alex Atala, que nas últimas edições vinha ascendendo no ranking (começou com o 208 lugar, passou para 17a, subiu para o 7a ano passado e esse ano avançou três posições, chegando na frente de ícones da gastronomia, como os chefs Daniel Boulud, Hans Blumentha, Joel Robu-chon e Pierre Gagnaire.

54 A edição 2012 trouxe ainda gratas novidades, como a presença mais efetiva de restaurantes da América Latina: além de Atala, dois mexicanos aparecem entre os 50 melhores do mundo, o restaurante Pujol (em 36º) e o Biko (38°), e ainda o peruano Astrid Gaston (35º).

No ranking dos 100 grandes chefs do mundo, mais dois brasileiros: Helena Riz-zo, do paulista Mani, que ocupou o 51° lugar e a gaúcha Roberta Sudbrack, em 71a, primeiro nome da gastronomia carioca a integrar a lista.

A espanhola Elena Arzak, do restaurante Arzak, em San Sebastian, onde trabalha com o pai Juan Mari Arzak (oitavo melhor do mundo), desbancou a francesa Anne Sophie Pie. Elena foi eleita a chef mulher do ano. A gastronomia francesa, aliás, saiu mais uma vez chamuscada do The World's 50 Best Restaurants: nenhum francês despontou entre os dez melhores. Coube ao L'Atelier Saint Germain, de Joel Robu-chon, a 12ª posição, a primeira dos franceses.

Os espanhóis El Cellar de Can Roca e Mugaritz ficaram com o segundo e terceiro lugares, respectivamente. Atrás do D.O.M, o italiano Os-teria Francescana, na quinta posição; o novaiorquino Per Se, na sexta; o Alínea, de Chicago, em sétimo; o Arzak, em oitavo; o londrino Dinner by Hans Blumenthal, em 9fi e o Eleven, de Nova York, em 10º.

O Estado de S. Paulo - D.O.M., de Atala, é o 4º melhor do mundo

Restaurante subiu três posições no ranking do The World's 50 Best Restaurants

PATRÍCIA FERRAZ, EDITORA DO PALADAR

(01/05/2012) Foi difícil conter a animação do público quando o nome do D.O.M. soou pelo Guildhall, ontem em Londres, durante a cerimônia de premiação do The World's 50 Best Restaurants. O brasileiro foi eleito o 4.º melhor restaurante do mundo e o melhor na América do Sul.

O chef Alex Atala subiu ao palco sob gritos, assobios e aplausos dos colegas que lotavam a plateia. "Ele é um homem sozinho na luta para promover a cozinha brasileira", disse o apresentador do evento, Mark Durden-Smith.

O D.O.M. é o único brasileiro na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo. Por pouco. O Maní, de Helena Rizzo e Daniel Redondo, ficou de fora por apenas uma colocação - está em 51.º lugar (subiu 23 posições) -, e Roberta Sudbrack entrou no grupo, em 71.º lugar. O Fasano saiu do ranking.

Os três primeiros colocados permaneceram os mesmos: o dinamarquês Noma é campeão, pela terceira vez consecutiva. O catalão El Celler de Can Roca ficou em 2.º e o basco Mugaritz, em 3.º.

A lista deste ano tem forte presença dos americanos, com oito restaurantes. O melhor colocado é o nova-iorquino Per Se, 6.º lugar, seguido por Alinea, de Chicago. Não há nenhum francês entre os dez melhores - o primeiro a figurar na lista deste ano é o L'Atelier de Jöel Robuchon, em 12.º lugar. Espanha tem sete restaurantes, número igual aos escandinavos somados. Há três italianos - o melhor colocado é Osteria Francescana, de Massimo Bottura, em 5.º lugar. O Astrid y Gastón, do peruano

55 Gastón Acurio, subiu de 42.º para 35.º. No sobe-desce, a queda mais notável foi a do basco Martín Berasategui, que perdeu 38 posições. O francês Michel Bras baixou 17 posições.

O The World's 50 Best Restaurants é promovido anualmente pela revista inglesa Restaurant. Os restaurantes são eleitos por um júri internacional composto por 873 jurados, entre chefs, restaurateurs e jornalistas especializados. Os votos não são divulgados. O evento foi transmitido ao vivo pela internet.

O Estado de S. Paulo - 'Agora não é mais sorte. Nem acaso'/ Entrevista

Luiz Américo Camargo

Alex Atala, chef-proprietário do D.O.M.

(01/05/2012) Você esperava subir mais três posições e chegar em 4º lugar?

Não, foi impressionante, uma surpresa. Ontem à tarde, os chefs visitaram o primeiro-ministro David Cameron. Na saída, notei um assédio enorme, muitos fotógrafos e jornalistas. Tinha vazado a informação e eu não sabia se era verdade. Mas, quando recebi a notícia, vibrei muito. E vi muita gente em volta, vibrando também.

No prêmio de 2011 suas primeiras palavras foram sobre produtos e produtores brasileiros...

A cada avanço, eu só consigo pensar em divulgar nossa gastronomia, nossos produtos, políticas sustentáveis e nossos chefs. Queria outros brasileiros aqui. O Maní quase entrou, fiquei na torcida - 51.º é a pior posição, a mais dolorida!

Você passou da condição de 'zebra' para a de favorito.

Não é mais sorte, não é mais acaso, desculpe deixar de lado a modéstia. Há o reconhecimento de um trabalho. Quando estava em posições discretas, era só o brasileiro gente boa. No "top ten", você passa a ser encarado de outro jeito. Me cobram muito mais. No ano passado, no Mad Food Camp, em Copenhague, me criticaram porque levei formigas da Região Norte. Agora, fico feliz em ver o René Redzepi sendo capa da Time falando também de formigas. Eu não sou apenas influenciado, eu influencio - com o perdão da imodéstia.

Dá para subir mais?

Até aqui, foi uma trajetória e tanto. Agora, olhando para cima, vejo Noma, El Celler de Can Roca, Mugaritz. Logo abaixo, Osteria Francescana. Todos comandados por chefs que referência para mim. Se eu subir mais, aí sim, é mesmo zebra, ou marmelada (risos). Estar aqui já é incrível.

Folha de S. Paulo – No clube dos cinco Com o D.O.M., de Alex Atala, em quarto lugar, é a primeira vez que um restaurante da América Latina fica entre os cinco melhores do mundo, enquanto nenhum da França está sequer entre os dez primeiros

ALEX ATALA chef eleito o 4º melhor do mundo JOSIMAR MELO, ENVIADO ESPECIAL A LONDRES (02/05/12) A divulgação na segunda-feira dos resultados do prêmio World's 50 Best Restaurants, que elege os melhores restaurantes do mundo, reafirmou sua faceta um pouco iconoclasta e provocativa. Não que seja essa a sua intenção; nem uma diretriz escrita em algum lugar; mas tem sido seu resultado visível.

56 Se é possível tirar uma coerência dessa lista deliberadamente incoerente é que ela valoriza chefs inventivos e ousados (Alain Ducasse ou Gordon Ramsay servem ótima comida, mas convencional; melhor René Redzepi ou Pascal Barbot); restaurantes não necessariamente luxuosos, podendo ser despojados (como um Le Chateaubriand); e cozinhas que não precisam estar presas aos ícones do Ocidente (a de Alex Atala tem uma originalidade em relação às europeias, como a de Yoshihiro Narisawa também, em relação às japonesas).

Isso explica as surpresas que o prêmio provoca. A maior delas, um restaurante da América Latina (o brasileiro D.O.M.) está ineditamente entre os cinco melhores do mundo, enquanto, por outro lado, nenhum restaurante da França está nem sequer entre os dez primeiros.

Para Atala, a revolução mora ao lado. "Daqui para frente, é abrir porta para mais chefs brasileiros e mostrar para o Brasil que a cozinha brasileira é um sonho possível", disse, durante o evento.

O número um do mundo segundo essa lista, o Noma, não tem a cotação máxima (três estrelas) no guia "Michelin", nem o número três, o restaurante Mugaritz.

Além disso, o World's 50 Best tem o atrevimento de colocar restaurantes mais do que consagrados e estrelados na rabeira (ou fora) da lista, enquanto lugares pequenos, novos, às vezes irreverentes e estranhos, galgam posições.

De tudo isso fica a impressão de que os premiados não são exatamente os melhores. Mas que são, sem dúvida, os mais promissores, mais ousados e mais influentes neste momento.

Reside aí a graça (e também certa fraqueza) do prêmio. Não se trata de um guia de restaurantes, que busca precisão e coerência em seus julgamentos. Trata-se de uma lista que apenas soma a opinião de algumas centenas de gourmets mundo afora.

Nesse sentido, unicamente reflete a opinião de certas pessoas que, por outro lado, são um pouco a nata dos produtores e consumidores do ramo (jornalistas, donos e chefs de restaurantes, gourmets amadores).

QUAL É A SUA LISTA?

A missão dessas pessoas é viajar pelo mundo, sem destino fixo (não há critérios nem listas de restaurantes predeterminadas), munidos apenas por seu faro e sua vontade inesgotável de conhecer ou, de preferência, descobrir o que se faz de melhor.

Essa horda de jurados é volúvel e mutante. Se hoje se aventura a uma demorada viagem a Copenhagen para saber quem é esse maluco dinamarquês do Noma, ontem trocava Paris pela Espanha para conhecer o estranho catalão da Costa Brava. Assim como, amanhã, poderá se internar no norte brasileiro como numa viela na China somente para descobrir novas sensações gustativas.

Aí está uma diferença com o estabelecido: enquanto os grandes guias tradicionais tendem a consagrar somente o que já é consagrado (depois de anos observando a consistência do lugar), a lista dos 50 melhores do mundo tende mais a farejar tendências -que logo mais, possivelmente, se consagrarão.

Todos? E nessa exata ordem? Eu, pessoalmente -como jurado e dirigente do júri- acho que não. Minha lista pessoal não bate exatamente com a lista acabada, e isso acontece há anos.

Mas, de uma forma geral, eu me identifico com ela. O que não significa, de resto, que seja "a melhor": cada guia ou lista tem sua utilidade, basta conhecer seu estilo para poder bem utilizá-lo.

Folha de S. Paulo – Para Sudbrack, Brasil será 'força na gastronomia'

LUIZA FECAROTTA, DE SÃO PAULO (02/05/2012) A Folha conversou com a chef Roberta Sudbrack minutos depois de ela receber a notícia de que passou a integrar a lista dos cem melhores restaurantes do mundo. Para comemorar a

57 71ª posição, disse que reuniria a equipe para um cachorro-quente com molho de tomate feito pela sua avó, e champanhe.

A NOTÍCIA

Acabei de receber a notícia. O que acho mais importante é o Brasil estar na lista. Cada vez que mais um brasileiro entra é fantástico, cada um do seu jeito, cada um na sua cozinha. Nós batalhamos para mostrar que existe uma gastronomia pulsante.

A LISTA

Nunca trabalhei para estar na lista. Seria uma prisão. Tem de trabalhar para fazer o que a gente acredita. Nunca me imaginei nessa lista porque eu não abro mão de certas coisas, de preparações trabalhosas, de assados, de não usar quase nada de equipamento.

EFEITOS

Todo mundo fica feliz, claro, mas isso não pode interferir no nosso dia a dia, na nossa relação com a comida. Não muda absolutamente nada para o meu dia a dia. Eu tenho de pensar no meu chuchu, no meu quiabo, na minha abóbora, como eles vão se expressar de maneira mais interessante.

BRASIL

Quando você olha a escola de cozinha espanhola, você vê, comparando com uma escola de pintura, pinceladas muito parecidas, é a escolha de um caminho. No Brasil, você reconhece o Brasil, mas as pinceladas são muito diferentes e isso que vai fazer da gente uma força na gastronomia. Isso é o que vai chamar a atenção. Além de serem diferentes, essas pinceladas são pensadas, com muita coerência. Quando essa cozinha se mostrar será totalmente diferente de tudo que já se viu.

PRODUTOR

Todo mundo está prestando mais atenção no seu fornecedor, tratando com mais carinho seu produtor. Um amadurecimento em vários níveis é o que faz uma grande gastronomia. Eu acho que a gente tem feito isso, tem se voltado para quem faz a cozinha diariamente, para o nosso produtor. Isso é uma tendência mundial? É. Mas estamos fazendo isso [no Brasil]há um bom tempo, já.

SIMPLICIDADE

A simplicidade pode ser tão gloriosa, tão fantástica. O que precisa é melhorar o nível técnico dos cozinheiros que estão saindo das faculdades, o nível de atendimento no salão, ainda precisamos amadurecer em várias coisas.

EQUIPE

Tenho certeza de que isso é o reconhecimento de um trabalho que não é meu, é da minha equipe -o sonho é meu e eles fazem acontecer. Vamos comemorar com cachorro-quente e champanhe.

Valor Econômico - Caminho duro, glória longa

Por Camilla Veras Mota

O chef Felipe Bronze: restaurante no Jardim Botânico traz combinação da linguagem moderna com alma brasileira; abaixo, imagem do ambiente e dos pratos.

(2/05/2012) O carioca Felipe Bronze é finalmente o chef que a crítica gastronômica "descobriu" há dez anos. Aberto no fim de 2010, o Oro, seu segundo restaurante, é tido como o melhor contemporâneo do Rio, lastreado por revistas e guias especializados. Em uma vizinhança de competição

58 acirrada - o bairro do Jardim Botânico concentra clássicos como o italiano Quadrifoglio, o restaurante de Roberta Sudbrack e o Olympe, de Claude Troisgros -, não faltam candidatos a experimentar da cozinha performática e sensorial de Bronze, servida apenas em menus desgustação, diga-se, de 3, 5, 7, 9 ou 16 cursos (este último o de maior audiência) que custam de R$ 120 a R$ 395.

Açaí, banana, tapioca, alfavaca e jambú costuram o cardápio, que é, contudo, mais criativo que brasileiro. O bom momento da gastronomia nacional, diz o chef, é um legado de dois pesquisadores de ingredientes da Amazônia - o paulistano Alex Atala e o paraense Paulo Martins, do restaurante Lá em Casa (morto em 2010). Bronze reconhece, mas gosta mesmo é de fazer mágica.

No menu que entrou em vigor em outubro passado, quando a casa completou um ano, o chuchu que acompanha o camarão é cozido a vácuo, vem com o logo do restaurante carimbado. Ele é emoldurado, por sua vez, por bolinhas de mostarda misturadas a conta gotas com nitrogênio líquido. Outras esferificações, congelamentos instantâneos, fumaças e espumas misteriosas - herança, por sua vez, da escola molecular e tecnoemocional do catalão Ferran Adrià - aparecem diante dos comensais por detrás de um vidro cor de rosa, onde trabalham os cozinheiros.

Além de encher o salão, a combinação da linguagem moderna com alma brasileira deslanchou a carreira internacional de Bronze. Em março, ele foi o único brasileiro no francês Omnivore, festival de modernices que ensaia neste ano sua primeira edição brasileira. No mês seguinte, cozinhou ao lado de Andoni Luiz Aduriz, do basco Mugaritz, estrelado pelo Michelin, no congresso Peixe em Lisboa, por onde já passaram Atala, Troisgros, Mara Salles, Tsuyoshi Murakami e Bel Coelho. Pouco antes de viajar, foi convidado pela gigante varejista Macy's para assinar o coquetel da abertura da homenagem que a rede americana fará ao Brasil. O banquete acontece no próximo dia 15, em Nova York - nos quatro meses seguintes, 300 lojas da Macy's nos Estados Unidos terão córneres especiais com produtos brasileiros.

Bronze inaugurou há poucas semanas o Lab Oro, sua cozinha experimental. Localizada na rua Guilhermina, no Leblon, o laboratório fica entre a residência do chef e o restaurante. O estúdio era um sonho antigo, um lugar para estudar, receber chefs, amigos, pessoas interessantes - a primeira delas, não coincidentemente, foi um mágico.

Tudo no Oro reflete Bronze. O grande painel do artista plástico Dudu Garcia, seu amigo, os uniformes caqui acinzentado da equipe, desenhados por Lenny Niemeyer, dona da marca de moda praia que leva seu nome, a trilha musical feita sob medida pela Rádio Ibiza - 70% de música brasileira (contemporânea, claro), 30% de cações da Espanha, Itália e França.

Com a nova cozinha experimental não foi diferente. "Mais pra cima. Mais, mais. Aí tá bom. Calma...um pouco mais pra baixo!", entremeava com conversa por telefone com a reportagem.

O vaivém, aliás, também serve para contar a história da carreira do chef, que começou a cozinhar aos 16 anos. Com pouca idade ainda - e passagem pelos cursos de gastronomia do hoje "padrinho" Claude Troisgros - ele conseguiu emplacar em uma degustação às cegas na empresa de catering da família, a Comissaria Aérea Santos Dumont, 25 criações das 30 receitas incorporadas a um dos cardápios da TAM.

Formado pelo nova-iorquino Culinary Institute of America, ele volta ao Rio em 2001, com 23 anos, e, em 2004, inaugura seu Z Contemporâneo. Apesar de muito bem recebido pela crítica, o restaurante fechou um ano depois. "Ele ficou mais tempo em obras do que aberto", lembra Bronze. A experiência, "traumática", foi o desfecho de uma briga societária, divergências entre a cozinha e o escritório.

59 "Nos preocupamos com a criação, a qualidade, com a aventura, com os clientes e os fornecedores antes de pensar no resultado financeiro", diz o mentor Troisgros, autor da carta de recomendação que colocou Bronze no Culinary Institute. Graças a uma parceria antiga com Fernando Sá, amigo e gerente comercial, no mês passado, Troisgros abriu sua sexta casa, a CT Trattorie.

Depois do Z, Bronze assumiu o Mix - "um erro" -, empreitada de Alexandre Accioly e Ricardo Amaral em Ipanema e, em 2006, tornou-se chef executivo dos quatro hotéis do grupo Marina.

O "tesão de criar" voltou quando Bronze conheceu o restauranteur Eurico Cunha, seu atual sócio capitalista. Raul de Lamare, gerente operacional, e Cecilia Aldaz, sommelière, completam a equipe que, diz, encaixam bem as engrenagens do Oro.

Em 2005, ele teve um programa no canal por assinatura GNT. Neste ano, volta às telas, com um quadro na TV Globo que "mistura mágica e comida" e estreia no segundo semestre. OUTROS

Istoé - Constelações artísticas

Os paulistas Nino Cais e Sofia Borges estão entre os 110 artistas brasileiros e estrangeiros convidados para a 30ª Bienal de São Paulo por Paula Alzugaray

Em Processo: Série fotográfica de Nino Cais em desenvolvimento para a 30ª Bienal

(30/04/2012) Programada para inaugurar em 7 de setembro, a 30ª Bienal de São Paulo tem como proposta instaurar constelações de obras e artistas que conversam entre si. “Essa é uma Bienal de vínculos, estamos trabalhando as relações entre os artistas”, afirmou o curador venezuelano Luis Pérez- Oramas ao anunciar os 110 artistas da exposição “A Iminência das Poéticas”. Se o intuito da Bienal é funcionar como plataforma de encontros e organizar os artistas em “grupos constelares”, procuramos nestas páginas de Artes Visuais localizar algumas analogias e dissonâncias entre os artistas convidados. Nino Cais e Sofia Borges não estão necessariamente no mesmo grupo constelar definido pela curadoria, mas são artistas cujos trabalhos se tocam delicadamente em um mesmo ponto de partida: o uso do corpo em situações ao mesmo tempo familiares e estranhas e o uso da colagem – manual no caso de Cais e digital no caso de Sofia.

“Meu corpo é uma espécie de ímã que atrai os objetos do seu entorno, tomando posse deles”, afirma Cais, referindo-se à coleção de objetos das mais variadas procedências, organizados nas composições fotográficas que ele está concebendo para a Bienal. Um colar mexicano, um tapeware comprado na feira diante de sua casa, um capuz do budismo tibetano, uma pintura bucólica de casinha, uma saia kilt escocesa. Ao extinguir os limites e as distinções entre objetos tão díspares, Cais se comporta como um sociólogo da cultura, um viajante sem sair de casa, que desenha no próprio corpo o mapa de um mundo pessoal. É nesse corpo globalizado, que se oferece como uma espécie de totem, constelação cultural, ou veículo de múltiplas conexões, que o artista dá combustão ao seu trabalho.

O tratamento quase etnográfico que é conferido a essas imagens já estava presente nos trabalhos que Cais desenvolve há 12 anos em colagem, escultura e fotografia. Representado com a cabeça

60 sempre encoberta pelas mais variadas categorias de máscaras e capacetes, o artista indaga: “Eu me pergunto se essas imagens são ou não autorretratos.” A obstrução da face – o que às vezes ocorre de forma claustrofóbica, remetendo aos anos em que estudava para ser seminarista – poderia significar, à primeira vista, uma obstrução da identidade. Mas ele discorda: “A identidade não é algo próprio da face, é algo que se transfere a todos os objetos que nos cercam.” Na minuciosa etnografia feita em seu quintal, Cais expõe, afinal, uma identidade muito própria. “Estou interessado em criar alegorias, quase fantasias de Carnaval, a partir de coisas que combinam ou não.”

CINEMA: Fotografia da série “Retratos e Autorretratos”, realizada por Sofia Borges em 2007, recria ambientação da cinematografia de mistério

A encenação e a representação de papéis são também a estratégia de Sofia Borges, que, aos 28 anos, está entre as mais jovens a expor nesta 30ª Bienal. A (con)fusão entre a fotógrafa e a personagem é uma questão de seu trabalho desde a série “Retratos e Autorretratos”, de 2007, ambientada em sua vida doméstica. Enfocadas na cozinha, no escritório ou no quarto, sob iluminação dramática, as personagens de Sofia parecem assustadas e catatônicas. O clima de mistério se consolidaria logo depois na série fotográfica “Sedimentos”, de 2009, em que a artista se dedica à recriação de ambientes cinematográficos, inspirados nas composições cênicas do diretor americano David Lynch.

A ideia de que a fotografia é construção do mundo e de que sua função de registro da realidade é, portanto, ilusória permaneceria nas obras mais recentes da jovem artista, como “Estudo da Paisagem” (2011), em que ela fotografou os dioramas do Museu de História Natural de Nova York, e sobre a qual continua trabalhando no momento em viagem à Europa.

Paisagem e representação deverão estar, portanto, entre os temas de abordagem de Nino Cais e Sofia Borges na 30ª Bienal. Estimulado pela promessa de Pérez-Oramas de que “cada artista será representado por uma constelação de obras”, Cais está concebendo uma exposição que irá aproximar vários de seus objetos e contemplar diversas fases de sua trajetória. Elas estarão reunidas, como num palco, em torno da ideia do “Espetáculo”.

Valor Econômico - Vanguardas latinas ganham arquivo virtual

Por Denise Mota | Para o Valor, de Montevidéu

(30/04/2012) Pietro Maria Bardi (1900-1999) ao arquiteto Walter Gropius (1883-1969), fundador da Bauhaus, e um conjunto de materiais sobre o Instituto de Arte Contemporânea do Museu de Arte de São Paulo estão entre os inéditos garimpados para a plataforma virtual Documentos da Arte Latino- Americana e Latina do Século XX. Será o maior arquivo sobre o tema, que vai reunir 10 mil textos até 2015 e que até o próximo ano colocará na internet um milhar de registros relacionados às vanguardas artísticas brasileiras.

Deverão chegar à web entrevistas realizadas por Flávio de Carvalho, nos anos 1930, com artistas e intelectuais ligados ao surrealismo, como André Breton e Man Ray. E registros das primeiras exposições de artistas como Lasar Segall, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Candido Portinari e Emiliano Di Cavalcanti, entre outros documentos. Do universalismo construtivo do uruguaio Joaquín

61 Torres García (1874-1949) à faceta crítica do guatemalteco Carlos Mérida (1891-1984), o objetivo é que os textos reunidos atestem o aporte intelectual dos artistas latino-americanos à arte universal "de igual para igual". O termo é utilizado enfaticamente pela porto-riquenha Mari Carmen Ramírez, à frente do projeto, que não para de incorporar novas aquisições.

Os materiais estão sendo colocados paulatinamente na rede, de forma gratuita, e podem ser consultados em icaadocs.mfah. org. O arquivo foi criado pelo Museu de Belas Artes de Associação Cultural o Mundo De Lygia Clark, Rio de Janeiro"Bicho (Máquina)" (1962), Houston e o Centro Internacional para as Artes do de Lygia Clark, artista que integra projeto. Continente (ICAA), e prioriza textos "paradigmáticos", que resumem debates e posições artísticas de criadores latino-americanos, explica ao Valor Ramírez, também diretora do ICAA. É o caso, por exemplo, da carta aberta de Hélio Oiticica contra a Bienal de São Paulo de 1969 ou do manifesto de Diego Rivera e André Breton em que pregam a "anarquia" da liberdade individual nas artes em pleno 1938, um ano antes da Segunda Guerra. Ambos, assim como outros 2.390 documentos, já podem ser conferidos na íntegra por meio da plataforma. Entre algumas das joias resgatadas, Ramírez destaca as revistas do movimento argentino Madi e documentos que registram as vertentes do muralismo mexicano fora do México.

Neste ano, o centro trabalha na publicação de materiais colombianos e de artistas latinos nos EUA. No ano que vem, é a vez da Venezuela e do começo das publicações referentes ao Brasil. Em investigação coordenada no país pela crítica de arte, historiadora e curadora Ana Maria Belluzzo, foram reunidos 1.476 documentos brasileiros, que estão sendo processados. A equipe do ICAA se instalou em mais de uma dezena de cidades para recolher e selecionar materiais afins ao espírito da plataforma. São Paulo, Washington, Buenos Aires, Valparaíso, Lima, Bogotá, Caracas, Cidade do México, Los Angeles, Nova York, Washington, Chicago, Miami e Houston foram os quartéis-generais dos pesquisadores ao longo dos últimos dez anos de trabalho. No Brasil, o ICAA trabalhou em conjunto com a Fapesp e outras instituições que foram parceiras do projeto em São Paul, Rio, Minas, Bahia, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Sul.

Para além da democratização do acesso ao pensamento da vanguarda cultural latino-americana, a diretora aponta a importância de uma plataforma como essa para que a arte do continente comece a ser respeitada para além do seu caráter de "commodity". "Que um artista latino esteja bem cotado nos EUA, por exemplo, não diz nada. Se valorizamos apenas isso, estamos assumindo que a América Latina é um shopping para as elites americanas. É necessário que se saiba que os artistas latinos contribuíram de igual para igual, não como subordinados do que se fazia nos grandes centros", diz. Ramírez dá como exemplo Waldemar Cordeiro (1925-1973), "pioneiro da arte internacional, e não apenas latina". O projeto custou US$ 15 milhões, subvencionados pela Bruce T. Halle Family Foundation. O centro também recebeu contribuições de instituições como as fundações Ford e Rockefeller.

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