Manuel Bandeira: “Tão Brasil!”

Manuel Bandeira: “Tão Brasil!”

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS ÁREA: ESTUDOS DE LITERATURA ESPECIALIDADE: LITERATURA BRASILEIRA LINHA DE PESQUISA: LITERATURA, IMAGINÁRIO E HISTÓRIA MANUEL BANDEIRA: “TÃO BRASIL!” MARA FERREIRA JARDIM ORIENTADORA: PROFª. DRª. ANA MARIA LISBOA DE MELLO Tese de Doutorado em LITERATURA BRASILEIRA, apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. PORTO ALEGRE 2007 2 Para Thaís e Flávio, amores incondicionais 3 AGRADECIMENTOS A Ana Maria Lisboa de Mello, orientadora e amiga, que, mesmo nos momentos mais difíceis, não desistiu de mim. A Vânia Pinheiro Chaves, que me acolheu em Portugal como uma boa fada-madrinha e lá me abriu os caminhos da Universidade e da pesquisa. A Vera Medeiros, que me socorreu com livros, leituras, correções e presença amiga nos momentos de aflição. Ao meu irmão, Jair, por leituras, sugestões e pela profunda amizade que vai além dos laços de família. A Luiza Vilma, amiga de sempre, que compartilhou comigo os bons e maus momentos dessa trajetória. Aos amigos de Portugal, muito especialmente a Maria Manuel Marques Rodrigues, João Carlos Silva e Armando Machado, por me ensinarem a ver e a amar a sua terra, que é também a terra de meus avós. A Vera Teixeira de Aguiar e Márcia Ivana de Lima e Silva, pela leitura atenta e crítica, contribuição importante no exame de qualificação. A Lívia Chicon Monte, que, em nossas idas e vindas, teve a paciência de me escutar. A Eliana Pritsch e Rejane Flor Machado, pelos livros e sugestões. A Maria Joaquina Medeiros Sene e equipe da biblioteca da FAPA, incansáveis na busca dos livros e das referências. A Maria Luci de Mesquita Prestes, que revisou este trabalho com minuciosa atenção. A Kathia Maciel Cardoso, por resolver, com competência e disponibilidade, meus problemas com o word. A CAPES, pela bolsa de estudos que viabilizou a pesquisa em Portugal. A José Canísio Scher, secretário do Programa de Pós-Graduação, pela atenção e competência com que sempre me atendeu. A FAPA, sem cujo apoio a ida a Portugal não teria acontecido. Aos colegas e funcionários da FAPA, pela amizade e estímulo. 4 A meus alunos, que me fazem acreditar que vale a pena ser professor. A todos que, embora não citados nominalmente, direta ou indiretamente me apoiaram nesses últimos anos. A Penélope e Antônio Augusto, por compartilharem de nossas vidas. A meus pais, Osmar e Dalva, in memoriam, por me introduzirem no mundo da literatura. 5 Sê bem-vinda, ó vida! Vou procurar pela milionésima vez a realidade da experiência e afeiçoar na forja da minha alma a consciência incriada da minha raça. James Joyce 6 RESUMO Esta tese investiga a presença do humor e a melancolia na obra poética de Manuel Bandeira (1886-1968), especialmente no livro Libertinagem (1930), como traços formadores de uma identidade nacional. O trabalho tem como ponto de partida as discussões sobre a identidade nacional e a presença do tema na literatura brasileira, dos seus primórdios até a eclosão, no início do século XX, do projeto modernista de construir a difícil definição do que é ser brasileiro. Entre os diversos autores consultados para fundamentação dos estudos sobre identidade nacional, destaca-se Gilberto Freyre, cuja obra Casa Grande & Senzala permite estabelecer relações com a visão de Brasil que emerge da poesia de Manuel Bandeira. Sergio Buarque de Holanda, Wilson Martins, Antônio Cândido, Alfredo Bosi, Roberto DaMatta e Paulo Prado são importantes no desenvolvimento da questão. Examina-se também como a questão da identidade nacional está representada na literatura brasileira, da Carta de Pero Vaz de Caminha até o movimento modernista. Para analisar os temas do riso e da melancolia em obras literárias produzidas no Brasil, toma-se como fundamento as teorias desenvolvidas por Aristóteles, Bergson, Propp, Schlegel, Freud, Muecke, Prada e Bakhtin, entre outros. Por fim, é realizada uma análise detalhada de poemas selecionados, destacando a existência de uma “ironia melancólica” que caracteriza a obra de Bandeira e, ao mesmo tempo, confere-lhe um toque de brasilidade, buscado pelos poetas do Modernismo e inequivocamente presente na obra Libertinagem e em outras compostas antes e depois dela. 7 ABSTRACT This thesis examines the presence of humour and melancholy as markers of the formation of a national identity in the poetical works of Manuel Bandeira (1886-1968), with special focus on his Libertinagem (1930). The starting point for this study is the discussion around national identity and its presence as a theme in Brazilian literature, from its very beginnings until the Modernist movement in the first quarter of the 20th century, with its difficult project of constructing a definition of what it means to be Brazilian. Among the authors consulted to form the basis of the discussion of national identity are Gilberto Freyre, whose Casa Grande & Senzala offers fundamental insights into the vision of Brazil that emerges in the poetry of Manuel Bandeira. Sergio Buarque de Holanda, Wilson Martins, Antônio Cândido, Alfredo Bosi, Roberto DaMatta and Paulo Prado are also important in the development of this aspect of the discussion. The study also examines the manner in which the question of national identity is represented in literature written in and about Brazil, from the Carta ao Rei Dom Manuel of Pero Vaz de Caminha until the Modernist movement. The analysis of the themes of laughter and melancholy in works of literature produced in Brazil is based on the theories developed by Aristotle, Bergson, Propp, Schlegel, Freud, Muecke, Prada and Bakhtin, among others. Finally, a detailed analysis is undertaken of the selected poems, highlighting the presence of a “melancholic irony” that characterises the work of Bandeira and, at the same time, provides it with a touch of the Brazilian-ness so sought by the Modernist poets and unquestionably present in Libertinagem, as well as other works composed before and after it. 8 SUMÁRIO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS..........................................................................................................9 2 LITERATURA E IDENTIDADE NACIONAL .............................................................................18 2.1 Como a literatura tem visto a questão da identidade nacional ..................................................23 2.2 Gonçalves Dias, Alencar e o projeto indianista ...........................................................................27 2.3 O fim do século ...............................................................................................................................31 2.4 Século XX: o projeto modernista e a questão da identidade nacional......................................34 3 ENTRE A PENA DA GALHOFA E A TINTA DA MELANCOLIA...........................................41 3.1 A pena da galhofa...........................................................................................................................42 3.2 A tinta da melancolia .....................................................................................................................70 4 MANUEL BANDEIRA: TÃO BRASIL!.........................................................................................88 4.1 Abertura: Brasil, salão de sangues misturados ...........................................................................90 4.2 A trilogia das cidades: “Mangue”, “Belém do Pará” e “Evocação do Recife” .........................94 4.3 O país e o povo..............................................................................................................................105 4.4 Lendas e crendices do Brasil .......................................................................................................112 4.5 Instantâneos do cotidiano: “Pensão familiar”, “O cacto”, “Comentário musical”................116 4.6 “Pasárgada”, uma utopia brasileira ...........................................................................................126 4.6.1 Lá sou amigo do rei, variante do brasileiríssimo “sabe com quem está falando?” .................132 4.7 Definição em um verso.................................................................................................................134 4.8 Visões do Brasil antes de Libertinagem.......................................................................................136 4.9 Visões do Brasil depois de Libertinagem.....................................................................................140 4.10 Bandeira e o folclore infantil: uma vez mais, “Tão Brasil!”...................................................147 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................160 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................165 9 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Libertinagem, livro de Manuel Bandeira, surgido em 1930 e contendo poemas escritos no período considerado “heróico” do Modernismo (1924 a 1930), é reconhecido pela fortuna crítica do autor e por ele próprio como sua obra mais modernista. São trinta e oito poemas, entre os quais se encontram alguns dos mais conhecidos e celebrados textos do poeta, como “Evocação do Recife”, “Vou-me embora pra Pasárgada” e “Poética”. Além de Libertinagem, Bandeira publica, ao longo de sua vida, mais nove livros de poemas; escreve crônicas para jornais; produz textos

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