Discursos Sobre Identidades Culturais No Cinema Brasileiro Dos Anos 90 Revista FAMECOS: Mídia, Cultura E Tecnologia, Núm

Discursos Sobre Identidades Culturais No Cinema Brasileiro Dos Anos 90 Revista FAMECOS: Mídia, Cultura E Tecnologia, Núm

Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia ISSN: 1415-0549 [email protected] Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Brasil de Souza Rossini, Miriam O cinema da busca: discursos sobre identidades culturais no cinema brasileiro dos anos 90 Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, núm. 27, agosto, 2005, pp. 96-104 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=495550183011 Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto MÍDIA E REPRESENTAÇÃO O cinema da busca: discursos sobre identidades culturais no cinema brasileiro 1 dos anos 90 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO, atualmente, são importantes mediadores de representações RESUMO que perpassam o social, e que, com isso, A proposta deste artigo é analisar o cinema como mediador ajudam a produzir discursos em torno da de representações em torno das identidades culturais de um identidade cultural de um grupo. Dentro grupo. A partir de aportes teóricos de autores como Stuart destes meios, os audiovisuais são os mais Hall e Manuel Castells se procurará fazer um estudo de caso comumente consumidos, daí a necessidade centrado em dois filmes brasileiros, produzidos durante os de refletir sobre os discursos identitários anos 90: Terra Estrangeira, 1995, de Walter Salles e Daniela que perpassam estes meios. A representa- Thomas, e Central do Brasil, 1997, de Walter Salles, que desde ção, aqui, vai ser compreendida a partir de os títulos apontam para uma discussão em torno das ques- Roger Chartier (1990), quando diz que ela tões de representações das identidades culturais brasileira. articula o mundo social com as “práticas que visam a fazer reconhecer uma identida- ABSTRACT de social, exibir uma maneira própria de Following Stuart Hall´s and Manuel Castells´ work, this estar no mundo, significar simbolicamente article examines Terra Estrangeira (1995) and Central do um estatuto e uma posição” (1990: 23). Já a Brasil (1997) as representations of cultural identities. identidade cultural será tensionada a partir de Stuart Hall (2000) e de Manuel Castells PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) (1999). Para Castells, identidade é “o pro- - Cinema brasileiro (Brazilian Cinema) cesso de construção de significado com - Representações (representations) base em um atributo cultural, ou ainda em - Identidade (identity) um conjunto de atributos culturais inter-re- lacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) so- bre as outras fontes de significado” (1999: 22). Ao conceito de identidade estão associ- adas as representações verbais e não-ver- bais através das quais nos damos a conhe- cer. Já Hall fala em identidade como algo em constante mutação, pois, como ele ex- plica, conforme as necessidades internas do grupo se transformam (e, poderíamos tam- bém dizer, se enfrentam), o discurso em torno da identidade também sofre altera- ções, atualizações, transformações, ou res- gates. Daí Hall preferir falar em identifica- ção e não em identidade. Este processo de Miriam de Souza Rossini suturação, que articula o grupo, opera, se- UNISINOS gundo ele, por meio da différance, que “en- 96 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral volve um trabalho discursivo, o fechamen- a favela, com isso flagrando a grande trans- to e a demarcação de fronteiras simbólicas, formação que se operava no Brasil após os a produção de efeitos de fronteiras” (2000: anos 20. 106). Segundo o próprio Mauro, O cinema, enquanto produtor de dis- cursos que ajudam a dar visibilidade às re- o cinema brasileiro entre nós terá que presentações sociais em torno das identida- nascer do meio brasileiro, com todos des culturais, nos permite compreender os seus defeitos, qualidades e ridícu- tanto os enfrentamentos quanto as perma- los, com a marcha precária e contin- nências e as mudanças presentes no campo gente de todas as indústrias que flo- social. Sendo o cinema um meio que articu- rescem traduzindo as necessidades re- la discursos verbais e imagéticos, vamos ais do ambiente em que se formam trabalhar com estes dois níveis discursivos, (Mauro apud Souza, 1987: 114) . trazendo para este artigo aportes da análise fílmica, em especial com base em Jacques Para ele, nosso cinema devia ser uma Aumont (1995). Para este autor, o filme representação fiel do que somos e deseja- deve ser pensado como representação visu- mos ser. No entanto, o Brasil que Mauro al e sonora, que produz seus sentidos a queria mostrar não agradava nem ao públi- partir do cruzamento de vários elementos co e nem à crítica, pois, ao apontar a contra- como: o próprio enquadramento; a relação dição do processo de mudança, entrava em entre o campo e o fora de campo, compo- dissonância com a imagem de Brasil novo e nentes do espaço fílmico; a articulação in- moderno que se construía. Esse foi um dos terna das cenas, e destas com o filme como motivos pelos quais seus filmes ficaram um todo, bem como com o trabalho sonoro praticamente esquecidos durante muito do filme, que pode, inclusive, contrapor-se tempo. Foram necessárias quase quatro dé- ao sentido do que é visto ou verbalizado. cadas para que o projeto modernizante, ini- Compreender o filme, portanto, como um ciado durante o governo de Getúlio Vargas produto social que opera seus sentidos a e intensificado nos anos 50, deixasse entre- partir de características próprias da técnica ver seus custos, bem como a distância entre cinematográfica é importante para a análise o discurso oficial e a realidade, o que foi que se segue. marcado em vários debates da época, No cinema brasileiro, a discussão em como, por exemplo, aqueles mantidos pelo torno da representação da identidade cul- ISEB e pelo CPC. tural é antiga, pois o nosso é o cinema da Também no plano cinematográfico, busca: do público, das verbas, do reconhe- buscavam-se alternativas a projetos de pro- cimento, de uma linguagem própria, de dutoras como a Atlântida e a Vera Cruz, uma identificação com o país. O mineiro considerados falidos e/ou alienados, den- Humberto Mauro é considerado o pai-fun- tro daqueles debates citados. Um filme dador do cinema nacional e o inaugurador como Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos oficial deste debate em torno da identidade Santos, com sua influência neo-realista, traz cultural brasileira. Seus primeiros filmes, algo de novo ao cenário cinematográfico que retratavam o cotidiano dos brasileiros, brasileiro, pois aponta, justamente, para a já deixavam entrever o confronto entre o contradição de um processo de moderniza- país rico e o país pobre; entre o país indus- ção que não abarca a todos. É dentro deste trializado e urbano e o país agrário e rural; cenário que os jovens cineastas dos anos entre a busca pelo moderno e a manuten- 50/60, também marcados pelos debates ção do tradicional. Os personagens de isebiano e do CPC, resgataram Humberto Mauro transitavam por espaços pouco uti- Mauro, tornando-o um marco para o início lizados até então, como as fábricas, a rua e do cinema nacional, realmente preocupado Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 27 • agosto 2005 • quadrimestral 97 com questões de representação do nacional ra. Daí o interesse pela questão da identi- na tela (Ramos, 1983). Os cineastas dos dade e a retomada de Humberto Mauro. anos 60/70 buscavam novos olhares que Este cinema de ação e de renovação estética indicassem uma outra possibilidade de in- deixou várias marcas no cinema brasileiro, terpretação da realidade brasileira, e, nova- das quais gostaria de destacar duas, impor- mente, o confronto entre os binômios que tantes para este trabalho. Primeiro, embora se destacam nos filmes de Mauro voltou à os cinema-novistas buscassem representar tona, pois se apresentavam como a melhor uma identidade brasileira, os discursos que possibilidade de se entender (e de se repre- eles produziram em torno dessa identida- sentar) o Brasil. Glauber Rocha, em seu li- de foram vários e conflitantes. Segundo, a vro Revisão crítica do cinema brasileiro (2002), imponência retórica e estética destes filmes afirma que Humberto Mauro é o elo inicial foi muito grande, projetando o cinema bra- do realismo crítico no cinema brasileiro. sileiro para vários outros países, e deixan- No entanto, embora os cinema-novistas do para os cineastas posteriores uma espé- buscassem produzir uma visão revolucio- cie de trilha a ser seguida, ou contestada, nária, desalienante sobre o Brasil, seus fil- mas nunca ignorada. mes acabaram sendo marcados pela busca Discursos sobre a pobreza e a impos- utópica de um mito fundador da nação, em sibilidade de se construir uma nação mo- razão da própria discussão teórica que derna passaram a fazer parte do discurso abraçavam, e que opunha ricos e pobres; do cinema nacional, e desde então eles não dominados e dominantes; invasores e inva- saíram mais de moda. A década de 90, po- didos; interno e externo; nacional e cosmo- rém, irá retomar esse discurso de uma for- polita. ma mais insistente, devido a uma nova Segundo Ruy Gardnier, conjuntura interna e externa, e que de uma certa forma ajuda a repor os debates dos o Cinema Novo tem uma relação de anos 50/60. Em 1990, o presidente Fernan- dupla opressão com o mito fundador: do Collor de Mello fechou a Embrafilme, de uma parte ele precisa tentar cassar levando a classe cinematográfica brasileira o mito (herança do populismo), e de a uma crise, pois sem apoio governamental outra ele precisa se comportar como a atividade não conseguia se sustentar. As- criador de imaginário, o que resvala sim, os anos 90 foram palco de mais uma na mitificação. E esses mitos são qua- crise para o cinema brasileiro: a produção se sempre os mesmos: fazer do povo caiu praticamente a zero; o público perdeu o elemento dinâmico do sistema, mos- o interesse por filmes em geral mal-acaba- trando a passagem da ignorância à to- dos; não havia financiadores interessados mada de consciência (populismo de em apoiar esta empreitada, que raramente esquerda) e recorrer às imagens de dava sequer retorno de marketing.

View Full Text

Details

  • File Type
    pdf
  • Upload Time
    -
  • Content Languages
    English
  • Upload User
    Anonymous/Not logged-in
  • File Pages
    10 Page
  • File Size
    -

Download

Channel Download Status
Express Download Enable

Copyright

We respect the copyrights and intellectual property rights of all users. All uploaded documents are either original works of the uploader or authorized works of the rightful owners.

  • Not to be reproduced or distributed without explicit permission.
  • Not used for commercial purposes outside of approved use cases.
  • Not used to infringe on the rights of the original creators.
  • If you believe any content infringes your copyright, please contact us immediately.

Support

For help with questions, suggestions, or problems, please contact us