História da Cultura Amazonense I e II Mário Ypiranga Monteiro História da Cultura Amazonense Concultura – 2016 – Manaus, 1.ª edição Ycaro Verçosa dos Santos Bibliotecário CRB-11 287 M775h Monteiro, Mário Ypiranga (1909-2004) História da Cultura Amazonense: I e II. – Manaus: Fundo Municipal de Cultura, 2016. 556 p. ISBN 978-85-92843-00-7 1. Amazonas – Cultura – História I. Título CDD 306.4098113 22. Ed. Terram fluentem lacte, et melle Êxodo, 3, 15-12 Deste grande respeito, que têm aos velhos nascem o te- rem em grande veneração os seus contos, que vão passando por tradição de uns aos outros, como é a notícia do dilúvio univer- sal, e outras; Porém, nem as velhas são doutoras, nem os moços letrados, e principalmente por não haver entre eles o uso de li- vros, nem a providência de ler, e escrever nada sabem de raiz, nem se pode fazer finca-pé nos seus ditos, e evangelhos. Padre João Daniel – Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas, 1:199 Não necessitam as províncias ribeirinhas do rio das Ama- zonas dos estranhos bens; o rio é abundante de pescado, as ma- tas de caça, os ares de aves, as árvores de frutos, os campos de messes, a terra de minas, como depois veremos. Padre Cristóvão de Acuña – Novo descobrimento do Rio Grande das Amazonas, 169. Aos meus queridos netinhos Mário Ypiranga Monteiro Neto, Patrícia, Bianca, Samanta, Giuliana Sumário Prefácio 11 HISTÓRIA DA CULTURA AMAZONENSE VOLUME I 15 Primeira Parte – A colônia 17 Livro Primeiro – A Aldeia e o Lugar 19 Introdução 1 – Prefaciando a América 23 2 – O continente fechado 31 Capítulo I – O contato com o meio 37 Capítulo II – Sôbolas águas que vão 81 Capítulo III – As expedições imediatas 129 Capítulo IV – Um continente a modelar 165 Livro Segundo – A Vila e a Cidade 185 Capítulo I – O grande vazio 187 Capítulo II – A cruz e a espada 227 Capítulo III – Valorização do mundo amazônico através da literatura 255 Capítulo IV – A ascensão social do mamaluco 295 HISTÓRIA DA CULTURA AMAZONENSE VEOLUME II 335 Livro terceiro – As técnicas 337 Capítulo I – As Técnicas Mestiças e Urbanas 339 Capítulo II – As Técnicas Indígeno-Mestiças 381 Segunda parte – As culturas primitivas 419 Livro quarto – Culturas materiais 421 Capítulo I – Argumentos sem provas 423 Capítulo II – Do homo faber ao homo sapiens 455 Capítulo III – A Amazonlândia como espéculo da Cultura 499 Títulos Publicados 553 PREFÁCIO entativas de valorização da cultura amazonense foram encaminhadas por todas as obras aparecidas, sejam de as- pecto material ou espiritual, em livros, brochuras, jornais, Tpainéis, monumentos etc., mas sempre correspondendo a um aspecto da cultura total. Ainda não se tentara divulgar em um todo, embora a ambição desse projeto seja encarada como uma aventura perigosa, aquilo que ainda sobrou para ser dito, para ser mostrado de maneira mais atualizada. Um dos itens que mais pre- judicaram os quadros da história da nossa cultura foi a carência de documentos iconográficos. É somente com os viajantes explo- radores do século XIX e uns poucos dos séculos anteriores, in- cluindo-se, entre estes, o naturalista, doutor Alexandre Rodrigues Ferreira, que ficamos sabendo como era isto ou aquilo e podemos fixar uma imagem aproximada bem mais real do objeto ou do fato cultural. Nem todos os que perlustraram a Amazônia se serviram do desenho e, mais tarde, da fotografia para a documentação. E, assim, ficamos na dependência da descrição e, pior ainda, do es- tilo dos escribas. Por mais bem intencionados que fossem e por mais diligentes que parecessem ser ficava o lacunário aberto. Nós tentamos preencher esse lacunário? Não. Seria impos- sível enfrentar a série de dificuldades que se apresenta para a re- constituição de realidades, muitas vezes, mais fantasiadas do que fixadas em um espetáculo definitivo. Entretanto, procuramos descobrir onde estavam os pontos menos abordados e não cre- mos a vê-los apontados todos, vamos satisfazendo nossa curiosi- dade e colocando o problema em uma situação menos embaraça- da do que era, do que estava parecendo ser aos olhos de muitos, aos olhos daqueles que sempre abarcaram a região, com os olhos compridos da curiosidade e da desconfiança. Este trabalho, primitivamente alojado em uma moldura me- nos ampla e menos cosmopolita, aparece como o resultado de vá- 11 rias tentativas de conceituar problemas internos parceladamente, não em conjunto, não em uma totalidade ampla, de horizontes mais largos. Creio que seriam necessárias várias monografias pertinentes a assuntos essenciais, assim uma como brilhatura da competência do doutor Alexandre Rodrigues Ferreira, no estilo das Memórias. Mas, então, os temas teriam de ser forçosamente selecionados, escrupulosamente passados em peneira, a fim de que se projetasse o material sem grandes ônus. Foi quando o Mi- nistro doutor Henoch Reis, um dia, surpreendeu-me com a ideia imensa e ambiciosa de uma História da Cultura Amazonense. Previ que uma história iria requerer de mim uma capacidade de trabalho acima daquela de que disponho normalmente, levando- se em conta inadiáveis obrigações na Universidade, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, no Conselho Estadual de Cultura, atividades que reduzem a capacidade ociosa a um mero quadro de perplexidade, quando o usuário não dispõe de elemen- tos para tentar subtrair-se ao enleio do dolce far niente. Com o meu tempo disciplinado e a recusa à poluição do espírito, talvez a prebenda lucrasse salvar a festiva ideia do meu caro amigo e velho, velhíssimo companheiro de infância, de jornal e atual governador do nosso Estado natal. Estimulado pela amizade que é sempre tirânica, andei grudando uns recortes, alinhavando umas folhas esparsas, catando aqui e ali umas receitas e consegui arrumar um volume para esta introdução à História da Cultura Amazonense. O terceiro está na fôrma, caminhando com aquela displicência que alimenta o exercício dos meus pendores literários. Para escre- ver história, eu me perco nas suaves tentações do absurdo. Levei vinte anos namorando a história do Teatro Amazonas e gastei dez escrevendo o meu, volumoso, Cristóvão Colombo. A pressa é minha inimiga. O Roteiro Histórico de Manaus anda pelos vin- te e cinco anos de pesquisas, corrigendas e publicações esparsas. Vegeto, mas gosto de dar bons frutos. Frutos que aproveitem aos meus netos e aos netos de outros, as gerações cultas de amanhã. É, portanto, de admirar que este volume, o primeiro de quatro, te- nha sido elaborado em dois anos e meio? Realmente não é muito 12 fácil escrever-se a história de uma cultura quando a bibliografia essencial não existe no nosso melhor repositório de livros. Não fora o auxílio da minha biblioteca particular e umas pesquisas que realizei no Rio de Janeiro, na Biblioteca Nacional, confesso que teria recusado esta incumbência. Porque ela é das tantas que exigem sacrifício justamente ali onde se pensa que as águas cor- rem em dia santo. Fontes seguras, o jornal, o livro, a revista, o panfleto escasseiam. Não se pode documentar fatos com apenas uma informação vaga. Os fatos sociais estão asilados nas folhas: são elas que registram aspectos da cultura em todos os tempos, mas, também, estão nas obras pensadas, planejadas e escritas com empenho. Ora, os jornais de que podemos dispor para consultas, os velhos jornais do Amazonas, são hoje uma raridade e, quando existem (e existem grandes coleções, posto que falhas) padecem do sofrimento dos velhos: estão encarquilhados, rasgados, des- conjuntados e, como são doações, vieram de um tratamento nem sempre carinhoso e estão desfalcados dos retratos, de notícias im- portantes, cortados à tesoura. O usuário deve aceitar o aspecto lacunário desta obra, como resultado daquela defasagem alegada acima. A fim de evitar que se tomem os quatro volumes desta introdução como uma totali- dade definitiva dos quatro suntuosos da nossa cultura espiritual e material, advertimos para o título que não busca acomodar-se a um nível de imodéstia, mas resulta do receio de que os quadros mais enfáticos dessa cultura possam ficar entanguidos, misera- velmente atrofiados por culpa exclusiva do historiador, de uma incompleta análise social ou uma deficiência na crítica expositiva. Estarão, portanto, sujeitos a reformulações, acréscimos, revisões de ideias, malmente esboçadas ou carência de valores não muito precipitados ou omitidos por natural açodamento. O conhecimento geral do complexo civilização/cultura seria 1 objeto realmente de um estudo mais demorado e mais profundo 1 Monteiro, Mário Ypiranga – Roteiro do Folclore Amazônico, introdução, Manaus, 1964. 13 e talvez se justificasse aquela nossa anterior predileção por mo- nografias especializadas, do tipo O regatão, ou à semelhança de O aguadeiro como fórmula otimista de escapar às críticas funda- mentalistas. Mas, protegido pela rodela assim menos vulnerável do título, sempre será possível reconhecer-se no conteúdo dos volumes uma boa esperança de acertar e uma tentativa a mais de encaminhar o assunto ao nível da preocupação introdutória, por- tanto, sem nada a oferecer de definitivo e de compromissado, de completo, de exaustivo, de eterno. Apenas quadros, aqueles mais sugestivos e enfáticos. A criminosa omissão do Estado do Amazonas em todos os projetos de colocação de cultura nacional tornou-se um desafio permanente para os filhos desta terra, que não compreendem, não podem compreender, o motivo dessa recusa, o desinteresse des- ses precários e esfarrapados planos de divulgação. Permanecemos do lado de fora, como meros espectadores do festal cosmopolita promovido pelos pretensos cultivadores da inteligência nacional, nós, que fornecemos ao mundo a maior bibliografia existente e relacionada a todos os aspectos do conhecimento humano! A ter- rível omissão que ofende nossos sentimentos de brasileiros resul- ta de sinistra negação do contributo indígena, do complô contra a cultura indígena, subestimada em relação à africana, de uma lastimável ignorância do que é o Brasil e, isso, esta prova de recu- sa, começa nos livros didáticos, onde as disciplinas de Geografia e História são, simplesmente, tratadas epidermicamente, quando o são, e, não raro, lembradas em pitorescas afirmações de atraso intelectual.
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