A Fábrica De Cartuchos Do Realengo (1898 - 1977)

A Fábrica De Cartuchos Do Realengo (1898 - 1977)

Revista Digital Simonsen 47 Como citar: VIANA, Claudis Gomes de Aragão. A Fábrica de cartuchos do Realengo (1898 - 1977). In: Revista Digital Simonsen. Rio de Janeiro, n.4, Jun. 2016. Disponível em: <www.simonsen.br/revistasimonsen> História A FÁBRICA DE CARTUCHOS DO REALENGO (1898 - 1977) Por: Claudius Gomes de Aragão Viana 1 Resumo: Este artigo narra a criação, a organização e o funcionamento da Fábrica de Cartuchos do Realengo, estabelecimento subordinado ao antigo Ministério da Guerra, que entre os anos de 1898 e 1977 esteve sediada no bairro de Realengo, subúrbio da Zona Oeste do município do Rio de Janeiro. Mantida sob administração militar, a fábrica foi criada, no final do século XIX, para produzir pólvora e cartuchos de pequeno calibre para o uso do Exército. Em 1899, ocorreu sua fusão com o Laboratório Pirotécnico do Campinho, quando passou a ser denominada Fábrica de Cartuchos e Artifícios de Guerra. Sucessivamente, essa denominação foi alterada para Fábrica de Cartuchos e Artefactos de Guerra (1911), Fábrica de Cartuchos de Infantaria (1933) e, finalmente, Fábrica do Realengo (1939). Introdução destacar que após a extinção da fábrica suas abe, inicialmente, uma explicação áreas permaneceram abandonadas durante sobre a pertinência do tema. Os quase três décadas, sofrendo um processo de C projetos de criação e funcionamento deterioração que atingiu seu patrimônio da Fábrica do Realengo ilustram objetivos e material e, consequentemente, sua memória projetos militares e políticos dos períodos histórica. Recentemente, parte das antigas imperial e republicano, refletindo ideais de instalações foi restaurada a fim de abrigar unidades escolares federais e estaduais, e a progresso e modernidade propostos para o Exército, e, por extensão, para a sociedade recuperação desse patrimônio, bem como seus brasileira naqueles períodos. Cabe também novos usos, torna relevante a apresentação de estudos que registrem de maneira sistemática 1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - Fundação Getúlio Vargas (PPHPBC-CPDOC-FGV). E-mail: <[email protected]>. Revista Digital Simonsen 48 os quase oitenta anos pregressos de sua história mais importante desses estabelecimentos. pouco explorada. Como objetivo secundário, Fundado em 1764, foi instalado junto à Casa desejamos que os elementos históricos aqui do Trem de Artilharia, na Ponta do apresentados possam subsidiar futuras análises Calabouço, região próxima à atual praça críticas do papel da Fábrica do Realengo no Mauá, em um prédio construído originalmente desenvolvimento da indústria bélica nacional. para abrigar material militar e que hoje faz Desejamos ainda, agora no contexto de suas parte do conjunto arquitetônico que constitui o relações com a sociedade local, que as Museu Histórico Nacional. informações ora oferecidas possam chegar ao Após a chegada da Corte Portuguesa, conhecimento dos novos atores - alunos, em 1808, foi anexada ao Arsenal de Guerra a mestres e funcionários - que atualmente Real Fábrica de Pólvora2, estabelecida no ocupam os espaços da antiga fábrica e recriam engenho de cana de açúcar de Rodrigo de a função social desse espaço. Freitas, nas proximidades da lagoa de mesmo nome, em área pertencente atualmente ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Em 1832, Primórdios a fábrica foi desligada da administração do Desde o século XVIII já funcionavam arsenal3 e transferida para os arredores da serra no Brasil estabelecimentos destinados à da Estrela, na região ocupada pelas fazendas fabricação de pólvora e artefatos bélicos. No Cordoaria, Mandioca e do Velasco, cujas terras Rio de Janeiro, o Arsenal de Guerra da Corte, foram desapropriadas e incorporadas aos bens a Real Fábrica de Pólvora, a Fábrica de Armas da Fazenda Nacional, mediante indenização de da Conceição e o Laboratório Pirotécnico do 12:857$240 ao seu proprietário, o coronel de Campinho foram exemplos de instituições milícias João Antonio da Silveira Albernaz4. dessa natureza, antecedentes da criação da Chamado posteriormente de Fábrica da Fábrica de Cartuchos do Realengo. Estrela, o estabelecimento funcionou nesse O Arsenal de Guerra da Corte, criado ainda durante o período colonial, era talvez o 2 Legislação relacionada: posse do engenho e terras denominadas da Lagoa - Decreto de 13 de maio de 1808. Cria uma fábrica de Rodrigo de Freitas. pólvora nesta cidade. - Decreto de 20 de setembro de 1808. Arbitra os - Decreto de 13 de junho de 1808. Manda contrair um ordenados do tesoureiro e escrivão da Real Fábrica empréstimo para estabelecimento da fábrica de de Pólvora. pólvora. 3 Decreto de 21 de fevereiro de 1832. Dá Regulamentos - Decreto de 13 de junho de 1808. Manda incorporar para o Arsenal de Guerra da Corte, Fábrica da Pólvora aos próprios da Coroa o engenho e terras da Lagoa da Estrela, Arsenais de Guerra e Armazéns de depósitos de Rodrigo de Freitas. de artigos bélicos. - Decreto de 13 de junho de 1808. Manda tomar 4 Decreto de 22 de setembro de 1825. Manda Revista Digital Simonsen 49 local até meados da década de 1970, quando criação oficial data de 18606, mas o laboratório foi desativado. já funcionava em caráter experimental desde A Fábrica de Armas do Rio de Janeiro, 1852. Foi instalado na antiga fortaleza de depois conhecida como Fábrica de Armas da Nossa Senhora da Conceição do Campinho, Conceição, foi criada em 1769, a partir de uma adaptada em 1861 para a fabricação de oficina de armeiros, e instalada nas munições e artefatos pirotécnicos, com a dependências da antiga fortaleza do morro da edificação de prédios e a instalação de 7 Conceição, no centro da cidade. Em 1811 foi encanamentos de água . Em 1865 suas posta sob a jurisdição do Arsenal de Guerra da instalações foram ampliadas, sendo adquiridas novas máquinas para atender ao aumento de Corte, sendo fechada em 1831 e reaberta em 1844. Apesar do título de “fábrica”, a produção demandado pela guerra contra o instituição nada fabricava, pois não estava Paraguai. Em 1868, as obras de ampliação aparelhada para isso (Figueira, 2001); apenas continuaram e o laboratório recebeu, entre se dedicava aos trabalhos de conserto e reparos outras melhorias, um ramal ferroviário e uma de material portátil. Mesmo assim, os trabalhos estação telegráfica. Nele trabalhavam, no final da instituição tiveram alguma relevância da década de 1860, entre quatrocentos e durante a guerra do Paraguai, destacando-se a quinhentos empregados, número que foi produção de armas brancas. A fábrica foi consideravelmente reduzido ao término do conflito com o Paraguai8. O laboratório se extinta em 1892, e suas funções foram 9 incorporadas como oficina do Arsenal de separou do arsenal em 1872 e foi extinto em Guerra, do qual passou a constituir a 3ª Seção5. 1900, quando seus serviços foram Em 1899, foi definitivamente removida para incorporados à Fábrica de Cartuchos do São Cristóvão, onde havia sido construída uma Realengo. nova sede para o arsenal. Na época da sua fundação, o Arsenal de O Laboratório Pirotécnico do Guerra tinha a função de prestar serviços e Campinho também constituía uma fabricar objetos relacionados aos materiais de dependência do Arsenal de Guerra. Sua guerra. Mas a deficiência das manufaturas desapropriar a fazenda denominada - Cordoaria - para 1.114, de 27 de setembro de 1860. Fixa a despesa e orça ser nela edificada a nova fábrica de pólvora. a receita para o exercício de 1861/1862, aprovando a 5 Relatório do Ministro da Guerra Francisco Antônio de Moura, criação do laboratório. 1892, p. 35. 7 Relatório do Ministro da Guerra Luis Alves de Lima e Silva, 1861, p. 6. 5 Decreto nº 5.118, de 19 de outubro de 1872. Aprova o 8 Relatório do Ministro da Guerra José Maria da Silva Paranhos, 1870, p. regulamento que reorganiza os arsenais de guerra do 22. Império. 9 Decreto nº 5.118, de 19 de outubro de 1872. Aprova o 6 Regulamento para o Laboratório do Campinho, de 28 Regulamento que reorganiza os Arsenais de Guerra do de fevereiro de 1861, organizado em virtude da Lei nº Império. Revista Digital Simonsen 50 particulares nacionais - herança da restrição estabelecimento a ressentir-se da falta de portuguesa ao estabelecimento de acomodações adequadas. 10 estabelecimentos fabris na colônia - havia Em 1873, as instalações da Ponta do motivado a criação, junto a ele, de oficinas que Calabouço foram consideradas "acanhadas", prestavam trabalhos diversificados. Nelas sendo projetadas as obras de um novo edifício deveriam ser fabricadas peças bélicas, como que deveria ser erguido no Realengo do reparos de ferro para canhões, coronhas, Campo Grande12. Para sua execução, foram espingardas e correias para equipamentos apresentados dois projetos: o primeiro militares, mas, além disso, era prestada uma organizado pela Diretoria de Obras Militares, grande diversidade de outros serviços: com previsão de custo de 1.751:003$945, e o carpintaria, torneiro, serralheria, sapataria, segundo por um grupo presidido pelo alfaiataria e outros, muitas vezes desviados das brigadeiro Galdino Justiniano da Silva finalidades militares. O arsenal também fazia Pimentel, orçado em 839:359$455. Designada vezes de instituição de ensino, abrigando uma uma comissão para informar qual deveria ter a Companhia de Aprendizes Artífices composta preferência para construção, decidiu-se pelo por crianças abandonadas na Santa Casa da primeiro. Segundo os planos originais, os Misericórdia, órfãos e filhos de pais pobres. Na edifícios do novo arsenal deveriam ocupar "um década de 1830, seu regulamento determinava retângulo de 366 metros de frente por 480 que o número desses aprendizes não passasse metros de fundo, com espaçosas acomodações de 100, mas em 1870 havia cerca de 250 que ocupariam uma área de 175.680 metros menores internos. Aos alunos eram ensinadas quadrados na região"13. A estrada de ferro D. técnicas de fabricação de materiais, além de Pedro II, que tornava fácil a comunicação de primeiras letras, desenho, geometria e música. Realengo com a região central da cidade, foi No mesmo edifício, funcionava ainda a considerada como um dos fatores de decisão 11 Diretoria da Intendência de Guerra , e esse para a escolha do local do novo edifício14.

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