Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação ¡No contaban con su astucia! 1 Arlindo Machado 2 Resumo: El Chavo del Ocho foi o programa latino-americano de maior sucesso em todo o mundo. Foi também o mais inexplicável fenômeno de marketing em televisão: atinge todo tipo de público e funciona bem em qualquer horário da grade de programação. Chegou a desbancar a audiência de telenovelas e telejornais caríssimos, de redes poderosas. Apesar da infantilidade de seus personagens, da simplicidade de seus cenários e situações, da pobreza de sua produção, ele não é tão elementar como parece à primeira vista. Ele aponta para problemas graves do continente, como a marginalidade, o desemprego, o abandono, a solidão, a dura vida nos inquilinatos, os meninos de rua etc. A base de seu humor e de seu sentido dramático está na inversão de valores, ou na ambigüidade de sentido: meninos que na verdade são adultos disfarçados, adultos que agem como meninos, mulheres que se comportam como homens e vice-versa. Também inventou uma oralidade nova em televisão, que se tornou referência em toda a América Latina. Enfim, El Chavo é um fenômeno de televisão sem equivalente em nenhum lugar e que, por essa razão, merece análise. Palavras-Chave: Chavo del Ocho. Televisão latino-americana. Antropologia da vizinhança. Tinha tudo para ser um fracasso retumbante. Era um programa precário, artesanal, barato demais e todos os seus elementos técnicos e cenográficos, seus personagens e figurinos e inclusive seus libretos beirando o infantil pareciam ter sido desenhados de propósito para ser o maior desastre da história da televisão. No entanto, El Chavo del Ocho3 foi o programa latino-americano de maior sucesso no mundo. Ficou 25 anos no ar (um recorde em termos de América Latina), muitas vezes desbancando a audiência de telenovelas e telejornais caríssimos e de redes consagradas. E mais: até hoje segue sendo reprisado com êxito, mesmo considerando que a maioria de sua audiência já conhece todas as histórias. Trata-se de um fenômeno comercial raro para um programa latino-americano. Em 1975, cinco anos depois do seu surgimento, ele já atingia 60 pontos no rating, um recorde para a época no México. Foi dublado para mais de 50 idiomas e 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estudos de Televisão do XX Encontro da Compós, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, de 14 a 17 de junho de 2011. Agradeço a colaboração de Marta Lucía Velez (Universidade de Caldas, Manizales, Colômbia) pela leitura crítica do texto, sugestões para a construção das idéias e auxílio na tradução dos diálogos em espanhol. 2 Professor da ECA/USP e da PUC-SP, doutor, [email protected]. 3 No Brasil conhecido como Chaves. Programa emitido primeiro pela TIM TV e depois pela Televisa (México) de 1970 a 1995, com libreto de Roberto Gómez Bolaños e direção de Enrique Segoviano. www.compos.org.br 1 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação visto em países tão longínquos como a China, Japão, Coréia do Sul, Tailândia, Marrocos, Angola, Rússia, Arábia Saudita e Índia, sem falar de seu êxito espantoso em todos os países da América Latina e em alguns da Europa (Grécia e Itália, sobretudo). Nos anos de maior sucesso, o programa foi visto por cerca de 350 milhões de pessoas por semana. Hoje se pode encontrar na internet mais de 500 sites dedicados ao Chavo del Ocho, com uma comunidade de freqüentadores de mais de cem mil pessoas. Alguns autores (por exemplo, JOLY et alii, 2005: 25) comentam que, quando o Chavo não era ainda muito conhecido no exterior, o empresário brasileiro Sílvio Santos comprou um lote de telenovelas da Televisa, mas, na época, a empresa mexicana incluía no lote El Chavo del Ocho (além do Chapulín Colorado, já um sucesso no México), para forçar a difusão. O pacote era barato (em termos de custos televisivos), mas a regra era que todos os programas deveriam ser exibidos. Temeroso do fracasso do programa, Santos convocou um time de especialistas de sua rede de televisão para que opinassem sobre a possibilidade de colocá-lo no ar. Todos foram unânimes em dizer que não e que aquilo desmoralizaria a imagem da rede. Ainda assim, o empresário se arriscou, para cumprir o contrato, colocou-o no ar em 1984 e imediatamente o programa se tornou o maior êxito da rede SBT brasileira, sem que ninguém conseguisse explicar a razão desse azarão que deu certo. Ao todo, foram produzidos 420 episódios nos 25 anos de vida do programa (o roteirista, produtor e ator Bolaños fez mais de 1.300 episódios, incluindo os seus outros personagens) e se calcula que cada episódio foi exibido em média 40 vezes nos países onde fez maior sucesso. Quando o último capítulo foi para o ar, em 1995, Bolaños, o ator que interpreta Chavo, já estava com 70 anos! O mentor intelectual de Chavo, Roberto Bolaños, é mais conhecido no México pelo apelido de Chespirito, que é uma corruptela mexicanizada de Shakespeare (na verdade, é um diminutivo de Shakespeare, um “Shakespearzinho”, devido à baixa estatura de Bolaños e também ao fato dele não estar à altura do original). Inicialmente, ele mantinha no canal 8 (TIM, Televisión Independiente de México) um programa que se chamava justamente Chespirito, onde interpretava vários personagens em sketches separados (a maioria inspirada no célebre ator mexicano Cantinflas), entre os quais o Chapulín Colorado e o Chavo del Ocho, sketches estes que, devido ao seu maior sucesso, acabaram virando programas independentes4. Enquanto estava vinculado a Chespirito, Chavo contracenava apenas com 4 Na verdade, em 1968, o canal TIM passou a apresentar o programa Los Supergenios de la Mesa Cuadrada, dirigido por Sergio Peña e Enrique Segoviano, com roteiro e interpretação de Roberto Bolaños. Era uma paródia dos talk www.compos.org.br 2 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Maria Antonieta de las Nieves, a Chilindrina5. Os outros personagens foram aparecendo aos poucos, sobretudo a partir da independência do programa. Chavo, em gíria mexicana, é uma abreviatura de chaval6, que também se poderia dizer chamo, chico ou jovencito. Na verdade, os mexicanos (como outros povos da América Latina e Caribe) denominam chavo a moeda de menor valor (dez centavos) do país e, portanto, o termo está associado à ruína econômica (Estoy sin un chavo, dizem os falantes de espanhol quando estão na miséria7), mas também ele é utilizado como metáfora para designar os pivetes do mesmo tamanho e valor da moeda, ou seja, os moleques de rua. O “del Ocho” se refere ao primeiro canal que transmitiu o programa (canal 8, TV TIM), mas em 1973 esse canal foi comprado pela Televisa (Televisión Vía Satélite) e a maioria dos seus programas migraram para esta última empresa. No entanto, devido à imagem já fixada na cabeça dos espectadores, a Televisa preferiu conservar o “del ocho”, apesar desse canal não existir mais. No Diário de Chavo, escrito evidentemente por Bolaños (2005), o autor prefere dar uma explicação mais poética: ele diz que Chavo se referia a ele mesmo como “del ocho” porque ele sempre teve oito anos. De fato, ao longo dos 25 anos do programa, todos os personagens têm sempre a mesma idade e Don Ramón8, que nunca paga o aluguel de seu cubículo, tem sempre o mesmo valor de dívida para com o proprietário; é como se o tempo estivesse paralisado. Prevendo que muitos o contestariam dizendo que, nesse caso, seria chavo de los ocho e não chavo del ocho, Bolaños já se antecipa explicando que Chavo foi criado na rua e falava mal o espanhol. Em outro contexto, no mesmo Diário, Bolaños diz que Chavo se chamava “del ocho” porque originalmente morava na casa número oito, amparado por uma velhinha que se apiedou dele. Com a morte da velhinha, ele foi colocado fora do “oito” e teve de refugiar-se num barril que havia no pátio, mas continuou mantendo o alcunha de Chavo del Ocho. A verdade é que com a migração de Chavo del Ocho para um canal com interesses globais e neoliberais, as coisas mudaram um pouco. Os shows e dos programas de entrevistas, onde uma apresentadora estúpida – a depois chamada Chilindrina (vide nota abaixo) – entrevistava pseudo-experts em vários assuntos. Ali começam a aparecer os primeiros personagens de El Chavo del Ocho, como a própria Chilindrina e o Professor Jirafales. Chavo e Don Ramón vão aparecer posteriormente no programa Chespirito. 5 No Brasil, a Chilindrina passou a se chamar Chiquinha. 6 Em português, seria o equivalente a pivete, pirralho, moleque, guri ou coisa assim. 7 Muito significativamente, o peso cubano (a moeda), de valor irrisório, é chamado pelos locais de chavito. 8 No Brasil, ele recebeu o nome de Senhor Madruga, provavelmente devido ao fato de ele acordar sempre muito tarde, para não ter de trabalhar. O curioso é que Chavo, com seu espanhol precário, não consegue nunca dizer Don Ramón, mas sempre o chama de Ron Damón (não esquecer que, em espanhol, ron é rum, bebida em que o Senhor Madruga sempre foi meio chegado). www.compos.org.br 3 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação figurinos foram ligeiramente modificados, o cenário higienizado e os personagens perderam suas arestas mais violentas ou cruéis. O que mais impressiona em El Chavo del Ocho é a indefinição de seu público. Inicialmente, parecia um programa infantil embutido dentro de um programa para adultos (Chespirito). Os atores eram todos adultos, mas uma boa parte deles (inclusive Bolaños) fazia o papel de criança. Logo os programadores da Televisa se deram conta de que o programa seduzia também o público adulto.
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