Revista Latino-Americana de História Vol. 3, nº. 11 – Setembro de 2014 © by PPGH-UNISINOS Canções para as salas de aula: as mulheres nos tempos da ditadura civil-militar através de Chico Buarque Marcelo Dantas de Oliveira Resumo: Este artigo objetiva apresentar possibilidades de inclusão da história das mulheres no ensino de História, através da música e canções. O tema escolhido para este estudo foi a ditadura civil-militar brasileira (de 1964- 1985). Durante aquele período histórico alguns grupos de oposição, compostos por homens e mulheres, efetivaram uma série de lutas contra a ditadura que se instalara no Brasil. Todavia a história da participação das mulheres na luta contra a ditadura, bem como as transformações sociais pelas quais elas passaram, ainda não foi devidamente abordada em sala de aula. Nas páginas seguintes, se destacarão a importância de trabalhar a questão do feminino e através da utilização das músicas como documentos históricos possíveis de uso para o ensino de História, analisando algumas composições de Chico Buarque, permitindo perceber mudanças do comportamento feminino vinculados às esferas privada e pública. Palavras-chave: História das mulheres; feminino; ditadura; canção; ensino de História. Abstract: This article aims to present some possibilities to include women‟s history in History teaching, using music and songs. The subject chosen for this study is civil-military dictatorship in Brazil (from 1964 to 1985). During that period of History, some opposition groups, composed by women and men, conducted a series of struggles against the dictatorship that had settled in Brazil. However, the history of the women‟s role in that fight, as well as the social transformations which they had been through have not been properly covered in classroom. In the next pages, the importance of working the female issue and the use of songs as historical documents to teach history will be emphasized; for this, some Chico Buarque‟s compositions will be analised, allowing to see changes of female behavior linked to private and public espheres. Key words: History of women; female; dictatorship; song; history teaching. Por que pensar neste tema? A importância de se estudar as mulheres na História se deve ao que Michelle Perrot (2007, p. 16) aponta como sair do silêncio em que elas estavam confinadas e acabar com a invisibilidade e obscuridade, pois ficaram de fora dos relatos históricos por tanto tempo, visto que o espaço público sempre foi o alvo dos historiadores, onde não havia clara participação feminina. Trata-se, também, de uma tentativa de abordar elementos solicitados pelos 244 Graduado em História pela UFRGS. Página Revista Latino-Americana de História Vol. 3, nº. 11 – Setembro de 2014 © by PPGH-UNISINOS documentos oficiais que orientam o Ensino Básico no Brasil. Analisando o primeiro deles, o Programa: Ensino Médio Inovador (2009, p. 5), documento do Governo Federal, pode-se verificar as modificações necessárias para melhorias no ensino, sendo a mais importante, para este trabalho, uma educação mais „jovem‟, ou seja, atualizada e inserida no cotidiano dos estudantes, priorizando a interlocução com as culturas juvenis. Trata-se de uma forma de renovar o interesse pela escola, especialmente pelas aulas de história, diminuindo o número de desistências, e possibilitando um aprendizado mais efetivo a partir de outras formas de abordagem do passado. Outros documentos preveem a importância de questões sobre sexo e gênero em sala de aula, como o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (2008, p. 15), com a proposta de inclusão social e luta contra discriminação. Para este trabalho, será entendido por gênero a relação de poder constituída por meio através dos sexos, percebida através de símbolos que possuem representação simbólica; por meio de conceitos normativos que permitem interpretar tais símbolos; a forma como a identidade de gênero se constrói; e pela análise de gênero, notando-se que há uma relação binária em sua representação (SCOTT, 1995, p. 14). Além disso, há os Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio (1999, p. 74), que orientam “criticar, analisar e interpretar fontes documentais de natureza diversa, reconhecendo o papel das diferentes linguagens, dos diferentes agentes sociais e dos diferentes contextos envolvidos em sua produção”; e a Matriz de Referência para o Enem (2009, p. 12), que visa “identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço”. Isto significa que é importante trabalhar fontes diversas em sala de aula, que permitam perceber que diferentes elementos do nosso cotidiano podem constituir evidências histórias, desconstruindo o pensamento de que a História é feita a partir do que é oficial. A História se faz a partir de diversos objetos produzidos pelo homem, o que permite a inclusão de ferramentas que evoquem o cotidiano adolescente na disciplina escolar trabalhando a formação do pensamento crítico. Uma canção não é fruto de uma neutralidade e isso permite analisar a visão de algum indivíduo sobre um dado evento em determinado período. Ao passar de fonte para recurso didático, permite elaborar uma visão particular do aluno de análise para a construção do conhecimento histórico, relacionando sua vivência com a sociedade pertencente, verificando a utilização de formas de linguagem alternativas que processam seus símbolos culturais e 245 sociais (ABUD, 2005, p. 310). Página Revista Latino-Americana de História Vol. 3, nº. 11 – Setembro de 2014 © by PPGH-UNISINOS A música como documento histórico A canção popular é um produto subjetivo, expressão de um determinado ponto de vista através da arte. É um tipo de música que prima pelo cotidiano, pela vida cultural de um grupo, formada por uma parte musical e uma escrita (ou poética). É um documento histórico que se trata de uma montagem da história, através da sociedade que a produziu, cuja intenção é impor ao futuro determinada imagem de si mesma (LE GOFF, 1996, p. 5). A canção popular pode produzir formas de interpretação diversas a quem ouve. Tal subjetividade deve ser problematizada pelo historiador, com finalidade de compreender a inserção da música na história da sociedade. Para analisar as canções deste trabalho, farei uso dos conceitos de análises interna e externa. A análise interna compreende toda sua construção artística com instrumentos, ritmos, rimas, melodias, permitindo raciocinar sobre as sensações produzidas, intenções dos artistas na produção de determinada música. A música possui duas linguagens: a poética e a musical. A linguagem poética não pode ser simplesmente interpretada textualmente, senão não estaria se interpretando a canção, mas apenas o texto. Não podemos esquecer de que as formas poéticas nos proporcionam pistas e caminhos não apenas musicais, mas também capazes de gerar uma interpretação intencional ao receptor (interpretação que podemos utilizar para averiguar uma realidade muitas vezes expressa na parte poética), visto que ela não deve ser comumente lida ou falada, mas exige uma atuação. A linguagem musical também deve ser analisada através das melodias, ritmo, harmonização, andamento, assim como instrumentos utilizados e seus timbres, permitindo uma criação intencional de diversas sensações ao ouvinte para uma sociedade de um dado período (OLIVEIRA, 2011, apud MORAES, 2000, p. 214-216). Todavia é necessária a compreensão de outros elementos. A análise externa serve, neste caso, para verificar tudo aquilo que está presente nas canções, mas não como elementos de construções musical e poética. É a busca de informações sobre o artista e o contexto histórico, a respeito do processo social de criação, difusão e recepção popular, permitindo observar determinadas relações sociais, políticas e econômicas de um dado período. É necessário entender como essa montagem sonora se institui na sociedade e na cultura e como ela se encaixa em um determinado período, situando os vínculos e relações do documento 246 com seu produtor. É importante compreender o processo de criação, produção, circulação e Página Revista Latino-Americana de História Vol. 3, nº. 11 – Setembro de 2014 © by PPGH-UNISINOS recepção da obra, pois isso pode indicar “preocupações com códigos e com o universo da criação da cultura popular e principalmente da música” (MORAES, 2000). Também importa, além da forma como pensar historicamente a canção, entender como isso pode ser utilizado nas aulas de História. Já sabemos que uma música não pode simplesmente ter trabalhada sua letra e interpretá-la como um texto desgarrado de uma série de contextos o qual a mesma foi concebida, quando de sua utilização no ambiente escolar. Desta forma, o educando poderá reler seu cotidiano por meio do elementos musicais. A metodologia de análise de fontes, abordada neste texto, pode ser utilizada para as aulas de História, adaptada de acordo com a necessidade do (a) professor (a), pois permite a reflexão do objeto de análise a pontos precisos, fomentando questionamentos. Além disso, favorece a busca por informações necessárias para uma leitura mais refinada sobre a canção, permitindo composições de atividades pedagógicas de acordo com o tema proposto. Conforme Abud, (2005, p. 311) O uso de uma linguagem alternativa – no caso a música – favorece ao professor de história uma aula diversificada das mais recorrentes, fazendo o aluno formar seu conhecimento histórico, causando efeitos sociais, consolidando-se na consciência histórica. Isso é possível de trabalhar em forma de habilidades e competências exigidas pelos documentos oficiais que pautam o ensino de História, como transmissão de memória coletiva, capacidade de julgamento através de dados, formação de consciência política e análises de situações através de isolamentos de dados ou eventos que um documento como a música pode nos oferecer. É comum vermos em livros didáticos letras de músicas populares em atividades que apenas sugerem uma leitura textual da letra, como a expressão de setores sociais mais populares e seus vínculos a determinados contextos. Não podemos simplesmente nos deter a isso, já sabendo que uma canção não é apenas letra, mas que nela interagem inúmeros fatores que permitem trazer à tona a História através de muitos caminhos.
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