41. Dublinenses por que joyce teve de deixar a irlanda para escrever ulysses / a carruagem com gavin friday em cima / u2 se transforma nos virgin prunes / por isso win wenders / domingo na tenda com bono Bono conheceu Salman Rushdie devido ao interesse em comum por uma guerra orquestrada por Reagan, contra o governo marxista da Nicarágua. Eles visitaram o país simultaneamente no verão de 1986. Eles não se encontraram na época, mas continuaram ouvindo falar um sobre o outro enquanto viajavam. Um dia, a intérprete de Rushdie veio sem fôlego falar para ele: “Você nunca vai adivinhar quem está vindo! Sabe quem? Bono!”. Então ela se acalmou e disse: “Desculpe - Quem é Bono?” Mais tarde, Bono leu o livro de Rushdie sobre a sua viagem à América Central, O Sorriso do Jaguar, e ficou impressionado o suficiente para convidar o escritor para um show do U2. Eu contei a Rushdie que no voo para a Itália, mês passado, eu estava lendo sua coletânea Imaginary Homelands. Quando eu li esse ensaio sobre Raymond Carver, fiquei impressionado com uma linha do poema “Suspenders” que Rushdie citou sobre o “silêncio que chega numa casa onde ninguém consegue dormir”. Isso claramente inspirou o verso de Bono em “Ultra Violet (Light My Way)”: “Há um silêncio que chega na nossa casa quando ninguém consegue dormir”. Carver foi uma inspiração para as letras de The Joshua Tree, então não foi uma grande surpresa que o U2 o tivesse citado novamente. Porém, quando eu mencionei a referência feita por Bono, ele disse: “Ah, merda! Eu não me dei conta disso! Eu devo ter lido isso e esquecido. Eu achava que era um verso meu”. Ele resmungou por um minuto e disse com falsa tristeza: “Eu achava que eu era um gênio”. “Plágio subconsciente”. Rushdie sorri. “Acontece com todos nós o tempo todo. Eu tive uma conversa por telefone com Bono, um dia após eu estar no palco em Wembley, na qual ele falou de maneira muito interessante, eu penso, sobre o lugar do compositor numa banda de rock. Ele disse: ‘o problema é que a menos que você venha de uma espécie de tradição folclórica, de uma tradição a la Dylan, as palavras tem importância muito pequena’. Ele disse que o compositor está lá para sentir o que está no ar da banda, o humor, e derrubar tudo isso rapidamente. E se as letras não funcionarem, então você as joga fora e coloca alguma outra coisa no lugar”. “Isso é o que eles têm feito e, é claro, eles criaram grandes músicas a partir disso. Mas eu tive a sensação de que ele estava procurando se mover para um caminho diferente de composição, onde talvez as palavras tenham mais importância. Eu acho que seria muito interessante. A questão sobre o U2 - e ocorria o mesmo com os Beatles - é que eles nunca fazem a mesma coisa duas vezes. Uma vez que os Beatles tenham feito o Sgt. Peppers, eles não o farão de novo. Isso é o que me interessa nessa banda. Parece para mim que eles têm aquela capacidade de constantemente se reinventar, como as grandes bandas dos anos 60 tinham. Eu não tinha visto uma banda assim desde então”. “Essa é a terceira vez que eu vejo o show deles. Eu estava no Earl’s Court no ano passado, quando o local era menor, e eu os vi em Wembley, que é duas vezes maior. Essa noite eu achei que o show encontrou seu modelo e tamanho certos e funcionou. De repente, à noite eu pude ver em cima do palco todas as coisas que eu ouvi Bono dizer sobre as ideias do show. Eu não precisei que me explicassem. Eu pensei: ‘Isso é um ato de encerramento fantástico’.” 1 “A aposta que o artista - seja de rock, filmes ou novelas - sempre faz é dizer: ‘Isso é o que está acontecendo para mim no momento e aqui está a linguagem que eu encontrei para dizer isso. Eu falo desse modo porque eu não tive outra escolha’.” Então, o risco que você corre é que você quer que as pessoas gostem. Se elas não gostarem, você falhou. Se elas gostarem, você teve sorte. Contudo, o que você aprende é que a coisa deve sempre ser gerada pelo que está acontecendo dentro de você. Tentar corresponder ao que o publico quer, o que você acha que o mercado precisa, o que as pessoas compram hoje - se você fizer isso, você está morto, cara”. A sala está lotando cada vez mais. Os mesmos seguranças que mais cedo tentaram impedir o filho do Edge de entrar, agora parecem ter jogado a cautela para os ares. Bono está enlouquecendo com cada pessoa que se aproxima e fala com ele: “Parece um casamento irlandês”, ele sussurra. Eu pergunto se ele quer sair para algum lugar e ele diz: não, não, ele tem que ir pra casa hoje à noite. Ele precisa ir. “Bono está vazio”, diz Gavin Friday. “Não restou mais nada”. Lá pela uma e meia da manhã, eu pego uma carona de volta para o hotel. Salman ainda está na tenda numa boa. Eu não devia estar surpreso. Com que frequência ele sai para uma festa? De volta ao bar do hotel eu vou até Gavin, que está furioso porque trancaram ele e a mãe dele nas arquibancadas superiores, onde os organizadores falaram para ele que se ele era tão importante quanto ele pensava que era, não devia estar ali. É incrível que literalmente centenas de interesseiros estavam curtindo a hospitalidade do U2 enquanto a pessoa mais próxima da banda - o próprio Simão de Cirine, de Bono - estava sendo forçado a deixar o local. O bar começa a encher com os Principles¹, quando quem deveria entrar era Bono. Talvez, ele calcula, haja tempo para um drink antes de ir pra casa. Às 3 da manhã o bar do hotel parece estar cheio com todos os interesseiros do pós-show. Gavin começa a organizar uma movimentação rumo ao Lillie's Bordello. Ali estavam sua noiva Renee, B.P. Fallon (que passou boa parte da noite tentando puxar assunto com Bono, enquanto se escondia de Larry, que tirou ele do caminho da turnê meses atrás com a ameaça “ou B.P. vai ou eu vou”), Christy Turlington e Fightin' Fintan Fitzgerald. Christy tem um motorista esperando do lado de fora, mas ele se recusa a levar seis passageiros. Gavin, B.P. e eu dissemos para os outros três irem com o motorista e nós três pegaríamos um táxi. O ponto de táxi do hotel está vazio. Um carro cheio de garotas italianas chegou buzinando. Elas gritam “Gavin! Gavin!”, tiram um monte de fotos e saem gargalhando. Ainda não há táxis. Nós estamos andando no meio da rua, quando o que nós vemos lá longe é uma das carruagens puxadas por cavalos que circulam próximas a St. Stephen's Green. Perguntamos ao motorista se ele poderia sair da rota de costume para nos levar ao Lillie's. Nós negociamos um preço justo e então atravessamos Dublin, como Joyce costumava fazer, numa carruagem. É como estar em Os Mortos². Lillie's está agitado nessa sexta à noite. Gavin puxa uma cadeira ao lado de seu velho parceiro do Prunes, Guggi. Um falastrão da Golden Horde, uma banda de Dublin, chega gritando e anuncia com uma voz tão alta que devia estar usando fones de ouvido: “Eu vi vocês tocarem quando eu tinha onze anos! O U2 abriu o show e eles eram uma merda, mas os Virgin Prunes eram brilhantes!” _________________________ ¹ Principles: pessoal da equipe de produção do U2. ² "Os Mortos" é o último dos 15 contos que compõem "Dublinenses", famosa antologia escrita pelo escritor irlandês James Joyce entre 1904 e 1907. Apresentando ao leitor a gélida atmosfera de Dublin do início do século 20, o autor traz uma narrativa permeada por um olhar afetivo e nostálgico à Irlanda. 2 Gavin e Guggi tomam seus drinques e não dão muita bola para os elogios. Depois que o falastrão sai, Gavin fala sobre os primeiros dias das bandas dos dois irmãos (literalmente: cada uma tinha um irmão Evans na guitarra). No primeiro dos primeiros shows da Virgin Prunes a banda consistia de Gavin e Guggi, apoiados por Adam, Edge e Larry - de vestido. Quando o U2 conseguiu um trabalho que exigia que eles tocassem por duas horas, Gavin vinha e cantava músicas dos Ramones e "Suffragette City" do David Bowie, de modo que Bono pudesse descansar sua voz. “Bill Graham disse em 1980”, Gavin relembra Guggi, “que o U2 acabaria se transformando no Virgin Prunes. E com Macphisto isso finalmente aconteceu. Levou treze anos para Bono juntar coragem e colocar batom”. Guggi balança a cabeça e Gavin declara: “Na minha próxima turnê eu vou sair carregando uma bandeira branca!” Gavin começa a cantar “Sad”, uma música que ele e Bono escreveram quando eles tinham dezessete anos. Eu digo a ele que é uma boa música, que deveria colocar no próximo álbum. Gavin diz que isso não vai acontecer; ele não cantará nenhuma música do Prunes no palco. “O Virgin Prunes é como o primeiro casamento que acabou em divórcio”, ele diz. “Eu respeito, mas não quero voltar para ele”. As histórias continuam até a manhã seguinte, ficando cada vez maiores. Há histórias desta noite, histórias da semana passada e histórias de quinze anos atrás, todas voando pela Lillie's Library como as histórias que Bono alega que os grandes escritores irlandeses contaram nesta sala. Estou levando em consideração o que Bono me contou no início dessa longa semana de paletras: “Anthony Burgess disse que Joyce teve de deixar Dublin para escrever Ulysses, ‘porque se ele ficasse aqui ele teria contado sobre o livro’”.
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