Jornalismo E Literatura Em Juan Carlos Onetti: Ressonâncias Da Crítica Na Produção Ficcional

Jornalismo E Literatura Em Juan Carlos Onetti: Ressonâncias Da Crítica Na Produção Ficcional

Jornalismo e literatura em Juan Carlos Onetti: ressonâncias da crítica na produção ficcional Viviane Monteiro Maroca UFMG Juan Carlos Onetti assumiu, desde seu primeiro número, o posto de secretário de redação do jornal Marcha, semanário uruguaio, lançado em 23 de junho de 1939 por Carlos Quijano. O objetivo desse periódico não era o de um jornal comum, por não se destinar a ser um noticiário, mas espaço de comentário dos acontecimentos da semana. Chegando ao público todas as sextas-feiras, o slogan de Marcha era “Toda a semana em um dia”. Seus colaboradores, grandes intelectuais uruguaios que passaram por ali entre os anos de 1939 e 1974, adotaram uma postura radical em relação à política, com pensamento crítico e visão de mundo inovadores. O jornal reunia assuntos de política local, internacional, economia e cultura; com estilo completamente diferente do que já se havia visto na América Latina, revolucionou sensivelmente o pensamento político e a cultura uruguaia a partir de seu discurso. Carlos Quijano (1900-1984) trouxe a proposta de lançamento do semanário, no qual adotou um padrão francês de jornalismo, inspirado, principalmente, no jornal francês Le Monde. O jornalismo francês é característico por ter um cunho mais político, opinativo e por ser realizado por colaboradores e não por jornalistas profissionais. Onetti desempenhou várias funções no semanário: foi responsável pela seção de Cultura, corrigia as provas do jornal, escreveu contos policiais, sob o pseudônimo de Pierre Boileau y Regy, que surgiram no intuito de “preencher as lacunas” do jornal. Além disso, Onetti escrevia uma coluna, que assinava sob o pseudônimo de Periquito el Aguador, chamada La piedra en el charco. Seus escritos se destinavam à crítica literária, nos quais refletia sobre retórica literária, literatura latino-americana, tendências da literatura naquele início do século XX. Dizia que sua tarefa era “apedrejar” – metáfora para o ato de criticar - o “charco vazio” das letras uruguaias do início do século XX. Segundo Pablo Rocca, 1720 Anais da VI SEVFALE, Belo Horizonte, UFMG, 2006 Esta manifesta vontade de colaborar com a edificação de uma literatura uruguaia sem limitar-se nem aos arrulhos do pressuposto oficial, nem às estéticas consagradas ou congeladas, esta pedra, renovadora e desafiante, era possível dentro dos marcos fáticos e doutrinários que sustentava toda a publicação.1 Seu principal alvo foi a produção literária no Uruguai de então. Em um período de grande frenesi, causado pelas vanguardas modernistas, no qual se apregoava, dentre outras coisas, a ruptura com a linguagem e a forma tradicionais, e os modernistas brasileiros estavam “Contra todos os importadores de consciência enlatada”,2 Juan Carlos Onetti lamentava pela literatura uruguaia e sua falta de originalidade. Em De la vanguardia a la posmodernidad, Hugo Verani analisa a importância da obra literária de Juan Carlos Onetti como aquela que rompe com o Neonaturalismo, trazendo nova consciência estética ao seu país; uma literatura vanguardista por excelência. Pablo Rocca, em 35 años en Marcha, percorre a história da seção de literatura no semanário, enumerando todos os responsáveis por ela. Detém-se com bastante atenção ao período em que Onetti permanece no jornal devido à grandiosidade do escritor, primeiro crítico literário de Marcha, que configura o caráter da seção de literatura. As duas obras foram tomadas como ponto de partida para a confecção desta análise. Naquele momento, 1939, a literatura uruguaia passava por uma fase de baixa produção que, segundo Onetti, era fruto da “paralisação cerebral” da comunidade, devido aos acontecimentos políticos da época: “Essa sacudida histórica desviou o curso das melhores vontades que, pelo menos simbolicamente trocaram as letras pelas armas; sacrifício intelectual de uma geração em formação”.3 Juan Carlos Onetti escreveu também uma série de textos, a princípio em formato epistolar, de cunho humorístico, assinados por Grucho (sic) Marx, no qual refletiu também sobre temas político-sociais. A sociedade uruguaia dos anos XX caracterizava-se por ser agropecuária e médio-burguesa, marcada pelo conformismo social. Até por volta de 1933, ano do golpe de estado promovido por Gabriel Terra 1 ROCCA, 1992, p.23. Tradução da autora. 2 ANDRADE, 1928. 3 ONETTI,1975, p.16. Tradução da autora. Jornalismo e literatura em Juan Carlos Onetti: ressonâncias..., p. 1719-1732 1721 em função da crise de 1929, o Uruguai era um país estável e desenvolvido socialmente. Este conformismo social determinou, de certa forma, o caráter da literatura vigente: desprovida da necessidade de inovação e experimentalismo. O Neonaturalismo, escola literária vigente desde 1924, procurava retratar a vida e os problemas campestres. Assim a descreveu Hugo Verani: A narrativa regionalista dá uma cuidadosa e verossímil representação espacial da vida do homem, em estreita relação com a natureza. O propósito essencial dos escritores mais difundidos consistia em descrever episódios supostamente típicos e representativos da vida rural, entendida como um processo natural que se move à base de categorias lógicas, que requerem espaço e tempo determinados, e um ordenamento causal, racional, cronológico e determinista dos feitos.[...] Estes romances pretendiam dar uma imagem do homem em luta com o meio ambiente e mostrar o efeito que este produzia em suas ações; através da descrição ambiental, os quadros pitorescos e o sabor nativo da fala dialetal procuravam descobrir o nativo do solo americano.4 Os mais importantes autores do Neonaturalismo uruguaio foram Enrique Amorín, que obteve renome internacional, Juan José Morosoli e Francisco Espínola, único escritor nativista que recebeu elogios na coluna de Onetti, em função de seu romance Sombras sobre la tierra. Segundo Pablo Rocca, em 35 años en Marcha, a onda de experimentalismo que irrompe na América Hispânica na década de 1920 não produziu obras notáveis no Uruguai. Nem mesmo houve revistas de crítica literária que se posicionassem em favor de uma nova literatura. A situação política e econômica do país foi se tornando instável, devido à crise econômica mundial e ao avanço das ideologias nazi-fascistas na Europa, que conduziram à consolidação de modelos de governo autoritários na América Latina. É neste momento, com a ditadura de Terra, que a elite conservadora uruguaia se firma. No intuito de agir contra o movimento, Quijano tenta constituir uma frente de esquerda, não sendo bem sucedido imediatamente. O periódico Acción, também dirigido por Quijano até o surgimento de 4 VERANI, 1996, p.16. Tradução da autora. 1722 Anais da VI SEVFALE, Belo Horizonte, UFMG, 2006 Marcha, assume uma postura de oposição à ditadura vigente e anuncia, em abril de 1939, a organização de um novo periódico: Em data muito próxima, fará sua aparição MARCHA, semanário de doutrina, de crítica e de informação que dirigirá Carlos Quijano. Será uma expressão de jornalismo moderno, totalmente novo em nosso meio (...) Não será órgão de uma facção política, mas lutará contra o fascismo, as ditaduras e toda outra forma de reação, defendendo a cultura, a democracia e a liberdade de pensamento.(20 de abril de 1939, nº184)5 Foi neste cenário que surgiu o Semanário Marcha, espaço onde os intelectuais uruguaios fariam resistir suas idéias por 35 anos. Em De la vanguardia a la posmodernidad, Hugo Verani discute a importância de Juan Carlos Onetti e do Semanário Marcha: Não é fácil estabelecer a série efetiva de gerações históricas e de períodos literários, especialmente em âmbitos de complexa densidade cultural. No Uruguai contemporâneo, entretanto, o momento em que se produz a transformação decisiva de valores estéticos e de inquietudes sociais é inquestionável: 1939. Este é, precisamente, o ano em que Juan Carlos Onetti publica El pozo e é fundado o semanário Marcha, de cujas páginas luta por impor uma nova sensibilidade na literatura nacional. Esta data marca o começo de um esforço consciente de se criar no Uruguai uma narrativa que rompa definitivamente com remanescentes naturalistas e que responda à sensibilidade universal dominante. O semanário representa, além disto, o primeiro índice de questionamento radical da consciência social do país.6 La piedra en el charco, primeira coluna de Onetti, nasce junto com Marcha. Enquanto o primeiro número do semanário tinha por manchete “A invasão nazista no Uruguai”, a coluna vinha para se apresentar e lançar a discussão mais recorrente nos quase dois anos de 5 ROCCA, 1992,p. 18. Tradução da autora. 6 VERANI, 1996; p.14-15. Tradução da autora. Jornalismo e literatura em Juan Carlos Onetti: ressonâncias..., p. 1719-1732 1723 sua existência: a depressão que dominava a produção literária no país já há alguns anos, devido à situação sócio-política do Uruguai. Escrita sob o pseudônimo de Periquito el Aguador, Onetti definia esta coluna como de “alacraneo literário”, “destilando seu veneno” contra o que julgava estar impróprio nas letras de seu país. Segundo o autor, dois fatores agravavam a situação da literatura uruguaia do século XX: o primeiro deles era a completa falta de originalidade dos escritores que se inspiravam nos padrões europeus de escrita, e utilizavam um idioma espanhol muito distante do falado pelos uruguaios. Temos falado de nosso povo e nossos lugares, indiscriminadamente, sem perdoar nada. Mas não há ainda uma literatura nossa, não temos um livro onde possamos nos encontrar. Ausência que pode ser atribuída ao instrumento empregado para a tarefa. A linguagem é, em geral, uma cópia grotesca do que está em uso na

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