Resíduos audiovisuais: estética virtual a partir do vaporwave Residual audiovisualities: virtual aesthetics from vaporwave ÍCARO ESTIVALET RAYMUNDO1 RESUMO: Este artigo trata de expressões estéticas que circulam no ciberespaço, em algumas sincronias de elementos que as identificam como Vaporwa- ve, um gênero musical eletrônico nascido em 2010. Seus objetos estéticos servem de fonte de informação sobre a interatividade que o ser humano estabelece com o computador. Dentre estas relações humano/máquina, a substância da fonte é codificada em números, e suas dinâmicas tornam possível a comunicação de alta velocidade, levando a uma saturação de material infográfico, e de relances artificiais da realidade. Vaporwave, de- corrente de sua essência, pode ser conectado ao espectro pós-fotográfi- co, ao colapso da autoria, e aos reflexos contemporâneos da história do século XX. Derivando da vertiginosa assimilação da internet pela popula- ção mundial, em meia década de produções estéticas se multiplicaram, tecendo um universo amplo de expressões e de jogos simbólicos, de prá- ticas e reconhecimentos destas em meio ao público internauta. PALAVRAS-CHAVE: Vaporwave; Estética; Virtual; Contemporaneidade; Internet Raymundo ABSTRACT: This arcticle is about aesthetic expressions that flow in the cybers- Estivalet pace, in some synchronicities of elements that make it be identified as Vaporwave, an electronic music cybergenre born about 2010, Its Ícaro Trama: Indústria Criativa em Revista. Dossiê: Paisagens sonoras midiáticas Ano 3, vol.5, agosto a dezembro de 2017: 220-227. ISSN: 2447-7516 11 aesthetics objects can serve as source of information about the inte- ractivity that the human being places with the computer. Within these relations human/machine, the substance of the source is decoded in numbers, and in other dynamics that makes possible the high speed of communication and expression, leading to a saturation of infogra- phic material, and artificial glimpses of the reality. Vaporwave, due to its essence, can be connected to the post-photografic spectrum, the authorship collapse, and the contemporary reflexes of the XX’s his- tory. From the dizzy assimilation of the internet by global population, in a half of a decade aesthetics production had multiplied themselves, drawing a wide universe of expressions and symbolic games, of prac- tices and recognition of them by internet users. KEY-WORDS: Vaporwave; Aesthetics; Virtual; Contemporaneity; Internet. INTRODUÇÃO: O modo pelo qual a internet borbulha é formidável. Talvez o termo “mergulhar” na web se adéque melhor do que “navegar”, pois as direções e trajetos a se percorrer não se limitam mais a noção de planificação. O navegar, sugerido nos primórdios da www, evoca vislumbres de pontos de partida e de chegada pré-definidos. Nos mergulhos que o internauta se propõe na web 2.0, toda sorte de experiências são plausíveis, apresenta- das numa convergência de linguagens imagéticas e sonoras, hipertextos e arquivos codificados, materiais diversos, feitos incríveis, coisas bizarras que confluem para experiências sensório-perceptivas transformadoras. Pode-se considerar o Vaporwave algo nato desse ambiente virtual, um nome, um hashtag que persistiu entre as centenas de categorizações que surgem e desaparecem no mundo da música. Desde 2010, o termo se refere a um gênero estético que explora certas singularidades: envolvem músicas picotadas desaceleradas, imagens degradadas e remidiando a filmagens de VHS, em uma psicodelia eletrônica sonolenta, exprimindo certo fetiche pelos anos 80 e 90 e seu sonho futurista frustrado. Indústria Criativa Revista em A distorção do que se apresenta escorre para um lado letárgico beirando o ridículo, onde os próprios nomes das obras e autores são Trama confusos, com caracteres japoneses, avatares voláteis, que poderiam 12 evocar a máxima “Eu vim para confundir” de Chacrinha. Uma piada subterrânea, “iniciou como uma negação ao capitalismo e de suas es- truturas de produção desenfreada. Teve sua estética muito vinculada ao processo de utilização de grandes marcas ou propagandas com o in- tuito de deteriorá-las ou produzir paródias em relação ao seu conceito” (ARRUDA, 2015, p. 11). O jogo aparentemente é de realocar imagens e sons que normalmente encontramos em shoppings, mercados, vinhe- tas e propagandas de TV, pegar o que a paisagem consumista insiste em invadir nos nossos sentidos para então regurgitar uma resposta à altura. É o Do It Yourself digital dinamizado pelas possibilidades criativas que softwares, equipamentos e outros recursos digitais oferecem. A internet e o assentamento de habilidades relacionadas ao digital marcam cada vez mais o cotidiano contemporâneo, o que reconfigura relações entre produtores e recebedores de enunciados, mensagens e ideias. São participantes de um jogo intenso onde atravessadores tecnológicos possibilitam uma interatividade instantânea em nível global, num ciberespaço (SANTAELLA, 2005). Sites, portais, aplicativos, fóruns, plataformas, abrigam toda sorte de conteúdos informativos, educacionais, artísticos, em um espaço de interação, de comunicação, de trocas de mensagens e debates, criando um contexto onde “a eco- nomia, a sociedade, a cultura, a vida cotidiana, todas as esferas são re- modeladas pelas novas tecnologias de informação e da comunicação: a sociedade das telas é a da sociedade informacional.” (LIPOVETSKY, 2008, p. 77). Neste contexto, pretende-se discutir o gênero de música eletrônica Vaporwave como fenômeno social de produção e assimi- lação de certos objetos estéticos (SHUSTERMAN, 1992), cujas existên- cias estão intimamente ligadas à dimensão virtual propulsionada pelo desenvolvimento tecnológico digital e sua assimilação contemporâ- nea. As obras associadas ao nome Vaporwave se caracterizam por se apropriarem de músicas já existentes, editadas digitalmente para apresentarem certa sonoridade, na qual um discurso imagético com- pleta a experiência estética. As músicas apropriadas são bem selecio- nadas, de suas estruturas originais são pinçadas partes específicas, Raymundo colocadas em repetição e sob filtros de texturas sonoras. Segundo Grafton Tanner (2016), o Vaporwave é dar vida aos mor- tos, ou ao assombrar o computador com fantasmas e delírios de um Estivalet passado eletrônico recente: intervir numa peça musical e propor um distinto relance, uma autorreferência cultural, num jogo de citação Ícaro 13 distorcida e embaçada, onde o original aparece degradado, num tom de estranhamento que beira o cômico e o hipnótico. É ouvir um hit de Diana Ross em um sonho perturbado, cujas melodias e ritmos são meras sombras do que seria o real2. É mergulhar na atmosfera den- sa de um centro de compras na madrugada, onde as músicas Lounge de ambiente embalam o vago prazer consumista.3 É uma caminhada nostálgica por percursos históricos que não foram vividos, de marcas comerciais e tecnologias Lo-Fi4. (CONTER, 2015). Essencialmente oriunda do meio virtual, essas músicas não apresen- tam grandes investimentos financeiros, de marketing, publicidade, en- saios e shows. A coletividade da experiência musical, tradicionalmente de colaboração para explorar misturas sonoras analogicamente, neste caso, foi substituída pela elaboração individual baseada em equipa- mentos de produção e edição de áudio. Os próprios autores destas obras referidas, agora indivíduos autônomos, divulgam seus trabalhos sob pseudônimos efêmeros. Destarte, alguns nomes e obras podem ser levantados, como Macintosh Plus e o álbum Floral Shoppe, Zadig The Jasp com músicas como NIG HT巡 洋 艦 CRUISER ( from SOFT WORLD 希望), o álbum Palm Mall, de猫シCorp., Esprit 想空e o álbum virtua.zip, Luxury Elite e o álbum World Class, somente alguns entre vários. Os produtores destes objetos estéticos utilizam o arquivo internacional digital da internet, e regurgitam neste meio virtual sua convergência de imagem e som. Essas novas técnicas exibem a potência criativa e refle- tem a apropriação e interação do ser humano com a máquina, onde o digital transubstancializa seus formatos sonoros, imagéticos, e verbais em linguagem numérica, sendo assim objetos estéticos infográficos (PLAZA,1993), produzindo um tipo de arte numérica (COUCHOT, 2003). VAPORWAVE: Na indústria informática, os inúmeros projetos de softwares que eram engavetados em suas fases embrionárias ou eram lançados por marketing estratégico e acabavam sendo abortados, tinham um apelido por parte do meio computacional: Vaporwares. Softwares que “deram errado, seja por terem sido um fracasso de vendas, ou por Indústria Criativa Revista em sequer terem saído do papel” (CONTER, 2016, p.5). Uma ideia de descarte está fortemente arraigada ao termo, e ela se Trama transporta para a nomenclatura do gênero estético Vaporwave. Dei- 14 xar-se levar pelo streaming, ouvindo músicas aleatoriamente sabendo que possivelmente nunca mais as reencontrará em sua paisagem so- nora, numa deriva Debordiana virtual. Assim descreve o fundador do selo DREAM Catalogue, que lança artistas deste gênero, em entrevis- ta concedida anonimamente a Marcelo Conter. Descartabilidade das obras ou reciclagem sonora contínua? Ou simplesmente desacelerar algumas músicas e se chamar de artista? 5 O Vaporwave é caracterizado por utilizar trechos de músicas pop dos anos 80 e 90 (em especial pop japonês, como Tatsuro Yamashita e Junko Yagami); digitalmente desaceleradas e editadas com Eco, Delay, Reverb, entre outros efeitos, misturando colagens de músicas já exis- tentes somando a referências de cultura popular, como refrigerantes, seriados antigos, fitas cassetes,
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