A propósito de Elanae e Laniae: problemas de etnonímia e toponimia antigas Autor(es): Alarcão, Jorge de Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra URL persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/46055 DOI: DOI:https://doi.org/10.14195/0870-4147_36-2_25 Accessed : 29-Sep-2021 15:00:46 A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. 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Miguel-o-Anjo, encontrou-se uma inscrição onde se pretendeu 1er o teónimo Brigus (ENCARNAÇÃO, 1975: 148; BLÁZQUEZ, 1975: 48-49; GARCIA, 1991: 296). É o seguinte, o texto: A. BRIGO / FLAVS. A/PILI (filius) VAL/ABRIGII/NSIS VO/TVM S(olvit) L(ibens). M. MIIRITO Vários autores, desde Leite de Vasconcelos, têm admitido que o A. inicial repre­ senta a abreviatura d QA(ugusto). Mas Tranoy (1981: 280), observando que a ara está mutilada na parte superior, propôs a leitura [BANDV] A. BRIGO. Segundo informação de José Manuel Garcia (1991:296-297), Tranoy teria posteriormente rejeitado a sua própria restituição, mas recusar-se-ia a aceitarA(ugusto). Amílcar Guerra (1998: 234-235) considerou A. BRIGO como elemento final de um epíteto que poderia ser [VAL]A.BRIGO, embora tenha acrescentado que esta hipótese não pode passar de mera conjectura. Esta é também a opinião de Patrick Le Roux (em comunicação que nos fez pessoalmente). A existência de um punctus distinguens não pode ser objecção à restituição VALABRIGO. Basta lembrarmo-nos de que, em Castelo Branco, existe a grafia 432 Jorge de Alarcão VIC. TOR/IAE (GARCIA, 1991: 441) e, em Beringel (Beja), A.POL.LI.NI (ENCARNAÇÃO, 1984: 354). Outros exemplos de uso incorrecto de puncti distinguentes podiam ser aduzidos. Parece, pois, inteiramente credível a interpretação [...]ABRIGO como epíteto de uma divindade, cujo nome próprio viria expresso numa linha que falta à inscrição, truncada, como se disse, na parte superior. Poderia também dar-se o caso de o nome próprio da divindade não ter sido expresso e a inscrição ter registado simplesmente o epíteto, de clara natureza tópica. A hipótese de [VALJABRIGO é perfeitamente aceitável. Volobriga era, segundo Ptolemeu II, 6,40, a capital dos Nemetati. Uma inscrição funerária de Braga, que regista umaBloena, Camali f(ilia), Valabricansis (TRANOY e LE ROUX, 1989-90: 212-213), confirma a forma Valabriga que se deduz da origo do dedicante na ara de Delães que agora examinamos. Não sendo de todo em todo impossível que Volobriga e Valabriga fossem dois povoados diferentes, parece-nos mais verosímil que Volobriga seja um erro de Ptolemeu ou que Volobriga e Valabriga tenham sido apenas duas pronúncias e grafias divergentes de um mesmo topónimo. Também nos não parece que Volobriga/Valabriga corresponda ao castro de S. Miguel-o-Anjo, donde provavelmente procede a inscrição de Delães, apesar de este povoado proto-histórico apresentar vestígios que sugerem “elevado grau de romanização” (DINIS, 1993: 71-72). Assim, o dedicante da ara, Flaus, Apili (filius), teria vindo de Valabriga para o castro de S. Miguel-o-Anjo e, neste, teria consagrado uma inscrição à divindade protectora do seu lugar de origem. Sem excluirmos esta hipótese e, portanto, a restituição [VAL]ABRIGO, consideraremos aqui a possibilidade de um epíteto teonímico Elainabrigo, Elanabrigo, Elaniabrigo ou Elianabrigo (em dativo, obviamente). Não excluiremos também a eventualidade, para todos estes nomes, de uma grafia com -//- em vez de -/-. Vários antropónimos indígenas podem relacionar-se com as formas propostas para o epíteto: Elaine (feminino, no dativo; eventualmente Elaina no nomina­ tivo); Elanius (com possível forma feminina Elania, todavia até agora não atestada, que seja do nosso conhecimento); Elanus (igualmente com possível forma feminina Elana, não atestada); Elanicus/-a; Elanis (em dativo, com dúvidas quanto à forma do nominativo) (ABASCAL PALAZÓN,1994). A ausência de antropónimo indígena Elianus/-a (pois a forma Eliana de IRCP, n.° 514 parece dever considerar-se como grafia alternativa de Aeliana e, portanto, relacionar-se com o gentilicio bem latino Aelius) leva-nos a considerar menos credível a reconstituição, na ara de S. Miguel-o-Anjo, do epíteto Elianabrigo. A Propósito de Elanae e Laniae 433 Sem excluirmos redondamente a possibilidade de Elainabrigo (com -/- ou -II-), o nome Elanabrigo (ou Elaniabrigo) parece-nos mais aceitável, por explicar o topónimo Delães. Fica o castro de S. Miguel-o-Anjo na freguesia de Delães e perto da sede de paróquia. O nome de Delães, segundo J. P. Machado (1993, voe. Delães), resultou da contracção da preposição de com o topónimo Elães. Nas Inquisitiones de 1220, o nome desta paróquia aparece como S. Salvatore de Elaes (PMH, Inq. I: 65). Deve supor-se um-a- nasal que o notário não assinalou. Aceitando esta proposta de J. P. Machado, não deixaremos de recordar que existem outras alternativas (PIEL-KREMER, 1976: 112 e FERNANDES, 1999: 241). J. P. Machado considerou Elães como nome de origem obscura, possivelmente germânica. Ora o que nos parece é que o nomeElães terá derivado de Elanae ou Elanii (sempre com possibilidade de -//- em vez de -1-). O duplo -//- etimológico tanto pode ter dado, em galaico-português, -/- como-Ih- (MAIA, 1997:498). A queda do -n- intervocálico com nasalação da vogal tónica anterior -a- é um fenómeno normal. A terminação -es de Delães tanto pode ter derivado de -ae, como de -ii ou -is. A terminação latina -iae também pode ter dado, no galaico-português,-es, como em Flaviae > Chaves. No caso de Ellaniae, o resultado da evolução linguística teria sido, porém, Elanhas e não Elães, pelo que devemos fixar-nos emElanae ou Elanii como étimo de Elães. Em 1551 havia uma igreja ou capela de S. Salvador de Alães anexa à de S. Miguel, ficando esta no monte de S. Miguel-o-Anjo (COSTA, 1959: 31). É possível que Alães tenha a mesma etimologia de Elães. Uma das formas Ellanae ou Ellanii estaria na origem de Elães e, portanto, do actual topónimo Delães. Ou poderia Elães ter derivado de Elanei, e ser este o nome dos habitantes de um castellum Ellaneum? Ora, pela sua forma, Elanae e Elanii (eventualmente com -U-) seriam nominativos do plural, designativos (na nossa hipótese) dos habitantes do castro de S. Miguel-o-Anjo. Se bem que os grandes etnónimos do Noroeste, isto é, os nomes dos populi, sejam, na sua quase totalidade, de tema em -o (com plural em -i, como Bracari, Leuni, Seurbi, etc.), temos, de tema em - a, pelo menos os Arrotrebae no conventus Lucensis e os Zoelae no conventus Asturicensis. Acresce que osEllanae não seriam um populus no sentido em que Plínio usa este nome, mas um grupo correspondente aos habitantes de um castro ou castellum, neste caso, o de S. Miguel-o-Anjo. O castellum chamar-se-ia, pois, Elana ou Ellana, Elaneum ou Ellaneum, Elanium ou Ellanium. O presumido ou hipotético epíteto Elanabrigo ou Ellanabrigo obriga a optar por Elana ou Ellana, pois, no caso de Elaneum ou Elanium, a forma do epíteto deveria ser Elaneobrigo. Mais adiante, porém, reconsideraremos o problema do nome do castellum. 434 Jorge de Alarcão Poderemos argumentar que o epítetoElanabrigo, exigindo, como topónimo, Elanabriga, exclui o hipotético nome de castellum Elana e o nome de Elanae para os habitantes, que deveriam ter sido chamados Elanabrigenses. Temos de considerar, todavia, a hipótese de o primeiro elemento dos topónimos terminados em -briga ter tido, na época romana, uma existência autónoma. Amílcar Guerra (1995-1997) sustentou, justamente, a ideia de que o elemento *Iera de lerabriga teve existência independente e chamou a atenção para o facto de o actual topónimo Meda se relacionar com Meidubrigenses ou Medobrigenses (sobre estes últimos nomes e o correlativo topónimo, vid. GUERRA, 1998: 528-529). Deixando na dúvida se *Iera corresponde a hidrónimo, orónimo ou qualquer outra entidade, Amílcar Guerra considerou aquele nome como étimo de Xira (de Vila Franca de Xira). Parece-nos possível que *Iera fosse um corónimo e que lerabriga fosse o nome do povoado principal dessa região. A evolução *Iera> *Gera ou *Jera > Xira é perfeitamente admissível. Do mesmo modo, Meidubriga corresponderia ao povoado principal de uma área chamada *Meidu. Se Elana ou Ellana era um corónimo, os habitantes da região seriam os Elanae ou Ellanae e deste nome teriam derivado, na época romana, o epíteto Elanabrigo e, na Idade Média, o nome Elães que as Inquisitiones de 1220 registam. Mas talvez não seja inadmissível a hipótese de o castellum de S. Miguel-o-Anjo poder ter sido conhecido pela dupla designação de castellum Elana e Elanabriga e de os seus habitantes terem sido chamados Elanae ou Elanabrigenses.
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