Entre O Arroubo E a Esquiva Œ As Confissães De Caio Fernando Abreu

Entre O Arroubo E a Esquiva Œ As Confissães De Caio Fernando Abreu

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA ENTRE O ARROUBO E A ESQUIVA œ AS CONFISSÃES DE CAIO FERNANDO ABREU CAMILA MORGANA LOURENÇO FLORIANÓPOLIS 2007 2 CAMILA MORGANA LOURENÇO ENTRE O ARROUBO E A ESQUIVA œ AS CONFISSÃES DE CAIO FERNANDO ABREU Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Literatura – Área de concentração em Teoria Literária Orientadora: Profa. Dra. Tânia Regina Oliveira Ramos FLORIANÓPOLIS 2007 3 Banca Examinadora: _______________________________ Profa. Dra. Tânia Regina Oliveira Ramos Orientadora e Presidente _______________________________ Profa. Dra. Maria Teresa Santos Cunha (UDESC) _______________________________ Prof. Dr. Wladimir Antonio Garcia (UFSC) _______________________________ Profa. Dra. Alai Garcia Diniz (UFSC) 4 Aos cenários [sonhados] Ao eterno ensaiar [da vida] felicidade [escondida] Ao baú dos afetos [e das recordações] Ao amanhã [que é branco] metade [mais doce] 5 AGRADECIMENTOS Profa. Tânia Regina de Oliveira Ramos, em especial. A quem —muito obrigada“ é sempre insuficiente para demonstrar gratidão. Faltam gestos, palavras e pensamentos [sobra admiração]. Seja por Ana Cristina Cesar, seja por Caio Fernando Abreu ou por Roland Barthes e, sobretudo, por mostrar que uma Escola de verdade [p]reserva educadores que vivem a maternagem na sua essência – pela via do respeito, do olhar sincero, do riso espontâneo e da leveza de ensinar enquanto tece uma conversa, um comentário ou qualquer outra forma de discurso. Ao mestre J. Isaías Venera, admirador de Deleuze, discípulo de Foucault, pesquisador de Lacan e companheiro de tantos outros intelectuais que ajudam a entender melhor o mundo e as gentes. Pela sua mão, conheci e passei a me deliciar com o caminho da pesquisa e das leituras que realmente permitem flanar – à mente, ao espírito e às emoções. s chefias com quem tenho convivido e aprendido na Universidade do Vale do Itajaí, Profa. Lígia Najdzion e Profa. Amândia Maria de Borba, que me concederam horários especiais de labuta enquanto a pesquisa se desfolhava, entre disciplinas cursadas, apresentações de papers, viagens e orientações. A quem sabe que ficou de fora da formalidade dos agradecimentos. A quem torceu em silêncio. família de sangue. família de espírito. família de amigos, que se cansou de ouvir negativas a convites feitos e mesmo assim se fez querida, complacente. Ao Marcio Markendorf. Minha luz. Meu espelho. Meu ego. Meu poeta. Meu leitor. Meu tutor. Minha metade intelectual. Meu brio. Meu céu. Meu mel. Profa. Luciane Maria Schlindwein. Lamparina sempre à mão [erguida]. Guta Braun. Pouso moral e anfitrião. Ao Manoel. Desconstrução do olhar [meninil]. Ao Scotto. Pragmatismo lúdico [quase irreal]. Elba. Cidália. Raquel. Ao Zé. Aos sabedores, Prof. Raúl e Prof. Wladimir. literatura, que me tira do chão e mexe bem dentro, dentro de mim. E ainda empresta energia e lirismo, desejo e estremecimento, vida e encantamento, delírio e insensatez. A Thomas Dybdahl, Damien Rice, Coldplay, Radiohead e Dido – background da minha história com Caio Fernando Abreu e todo processo de leitura, pesquisa, escrita, reescrita e enamorar. Ao P., que veio me mostrar de quanto desejo se faz um bem-querer. Não quero nunca me perder de você. Vontade de abraço. Vontade de ternura. Mais que fábula e teimosia. Riso puro. Encanto. Magia. Feitiçaria. Obrigada. Obrigada. Obrigada [sempre]. 6 O Texto é plural. Roland Barthes 7 RESUMO Este estudo se dedica a investigar a “escrita de si” de Caio Fernando Abreu, tendo como objeto de pesquisa a coletânea Cartas — seleção de correspondências redigidas pelo escritor publicada pela editora Aeroplano, em 2002. Tais cartas são, então, tomadas como lugar de memória do autor, numa leitura que se propõe, a partir do movimento de lembranças e apontamentos, do narrar do prosador acerca das suas histórias pessoais e dos acontecimentos que se fixaram em sua existência, identificar como a subjetividade do escritor é construída, por que caminhos se guia, com base em que produções discursivas fertiliza seu fazer literário e amparado em que experiências conduz seu viver, administra dramas e conflitos íntimos, gerencia amizades e alimenta influências no tempo vivido. Além disso, prevê contribuir para redimensionar o repertório das reflexões já tecidas por pesquisadores de diferentes campos do conhecimento acerca das “narrativas de si” e da “carta enquanto lugar de memória” — reduto de subjetividades, fonte documental que mapeia, de certo modo, aquele que a redige e seu círculo social, por meio de pistas e indiciamentos ofertados pelo missivista. Palavras-chave: artifício ficcional, Caio Fernando Abreu, correspondência, discurso epistolar, memória, narrativa de si. 8 ABSTRACT This study investigates the “Writing about oneself” of Caio Fernando Abreu. The object of research is the collection Cartas — a selection of correspondence written by the writer and published by Aeroplano, in 2002. These letters are understood as a place of memory of the author, in a proposed reading which is based on the movement of memories and notes, of the act of narrating of the prose writer, on his personal history and the events that have established themselves in his existence, identifying how the subjectivity of the writer is constructed and the paths by which he is guided, based on which discursive productions he fertilizes his literary art, and supported by what experiences he conducts his life, administrates his dramas and intimate conflicts, manages friendships and feeds influences in his time experienced. It also seeks to contribute to widening the repertoire of reflections already made by researchers from different areas of knowledge on the "self narrative" and the "letter as a place of memory" — shelves to subjectivity, a documentary source which maps, in a certain way, the one who writes and his social circle, by means of trails and clues offered by the writer of missives. Key words: fictional artifice, Caio Fernando Abreu, correspondence, epistolary discourse, memory, self narrative. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10 1 CARROSSEL EPISTOLAR ............................................................................................... 14 2 O EPISTOLÁRIO ............................................................................................................... 37 2.1 O ARTIFÍCIO FICCIONAL ................................................................................. 38 2.2 [MÁS]CARA[S] & ADEREÇOS ......................................................................... 56 3 A MEMÓRIA EM SI .......................................................................................................... 66 4 ENTRE O ARROUBO E A ESQUIVA: EMBARALHAR-SE ......................................... 82 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 89 OBRAS DE CAIO FERNANDO ABREU ................................................................. 89 OUTROS REFERENCIAIS ........................................................................................ 89 ANEXOS ................................................................................................................................ 95 10 INTRODUÇÃO “O que parece óbvio nem sempre é verdade”1 Prezada leitora, Prezado leitor: Para dar início a esta trama discursiva que se pretende acadêmica, sugiro que travemos dois ou três dedos de prosa, seja lá o que isso signifique de fato. É um convite. E por que razão? Quero dizer/pensar, minimamente que seja, timidamente que pareça, do escritor Caio Fernando Abreu2 (1948-1996). A exemplo de tantos outros companheiros geracionais, Caio Fernando Abreu escreveu muito3 — talvez pela impossibilidade de viver como gostaria: “‘a vida só é possível se reinventada’. Acho que é um pouco isso.”4. Multifacetado — “Ácido, lisérgico, bruxo, esotérico, sexualmente liberado, lixeiro londrino, paulistano perpétuo, gaúcho exilado, viajante intrépido e cosmopolita”5 —, foi jornalista6, crítico, colunista, roteirista, escritor, dramaturgo, missivista. Adotou diferentes “máscaras” para diferentes personagens e períodos vividos. Fez da tessitura ficcional sua correspondência com o mundo e os pares e ainda 1 GUTKOSKI, Cris. Cartas de Caio F. saem do ineditismo. Zero Hora. Porto Alegre, 27 maio 2000. Cultura, p. 3. 2 Autor nascido em Santiago do Boqueirão, no Rio Grande do Sul, em 12 de setembro de 1948, sob o signo de virgem, ascendente em escorpião e Lua em capricórnio, como gostava de declarar [provocar]: “Sou de Virgem, como Cortazar... Quero ser um grande mago...” (ABREU, Caio Fernando. Caio 3D: O essencial da década de 1970. Rio de Janeiro: Agir, 2005a, p. 352). Filho de um casal da classe média urbana, teve quatro irmãos, dois homens e duas mulheres — uma delas, Cláudia, aparece entre os destinatários da coletânea Cartas, corpus deste estudo. 3 “A primeira vez que eu escrevi um negócio eu tinha seis anos de idade. Eu tinha aprendido a ler e escrever e tal, em um mês, e a primeira coisa que eu fiz foi escrever um conto. Depois, sei lá, foi indo, assim, por necessidade de escrever.” (ABREU, 2005a, p. 350). 4 Declara ao jornal O Estado de S. Paulo, em entrevista concedida em 23 de março de 1988, reportando-se a poema de Cecília Meirelles, quando perguntado sobre

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