Susana Luísa Mexia Lobo

Susana Luísa Mexia Lobo

Susana Luísa Mexia Lobo ARQUITECTURA E TURISMO: PLANOS E PROJECTOS AS CENOGRAFIAS DO LAZER NA COSTA PORTUGUESA, DA 1.ª REPÚBLICA À DEMOCRACIA PARTECRONOLOGIA III Dissertação'LVVHUWDomRGH'RXWRUDPHQWRQDiUHDFLHQWtÀFDGH$UTXLWHFWXUDHVSHFLDOLGDGHGH7HRULDH+LVWyULD de Doutoramento na área científica de Arquitectura, especialidade de Teoria e História, orientadaRULHQWDGDSHOR3URIHVVRU'RXWRU-RVp$QWyQLR%DQGHLULQKDHSHOD3URIHVVRUD'RXWRUD$QD7RVW}HVH pelo Professor Doutor José António Bandeirinha e pela Professora Doutora Ana Tostões e apresentadaDSUHVHQWDGDDR'HSDUWDPHQWRGH$UTXLWHFWXUDGD)DFXOGDGHGH&LrQFLDVH7HFQRORJLDGD ao Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra Agosto 2012 Susana Luísa Mexia Lobo ARQUITECTURA E TURISMO: PLANOS E PROJECTOS AS CENOGRAFIAS DO LAZER NA COSTA PORTUGUESA, DA 1.ª REPÚBLICA À DEMOCRACIA PARTE III Dissertação de Doutoramento na área científica de Arquitectura, especialidade de Teoria e História, orientada pelo Professor Doutor José António Bandeirinha e pela Professora Doutora Ana Tostões e apresentada ao Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra Agosto 2012 Parte III O avião e o turista: sun, sand, sea & bikini 987 988 “He did not think of himself as a tourist; he was a traveller. The difference is partly one of time, he would explain. Whereas the tourist generally hurries back home at the end of a few weeks or months, the traveller, belonging no more to one place than to the next, moves slowly, over periods of years, from one part of the earth to another. Indeed, he would have found it difficult to tell, among the many places he had lived, precisely where it was he had felt most at home.” Paul Bowles, The Sheltering Sky, 1949 989 990 Capítulo 4 991 992 4.1. Turismo de massas: planear o ócio O desenvolvimento económico alcançado no pós II Guerra Mundial, com as ajudas Marshall e a criação da OEEC, teria as suas repercussões na melhoria das condições de vida na Europa ocidental, assistindo-se à consolidação de benefícios sociais importantes e à democratização do acesso a meios de transporte particulares e colectivos, como o automóvel, a camioneta e o avião, surgindo, nesta altura, as primeiras companhias de voos charter internacionais. A liberdade associada a estas conquistas, na possibilidade de escolha de como e onde ocupar o tempo livre de cada um, iria desencadear um movimento de massas sem precedentes na história do Turismo. A atracção pela costa e o exotismo das culturas do sul, associados à apologia do Sol e da Praia, alimentam toda uma procura que fomenta a deslocação sazonal das populações do centro e norte da Europa rumo à bacia mediterrânica, na qual Portugal se inscreve, por extensão, como destino turístico apetecível. Necessariamente, às formas de sociabilidade associadas à moda da Praia correspondem novas condutas e códigos de expressão individual. O biquíni é o símbolo máximo desta nova maneira de estar. Ainda que apresentado pela primeira vez na Piscine Molitor de Paris, em 1946, criação polémica do engenheiro mecânico Louis Réard, é só com o impulso dado pela produção cinematográfica da época que o uso do biquíni se vulgariza. Quem não se lembra de Brigitte Bardot em Et Dieu... créa la femme, de 1956, realizado por Roger Vadim, ou de Ursula Andress no primeiro filme da série James Bond, Dr. No, de 1962? 993 Mas, às imagens sensuais que nos chegavam lá de fora no grande ecrã, o Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa contrapunha uma realidade bem menos “glamorosa”. “Uma Iniciativa Necessária”, lançada, em 1947, por Francisco Keil do Amaral nas páginas da revista Arquitectura, o Inquérito, iniciado em 1955 e publicado, em 1961, sob o título Arquitectura Popular em Portugal, revelava uma população predominantemente agrária, envelhecida e (sobre)vivendo em condições de quase miséria. Era o Portugal rural apadrinhado pelo regime salazarista e cristalizado, em 1938, no “Concurso da aldeia mais portuguesa de Portugal”. Esta situação vinha agravada pelo espoletar, em três frentes quase simultâneas, da Guerra Colonial, exigindo ao país um esforço financeiro extraordinário, que se iria prolongar ao longo de mais de uma década. Esforço financeiro que só é contrabalançado pela entrada de divisas provenientes, por um lado, da crescente massa de emigrantes que abandonam o país, essencialmente por motivos económicos, mas também políticos, e, por outro, do crescente número de entradas de turistas nas fronteiras portuguesas. Pelas estatísticas do INE, para uma população residente que ronda em média os 8 milhões de habitantes, no período de 1960 a 1970, assistimos a um pico de emigração em 1966, com 232 mil emigrantes estimados, e à afirmação de Portugal nos roteiros dos destinos turísticos internacionais, atingindo-se um milhão de turistas entrados nas fronteiras nacionais em 1964, os dois milhões em 1967 e, em 1970, os três milhões, representando as receitas conseguidas deste fluxo migratório uma importante fatia no saldo da dívida externa do país. É neste contexto que se percebe a abertura ao investimento exterior promovida pelo governo de Marcelo Caetano, no final da década de sessenta. Já não é de um Turismo idealista que se trata, mas de um Turismo de massas, “no sentido de multidão e também no sentido de dinheiro e de proveitos”, “cuja exploração pode trazer ao País apreciáveis rendimentos”. À Fonte de Riqueza e Poesia de António Ferro 994 sucediam-se as “Nuvens Negras” profetizadas por Keil do Amaral. Por uma indústria do Turismo: da “Utilidade” ao “Estatuto” A 22 de Julho de 1946, António Oliveira Salazar é capa da conceituada Time Newsmagazine. Com o título “Portugal’s Salazar, Dean of Dictators: The first woman, fruit-laden trees, serpentine policy - but no Eden”, a revista americana fixava uma imagem pouco lisonjeadora do nosso país, retratado, junto da fotografia do ditador, como uma apetitosa maçã cujo interior se encontrava completamente podre. Obviamente, este número da revista foi censurado em Portugal e a sua venda proibida nos seis anos seguintes. Mas, apesar da pressão externa, o Governo e Oliveira Salazar souberam assegurar a continuidade e a sobrevivência do Time Estado Novo no quadro da nova ordem internacional. Ao contrário The Weekly Newsmagazine Vol.XLVIII No.4 do que se previa, seriam as próprias democracias anglo-americanas Capa a legitimar a permanência do regime salazarista no pós-guerra, sendo 22 Julho 1946 (imagem www.time.com) Portugal integrado, em Setembro de 1948, no conjunto de países contemplados pelo programa de auxílio financeiro disponibilizado, pelos Estados Unidos, ao abrigo do Plano Marshall e, por essa via, na Organization for European Economic Cooperation (OEEC/OCEE), que tinha como principal objectivo promover o estabelecimento de uma economia livre de mercado na Europa. Em Abril de 1949, o nosso país seria, também, convidado a participar na criação da North Atlantic Treaty Organization (NATO/OTAN). Tal decisão surgia como contrapartida de uma “neutralidade colaborante”, negociada, ao longo do conflito, na cedência de facilidades militares aos Aliados nos Açores (à Inglaterra, em Agosto de 1943, e aos Estados Unidos, em Junho de 1944) e no embargo à exportação de volfrâmio para a Alemanha (também em Junho de 1944).1 1 A partir de 1943, Portugal vê-se obrigado a clarificar a sua posição face ao evoluir da II Guerra Mundial. Embora desempenhando um importante papel no contexto peninsular, garantindo o não envolvimento no conflito da Espanha franquista, claramente situada ao lado das potências do Eixo, com a celebração, em Março de 1939, de um Tratado de Amizade e Não Agressão, que obrigava os dois países a consultarem-se mutuamente sobre a tomada de posições que pudessem pôr em causa a neutralidade do Bloco Ibérico, Portugal adoptaria, nos primeiros anos da guerra, uma certa ambiguidade política nas suas relações externas, assegurando a defesa do seu império colonial através de uma reaproximação à Aliança Luso-Britânica e da manutenção estratégica de relações diplomáticas e comerciais com os países do Eixo, com os quais o Estado Novo se identificava ideologicamente. (Cf. ROSAS, Fernando (coordenação), Portugal e o Estado Novo (1930-1960), in SERRÃO, Joel, M ARQUES, A.H. de Oliveira (dir.), Nova História de Portugal, Volume XII, Lisboa, Editorial Presença, 1992, pp. 48-53) 995 Internamente, Salazar defendia-se da crescente agitação política e social, gerada em torno da derrota das ditaduras do Eixo, anunciando a revisão da Constituição de 1933 e a realização de eleições livres - “tão livres como na livre Inglaterra” - para a Assembleia Nacional, a ter lugar a 18 de Novembro de 1945. Esta inflexão no discurso oficial, a que correspondia uma aparente “abertura democrática” do Regime, seria aproveitada pelas forças da oposição para se reorganizarem e mobilizarem, em Outubro de 1945, em torno do Movimento de Unidade Democrática (MUD)2, que, no entanto, acabaria por desistir do acto eleitoral por não se encontrarem reunidas as condições de liberdade e de isenção necessárias para a sua realização. Pela influência activa que exerceu na vida pública nacional, Sem eleições livres Não Votes angariando grande adesão popular e expandindo o seu raio de Cartaz MUD, c. 1945 acção com a criação do MUD Juvenil, o Movimento viria a ser (imagem www.fmsoares.pt) neutralizado, sob forte repressão e perseguição policial dos seus dirigentes, e formalmente ilegalizado, em Janeiro de 1948. Mesmo assim, em Julho desse mesmo ano, muitos dos antigos membros do MUD viriam a integrar a comissão de apoio à candidatura do General Norton de Matos às eleições presidenciais de 1949, contra o candidato do Regime, o General Óscar Carmona. Quatro dias antes das eleições, agendadas para 18 de Fevereiro, Norton de Matos anunciava a sua retirada da corrida, alegando, uma vez mais, não estarem reunidas as condições mínimas para se avançar com um acto eleitoral verdadeiramente livre. Dez anos depois, a “derrota” do General Humberto Delgado nas eleições presidenciais de 8 de Junho de 1958 acabava com qualquer ilusão democrática que ainda pudesse subsistir.

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