Coelho Neto Arquivo ABL Guardados da Memória Um Parecer de Coelho Neto Oswald de Andrade, postulante aumprêmioeaumacadeirana Academia Brasileira de Letras Coelho Neto Primeiro ocupante da Cadeira 2 na Academia Brasileira de Letras. mbora tenha sido um dos mais belicosos participantes da Se- Emana de Arte Moderna, que se destacou pelo fervoroso “an- tiacademicismo” e hostilidade aos padrões culturais da época – Oswald de Andrade incluía o reconhecimento da Academia Brasilei- ra de Letras em seu projeto de vida literária. Assim, em 1928, seis anos após a Semana, concorria ao Prêmio de Romance da Academia Brasileira de Letras com A Estrela de Absinto. Coube a Coelho Neto ser o relator desse Prêmio e conferir ao ro- mance de Oswald de Andrade uma Menção Honrosa, como o com- prova o Parecer que ora divulgamos. Observe-se ainda que, ao longo de sua agitada carreira literária, Oswald de Andrade sempre se mani- festou a respeito de Coelho Neto com a maior hostilidade. 303 Coelho Neto Em 1940, pleiteou mais uma vez o reconhecimento acadêmico: foi candi- dato à vaga de Luís Guimarães Filho (Cadeira 24 ), para a qual foi eleito Ma- nuel Bandeira. Oswald de Andrade teve apenas um voto: o de Guilherme de Almeida. Os demais acadêmicos paulistas, em número de seis – Menotti del Picchia, Cassia- no Ricardo, Alcântara Machado, J.C. de Macedo Soares, Ribeiro Couto e Cláudio de Souza – não apoiaram a sua candidatura. Nessa eleição, foram apurados 36 votos, sendo 25 de acadêmicos presentes e 11 de acadêmicos ausentes. O pleito se decidiu no primeiro escrutínio, com o seguinte resultado: Manuel Bandeira, 21 votos; Berilo Neves, 7 votos; Júlio Nogueira, 5 votos; Basílio de Magalhães, 1 voto; Oswald de Andrade, 1 voto. Um voto não foi apurado. PRÊMIOS DA ACADEMIA BRASILEIRA II – Romance Em sessão de 14 de fevereiro de 1929, foi unanimemente aprovado o se- guinte PARECER DA COMISSÃO JULGADORA No relatório dos concursos de 1903 da Academia Francesa, referindo-se aos trabalhos da mesma instituição, disse Gaston Boissier: “Elle entame l’étude des poésies de Malherbe; encore n’y mit elle pas un très grand empresse- ment, puisque trois mois de travail ne lui suffirent pas pour achever l’examen d’une seule ode”. Contentassemos nós com o mesmo prazo para estudo de cada uma das obras que nos foram distribuídas e ter-nos-iam sido necessários 66 meses ou sejam – cinco anos e meio. Fizemos apelo ao máximo das nossas forças e, auxi- liando-nos com uma joeira, facilitamos a tarefa excluindo, de pronto, sete dos 304 Um Parecer de Coelho Neto concorrentes – um por não caber no gênero da seção a nosso encargo e seis por motivos que aos autores o tempo mostrará, se a vaidade lhes não obnubilar de todo os olhos. Ficaram-nos, ainda assim, 15 romances, e são eles, por grupos, em escala de valores, os que passamos a enumerar: 1.o GRUPO Terras sem Dono, de A. Ferreira Lobo; A Estrela de Absinto, de Oswald de Andrade; A Tortura da Carne, de Arduino Pimentel; A Tara, de Francisco Mangabeira Albernaz. 2.o GRUPO Praga de Amor, de A. de Queiroz; A Vida é Assim Mesmo, de Henrique Carlos; O Embaixador Fagundes, de um adido de embaixada; Volúpia Maternal, de Iaynha Pe- reira Gomes. 3.o GRUPO Rumo ao Sol, de Simplicitas; A Eterna Causa, de Theda Belmonte; Maldita Esfinge, de Carlos Eduardo. 4.o GRUPO Extasis, de Laura Villares; A Casa dos Azulejos, de Papi Júnior; Antecâmara da Vida Airada, de Macambira; Roseiral, de Rivarol. 5.o GRUPO Mirko, de Bianco Filho; O Enchimento, de Alves Cordeiro; A Esfinge, de Táo-Tse-King; Felizardo, de Amfilofio de Castro; O Espírito das Trevas, de Celestina Arruda Sou- za; Um coração, de Maria. Escândalo, de Cyrano de Mmé. Excluído. Escrito em verso será um poema e, como tal, deverá o seu autor havê-lo inscrito na seção respectiva, que é a de “Poesia”. 305 Coelho Neto Terras sem Dono – que inculcamos ao prêmio ad referendum da Academia, realça entre os mais por excelências de técnica e pureza de estilo. O tema, que serve de caminho às personagens, todas bem figuradas, cortado de episódios interes- santes, por vezes comovedores, culmina em desenlace de grande intensidade dramática. A linguagem simples, fluente, expressiva, sem ênfase é estreme A Estrela de Absinto – é obra de ação vertiginosa, na qual se destacam, com relevo forte, estranhas figuras de uma comédia trágica, profundamente humana. Ori- ginal no assunto, vibra na agilidade fremente dos diálogos, sempre naturais. Algumas das suas cenas impressionam como projeções cinematográficas, tanta e tão verdadeira é nelas a vida, intensa no esto e na movimentação. A Tortura da Carne – revela um romancista hábil na urdidura dos episódios e su- til no estudo dos caracteres. A linguagem ressente-se de deslizes. Fará justiça a Academia distinguindo com menção honrosa as duas últimas produções. A Tara – é um livro mau. O próprio autor o tacha de “livro feio e bruto”. To- davia, força é confessar: apesar da sua hediondez, empolga com a força de ta- lento que nele há. O autor dessa obra orgástica teria grandes probabilidades de vitória se no julgamento não tivesse voto a Moral. Em breve, porém, se esco- lher e vestir com mais decoro os seus temas será, seguramente, um dos nossos mais vigorosos romancistas. Ao escritor não regateia a comissão louvores, re- cusa-os, porém, ao livro pela crueza do assunto e licenciosidade de alguns dos seus episódios. Cabem aqui, mui de molde, as palavras de Thureau-Dangin a propósito de prêmios de romances na Academia Francesa: “Plus la couronne est difficile à atteindre, plus elle doit exciter les ambitions généreuses. Mais je ne saurais trop insistrer sur une condition essentielle du prix: l’Académie demande une ‘œuvre d’inspiration élevée.’ Nous nous refusons à transiger avec la bassesse, de quelque prétexte qu’elle se couvre; nous ne voulons pas encourager les attardés qui se complairaient en- 306 Um Parecer de Coelho Neto core dans ce que J. J. Weiss – un libre esprit, j’imagine, et se lettré de race – appelait ‘la litté- rature brutale’. L’Académie confiance que les jeunes générations entendront son appel et se plieront avec allegresse à ses exigences”. Os romances dos grupos 2, 3 e 4, bem conduzidos no assunto e dialogados com propriedade, merecem ser citados, ainda que quase todos se ressintam de senões na linguagem. Não incorrem em tal censura O Embaixador Fagundes e A Casa dos Azulejos, de Papi Júnior, escritor cujo mérito já foi proclamado por esta Academia quando lhe conferiu um dos seus prêmios. Pena é que Carlos Eduardo tanto se haja alongado e até repetido em áridas descrições, tornando fastidiosa Maldita Esfinge. Há em tal autor qualidades que nos anunciam um bom romancista e sê-lo-á quando se não enlevar tanto na pintura, ampliando demasiadamente os cenários, com prejuízo das figuras, que neles se amesquinham. Volúpia Maternal é um livro simples, desataviado, es- crito com singeleza e muita naturalidade. Obra doméstica, toda de ternura. Dos romances reunidos no 5.o grupo, já, em começo, dissemos o bastante. Concluindo, propomos ao prêmio Terras sem Dono e menção honrosa a A Estrela de Absinto, A Tortura da Carne e Praga de Amor, deixando de distinguir com a mesma menção os três outros do 2.o grupo, por não nos permitir o regimento. Rio de Janeiro, 7 de fevereiro de 1929. COELHO NETTO, relator. LUIS CARLOS. FERNANDO MAGALHÃES. 307 João do Rio Arquivo ABL Guardados da Memória João do Rio* Luís Edmundo Terceiro ocupante da Cadeira 33 na Academia Brasileira de Letras. stá cheio o Café. O burbourinho é enorme. E Chega João do Rio, que ainda não é o cavalheiro “smart” dos tempos áureos das edições do Garnier, mas um simples repórter da Gazeta de Notícias, com o seu veston modesto, as suas botas cambaias e aquele chapéu de coco que está na caricatura do Gil. Já traz, no entanto, espetado ao canto do olho míope, o monócu- lo de cristal, mostra polainas, e, no lábio grosso e bambo, o indefec- tível charuto. É expansivo, é alegre, é cortês, é sociável. Entra no Café sorrindo, saudando a todos. E todos lhe respondem, com sorrisos... Cortesias hipócritas! No fundo, João do Rio não tem amigos. Todos o ata- cam. Todos o detestam. Todos. Negam-lhe tudo, a começar pelo ta- lento que, sem favor algum, é o mais robusto e o mais fecundo entre os da sua geração. Ele passa e ouve-se que sussurram: * EDMUNDO,Luís.O Rio de Janeiro do meu Tempo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938, 2.o vol., pp. 590-592. João do Rio 309 Luís Edmundo – É uma besta! – Não tem gramática. – Lê e não digere. – Vive a pastichar os escritores franceses. Só? Não. Vão-lhe à vida privada. Atacam-lhe a honra. Atacam-lhe a honra. Afundam-no na lama! – Pois não sabias? Ora essa! Uma coisa que todo o mundo sabe! E ele sorri, no entanto, superior e displicente, a todas essas misérias e torpe- zas, com um sorriso que nos faz mal, porque é o sorriso falso e procurado, um sorriso de máscara, como que feito de papelão ou de pano... Sente-se nele o homem que, se sorri, é apenas para que se veja e se diga que ele está sorrindo... E sofre com isso? Dizem que sim, que sofre. E as razões de tanta maldade? João do Rio vive, com a sua pena, a semear ventos. Colhe, naturalmente, tem- pestades... No fim da vida muda um pouco, sentindo, em torno, a muralha alta e fria de prevenções, das suspeitas e dos rancores. Procura alguns afetos..
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