Carta Apostólica Do Papa Francisco No VII Centenário Da Morte De Dante Alighieri

Carta Apostólica Do Papa Francisco No VII Centenário Da Morte De Dante Alighieri

Preço € 1,50. Número atrasado € 3,00 L’OSSERVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL EM PORTUGUÊS Unicuique suum Non praevalebunt Ano LII, número 13 (2.710) Cidade do Vaticano terça-feira 30 de março de 2021 Francisco celebrou o domingo de Ramos na basílica de São Pedro Com o olhar na Cruz para receber a graça do assombro No Angelus o Papa manifestou a sua proximidade às vítimas do atentado na Indonésia «Todos os anos, esta liturgia cria em nós uma atitude de espanto: passamos da ale- gria de acolher Jesus, que entra em Jerusalém, à triste- za de o ver crucificado», fri- sou o Papa presidindo à missa no domingo de Ra- mos na basílica do Vaticano, na manhã de 28 de março. A surpresa, explicou, «é uma atitude interior que nos acompanhará ao longo da Semana santa», e por isso é necessário pedir «a graça do assombro» e recomeçar a partir dele, pois Jesus «che- ga à glória pelo caminho da humilhação» e «triunfa aco- lhendo a dor e a morte». Na cruz, acrescentou o Pon- tífice, Deus «aproxima-se das nossas fragilidades... es- tá ao nosso lado em cada fe- rida: nenhum mal, nenhum pecado tem a última pala- vra». Em síntese, «Ele ven- ce, mas a palma da vitória passa pelo madeiro da cruz. Por isso, os ramos e a cruz estão juntos». PÁGINA 2 No VII centenário da NO PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DA STAT I O ORBIS DE 27 DE MARÇO DE 2020 morte de Dante Alighieri Carta O vazio é uma barca JOSÉ TOLENTINO DE MEND ONÇA 1. A ousadia de habitar a vulnerabilidade blema da cultura hodierna. Também emergiu como uma figura sacerdotal ap ostólica como lugar da experiência humana e crente a performance religiosa tem alguma di- capaz de representar a todos. sabido que vivemos na era É verdade que a cultura dominan- ficuldade em integrar aquilo que Mi- da massificação das ima- te, o m a i n s t re a m modelado como um chel de Certeau chamava a «fraqueza 2. A ousadia de abraçar gens. Em nenhuma época automatismo pelas nossas sociedades de crer». A imagem que se transmite e resignificar o vazio anterior da história se pro- de consumo, fizeram da vulnerabili- é mais a de uma operação cumprida a Uma das experiências mais impac- Éduziram tantas imagens, e também dade uma espécie de tabu. A fragili- partir de um guião do que o despoja- tantes do confinamento foi, no início nenhuma outra, como a nossa, assis- dade é sujeita a um ocultamento. E à mento e a abertura para realizar uma da pandemia, assistir ao esvaziar-se tiu à sua radical banalização. Em vez força de interditarmos o encontro «caminho não traçado». O Papa das cidades. Um estranho e desco- de imagens únicas e autênticas temos com o sofrimento humano sabemos Francisco ousou habitar a vulnerabi- nhecido silêncio cresceu de um mo- produtos realizados em série, selfies fa- cada vez menos reconhecermo-nos aí lidade. Não se quedou a falar da vul- mento para outro. Incrédulos, olhá- bricadas num instante e num instante ou partirmos daí para aprofundarmos nerabilidade do mundo, como se esti- vamos das nossas janelas para as ruas prontas a ser devoradas pelo esqueci- o sentido da nossa comum humani- vesse isento dela. Na medida em que e as praças numa solidão absoluta, mento. O filósofo Walter Benjamin dade. Mas este não é apenas um pro- aceitou se expor como mais um, sentindo-nos como que expropriados falou com razão da «perda da aura», do mundo. A nossa primeira reação isto é da imagem deixar de constituir foi ler o vazio como algo hostil que «a aparição única de uma coisa dis- nos ameaçava. Ora, Francisco teve a tante» e fixar-se na sonâmbula repeti- grande sabedoria de abraçar o vazio ção de um déjà vu. Por isso, o comovi- em vez de repudiá-lo, sublinhando o do consenso em torno à imagem do seu potencial simbólico e revelador. «Neste particular momento, mar- Papa Francisco na Praça de São Pe- Para isso foi muito importante o texto cado por sombras, por situações dro vazia é alguma coisa que dá que evangélico escolhido, a cena da tem- que degradam a humanidade, pe- pensar, fora e dentro do espaço ecle- pestade acalmada segundo Mc 4, 35- la falta de confiança e de perspeti- sial. 41. Porque se, por um lado, se aceita- vas, a figura de Dante, profeta da Vale a pena, a um ano de distância, va o vazio, abraçando-o como lugar esperança e testemunha do desejo revisitar aquela imagem, que na ver- existencial e teológico, por outro, a de felicidade», setecentos anos dade não cessou de continuar presen- Palavra de Deus fornecia a chave para após a sua morte «pode ainda te, e perguntar-se donde lhe vem o resignificar o vazio. O vazio tornava- dar-nos palavras e exemplos que seu excepcional poder icónico. Por- se uma barca. «Demo-nos conta de estimulam o nosso caminho». O que é aquela imagem que ficou a re- estar no mesmo barco, todos frágeis e Papa expressa esta profunda con- presentar isto que vivemos e não ou- desorientados mas ao mesmo tempo vicção na carta apostólica Candor tra qualquer? O que é que ela nos re- importantes e necessários: todos cha- lucis aeternae, unindo a sua voz à vela de si mesma e o que é que ela en- mados a remar juntos, todos careci- dos «Predecessores que honraram sina acerca de nós próprios? Procu- dos de mútuo encorajamento. E, nes- e celebraram» o poeta florentino. rando sintetizar o que mereceria cer- te barco, estamos todos». O vazio tamente uma reflexão mais ampla, in- PÁGINAS 6-9 dicaria quatro razões. CO N T I N UA NA PÁGINA 2 página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 30 de março de 2021, número 13 O Papa Francisco celebrou o Domingo de Ramos na Basílica de São Pedro Com o olhar na Cruz para receber a graça do assombro Na manhã de 28 de março, o Papa «crucifica-o»? Que sucedeu? coisas do género. Admiram- ter encontrado Jesus, se não Francisco celebrou na basílica de São Aquelas pessoas seguiam uma no, mas a vida deles não muda. nos deixamos surpreender ca- Pedro a missa do Domingo de Ra- imagem de Messias, e não o Porque não basta admirar Je- da dia pelo seu amor espanto- mos, que marca o início da Semana Messias. Ad m i ra v a m Jesus, mas sus; é preciso segui-lo no seu so, que nos perdoa e faz reco- santa. Publicamos a seguir a homilia não estavam prontas para se caminho, deixar-se interpelar meçar? Se a fé perde o assom- proferida pelo Pontífice, após a pro- deixar s u rp re e n d e r por Ele. A por Ele: passar da admiração à bro, torna-se surda: já não sen- clamação da Paixão do Senhor, tira- surpresa é diferente da admira- s u r p re s a . te a maravilha da graça, deixa da do Evangelho de Marcos. ção. A admiração pode ser E qual é o aspeto do Senhor de sentir o gosto do Pão da vi- mundana, porque busca os e da sua Páscoa que mais nos da e da Palavra, fica sem perce- Todos os anos, esta liturgia cria próprios gostos e anseios; a surpreende? O facto de Ele ber a beleza dos irmãos e o em nós uma atitude de espan- surpresa, ao contrário, perma- chegar à glória pelo caminho dom da criação. E não lhe resta to, de surpresa: passamos da outra saída senão refugiar-se alegria de acolher Jesus, que nos legalismos, clericalismos e entra em Jerusalém, à tristeza tudo o mais que Jesus condena de o ver condenado à morte e no capítulo 23 de Mateus. crucificado. É uma atitude in- Nesta Semana Santa, erga- terior que nos acompanhará ao mos o olhar para a cruz a fim longo da Semana Santa. Abra- de recebermos a graça do as- mo-nos, pois, a esta surpresa. sombro. São Francisco de As- Jesus começa logo por nos sis, ao contemplar o Crucifica- surpreender. O seu povo aco- do, maravilhava-se com os seus lhe-o solenemente, mas Ele en- frades por não chorarem. E cobrir que somos amados. A sabe encher de amor o próprio tra em Jerusalém num jumenti- nós, conseguimos ainda dei- grandeza da vida está precisa- morrer. Neste amor gratuito e nho. Pela Páscoa, o seu povo xar-nos comover pelo amor de mente na beleza do amor. No inaudito, o centurião, um pa- espera o poderoso libertador, Deus? Porque é que já não sa- Crucificado, vemos Deus hu- gão, encontra Deus. Ve rd a d e i ra- mas Jesus vem cumprir a Pás- bemos surpreender-nos à vista milhado, o Omnipotente re- mente era Filho de Deus! A sua fra- coa com o seu sacrifício. O seu d’Ele? Porquê? Talvez porque duzido a um descartado. E, se chancela a Paixão. Muitos povo espera celebrar a vitória a nossa fé foi corroída pelo há- com a graça do assombro, antes dele no Evangelho, ad- sobre os romanos com a espa- bito; talvez porque ficamos fe- compreendemos que, acolhen- mirando Jesus pelos seus mila- da, mas Jesus vem celebrar a nece aberta ao outro, à sua no- da humilhação. Triunfa aco- chados nas lamúrias e deixa- do quem é descartado, aproxi- gres e prodígios, reconhece- vitória de Deus com a cruz. vidade. Também hoje há mui- lhendo a dor e a morte, que mo-nos paralisar pelos dissa- mando-nos de quem é humi- ram-no como Filho de Deus, Que aconteceu àquele povo tos que admiram Jesus: falou nós, súcubos à admiração e ao bores; talvez porque perdemos lhado pela vida, amamos Je- mas o próprio Cristo manda- que, em poucos dias, passou bem, amou e perdoou, o seu sucesso, evitaríamos.

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