Núcleo de Justiça e Constituição - NJC/GV Abril de 2012 FUNDAMENTAÇÃO E PREVISIBILIDADE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: UM ESTUDO EMPÍRICO DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS Documento para discussão no Workshop de Pesquisa André Rosilho Carolina Cutrupi Dalton Tria Cusciano Lara Barbosa Cortês Luciana de Oliveira Ramos Maria Laura de Souza Coutinho Paulo André Nassar Rubens Glezer Vitor Martins Dias 1. Considerações iniciais A presente pesquisa visa estudar a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto Corte recursal, função exercida especialmente por meio do julgamento de recursos extraordinários. A pesquisa é composta de duas fases: a primeira de natureza quantitativa , e a segunda, de ordem qualitativa . Na primeira fase, busca-se construir um banco de dados, que permita sistematizar as informações relativas à fundamentação dos ministros nos recursos extraordinários. Esse banco de dados servirá de ponto de partida para a análise qualitativa da fundamentação dos ministros e até mesmo para outros estudos sobre o tema. A segunda etapa, por sua vez, consiste em analisar a argumentação do Tribunal ao decidir os RE – observando a coerência dos fundamentos utilizados pelos ministros no julgamento desses recursos. Considerando-se que o STF, ao julgar recursos extraordinários, apresenta guias de conduta que devem ser seguidas pela sociedade, é fundamental conhecer o modo pelo qual o Tribunal decide casos como esses. A relevância desta etapa da pesquisa reside na possibilidade de verificar se a fundamentação dos ministros atende a certos parâmetros decisórios que contribuem para 1 Núcleo de Justiça e Constituição - NJC/GV Abril de 2012 a redução da incerteza, promovendo, assim, a previsibilidade do sistema judicial necessária ao Estado Democrático de Direito. Neste documento, são apresentados os objetivos centrais da pesquisa, a sua justificativa, a metodologia, e os resultados parciais da análise quantitativa dos dados obtidos até o momento. Ao final, no anexo 1, apresentamos o formulário utilizado para a coleta dos dados. Vale ressaltar que esta pesquisa está sendo realizada por pesquisadores do Núcleo de Justiça e Constituição, sob a coordenação da Professora Luciana Gross Cunha e do Professor Dimitri Dimoulis, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 2. Enunciado do problema Esse estudo tem por objetivo analisar a atuação do STF enquanto Corte recursal, função exercida especialmente por meio do julgamento de recursos extraordinários (RE). O objeto deste estudo consiste no exame do processo de tomada de decisão do STF nos recursos extraordinários julgados em plenário, no período de 05 de setembro de 2007 a 1º de setembro de 2009, período no qual a composição do Tribunal permaneceu estável. Nesse período integravam o STF os ministros: Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Carlos Britto, Cezar Peluso, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes de Direito. Esta proposta possui dois objetivos centrais. Em primeiro lugar pretende-se mapear os recursos extraordinários decididos em plenário no STF no período. As decisões encontradas serão sistematizadas em um banco de dados que será útil para a consecução do segundo objetivo da pesquisa, qual seja, a análise do processo de tomada de decisão do STF, enquanto Corte recursal, a partir de critérios relacionados à fundamentação dos votos. Uma vez selecionados os acórdãos relativos aos RE julgados, passa-se à investigação de como o STF decide os recursos extraordinários. Isso significa analisar minuciosamente a argumentação de cada um dos votos proferidos pelos ministros do Tribunal. Pretendemos, com isto, ser capazes de responder a diversas perguntas, tais 2 Núcleo de Justiça e Constituição - NJC/GV Abril de 2012 como: (i) Como cada Ministro constrói seus votos?; (ii) Existe um padrão decisório nas decisões do STF nos RE estudados?; (iii) É possível organizar os Ministros em grupos de tomada de decisão ou padrões decisórios?; (iv) Os argumentos apresentados pelos Ministros são coerentes com o resultado final da decisão? A partir desses questionamentos, definiu-se a hipótese desta pesquisa, qual seja: as decisões do STF em recursos extraordinários não atendem a padrões de coerência, o que restringe a previsibilidade da última instância recursal do país. 3. Justificativa A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o STF assumiu posição central no desenho institucional brasileiro, em virtude da ampliação de suas funções na nova ordem constitucional e da fragilidade do sistema representativo (VIEIRA, 2008). Uma de suas funções mais conhecidas é o exercício do controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos. O exame da constitucionalidade das normas em tese é competência exclusiva do STF, situação em que ele é responsável por zelar pelos preceitos constitucionais, invalidando as leis e atos normativos que, em abstrato, contrariam a Constituição. Tal função o caracteriza como Corte Constitucional. Além de exercer o controle concentrado de constitucionalidade, como foro único, o STF também realiza o controle difuso, como instância final. 1 Quando os demais juízes e tribunais decidem, de forma incidental, sobre a constitucionalidade de atos normativos, as decisões ali proferidas podem ser objeto de questionamento no STF. Neste caso, o STF assume a função de Corte recursal. Diversos são os recursos por meio dos quais as partes podem chegar ao STF, mas neste contexto de exercício de controle difuso de constitucionalidade, destaca-se o papel dos recursos extraordinários, 1 A Constituição Federal de 1988 adotou um sistema híbrido de controle de constitucionalidade de normas. Cabe ao STF, no exercício do controle concentrado, julgar a constitucionalidade das normas em tese, por meio das Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC), Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) e as Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). As decisões proferidas pelo STF no exercício do controle concentrado possuem efeitos erga omnes. Os demais órgãos do Judiciário podem apreciar a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo, no exercício do controle difuso, quando estas surgem incidentalmente dentro de processos sob sua jurisdição. As decisões proferidas pelos demais juízes e tribunais, por outro lado, só produzem efeitos entre as partes do processo. 3 Núcleo de Justiça e Constituição - NJC/GV Abril de 2012 os quais podem ser interpostos contra decisão que: (i) contrariar dispositivo da Constituição; (ii) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; (iii) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição; ou (iv) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.2 O STF funciona ainda como instância ordinária, ou foro especializado, ao decidir sobre as ações de competência originária do Tribunal, quando atua como instância única em casos individuais. Exemplos de ações de competência originária do STF são os habeas corpus e as ações penais movidos contra o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, os Ministros de Estado e o Procurador-Geral da República 3. Diante dessas considerações, verifica-se que o STF exerce ao menos três funções distintas: a de Corte Constitucional, a de Corte recursal e a de foro judicial especializado. De acordo com Vieira (2008: 447), “ao Supremo Tribunal Federal foram atribuídas funções que, na maioria das democracias contemporâneas, estão divididas em pelo menos três tipos de instituições: tribunais constitucionais, foros judiciais especializados (ou simplesmente competências difusas pelo sistema judiciário) e tribunais de recursos de última instância”. No mesmo sentido, Falcão, Cerdeira e Arguelhes consideram que o STF se comporta como três Cortes distintas, “com três personas difundidas em uma mesma instituição”: a constitucional, a ordinária e a recursal (FALCÃO, CERDEIRA E ARGUELHES, 2011: 16). Nesta pesquisa, conforme já mencionado, será dada ênfase à análise do STF como Corte recursal. Os recursos extraordinários, juntamente com os agravos de instrumento, compõem a faceta de instância recursal do STF. Estudar a Corte sob a perspectiva de um tribunal de recursos é relevante, porque de acordo com o recém publicado relatório Supremo em Números, “a absoluta maioria dos processos recebidos pelo Supremo origina-se da Corte Recursal, correspondendo a quase 92% dos casos de 1988 até 2009” (FALCÃO, CERDEIRA, ARGUELHES, 2011: 21). Em contrapartida, as instâncias Ordinária e Constitucional são responsáveis por 7,8% e 0,5% dos processos nos últimos 21 anos, respectivamente. 2 Art. 102, III, da Constituição Federal. 3 Art. 102, I, b e d, da CF. 4 Núcleo de Justiça e Constituição - NJC/GV Abril de 2012 A denominada “Corte recursal”, nos termos do relatório de pesquisa Supremo em Números , é a maior responsável pela carga processual do STF.. De acordo com as estatísticas disponíveis no site do Tribunal, em 2006, os recursos extraordinários representavam quase a metade do total dos processos distribuídos no STF, chegando a 47%. No ano seguinte, esse número caiu para 44%. Em 2008, os RE distribuídos representavam 32,2% do total e, em 2009, eles constituem 19,5% do total de processos distribuídos. 4 Tabela 1: Quantidade de RE distribuídos em relação ao total de processos ANO 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 TOTAL DE PROCESSOS 109.965 69.171 79.577 116.216 112.938 66.873 42.729 DISTRIBUÍDOS RE DISTRIBUÍDOS 44.478 26.540 29.483 54.575 49.708 21.531 8.348 % RE/RELAÇÃO PROCESSOS
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