pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura Sambantropologia Sambantropology Sambantropologia Vinícius Ferreira NatalI Resumo: Palavras chave: O Presente artigo apresenta uma breve etnografia da ala de compositores do Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Escolas de Samba Vila Isabel, relativizando o papel do pesquisador em relação à proximidade e características específicas com o campo das escolas Antropologia Urbana de samba do Rio de Janeiro, propondo a “Sambantropologia” como um método de pesquisa particular e situacional. Música Arte Cultura Popular Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br 150 Ano 6, número 11, semestral, abr/2016 a set/ 2016 Resumen: El presente artículo presenta una breve etnografía del ala de Palabras clave: compositores Grêmio Recreativo Unidos Escuela de Samba de Vila Isabel, relativizando el papel del investigador en relación Escuelas de Samba con la proximidad y características específicas con el campo de las escuelas de samba de Río de Janeiro, proponiendo, para Antropología urbana terminar, “Sambantropologia” como método de investigación La música individual y situacional. Arte La cultura popular Abstract: Keywords: The present article presents a brief ethnography of the wing of composers Grêmio Recreativo States Samba School of Vila Isabel, Samba Schools relativizing the role of the researcher in relation to proximity and specific features with the field of the samba schools of Rio de Janeiro, Urban Anthropology proposing, to finish, “Sambantropologia” as a method of individual and situational research. Music Art Popular culture Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br 151 pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura as limitações de origem do antropólo- go e chegar a ver o familiar não neces- Sambantropologia sariamente como exótico, mas como uma realidade bem mais complexa do que aquela representada pelos mapas Quando tentado a trabalhar com a e códigos básicos nacionais e de clas- perspectiva antropológica, um dos meus se através dos quais fomos socializa- maiores questionamentos era como dos (VELHO, 1978, p.131). pesquisar um tema tão próximo ao meu cotidiano e vivência sem pôr em xeque Ricardo Barbieri em “A Acadêmi- uma pretensa objetividade científica exi- cos do Dendê Quer Brilhar na Sapucaí” gida pelos padrões acadêmicos. Desde também explora esse tema. Antropólogo minha infância frequentava as reuniões inserido no meio do “mundo do carnaval”, da ala de compositores da Vila Isabel, relata sua dificuldade em estudar um uni- junto à minha avó, a compositora Ivaní- verso familiar, onde “Foi necessário me sia. Natural foi escolhê-la (ou ser esco- concentrar no esforço de estranhar o fami- lhido) como minha escola de coração. liar, por conviver com o cotidiano das es- Com o passar dos anos e meu crescente colas de samba, e desempenhar funções envolvimento, dei-me conta de que ou- neste meio (as de intérprete e composi- via mais samba do que qualquer outro tor)” (BARBIERI, 2013, p. 32). gênero musical: tocava na bateria de diversas escolas de samba, coleciona- Quando falamos em pesquisa so- va desfiles gravados em fitas VHS e até cial é necessário transformar o exótico os tradicionais desenhos da juventude em familiar e o familiar em exótico. Via eram substituídos pelos desfiles da Vila de mão dupla, pois pertencer a uma cul- em momentos de lazer. tura não necessariamente significa que a conheçamos e, quando não, precisamos Sem nenhum amigo sambista, era torná-la familiar para podermos operar taxado de louco. Não ligava, pois sabia dentro dela e com isso compreendê-la que “meu mundo” era o que batucava. (DAMATTA, 1978, p. 4). Na experiência Cresci e logo percebi meu lugar “do lado antropológica a subjetividade então se- de dentro”, observando os problemas, ria inerente à pesquisa, que tem também confrontos, alianças e outras característi- por “vocação” científica a busca de objeti- cas com o apuro de quem vivencia uma vidade em dados e resultados. situação cotidiana. Maria Laura Cavalcanti, por sua Como lidar com isso, se decidi- vez, também observa a necessidade do ra, então, estudar o meu próprio cotidia- estranhamento na pesquisa antropológi- no dentro da Antropologia? Fazia-me um ca, afirmando que, no campo, o conhe- “Sambontropólogo? cimento antropológico não se daria pelo que se passa de fato entre os nativos, Estranhar o familiar. Nunca essa e sim através de uma visão organizada afirmativa faria tanto sentido: e percebida pelos antropólogos do que ocorre nessas experiências. Logo, há o estudo do familiar oferece vantagens uma percepção aproximativa, mediatiza- em termos de possibilidades de rever da, permeada pela subjetividade, entre e enriquecer os resultados das pesqui- os atores pesquisados e pesquisador. sas. Acredito que seja possível trans- Esse contato, entretanto, pode mesmo cender, em determinados momentos, ocasionar mudanças em ambos os lados: Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br 152 Ano 6, número 11, semestral, abr/2016 a set/ 2016 Consideremos então a nós mesmos um meio objetivo de busca de “verdades”, como um bando de nativos, um gru- quase que assumindo um ranço positivista po social cuja vida profissional ganha de construção de saberes e narrativas. forma entre o campo, a etnografia e a academia. Se a etnografia é, como Porém, como lidar com essa pro- quer Claude Lévi-Strauss, uma certa blemática se os moldes acadêmicos ainda experiência de objetivação da subjeti- bebem na fonte de um ocidentalismo eli- vidade, creio que quem a exercita de- tista que teima em privilegiar as narrativas senvolve também gradualmente uma européias ou, quando não, as que a esse noção de pessoa peculiar. Um eu am- modelo são moldadas e aceitas como ver- bivalente e diverso que, com o ir-e-vir dadeiras, em detrimento de tantas outras refletido e sistemático entre múltiplas que são silenciadas? realidades e sistemas classificatórios, cruza zonas de perigo que o ameaçam Rufino (2014, p. 47) afirma: “O que por vezes de dissolução. O exercício o regime colonial tem feito é reduzir a profissional de um certo tipo de media- multiplicidade que está presente no mun- ção, a mediação entre sistemas cogni- do, divulgando que o que está fora da tivos e morais, visando à produção de premissa de “verdade” – legitimada pelo conhecimento novo, deixa o sujeito/ cânone histórico – está sob a condição antropólogo potencialmente muito per- de subalterno, atrasado, impuro, entre to da metamorfose [...]. (CAVALCAN- outras significações”. TI, 2003, p. 134). Uma dessas estratégias ociden- Como “sambantropólogo”, pretendi tais, portanto, é moldar verdades, esta- observar os dados criticamente, em uma belecer parâmetros para se considerar espécie de equilíbrio analítico. Conside- que A é verdade e B, nem tanto. Logo, rando minhas opiniões e posicionamen- por mais que a subjetividade hoje seja tos, cervejas e pessoalidades introjetadas aceita em um discurso oficial acadêmi- em meu próprio ethos, busquei o exercí- co, a prática se constrói totalmente ao cio do fazer antropológico analisando as revés, funcionando em dispositivos de relações e os desdobramentos dos fatos, desautorização por proximidade, sub- mesmo quando isso colocava em xeque jetividade excessiva e até mesmo uma meu próprio bem-estar. maneira de utilizar a ciência - Santa Ci- ência! - como um mecanismo de atingir objetivos escusos, apropriar-se do ob- Pesquisador e militante jeto e utilizá-lo em benefício próprio de projeto de poder. Nesse sentido, percebi que minha posição no processo de pesquisa era cla- Dentro desse molde, interessei-me ramente vinculada às minhas percepções não por reproduzir essas narrativas, mas do que entendia como um projeto de es- sim fazer sobressair as próprias narrativas cola de samba possível - e que deveria - nativas dos sujeitos pesquisados e, dessa ser realizado. Por mais que houvesse um forma, me colocar como um sujeito ativo discurso do “observar o familiar” (VELHO, dentro da escola de samba.II 1978) e do privilégio da subjetividade do pesquisar, ainda é caro pensar um posi- Como diz Pâmela Passos (2013): cionamento mais aguerrido e combativo quando se trata de uma pesquisa cientí- Nesse sentido, campo e pesquisa- fica, majoritariamente observada como dor não são preexistentes, mas co- Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br 153 pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura -emergem à medida que lançamos E então, agora, falaremos de uma luz ou tiramos o foco de iluminação Sambantropologia concreta, a tecnica- de determinadas variáveis (NASCI- mente vivida nos botecos, escola de sam- MENTO e COIMBRA, 2008). Trata- ba e bairro de Vila Isabel. -se, portanto de afirmar um modo de pesquisar que escapa das formula- ções prontas e que nos possibilita Vila Isabel... sair do lugar arrumado do cientista para nos misturar com o campo e, As lembranças de infância são, nessa mistura, nos aproximar da- como brincadeira, difusas e escorrega- quilo que, muitas vezes, fica ausen- dias. Era dia de carnaval. Minha mãe te do trabalho final. Interessa-nos me levara ao carnaval de um coreto aquilo que fica de fora, os desacer- próximo ao Largo da Freguesia, em Ja- tos, as indecisões, os desvios e di- carepaguá, para assistir aos bate-bolas ficuldades. Isso também compõe a e desfilar com minha fantasia recém- pesquisa e a constitui. III -comprada de Batman. Nesse sentido, Luiz Rufino (2014, Diferente das outras crianças, não p.16) também nos brinda: tinha o mínimo medo de bate-bola. Ti- nha indiferença e achava, até certo pon- Defendo a noção de que as práticas to, bobo. Tinha medo, sim, de palhaços. culturais da afro- diáspora estão as- Odiava tanto que era o único da minha sentadas e são orientadas por outras idade que não via o programa da Vovó formas de racionalidade que se dife- Mafalda, no SBT. Preferia o Vídeo Game renciam do modelo de pensamento ou a bolinha de gude... moderno ocidental. Nesse sentido, suas lógicas de funcionamento reve- Lembro que logo ao chegar no lam múltiplos conhecimentos, outras Largo, pedi à minha mãe: epistemologias que apontam cami- - Vamos voltar logo.
Details
-
File Typepdf
-
Upload Time-
-
Content LanguagesEnglish
-
Upload UserAnonymous/Not logged-in
-
File Pages17 Page
-
File Size-