GT – 20 RITUAIS, REPRESENTAÇÕES E NARRATIVAS POLÍTICAS Título: Disputa política, luta simbólica no PSDB Autora: Maria Auxiliadora Lemenhe Resumo: Trato de desvendar algumas das formas de manifestação dos conflitos que emergiram entre diferentes segmentos do PSDB a propósito da indicação do candidato do partido à presidência da República nas eleições de 2002. Busco sobretudo analisar as representações construídas por cada um dos contendores sobre si mesmos e sobre o adversário. Parto da idéia de que as representações configuram-se, neste caso, como estratégias de legitimação dos sujeitos em torno dos quais se estruturam as disputas. A observação dos fenômenos políticos tomados como objeto de estudo abrange um curto período de tempo, balizado entre outubro de 2001 e fevereiro de 2002. O ponto inicial é expressivo da agudização e publicização das contendas entre Serra e Jereissati. O momento final assinala as ações implementadas pelas lideranças do PSDB tendo em vista a acomodação das dissensões internas ao partido. Introdução Em 24 de fevereiro deste ano, um domingo, o PSDB promoveu em Brasília, um grande evento como há muito não fazia. Síntese de comício de campanha e de festa de confraternização, o evento tinha como finalidade consagrar, em uma pré-convenção, o senador José Serra como candidato do Partido à presidência da República. A pompa do mesmo pode ser dimensionada pela estimativa de seu custo – 60 mil reais – e pelo enorme “Cartaz do Serra”1, que cobriu quase toda a extensão de uma das paredes externas do hotel onde se realizou o evento (FSP, 25/02/2002). Registram matérias de jornal que compareceram à cerimônia 2.500 militantes, os cinco governadores vinculados ao Partido, ministros, senadores e deputados. Ausente, o Presidente da República – na ocasião em vista à Polônia – fez-se presente através de mensagem na qual apresenta seu apoio nominal ao candidato: confio em José Serra porque o tenho como amigo, um companheiro de lutas e vejo nele as qualidades indispensáveis para dirigir o país. Quanto a seu Partido, exorta-o para o dever de oferecer ao País uma nova proposta de governo que signifique continuidade sem mesmice e manifesta a esperança de que tenham todos humildade e 1 competência para manter a aliança que vem dando sustentação ao governo (O Povo, 25/02/2002). A realização de uma pré-convenção para consagrar candidatos é uma prática corriqueira tendo em vista sua institucionalização no conjunto dos processos democráticos formais no País. Mas esta, particularmente, é expressiva de algo mais: a pretendida união do PSDB em torno de uma candidatura. A este respeito, a foto ilustrativa da matéria do Jornal Folha de São Paulo (25/02/2002) que divulgou o evento, é eloqüente. Vê-se nela José Serra e Tasso Jereissati igualados em suas camisas azuis de quase mesmo tom, de mangas longas e do mesmo modo dobradas. Os braços levantados em posição de vitória, tocando um ao outro, são soldados por mãos que se entrelaçam. O contorno das bocas sugere que ambos cantam o mesmo canto. Se a imagem visual traz a idéia de uma união sem reticências, o mesmo não ocorre no plano da retórica construída por Tasso Jereissati e José Serra. O primeiro, em um curto discurso, expressa sua contrariedade com o segundo e com o presidente da República por constrangê-lo a desistir de disputar a condição de candidato do Partido às eleições presidenciais. Ainda, omite qualquer expressão que sugira seu apoio a Serra e restringe sua fala para declarar-se comprometido com a continuidade do projeto definitivo de colocação do Brasil entre os países desenvolvidos e modernos idealizado e implementado pelo PSBD, desde 1994 e hoje em perigo: nenhum projeto pessoal pode comprometer esse projeto. Serra, por sua vez, também não oculta as divergências. Falando de maneira pueril e até inusitada – tendo-se em vista o contexto e as representações correntes sobre o “estilo” do candidato (expressas pelos termos “intelectual” “formal”, “sisudo”, “antipático”) – desvenda a disputa no interior do PSDB e sua pretensa unidade. Há um ditado que diz: quando um não quer, dois não brigam. Mas no nosso caso, nós podemos dizer que, quando dois não querem, não só não brigam, como também vão andar juntos dentro da luta política e social. A linguagem pueril traz à tona marcas das dissensões travadas no interior do PSDB em tempos que precederam o ato de lançamento da pré- candidatura de José Serra à Presidência da República. Nas páginas seguintes busco desvendar algumas das formas de manifestação dos conflitos que emergiram recentemente entre diferentes segmentos do PSDB a propósito da 2 indicação do candidato que disputará a Presidência da República nas eleições de 2002. Tal objetivo envolve a identificação dos principais personagens envolvidos, o desvendamento das várias estratégias de legitimação construídas pelos adversários principais e segmentos que se constituíram em torno dos mesmos e, por fim, as estratégias mobilizadas pelo presidente da República tendo em vista promover a assim dita “unidade partidária”. Alguns esclarecimentos de ordem metodológica são necessários. A observação dos fenômenos políticos tomados como objeto de estudo abrange um curto período de tempo, balizado entre outubro de 2001 e fevereiro de 2002. O ponto inicial é expressivo da agudização e publicização das contendas entre Serra e Jereissati. O momento final assinala as ações implementadas pelas lideranças tendo em vista a acomodação das dissensões internas ao PSDB, simbolizada na convenção acima descrita. Vali-me fundamentalmente de informações veiculadas pelos jornais Folha de São Paulo e Jornal O Povo, editado em Fortaleza. A leitura destes dois jornais me foi útil pela abundância de notícias publicadas relativas ao tema em estudo. Recorri também a uns poucos exemplares das revistas Veja e Primeira Leitura. Perfil dos oponentes Traço aqui uma breve biografia de Tasso Jereissati e José Serra destacando nelas aspectos da vida de ambos que permitem caracterizá-los como personagens políticos. Um leitor atento dos jornais do período tomado como referência para esta pesquisa poderia perguntar, e não sem razão, por que estou excluindo outros candidatos que foram anunciados também concorrentes ao posto de candidato do PSDB à presidência da República. É certo que vários são mencionados pelos meios de comunicação participantes da disputa: Pedro Malan (Ministro da Fazenda), Paulo Renato de Souza (Ministro da Educação), Dante de Oliveira (Governador de Goiás), Aécio Neves (Presidente da Câmara Federal). Sejam quais forem as razões específicas da dissolução das pretensões de um e de outro, parece-me razoável supor que esta diversidade de pretendentes resultaria menos de intenções pessoais de cada um 3 e de agrupamentos no interior do Partido, e mais do acirramento da disputa entre o Ministro da Saúde e o Governador do Ceará. São casos exemplares desta hipótese, Aécio Neves e Dante de Oliveira. * * * José Serra nasceu na cidade de São Paulo (1942) em uma família de classe média baixa2. O ingresso no curso de engenharia civil na USP (1960) enseja seu envolvimento ativo com o movimento estudantil universitário, pois é eleito presidente da União Nacional dos Estudantes (1962) e participa da Ação Popular, organização de esquerda de orientação católica catalizadora da energia política juvenil deste período. O golpe militar acaba por levá-lo ao Chile (1966), onde realiza curso na Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) e conclui mestrado em economia (1968) na Universidade do Chile. Entre 1973 e 1978 vive nos Estados Unidos, onde realiza cursos de pós-graduação e obtêm os título de mestre e doutor em economia na Universidade de Cornell e trabalha como pesquisador da Universidade de Princeton. Neste tempo mais distante da existência do candidato José Serra é quando tem início (e parece que se consolida) a amizade entre ele, Fernando Henrique Cardoso e sua esposa, a antropóloga Ruth Cardoso, que também residiram no Chile, onde o presidente foi professor e pesquisador na CEPAL. Regressando ao Brasil, José Serra foi professor da UNICAMP e publicou trabalhos (livros e artigos) sobre economia brasileira. Esta trajetória fundamenta sua reputação de intelectual dotado de competência superior no campo da ciência econômica, trunfo valioso na composição de seu capital político (Bourdieu, 1989). Vale dizer, oferece a Serra elementos para a auto-construção de uma imagem positiva de político capaz de exercer o cargo pretendido e ser, como tal, reconhecido no interior de seu partido e pelo eleitorado. A antiga relação de amizade que une Serra ao presidente da República (e os sentimentos via de regra mediam a amizade, tais como confiança recíproca, partilha de ideologias e valores) transposta para o campo político confere a Serra um diferencial inigualável de prestígio político e de recursos para ação como candidato a candidato dentro e fora do PSDB. 4 Observados os itens da carreira política vê-se José Serra ocupando diversos cargos não eletivos e obtendo sucessivas vitórias eleitorais, desde os anos de 1982 até hoje. Sofreu duas derrotas nas urnas, ambas quando concorreu (1988 e 1996) ao cargo de prefeito de São Paulo. Ao longo das décadas de 80 e 90 Serra foi: Secretario de Planejamento do Estado de São Paulo; eleito deputado federal pelo PMDB (1986); reeleito deputado federal pelo PSDB (1990) e ocupa por dois anos a liderança do PSDB na Câmara; eleito senador (1994) com 6,5 milhões de votos, coeficiente até então nunca atingido e até hoje não superado; nomeado Ministro do Planejamento e Orçamento (1995); nomeado Ministro da Saúde (1998), cargo que iria ocupar até fevereiro de 2002. Esta trajetória é sugestiva de que Serra firmou-se como um político cujas bases partidárias e eleitorais estão sediadas no estado de São Paulo. O exercício do cargo de ministro em dois mandatos sucessivos o coloca no cenário da vida pública de âmbito nacional, especialmente desde quando assume o cargo de Ministro da Saúde. Contudo, esta posição não se concretiza em intenções de votos computados em prévias eleitorais realizadas tendo em vista as eleições presidenciais de 2002.
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