UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS A FORÇA DO ATRITO Um estudo da música de Luciano Berio, a propósito da sua ópera La vera storia João Lopes Madureira Silva Miguel Outubro de 2016 A FORÇA DO ATRITO Um estudo da música de Luciano Berio, a propósito da sua ópera La vera storia João Madureira Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Ciências Musicais Históricas, realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Paula Gomes Ribeiro Apoio financeiro do Instituto Politécnico de Lisboa, no âmbito do Programa de Apoio à Formação Avançada de Docentes do Ensino Superior Politécnico, PROTEC 2009. às minhas filhas, Teresa e Luísa AGRADECIMENTOS À Professora Doutora Paula Gomes Ribeiro, pelo apoio incondicional em todas as fases de elaboração deste trabalho. A Angela Carone, Angela Ida de Benedictis, Luca Logi, e Paul Roberts, pelos materiais e informações prestadas no decurso da minha pesquisa. Aos docentes meus colegas do curso de Composição da Escola Superior de Música de Lisboa. À Drª Paula Esperança, pelo seu inigualável humanismo e amizade. Aos meus amigos Francisco Trovão, Guilherme Dutschke, Jeffrey Scott Childs, João Barrento, João Pereira Coutinho, Manuel Pedro Ferreira, Paulo Pires do Vale, Paulo Sarmento, Rui Miguel Ribeiro, Tomás Maia, e Vera San Payo de Lemos, pela sua generosidade e disponibilidade. À minha família, em particular os meus pais, pelo seu ânimo e confiança. A Cristiana Vasconcelos Rodrigues, companhia imprescindível na minha viagem. RESUMO O presente trabalho pretende ensaiar uma reflexão crítica sobre a música de Luciano Berio, focando em particular a sua ópera La vera storia, estreada em 1982 no Teatro alla Scala, em Milão. Esta reflexão crítica surge no âmbito da minha actividade de compositor, a partir de preocupações de ordem estética e ética quanto ao fazer artístico, encontrando no caso de Luciano Berio um campo oportuno para a sua consubstanciação. A música de Berio reclama ser estudada através do cruzamento de diferentes saberes, para além do isolamento dos múltiplos aspectos e traços de singularidade que a caracterizam. Porque Berio escreve a sua música, não em nome da exploração, fechada sobre si mesma, de certas possibilidades técnicas, tão pouco em nome de um determinado gosto estético, particularmente sensível na herança musical que cita ou nos poetas e escritores que inclui em algumas das suas obras. Os motivos em que radica o seu fazer musical, com as opções técnicas e estéticas que conhecemos, são determinados por preocupações de ordem ética que não devemos ignorar. Pensamos que é imperativo alargar o quadro de referências teóricas para além da análise musical no sentido mais estrito, convocando o pensamento filosófico de Gilles Deleuze e de Walter Benjamin e o pensamento estético de Italo Calvino para debater as implicações éticas da produção musical beriana. Este objectivo, no entanto, consolida significativamente o entendimento sobre a singularidade do fazer musical de Berio e a pertinência das suas propostas, integrando-se o presente estudo na reflexão já longa e prolixa dos estudos berianos. Por isso, vamos desenvolver de forma sistemática uma reflexão que cruza o aparato conceptual e estético dos nomes acima citados com os traços determinantes da estética de Berio. São eles, nomeadamente, uma nova articulação entre alturas e ritmo; a ubiquidade presente no seu discurso; os comportamentos aditivos e subtrativos que presidem ao seu fazer musical; o carácter múltiplo, e por isso em constante devir, do objecto sonoro beriano; o carácter para-funcional do seu discurso, radicado na articulação entre elementos distintos; e a direccionalidade do seu discurso, resultante da sua articulação. A fricção entre todos estes aspectos leva-nos a falar de uma singular concepção do objecto sonoro, na medida em que nos mostra de forma clara uma postura estética, e sobretudo ética, totalmente emancipada dos muitos espartilhos que tendem a ditar o fazer musical. Se nos habituámos a pensar que a música é a prova de que o uno é múltiplo, com a música de Berio somos levados a ver que o múltiplo é uno. Porque a música de Luciano Berio acolhe e reflecte a espantosa diversidade do mundo em que surge, devolvendo-lhe uma de muitas possibilidades de leitura. É essa a sua verdadeira história, é essa a força do seu atrito. PALAVRAS-CHAVE: Berio, Deleuze, Benjamin, Calvino, para-funcional, ubiquidade, vectorialidade, transformação, La vera storia. ABSTRACT This work aims at developing a critical reflexion on Luciano Berio's music, focusing in particular on his opera La vera storia, premiered in 1982 at Teatro alla Scala, in Milan (Italy). This critical reflexion finds its roots in my own activity as composer, where certain issues related to ethical and aesthetic questions in artistic practice find in the case-study of Luciano Berio an opportune field for their development. Berio's music requires an approach that blends different knowledge fields, beyond the isolation of its multiple singular aspects. This is because Berio writes his music neither in the name of the exploitation, closed in itself, of certain technical possibilities, nor in the name of a certain aesthetic taste, particularly sensitive in the musical heritage he quotes or in the poets and writers he includes in some of his works. The motifs underlying under the options of his musical practice are determined by ethical concerns which cannot be ignored. We think it is imperative to enlarge the theoretical frame of reference beyond musical analysis in a strict sense, calling in our reflexion on the philosophical thought of Gilles Deleuze and Walter Benjamin as well as the aesthetic thought of Italo Calvino in order to debate the ethical implications of Berio's musical production. This objective, though, noticeably consolidates an understanding of the singularity of Berio's practice and the relevance of its proposals, integrating this study in the already long and prolific reflexion in the field of Luciano Berio studies. In the following pages a systematic reflexion is to be carried out by crossing a conceptual and aesthetic apparatus, drawn from Deleuze, Benjmain and Calvino, with the defining traces of Berio's aesthetics. These are, namely, a new articulation between pitches and rhythm; the ubiquity of his speech; the additive and subtractive behaviour that presides over his musical practice; the multiple character, and for that reason in permanent becoming, of his sound object; the para-functional character of his practice, based on the articulation of uneven elements; and the vectorial character of his discourse. The friction among all these aspects leads us to speak of a unique conception of the sound object in Berio's music, as it clearly reveals an aesthetic and above all ethical posture which is completely emancipated from the many constraints which tend to dictate musical composition. If there is a general consensus as to thinking that music proves that the "one" is multiple, with Berio's music we are lead to consider the multiple as one. Because Luciano Berio's music receives and reflects the amazing diversity of the world in which it emerges, giving in return one of many possible readings.That is its (their) true story, that is the strength of its (their) friction. KEY-WORDS: Berio, Deleuze, Benjamin, Calvino, para-functional, ubiquity, vectoriality, transformation, La vera storia. ÍNDICE Introdução Geral .............................................................................................. 1 A nossa investigação ..................................................................................... 1 A música de Luciano Berio .......................................................................... 7 La vera storia: o nosso caso de estudo ....................................................... 11 Esta dissertação........................................................................................... 20 I Pensar a Música de Berio ............................................................................ 25 Uma ponderação filosófica a partir de Gilles Deleuze .............................. 25 Multiplicidade como unidade ..................................................................... 30 Rizoma ........................................................................................................ 33 Diferença e repetição .................................................................................. 38 Regime de signos ........................................................................................ 44 Sensação ..................................................................................................... 47 Desterritorialização e Reterritorialização................................................... 52 Ciência Menor ............................................................................................ 58 II A Prática Musical de Luciano Berio ......................................................... 63 Contextualização ........................................................................................ 63 La vera storia .............................................................................................. 71 O objecto sonoro beriano ........................................................................... 76 Uno ..........................................................................................................76 Múltiplo ................................................................................................
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