Da Ribeira Grande De Santiago À Cidade Velha

Da Ribeira Grande De Santiago À Cidade Velha

Conferências II Congresso Histórico Internacional AS CIDADES NA HISTÓRIA: SOCIEDADE 18 a 20 de outubro de 2017 ATAS 1 Cidade Medieval 2017 II Congresso Histórico Internacional. As cidades na História: Sociedade FICHA TÉCNICA Título II Congresso Histórico Internacional As Cidades na História: Sociedade Volume IV - Cidade Medieval Edição Câmara Municipal de Guimarães Coordenação técnica Antero Ferreira Alexandra Marques Fotografia Paulo Pacheco 2 Design gráfico Maria Alexandre Neves Tiragem 200 exemplares Data de saída Dezembro 2019 ISBN (Obra completa) 978-989-8474-54-4 Depósito Legal 364247/13 Execução gráfica Diário do Minho Conferências ÍNDICE CIDADE MEDIEVAL CONFERÊNCIAS pág. 5 A Cidade na Baixa Idade Média - uma sociedade e um centro Maria Helena Cruz Coelho pág. 27 Del Garona al Estrecho. Reflexiones sobre Espacios Urbanos y Sociedad (SIGLOS XI- XIII) Pascual Martínez Sopena COMUNICAÇÕES pág. 49 D. João I e a Colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimarães: Da régia devoção à real proteção Aires Gomes Fernandes 3 pág. 77 As respostas da sociedade urbana à pobreza: o exemplo dos hospitais e albergarias de Coimbra entre os séculos XII e XVI Ana Rita Rocha pág. 103 Da Ribeira Grande de Santiago à Cidade Velha: a metamorfose de um lugar José Filipe Pereira Neves da Silva pág. 127 Forma Urbana y Organización Social de las Ciudades de Repoblación de La Castilla Medieval: Mecanismos de Ocupación y Estructuración del Espacio José Miguel Remolina Seivane pág. 157 História, urbanismo e interpretação: Viver (n)a cidade com o passado ativo Luísa Trindade pág. 179 População e espaço urbano. Braga em finais do século XIV Maria do Carmo Ribeiro Conferências Da Ribeira Grande de Santiago à Cidade Velha: a metamorfose de um lugar 103 José Filipe Pereira Neves da Silva Doutorando CIDEHUS – Universidade de Évora [email protected] Conferências Resumo Indubitavelmente, ao abordarmos o panorama museológico e patrimonial de Cabo Verde, a Ribeira Grande de Santiago é o Sítio Cultural do Arquipélago onde o enfoque de investigação académica é mais efetivo. Para tal, concorre o valor intrínseco adquirido ao longo do tempo pelo primeiro assentamento populacional, de feição vincadamente cosmopolita, construído pelos portugueses a sul do Trópico de Câncer. Durante aproximadamente cento e cinquenta anos, assistiu-se, em razão da sua idiossincrasia geoestratégica, à confluência e convivência de dispares civilizações e culturas, tendo sido 105 possível consubstanciarem-se inúmeras manifestações de cariz patrimonial – de génese material, imaterial e natural –, constituindo-se este lugar num verdadeiro laboratório de aclimatação/experimentação de seres humanos e espécimes botânicos provenientes de distintas latitudes, proporcionado pela gesta dos descobrimentos portugueses. Palavras-chave: Ribeira Grande de Santiago, Cidade Velha, estrutura urbana, Património Cultural. Conferências A descoberta do Arquipélago, o seu povoamento e estrutura populacional Várias teorias têm sido veiculadas relativamente ao seu descobrimento, com um balizamento cronológico entre 1445 e 1460. Citando as posições mais firmes, enquanto Verlinden (cf. 1999: 413-414) aponta Alvise Cadamosto como seu descobridor, no ano de 1456, apesar de nesse seu estudo, apresentar outras possibilidades; Luís de Albuquerque (cf. Albuquerque, 1990: 52-67; Albuquerque, 1991: 23-39) atribui esse feito à dupla António da Noli/Diogo Gomes, em 1460, com a chegada às cinco ilhas do grupo oriental, 107 ao que tudo indica, à época despovoadas – Sal, Boavista, Maio, Santiago, Fogo1. Apesar de não existirem certezas irrefutáveis quanto a esta problemática, a historiografia assumiu esta última data como a oficial para evocar a chegada dos portugueses a este território, comprovando-se o explicitado através de outras leituras efetuadas relativamente a este tema (cf. Chaves, 1938: 46; Lagarto, 1994: 148-152; Almeida, 1998: 16-17; Amaral, 2001: 15; Brito-Semedo, 2006: 52; Pereira, 2009: 61-62; Mariz, 2012a: 1; Évora, 2015: 75). Não dispondo à partida de condições atrativas para o seu povoamento – excessiva distância do Reino, falta de riquezas naturais e as características geoclimáticas – o que desde logo inviabilizou a aplicação do modelo seguido na Madeira e nos Açores2, desde o início, o Arquipélago de Cabo Verde mereceu por parte das autoridades portuguesas a devida atenção (cf. Teixeira, 2005: 13). O seu valor era essencialmente estratégico e comercial, assentando essa importância em variáveis extremamente importantes: por um lado, o facto de estar próximo da zona de abastecimento das mercadorias; por outro, estava 1 Não nos ocuparemos aprofundadamente deste tema, mas importa salientar o facto de diversos investigadores considerarem que a descoberta deste Arquipélago foi resultado de uma ação furtuita de navegação (cf. Silva, 1990: 70; Albuquerque,1991: 39; Santos; Cabral, 2000: 19). Por outro lado, existe a tese de que estas Ilhas já eram habitadas pelos negros Jalofos, antes da chegada dos Portugueses (cf. Baleno, 1991: 125-127; Feijó, 1986: 1-2; “Ilhas de Cabo Verde. Habitadas antes de 1460?”, 2005: 6; Gomes, 1998: 67). 2 Mas, tal como na Madeira e nos Açores, a instalação e consolidação dos primeiros povoados obedeceu a certos critérios e fases de implementação no território, maioritariamente uniformes, mas dissonantes na orientação predominante assumida. Enquanto nesses dois arquipélagos, a orientação se fez nos quadrantes meridionais ou sul-orientais, em Cabo Verde, a orientação predominante era a noroeste/nordeste (cf. Pires, 2004: 48-49). II Congresso Histórico Internacional. As cidades na História: Sociedade distante o suficiente para compensar os perigos de uma hipotética instalação continental; sendo igualmente um local de passagem e controlo do tráfego marítimo direcionados para os mares e terras austrais (cf. Silva, 1998: 8). A Ilha de Santiago foi a escolhida para a fixação dos primeiros habitantes logo no ano de 1462, em virtude de ser aquela que demonstrava ter melhores condições para o estabelecimento humano3. Assim, formaram-se duas capitanias que desde cedo desenvolveram competências de urbanidade: a de Alcatrazes, criada em 1472, e que foi um assentamento urbano “oficial” entre 1484 e 1516 cf( . Evans; Sørensen, 2017: 1-4), entregue a Diogo Afonso, localizada na parte Setentrional deste território, mas que no final do século XV, apesar do seu estatuto de vila, de possuir uma Câmara e uma Igreja, era um povoado já quase praticamente inexpressivo, muito por força da aridez do seu solo (cf. Baleno, 1991: 140); e a da Ribeira Grande, confiada a António da Noli. A escolha deste local deveu-se à abundância de água na ribeira; de estar apetrechada de um razoável porto de mar, fulcral para os contactos comerciais com os territórios da África Ocidental; e de a sua topografia, ponteada por “achadas”4, ser propícia para o estabelecimento de um bom sistema de defesa da sua baía e ancoradouro5. Porém, nos quatro anos subsequentes, e em razão dos fatores de pouca atratividade 108 anteriormente referidos, a ocupação demográfica foi quase residual. Para inverter essa tendência, D. Afonso V promulgou, em 1466, uma Carta Régia concessora de bastantes benesses aos habitantes da Ilha de Santiago, para despoletar o seu povoamento, feito essencialmente na zona litoral (cf. Albuquerque; Santos, 1988: 19-22). Seis anos depois, este mesmo monarca, ciente de que os benefícios outorgados haviam sido lesivos para o Reino, publicou uma outra Carta Régia com o intuito de delimitar os privilégios anteriormente conferidos, promovendo-se então uma ocupação mais efetiva do seu interior, com o intuito de fomentar a atividade agrícola (cf. Albuquerque; Santos, 1988: 25-28). Até às primeiras décadas do século XVI, essa fixação foi feita de uma forma lenta. A estrutura populacional era bastante heterogénea, mas com a notória predominância de portugueses – da metrópole e ilhas já colonizadas –, assim como de outros europeus 3 Ainda no transcurso do século XV, entre 1480 e 1493, surgiram outros dois polos habitacionais – a Praia, na Ilha de Santiago, e São Filipe, na Ilha do Fogo – pese o facto de as origens do povoamento desta esteja ainda envolta em muitas incertezas. Somente no século XVI, ambas as ilhas tiveram um desenvolvimento mais consistente – no caso da Ilha do Fogo, não em razão da excelência das suas condições naturais, apesar de ser um importante foco da cultura de algodão, mas pelo facto de estar muito próxima da Ilha de Santiago, que tinha um desenvolvimento incomparavelmente superior àquela. A ocupação efetiva das outras parcelas deste território arquipelágico processou-se, em alguns casos, a partir da década de 1570, e noutros, somente do século XVII em diante (cf. BALENO, 1991: p. 133-146; SILVA, António Leão Correia e, 1991: p. 229-236; RIBEIRO, Orlando, 1997: p. 91-92; 96-98; TEIXEIRA, André, 2005: p. 16-18; BRITO-SEMEDO, Manuel, 2006: p. 53 4 Planaltos de origem vulcânica. 5 Os quais podem ser denominados de «[…] três eixos naturais […]» (Silva, 1998: 15). Conferências que desempenhavam as mais distintas funções – altos funcionários régios, mercadores, clérigos, frades, trabalhadores braçais do porto – podendo falar-se numa estratificação social similar à existente no Reino (cf. Santos; Cabral, 2000: 23; Santos, 2001 [et al.]: 52), mas denotando-se ainda o pouco peso demográfico dos escravos cf( . Baleno, 1991: 148- 153; Silva, 1991: 233-235; Cabral, 1995: 229-262; Santos; Cabral, 2000: 22-23; Amaral, 2001: 16; Amaral, 2007: 172). Estes6, por sua vez, e proporcionalmente à notoriedade adquirida

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