003c6ff9-9d7f-4712-9020-bc25c6eabfb7 Hoje, agora, as cores no horizonte têm um nome, Tame Impala The Slow Rush é o novo álbum de uma banda omnipresente Sexta-feira | 14 Fevereiro 2020 |publico.pt/culturaipsilon ESTEE TEE SUPLESU MENTONTONTO FAZFAFA PARTEPAPA TE INTEEGRANTGRAG TE DAA EDIÇÃEDEDIÇÃÇÃÇ O Nº 10.810.0.880.80 8 7 DO PÚBLIPÚBLIÚBLICO,C E NÃONÃÃOÃ PODEPODDEE SERR VENDIDNDIDNDIDIDOSEPOSEO SESEPARADAARRADAADADAMENTEMEENTE Há uma festa na cabeça dele e estamos todos convidados De um local improvável e de forma improvável, Kevin Parker, anulando barreiras estéticas e cronológicas, transformou os seus Tame Impala em banda farol do nosso tempo. The Slow Rush, um dos álbuns mais aguardados do ano, é editado esta sexta-feira. Mário Lopes NEIL KRUG 2 | ípsilon | Sexta-feira 14 Fevereiro 2020 interior de uma casa invadida pela areia do de- defini-los claramente), cronológicas (não existe presente serto. Um cenário misterioso, irreal, com o ver- e passado, existem todos os tempos a chocarem entre si) melho quente do interior a contrastar com os e éticas (a batalha mainstream vs independente, comer- padrões desenhados no monte arenoso do de- cial vs artístico, é hoje um penoso anacronismo) parecem serto que tomou conta daquele espaço outrora ter sido abolidas. O íntimo. A foto foi tirada em Kolmaskop pelo fo- Foi com o terceiro álbum, Currents, que os Tame Im- tógrafo americano Neil Krug. Trata-se de uma cidade pala se tornaram toda uma outra entidade. Não é banda namibiana que acolheu uma comunidade que vivia da rock, mas alimenta-se do seu legado e dos seus códigos. The Slow extracção de diamantes. Desaparecidas as pedras pre- Não é obra de um produtor de música electrónica, mas Rush ciosas, definhou e foi abandonada nos anos 1950. Restam essa influência é notória e os seus métodos de trabalho Tame Impala as memórias do que foi, as casas e os recheios deixados são componente no seu som. Não é hip hop, nem R&B, Fiction; distri. intactos quando a população se mudou em busca de mas é impossível compreendê-los sem ter como pano de Caroline Portugal novas fileiras de diamantes. Lentamente, o deserto re- fundo o impacto massivo que ambas as linguagens têm clamou novamente o seu espaço, moldando-se à cidade na música contemporânea. Não é trabalho de um com- mmmmm agora fantasma. positor que emprega todo o seu labor na forma como as A foto faz a capa do quarto álbum dos Tame Impala, melodias se casam com as palavras, mas Parker confessa The Slow Rush, editado esta sexta-feira. São banda de um que, sem as palavras, se sente incapaz de criar música homem só, Kevin Parker, uma criação solitária que trans- significativa. Tame Impala é tudo isso ao mesmo tempo formou misantropia em manifestação de comunidade. e toca em pontos sensíveis, responsáveis pela empatia Parker que, incapaz de criar o que quer que seja na com- que gera. Há algo de terapêutico na sua música, um re- panhia de outro ser humano, tornou a sua música ubí- gresso a um idílio perdido — e isso só pode ser bem-vindo qua, uma presença real ou fantasmática nos festivais que nestes tempos de tumulto e incerteza: “If there was trou- pululam mundo fora, nas playlists pessoais ou institu- ble, we didn’t know”, diz um dos primeiros versos do novo cionais, no som de bandas rock a fazer o seu caminho álbum. Neste sentido, a capa de The Slow Rush assenta ou de produtores de música electrónica, nas canções de bem a esta música: uma solidão intensa, mas incrivel- estrelas do hip e do r&b, nos créditos de discos de Kanye mente apelativa, uma sensação de irrealidade eivada de West, de Rihanna, de Kendrick Lamar. estranha familiaridade, uma fantasia escapista, mas mar- The Slow Rush demorou longos cinco anos a ser criado. cada por uma indefinível sensação de perda. De Solitude Foi anunciado para meados de 2019, mas o perfeccionista is bliss, uma das melhores canções de Innerspeaker, guar- Parker decidiu que ainda precisava de ser melhorado. Em dámos uma frase: “there’s a party in my head and no one’s Novembro do ano anterior, sofrera um contratempo com invited”. A festa na cabeça de Parker continua, mas está o dramatismo ideal para incluir na mitologia da banda. agora preenchidíssima (e fomos todos convidados). Os gigantescos incêndios na Califórnia a aproximarem-se da casa que alugara em Malibu para gravações e ele a Todas as tintas do pintor acordar, ainda ressacado da noite anterior (a marijuana “O que virá a seguir é, basicamente, uma tela em branco”, e o álcool fazem parte do processo criativo — é a forma de dizia Kevin Parker à imprensa neo-zelandesa em 2016, se libertar de inibições, argumenta). Com fumo intenso um ano depois de Currents. Não era uma negação do seu na paisagem e avisos de evacuação no telemóvel, só teve passado “psych” e rock’n’roller, antes a afirmação de uma tempo de pegar no computador e no baixo Hofner com criatividade que se assumia mais vasta. Foi em Currents que gravou todos os álbuns de Tame Impala e de fugir para que as paisagens sonhadoras e expansivas que sempre longe dali, deixando para trás equipamento no valor de foram características da sua música ganharam novos con- 27 mil euros que acabaria consumido pelas chamas. tornos, emolduradas em funk sintético, à Prince, em The Slow Rush é álbum de um músico que, desde um subtexto house e R&B inserido em canção confessional, lugar improvável, Perth, extremo ocidental da Austrália, em planar psicadélico pairando sobre dolente mar soft- e de uma forma igualmente improvável — recorde-se que rock. Foi esse álbum que lhe deu o passaporte para o Innerspeaker, o primeiro álbum, editado em 2010, era mundo cintilante do estrelato: Rihanna a gravar uma ver- “apenas” obra-prima de rock psicadélico —, se transfor- são de New person, same old mistakes no álbum Anti, Lady mou numa das mais influentes figuras da actualidade, Gaga, Travis Scott, Kanye West e Mos Def a convocá-lo no arquétipo de um novo ser em forma de estrela, na como parceiro de composição. “O que virá a seguir é, representação perfeita (pelo alcance da criação e pela basicamente, uma tela em branco”, dizia então. Não se forma como essa criação se alojou no topo do mundo) tratava de bloqueio criativo. “Uma tela em branco no bom de um mundo em que as fronteiras estéticas (a profusão sentido”, clarificava. “Tenho todas as tintas”. The Slow de novos géneros é apenas sintoma da dificuldade em Rush mostra a profusão de cores que utilizou. e ípsilon | Sexta-feira 14 Fevereiro 2020 | 3 The Slow Rush é um prodígio de produção e é concretização de uma visão em que nada é negado e tudo é passível de utilização PAULO PIMENTA PAULO The Slow Rush é álbum de um músico que, desde um lugar improvável, Perth, no da Austrália, e de uma forma igualmente improvável, se transformou numa das m e mais influentes figuras da actualidade, no arquétipo de um novo ser em forma 4 | ípsilon | Sexta-feira 14 Fevereiro 2020 e Introduz-nos em The Slow Rush uma voz robótica edita R&B progressista enquanto The Weeknd. Este úl- envolvida em mancha de sintetizador e uma batida que timo, contou mais tarde Ronson, passou o tempo a elogiar poderia ser dos Chemical Brothers, caso estes fossem da- Parker: “Quando editaste aquele disco [Currents, 2015], PAULO PIMENTA PAULO dos à contemplação. E depois há pianada resgatada à transformaste a cultura”, ou seja, dizia o canadiano Abel house, há percussões em fundo, há aquela voz frágil a que o australiano Parker provocara uma mudança de pa- transmitir conforto e esperança. Estamos em One more radigma na expressão artística que partilham, a música. year, a primeira canção. Aquilo que impressiona, daí para Tame Impala, a banda nascida em Perth, cidade iso- a frente, é a assombrosa habilidade de Parker para o sin- lada no sudoeste australiano, a quatro mil quilómetros cretismo. Coexistem aqui groove funk sintético, entre de Sidney, foi primeiro celebrada e influentíssima lumi- Prince e Herbie Hancock, com acordes solares no piano e nária do neo-psicadelismo rock que marcou a primeira fraseado R&B na forma como os versos cantados se fazem metade da década de 2010 — eram os tempos do álbum também eles componente rítmica (Breathe deeper). Ouvi- de estreia, Innerspeaker. Foram depois, quando chegou mos Tomorrow’s dust e é uma guitarra acústica a guiar o Lonerism (2012), banda de êxito transversal, alicerçado caminho entre delicadezas soul-folk, qual Lou Bond ati- no stomp rock’n’roll polvilhado de glam do single Elephant rado para o futuro, com ritmo a encorpar-se e Mellotron e num som que se expandiu, integrando sintetizadores a acentuar o travo nostálgico, terapêutico, de uma canção- esvoaçantes e sensibilidade pop apurada. preciosidade. Ao longo de 50 minutos, há viagens prog Tudo continuava a ser criado por um tímido incorri- que compactam quatro décadas em seis minutos — Phos- gível fechado num quarto-estúdio em Perth, a saltar da tumous forgiveness atravessa os anos 1970 e sobrevoa o bateria para o baixo, a pegar na guitarra e a baixar os psicadelismo french touch dos Air até chegar ao século dedos sobre os teclados. Ali ficava, a gravar em fita, à XXI —, há pulsação techno criada com instrumentos acús- antiga, e a passar as gravações para o computador, ma- ticos, com Moog a levitar no ritmo (Is it true). Há um piscar nipulando o som como mago da electrónica. Só saía do de olho ao rock progressivo convertido em canção dos isolamento para reunir os amigos de adolescência que Supertramp (It might be time), que desagua em batida to- formam a sua banda de palco.
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