RAUL SEIXAS E O ANO DE 1968: O que houve na França vai mudar nossa dança PAULO DOS SANTOS1 RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar o estudo da formação tanto pessoal, quanto artístico-poético-musical do cantor e compositor Raul Seixas (1945-1989), no contexto histórico-musical brasileiro durante a década de 1960, em especial, ao ano de 1968. Busca-se a compreensão da originalidade de fatos ocorridos com o artista, contextualizando-os com os acontecimentos históricos e musicais pertinentes à sua contemporaneidade, uma vez que, na maioria das pesquisas, ou em quase todas, não há tal preocupação com a contextualização histórica do período em questão, ou seja, os anos 1960, com especial destaque, aos movimentos de maio de 1968, na França, a Marcha dos Cem Mil e, consequentemente, a implantação do AI-5, no Brasil e, no cenário musical, o rock dos Beatles e Bob Dylan, os movimentos da Jovem Guarda, da Tropicália e dos Festivais da Canção. Por fim, observa-se que em muitos trabalhos relacionados ao artista, é frequente o estudo do mesmo em relação à Ditadura Militar, nos anos 1970 e 1980, todavia, o assunto sobre a sua formação, nos anos 1950 e 1960, ainda é abordado superficialmente. Há o diálogo entre o conceito de cultura, a história da Música Popular Brasileira e ao estudo do sociólogo Luciano Martins sobre acontecimento conhecido como Maio de 68. PALAVRAS-CHAVE: Raul Seixas, História do Brasil, Música, Subjetividade, Cotidiano. 1 Doutorando em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) – CAPES/PUC [email protected] 1 1. Introdução [...] A história começa quando você concebe que é o ser responsável pela própria concepção. Raul Seixas (Rio de Janeiro, 1975) O presente artigo pretende demonstrar a relação do cantor e compositor baiano Raul Seixas (1945-1989), com os episódios de maio de 1968, na França e os movimentos políticos da década de 1960, no Brasil. Um momento histórico caracterizado pelo autoritarismo a partir de 1964 e por uma rígida censura implantada, por meio do AI-5, em dezembro de 1968. Sabe-se que esse período foi regido pela repressão e pela censura em uma época em que cantores e compositores se tornaram importantes para o entrave contra a censura, divulgando suas obras que, por meio da música, combatiam a realidade política vigente, de forma metafórica e poética, ajudando a fomentar o imaginário de liberdade de expressão da arte musical. Partindo da afirmação que a história se faz a partir das ações do homem, pretende-se desenvolver uma revisão historiográfica no período de juventude e fase adulta de Raul Seixas, tendo em vista a necessidade de elaborar uma discussão contextual voltada, em especial, para as décadas de 1950 e 1960. O tempo histórico de Raul Seixas durante o período inicial de sua formação poético- musical foi um fruto da tensão entre suas experiências e suas expectativas no que se refere à intenção de ingressar na música, desde sua adolescência, numa relação intrínseca entre seu passado e seu futuro, caracterizando uma parte integrante da geração que introduz o rock´n´roll, como estilo musical, no Brasil. Neste espaço da experiência e em seu horizonte repousa o processo de temporalidade de sua história. A expectativa de iniciar na carreira artística proporcionou ao jovem Raulzito, como era conhecido na época, um caráter otimista em relação ao seu futuro, condicionada à dimensão temporal localizada no espaço de sua experiência vivenciada na cidade de Salvador e, consequentemente, no Rio de Janeiro. Em sua vida cotidiana, são encontradas experiências incomuns traduzidas por um garoto ainda, que propiciaram reflexões sobre a sociedade brasileira naquele período, representando uma série de documentos e narrativas bem detalhadas carregadas de sentimentos e sensações pessoais. Portanto, o artigo abordará questões sobre a memória, a política e a cultura, analisando-se a escrita de si, depoimentos sobre si mesmo e depoimentos de terceiros. 2 2. Um breve recorte das temporalidades de Raulzito Seixas (1959-1969) No tempo histórico ou físico de Raul Seixas (1945-1989), pode-se observar que há vários tempos internos ou temporalidades, no que diz respeito à sua trajetória musical. Dentre as várias temporalidades, são encontradas, desde o final da década de 1950, mais precisamente, em 1959, quando funda o primeiro clube de rock da Bahia, o Elvis Rock Club até, o ano de 1969, quando o mesmo volta para Salvador após a gravação do primeiro álbum, na cidade do Rio de Janeiro, como podem ser destacadas: 1959 - fundação do Elvis Rock Club, com seu amigo Waldir Serrão; 1962 - formação do seu primeiro grupo musical, Os Relâmpagos do Rock, com Thildo Gama e Enelmar Chagas; 1963 - mudança do nome do conjunto para The Panthers, com outros integrantes; 1964 - tocando e cantando músicas dos Beatles, apresentam-se em diversas cidades pelo interior da Bahia; 1965 - o conjunto passa a se apresentar no Cine Roma, localizado na Cidade Baixa, em Salvador, ao lado de grandes nomes da Jovem Guarda, como Roberto Carlos, Jerry Adriani, Wanderléia, Wanderley Cardosos, entre outros; 1966 - participando do Festival da Juventude, já com novo nome Raulzito e os Panteras, namora Nadine Wisner, americana, filha de um pastor protestante e passa no vestibular para estudar Direito na Universidade Federal da Bahia; 1967 - casa-se com Nadine Wisner e viaja para o Rio de Janeiro, com esposa e os integrantes do conjunto para acompanharem Jerry Adriani em shows pelo Brasil; 1968 - gravação e lançamento do primeiro álbum Raulzito e os Panteras, no Rio de Janeiro; 1969 - retorno à Salvador desiludido com o fracasso de vendas do primeiro álbum. Durante todo o período da existência de Raul Seixas no cenário artístico-musical brasileiro, notou-se que em muitos de seus depoimentos, escritos ou gravados, como também de seus familiares, a respeito de sua formação e de suas inspirações, ficou clara, em sua obra, a presença do hibridismo musical entre o baião de Luiz Gonzaga (1912-1989) e o rock´n´roll de Elvis Presley (1935-1977). 3 Na década de 1950, veicula um novo ritmo que revolucionaria o mundo, o rock´n´roll, uma linguagem global da cultura dos jovens. Sabe-se que Elvis Presley foi uma figura enigmática na construção do cotidiano de Raul Seixas: Nasci em 1945, no final da guerra, portanto minha juventude foi uma juventude pós- guerra necessariamente. [...] Anos 50: nossa família com meu pai saíamos viajando por todo o interior da Bahia inspecionando estações de trem. Ouvia muito Luiz Gonzaga e os repentistas da estrada de ferro; meu irmão e eu tomávamos cachaça escondido junto com os matutos do norte. [...] Naquela época a Bahia estava infestada de americanos que trabalhavam para a Petrobrás. Em 54, surgem nos Estados Unidos Elvis e o Rock´n´Roll caipira, além do blues dos negros do sul. [...] Aprendi blues e rock antes mesmo destas músicas terem chegado ao Brasil. Além disso, aprendi inglês fluentemente. [...] Quando Elvis veio com aquele estilo sexual, agressivo ele quebrou aquele clima denso de machismo. Eu vi nele uma liberdade incrível, de sexo, de se mover, sendo um homem. E não importava, pô. Foi um negócio incrível, a porrada que ele me deu com aquela dança dele. Elvis era considerado um maníaco sexual, cabelo cheio de brilhantina. As músicas dele eram pornográficas, sabe; é o que se dizia na época. Me lembro do pai de um amigo meu, do consulado, que dizia que Elvis era um communistplot, uma conspiração comunista. (SEIXAS, 1992:19) A respeito da cultura musical, ao resgatar a memória de Raul Seixas, o mesmo sofreu influência direta do rock´n´roll, desde sua infância, porque teve contato com garotos estadunidenses, filhos de engenheiros que vinham dos Estados Unidos para trabalhar na Petrobrás, em Salvador. No que se referia à música e à juventude, a cidade de Salvador se dividia entre a turma do rock americano, formada por Raulzito, Thildo Gama, Waldir Serrão e Edy Star que frequentava o Cinema Roma, na Cidade Baixa e de outro lado, a turma da Bossa Nova, que se reunia no Teatro Vila Velha, em Campo Grande, na chamada Cidade Alta, rememorando os grandes sucessos da Música Popular Brasileira entre os anos de 1930 e 1950. Dentre aqueles que ficavam no Teatro Vila Velha, destacaram-se Caetano Veloso, Gilberto Gil e José Carlos Capinam, entre outros. Para os pais de Raulzito, ser artista não constituía uma profissão decente, principalmente se tratando daquele tipo de música voltada à rebeldia e com palavras sensuais e gestos violentos. As pessoas, em geral, associavam os roqueiros àqueles jovens quebrando cinemas e vidraças, bebendo, fumando e roubando chicletes, logo, arruaceiros. Quanto a algumas passagens destes episódios, no Cine Guarany e no Cine Roma, alguns filmes significavam, naquele período, o autêntico comportamento a ser seguido por determinados jovens da sociedade baiana. Eles saíam às ruas quebrando vidraças ou roubando pertences de lojas, inspirados na rebeldia dos atores, retratada nos filmes, principalmente, do 4 ator norte-americano James Dean (1931-1955) que viveu em sua própria vida, a rebeldia de seus personagens, morrendo prematuramente em pleno auge da carreira ou em filmes como Sementes da Violência (Blackboard Jungle), de 1955, em que os jovens alunos se rebelam contra um professor recém-chegado à escola. Influenciado pelo cinema e pelo rock, Raulzito fundou, em 1962, ao lado de Thildo Gama e Enelmar Chagas, o grupo Os Relâmpagos do Rock, que um ano mais tarde teria seu nome mudado para The Panthers, com a chegada de Délcio Gama – irmão de Thildo – no lugar de Enelmar e, em 1964, para Raulzito e os Panteras. Nessas primeiras formações cantavam músicas de artistas estrangeiros, dentre eles, os Beatles. Raul Seixas, mais tarde rememorou que os Beatles, além de inovarem na melodia, inventaram uma nova forma de se dizer algo.
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