VICENTE DO REGO MONTEIRO: MODERNO E TRADIÇÃO / RUPTURA E PERMANÊNCIA* RÉGIS FERREIRA BRASILIO DOS SANTOS** Vicente do Rego Monteiro foi artista plástico e poeta pernambucano do início do século passado, participante ativo da Semana de Arte Moderna de São Paulo em 1922. Em 1911 viajou com a família para Paris onde iniciou seus estudos de arte na Academia francesa até 1914, quando retorna ao Brasil por causa da I Guerra Mundial. Quando retorna ao Brasil em 1914, Vicente continuou seus estudos de arte em Recife. Posteriormente, participou de exposições individuais em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife até retornar à Paris em 1921, retomando suas atividades artísticas na cidade, além das exposições individuais e coletivas no Salon des Independants, inclusive organizando os Salões de Poesia de Paris junto com o poeta e seu amigo Géo- Charles. Vicente Monteiro foi conhecido no período, de acordo com a professora Aracy Amaral, como um dos primeiros artistas a representar o índio enquanto elemento fundamental na criação da cultura brasileira. Rego Monteiro seria um dos primeiros a trazer para sua pintura os assuntos brasileiros, como vemos, desde 1920, data de Lenda brasileira. (AMARAL, 1998: 181). No entanto, essa afirmativa da autora nega toda a pertinência da produção artística do século XIX, que buscava romanticamente o que era e o que representava a nação. Para citar um exemplo, temos toda a rica produção de Almeida Júnior, pintor paulista que buscava no caipira o elemento de brasilidade. Em outro momento de sua obra, Aracy Amaral coloca que a artista paulista Tarsila do Amaral também faria parte de um grupo de modernistas que tiveram enquanto preocupação fundamental de suas obras – estilo – a busca por uma identidade nacional. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 1 Mas essa consequência de fundo nacionalista, esse descer às raízes para buscar o fundo de brasilidade a ser impresso como caráter numa obra de arte, só se evidenciaria a partir de Tarsila em 1923, assim como nas pesquisas de Vicente do Rego Monteiro nesse mesmo ano em Paris, objetivando trazer à tona uma tradição decorativa de inspiração indígena. (AMARAL, 1998: 221). Para a autora, Tarsila foi a artista que mais trouxe a tona a questão da identidade nacional brasileira no modernismo, a partir de suas obras posteriores a 1923, data da obra Negra, que marcaria sua fase pau-brasil. De acordo com Gilberto Freyre, sociólogo pernambucano e amigo de Rego Monteiro desde 1922, quando se conheceram na cidade de Paris, Rego foi um artista pioneiro, tanto do modernismo brasileiro enquanto tendência e movimento cultural artístico, como desta busca pela identidade nacional a partir do retorno de uma tradição mais antiga da nossa terra, que foi o índio.1 Apesar de sua aproximação relevante com o sociólogo pernambucano, Rego Monteiro opta em buscar a brasilidade no índio e não no negro. Mas sua escolha pelo índio foi feita antes de conhecer Gilberto Freyre, e se dá por uma ótica diferente. De acordo com Maria Luiza Atik, no início de sua carreira, Monteiro filia-se ao Cubismo francês, mas suas obras já apresentam uma linguagem particular, individualizada. Assim, em vez de preferir a “Arte Negra”, como sucedeu aos mestres europeus, inclina- se para a plástica dos índios brasileiros, introduzindo os mitos amazonenses na École de Paris. A incorporação do tropical em suas telas antecipa aspectos que serão valorizados posteriormente por Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral no Movimento Pau-Brasil, de 1926, e na criação da Antropofagia, lançada em São Paulo, em 1928. (ATIK, 2004: 23). 1 Estou me referindo ao artigo publicado na Folha de São Paulo, do dia 18/01/1983, Vicente do Rego, um artista pioneiro. Também o artigo Notas a lápis sobre um pintor indiferente – Revista do Brasil, n. 87, São Paulo mar., 1923, p. 236-38, também de Gilberto Freyre. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 2 Desta forma, é errado comparar a opção de Monteiro pelo índio amazônico com o Gilberto Freyre e o negro brasileiro, mas sim compará-lo com Picasso e Léger e suas opções pelo negro africano. Assim, Rego participou da École de Paris trazendo algo de novo, além de contribuir grandemente com o modernismo brasileiro, sendo um dos pioneiros, senão o pioneiro da antropofagia brasileira – o “homem primitivo” do Brasil. Neste critério, podemos aplicar o conceito de tradição seletiva de Raymond Williams: (…) uma versão intencionalmente seletiva de um passado modelador e de um presente pré-modelado, que se torna poderosamente operativa no processo de definição e de identificação social e cultural. (…) É uma versão do passado que se deve ligar ao presente e ratificá-lo. O que ela oferece na prática é um senso de continuidade predisposta. (WILLIAMS, 1979: 118 – 119). A busca por uma tradição brasileira a ser revivida naquele presente operando no sentido de definição de uma identificação social e cultural, como foi o caso do ideal de “brasilidade” traçado pelos modernistas na década de 20, e em Rego Monteiro, a valorização do índio – mesmo este índio sendo genérico, sem caracterização específica de alguma etnia – a uma tradição remota a ser revivida naquele presente histórico, escolhida e separada com objetivos claros. Sobre o retorno à tradição pelos modernistas, em estudo Silvano Santiago, escreve: (...) a questão da tradição (do chamado „passadismo‟, como a tradição era vista pelos olhos da década de 20) esteve realmente ausente da produção teórica de alguns autores modernos, ou da produção estética dos modernistas brasileiros. A resposta é não. Há uma permanência sintomática da tradição dentro do Modernismo. (SANTIAGO, 1987) O retorno a uma tradição foi como se fosse “um chão firme” onde esses artistas poderiam pisar sem problemas maiores, pois eram consideradas a base ou a Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 3 estrutura em que foi formado o povo brasileiro, algo tão discutido no período pelos modernistas. Ao mesmo tempo, Marta Rossetti defende esta teoria, onde “a vanguarda da época buscava uma arte estável, baseada em „princípios perenes‟, e que para encontrá-los examinava a arte dos séculos passados para „montar sua linguagem pessoal moderna‟”. (BATISTA, 1987, 30) O retorno a uma tradição firme, enraizada, daria sustentação para esta arte moderna nascente no Brasil, proporcionando sua permanência na estética e ideologia modernas pós anos 20. A tradição daria sustentação histórica para a arte moderna brasileira, ou seja, a permanência da tradição iria compor o palco necessário para realizar a ruptura estética tão buscada pelos modernistas. No caso da arte brasileira, a partir do momento em que ela passou a reconhecer sua diferença em relação aos europeus, pareceu impor-se a necessidade de um retorno às suas tradições, ao “primitivo dentro de nós”, ...foi recorrendo a este substrato nítido que os modernistas brasileiros encarnaram sua originalidade periférica, quando em contato com uma civilização diferente da sua. Foi aí que viram o quanto diferente era, mesmo fazendo parte de uma elite nacional, viram o quão primitivos eram. Mas isto só foi potencializado de modo inovador porque havia um ambiente propício para que aflorassem as diversas etnicidades de cada colônia de imigrantes radicados na Europa. Percebendo este interesse, os artistas brasileiros forjam a marca de brasilidade no compromisso com a tradição que definiria o estilo de arte antiga baseada no convencionalismo do desenho, na constância dos motivos, na economia de meios, a que tiveram acesso pela observação do acervo sob a guarda de coleções etnográficas. (OITICICA FILHO, 1999: 28) Desde 1840, algumas expedições ao vale do rio Amazonas começaram a formar o acervo de antiguidades indígenas atualmente expostos no Museu de História Natural da UFRJ2, onde os artistas modernistas passaram a consultar com o objetivo de 2 O Museu Nacional do Rio de Janeiro foi criado por D. João VI em Junho de 1818 e, inicialmente, sediado no Campo de Sant‟Anna, serviu para atender aos interesses de promoção do progresso cultural e econômico no país. Originalmente denominado de Museu Real, foi incorporado à Universidade do Brasil em 1946. Atualmente o Museu integra a estrutura acadêmica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. (Extraído do site http://www.museunacional.ufrj.br). Para maiores informações, consultar o mesmo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 4 buscar o “primitivo em nós” e representar uma arte nacional, mas também regional. O contato direto com a elite artística europeia fez com que artistas brasileiros vissem o quão diferentes eram daquela realidade, passando olhar para dentro da sua realidade nacional. Faz-se necessário também indagar o que é primitivismo para Rego Monteiro. O próprio termo nos passa a noção de primitivo em relação ao civilizado. Estaria então, assumindo o posto de primitivo para se integrar posteriormente ao posto de civilizado, ou bárbaro-tecnizado, A pintura modernista brasileira pode ser entendida como estratégia de ação que aproveitou de condições favoráveis que a fizeram alcançar seus objetivos específicos: garantir ao autor sua presença no circuito internacional de arte e estabelecer a vigência inevitável, e autorização necessária, diante do experimentalismo iconoclasta das vanguardas européias da primeira década deste século.(...) Vivendo da pesquisa e divulgação de sua etnicidade sul- americana, na colônia de pintores imigrantes de Paris na década de 20, o artista brasileiro adotou o papel do „bárbaro-tecnizado‟ que se afirmava pela aparência primitivista de suas obras, enquanto que socialmente viveria como pessoa integrada ao sistema. (OITICICA FILHO, 1999: 49, 68). Em Rego Monteiro podemos evidenciar este fato, sendo um primitivista, alcançou uma posição de destaque no circuito europeu de arte, disposto a negar sua identidade e assumir outra, que lhe passaria uma posição social mais elevada. Oiticica diz que esta seu ideal chega ao extremo de mudar seu nome, afrancesando-o para Vicent Monteiro.
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