Cadernos Metrópole ISSN: 1517-2422 [email protected] Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Brasil Leitão, Gerônimo Transformações na estrutura socioespacial das favelas cariocas: a Rocinha como um exemplo Cadernos Metrópole, núm. 18, julio-diciembre, 2007, pp. 135-155 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=402837797007 Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto Transformações na estrutura socioespacial das favelas cariocas: a Rocinha como um exemplo Gerônimo Leitão Resumo Este trabalho pretende contribuir para uma melhor caracterização da dinâmica da pro- Abstract dução do ambiente construído nas favelas This work intends to contribute to a better cariocas, a partir de um estudo sobre a fa- characterization of the production dynamics vela da Rocinha, localizada na zona sul da of the constructed environment in slums cidade do Rio de Janeiro. Procuramos de- of Rio de Janeiro, by means of a study of monstrar, inicialmente, que, ao longo de Rocinha, located in the south part of the cinqüenta anos, de um espaço de uso predo- city. First, we demonstrate that, during minantemente residencial, a Rocinha evoluiu a period of fifty years, Rocinha’s space para outro, cada vez mais complexo. Nesse use, which used to be a predominantly período, ocorreram mudanças significativas residential, became more complex. Changes no processo de construção da moradia, sen- also happened in the dwellings’ construction do que, nos últimos vinte anos, verificou-se, process and, over the last two decades, a também, a estruturação de um expressi- significant informal real estate market has vo mercado imobiliário informal na favela. been structured in the slum. Despite the Apesar das particularidades da Rocinha, as particularities of Rocinha, the considerations considerações sobre essa comunidade con- about this community can contribute to an tribuem para uma compreensão do que understanding of what happens in other ocorre nas demais favelas cariocas, no início slums of the city of Rio de Janeiro, in the do século XXI. beginning of the 21st century. Palavras-chave: favelas cariocas; Rocinha; Keywords: Rio de Janeiro’s slums; rocinha; mercado imobiliário informal; produção da informal real estate market; dwelling moradia em assentamentos informais; estru- production in informal settlements; socio- tura socioespacial de favelas. spatial structure of slums. cadernos metrópole 18 pp. 135-155 20 sem. 2007 gerônimo leitão Rocinha: a maior favela empresas têm tido, inclusive, acesso a linhas da América Latina, uma especiais de financiamento, o que contribuiu para estimular, ainda mais, o crescimento cidade cearense ou mais dos negócios.6 Novas oportunidades surgem um bairro carioca? todos os dias, inclusive no setor das ativi- dades turísticas: a cidade passou a ser, re- Nos últimos vinte anos, poucas cidades1 no centemente, incluída no roteiro de agências, estado do Rio de Janeiro cresceram tanto, que levam até lá visitantes – estrangeiros, proporcionalmente, quanto esta: sua po- sobretudo – para conhecerem as belezas da pulação praticamente triplicou.2 Os novos natureza, as peculiaridades do seu urbanis- moradores vieram, em sua maioria, do nor- mo e o estilo de vida de seus moradores. deste do país. São cearenses, paraibanos, A vitalidade da atividade comercial pernambucanos, alagoanos, enfim, gente de nessa cidade só parece menor do que a da todas as partes dessa região3 do país. Diz- construção civil: a impressão que se tem é se, mesmo, que os moradores dessa cidade a de que se está num canteiro de obras per- se não são nordestinos, são filhos ou netos manente, tal o número de edificações sendo daqueles que vieram tentar a sorte no Rio construídas, ampliadas e reformadas. Para de Janeiro e por aqui ficaram. atender a uma demanda crescente por es- Como em qualquer outra cidade flumi- paço, a solução encontrada por muitos é a nense, nesta também existem lugares onde verticalização das moradias,7 investindo tu- 136 moram os que têm maior renda e outros on- do que podem nas fundações, já que delas de vivem aqueles que são mais pobres.4 Isso depende, principalmente, esse processo de pode ser verificado não apenas na aparência crescimento para o alto. Muita gente não de ruas e de edifícios. Pode ser observado, acredita em quanto se paga e quantas são as também, nas palavras dos próprios morado- transações de compra, venda e locação que res: quando alguém diz que mora neste ou ocorrem nessa cidade: num de seus bairros, naquele lugar, está dando mais informações o valor do aluguel de um apartamento, só do que tão-somente seu endereço. para citar um exemplo, equivale ao de um O diversificado comércio local – com imóvel com características semelhantes nos mais de 1.500 estabelecimentos – não fica bairros da Glória, Catete e Flamengo, na zo- nada a dever ao de muitas cidades e é mo- na sul da cidade do Rio de Janeiro.8 tivo de orgulho para os moradores, quando Mas lá não se vive só para o trabalho: afirmam que, cada vez mais, não é preciso a cultura e o lazer também têm o seu lu- sair para outros lugares em busca daquilo gar – e importante. É bem verdade que não que precisam comprar.5 Há quem diga, in- há um cinema ou um teatro – mas esse tam- clusive, que não passa um mês sem que um bém é um problema de outras cidades do in- novo estabelecimento comercial abra suas terior fluminense. Porém, da casa noturna portas. São, em sua quase totalidade, micro de espetáculos – onde já se apresentaram e pequenas empresas, embora já se tenha alguns dos principais artistas da música po- notícia do interesse de grandes organizações pular brasileira – aos grupos amadores de se instalarem lá. Muitas dessas pequenas teatro – que, muitas vezes, realizam suas cadernos metrópole 18 pp. 135-155 20 sem. 2007 transformações na estrutura socioespacial das favelas cariocas: a rocinha como um exemplo apresentações pelas ruas da cidade –, pas- e à violência, como aconteceu, anos atrás, sando pelos cantadores nordestinos que com o município de Duque de Caxias, na entoam seus versos na feira realizada na Baixada Fluminense. Para essas lideranças, praça principal e a escola de samba criada não é justo que “toda uma comunidade de no final dos anos 80, pode-se dizer, sem gente trabalhadora” tenha “sua reputação medo de errar, que a cultura está presente manchada” pela ação de um pequeno grupo por toda parte.Tudo isso sem contar a Rá- de criminosos. Muitos se queixam, também, dio FM, inaugurada há alguns anos e que se de arbitrariedades praticadas por policiais.14 transformou em mais um motivo de orgu- Mesmo assim, reconhecem, com pesar, o lho para a comunidade local,9 assim como poder que o narcotráfico possui na cidade o sistema de tv a cabo, cuja implantação e que se manifesta de diferentes modos: da conectou a cidade ao que acontece no resto assistência social a famílias pobres à garan- do mundo.10 tia de manutenção da segurança nas áreas Nessa cidade, as associações de mora- situadas no entorno dos pontos de comer- dores têm lutado, ao longo dos anos, pela cialização de drogas. melhoria das condições de vida da população Essa “cidade”, contudo, não existe. local. Algumas são mais atuantes e repre- Exceto, talvez, no imaginário de muitos de sentativas do que outras, contudo, essas en- seus moradores. Nesse imaginário, existe, tidades desempenham, ao lado de outras or- sim, uma cidade chamada Rocinha. Localiza- ganizações não-governamentais, um impor- da na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, tante papel no dia-a-dia da comunidade.11 é, para muitos, a maior favela da América 137 Mas também existem problemas – e são­­ Latina – uma expressão invariavelmente uti- muitos. A começar pela infra-estrutura, que a lizada, principalmente pela imprensa, para maioria de seus habitantes considera o prin- qualificá-la. Para quem mora na Rocinha, cipal problema existente na comunida de. São é algo mais do que isso: trata-se de uma inúmeras as queixas referentes à ausência de verdadeira cidade, com vários “bairros”, investimentos do poder público em obras de que possuem, cada um deles, uma identi- saneamento básico – não sem ra zão: a maio- dade própria. Alguns dos cearenses que lá ria das ruas não possui rede de esgoto e o vivem – e são muitos – chegam mesmo a abastecimento de água é bastante precário dizer, num misto de orgulho e exagero, que em algumas localidades. Apesar das diver- a “Rocinha é a segunda maior cidade do sas clínicas privadas que lá se instalaram nos Cea rá, depois de Fortaleza”, tal o número últimos anos – algumas até sofisticadas12 ­­ – , de “conterrâneos”. a população reivindica, também, um melhor Nem a “maior favela da América Latina”, atendimento público na área de saúde. nem a “segunda maior cidade do Ceará”: des- Há, ainda, a violência13 – um assunto de a metade dos anos 1980, a Rocinha é mais sobre o qual a maioria dos moradores evi- um bairro15 da cidade do Rio de Janeiro, por ta comentar com aqueles que são de fora. decisão da então administração municipal – As lideranças de associações comunitárias um destino certamente não imaginado pelas lamentam que, volta e meia, jornais e revis- espanholas que cultivavam uma pequena roça tas associem o lugar onde vivem ao crime nesse local, cinqüenta anos antes. cadernos metrópole 18 pp. 135-155 20 sem. 2007 gerônimo leitão Ocupando, atualmente, uma área de (Índice de Desenvolvimento Humano) da aproximadamente 454.000 metros qua- cidade – 0,89, numa escala de 0 a 1 –, en- drados, na encosta dos morros Dois Irmãos quanto a Rocinha tem o quarto pior – 0,59.
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