Belo Horizonte - 2000 Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC ISBN 85-903587-1-2 Os intelectuais e a política cultural: os casos da editora El Puente e do periódico El Caimán Barbudo Silvia Cezar Miskulin 1 Nesta comunicação, apresentarei as trajetórias da editora El Puente e do suplemento cultural El Caimán Barbudo , que surgiram nos anos 60 em Cuba, em meio a efervescência política e artística que predominou nos anos que se seguiram após o triunfo da Revolução. Esses dois casos específicos foram escolhidos como centro de uma análise mais abrangente sobre o confronto entre política cultural oficial do governo e certos setores da intelectualidade cubana que não aceitavam as diretrizes oficiais nas décadas de 1960 e 1970. Com o triunfo da Revolução, desenvolveu-se em Cuba uma intensa movimentação cultural, marcada pelo surgimento de novas publicações (suplementos, jornais e revistas), instituições, editoras, teatros e inúmeras outras manifestações artísticas e musicais. Os intelectuais e artistas estavam entusiasmados diante das novas possibilidades que se abriam em Cuba para desenvolver suas criações. Mas uma política cultural oficial logo teve início. Seu marco inicial foi o discurso Palabras a los intelectuales , lido por Fidel Castro em junho de 1961, em que foram anunciados os direitos e deveres dos intelectuais: “Esto significa que dentro de la Revolución, todo; contra la Revolución nada.” 2. Definia-se a liberdade de expressão dos artistas e escritores, já que Fidel Castro delimitava claramente o papel dos intelectuais na luta pela defesa da Revolução. Este discurso foi proferido em reunião na Biblioteca Nacional José Martí , que debateu e ratificou a proibição ao documentário P.M. , dirigido por Orlando Jiménez-Leal e Sabá Cabrera Infante, que havia sido censurado pelo Icaic por ser considerado “decadente e contra-revolucionário”, ao mostrar a noite e os boêmios de Havana. A criação da Unión de Escritores y Artistas de Cuba (Uneac ) foi uma das importantes deliberações do Primeiro Congresso Nacional de Escritores e Artistas, realizado em agosto de 1 Doutoranda em História Social da USP. 2 CASTRO, Fidel. Palabras a los intelectuales. Havana, Ediciones del Consejo Nacional de Cultura, 1961, p.11. 1 Belo Horizonte - 2000 Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC ISBN 85-903587-1-2 1961, quando se definiu que as políticas culturais priorizariam a “elaboração de uma nova criação cultural vinculada aos elementos da nacionalidade cubana e às preocupações do povo de Cuba” 3. O fechamento de Lunes de Revolución , ocorreu pouco depois, em novembro de 1961, explicitando os conflitos entre o grupo que editava o suplemento (dirigido por Guillermo Cabrera Infante e Pablo Armando Fernández) e o governo. Lunes era um suplemento aberto, cosmopolita, que publicava as vanguardas e os beatniks e incentivava a experimentação literária. O suplemento editava artigos políticos, defendia as conquistas da Revolução, mas não publicava apenas textos de marxistas-leninistas, e sim de distintas concepções ideológicas de esquerda. O perfil eclético e polêmico da publicação, tanto em termos estéticos, como em termos políticos, não se enquadrava dentro dos parâmetros da política cultural estabelecida em 1961, levando o governo a tomar a decisão de fechar Lunes de Revolución 4 já neste Primeiro Congresso Nacional de Escritores e Artistas. Depois de 1959, diversas editoras surgiram e o incentivo às publicações teve um aumento significativo. A editora Imprenta Nacional, criada em 1960, foi dirigida por Alejo Carpentier, publicando obras de cubanos e de intelectuais estrangeiros, com edições populares, visando ser acessível à maioria da população. A Ediciones R, criada em maio de 1960, foi dirigida inicialmente por Guillermo Cabrera Infante e por Virgilio Piñera, entre 1961 e 1964. A editora, organizada pelos escritores que colaboravam em Lunes de Revolución, publicava obras de autores cubanos ligados ao grupo, destacando-se poesia, conto, romance, teatro, ensaio e reportagem. A editora El Puente nasceu em 1960, dirigida pelo poeta José Mario Rodríguez, e publicava textos de jovens intelectuais, entre eles, os escritores Ana María Simo, Manuel Ballagas, Miguel Barnet, Nancy Morejón, Belkis Cuza Malé, Delfín Prats, Reinaldo Felipe (pseudônimo de Reinaldo Garcia Ramos), Isel Rivero, Georgina Herrera e Mercedes Cortázar. Muitos destes escritores produziam poesia, mas o grupo também reuniu muitos dramaturgos como Nicolás Dorr, José Ramon Brene, Gerardo Fulleda León e Eugenio Hernández Espinosa. Este último, embora não tenha publicado na editora, estava próximo ao grupo. El Puente destacou-se por ser uma editora aberta e polêmica, publicando obras literárias inovadoras em sua estética, de escritores jovens, de mulheres e de negras (como Nancy Morejón 3 Ver: “Declaración final del Primer Congreso Nacional de Escritores y Artistas de Cuba.” In: Lunes de Revolución , n. 120, Havana, 28/8/1961, pp.32-33. 4 Ver: MISKULIN, Sílvia Cezar. “Cultura e política em Cuba: os debates em Lunes de Revolución .” São Paulo, Dep. de História, Universidade de São Paulo, 2000. Dissertação de Mestrado (mimeo). Apoio e financiamento da Fapesp. 2 Belo Horizonte - 2000 Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC ISBN 85-903587-1-2 e Georgina Herrera, que eram de origem social popular), ou de homossexuais (como José Mario, Ana María Simo, Mercedes Cortázar, Reinaldo Felipe e Isel Rivero), dando espaço para as minorias e rompendo certos preconceitos. Nancy Morejón, que ganhou recentemente o Premio Nacional de Literatura 2001 em Cuba, destacou a importância da editora e de como o grupo contrapunha-se a Lunes de Revolución : “El Puente resultó vital para nosotros, para mí, en el plano personal. Un buen día llegó José Mario Rodríguez, su director, y me pidió unos poemas… Fue la primera editorial desinteresada, que quiso publicar poemas míos, sin segundas ni terceras intenciones. Trataba de ser un espacio frente a todo el poder de distribución y de omnipresencia que tenía Lunes de Revolución . Eso es lo que sé, lo que se ha dicho, lo que todos reconocen hoy. No se trata de juzgar a Lunes …; em mi intención no lo está, pero fuimos como una especie de alternativa.” 5 A editora conquistava cada vez um espaço maior no mundo cultural cubano, constituindo- se em uma alternativa rebelde para a juventude e ganhando grande importância. A publicação em 1962 da antologia Novísima Poesía Cubana , organizada por Ana María Simo e Reinaldo Felipe, foi um marco na conformação do grupo, pois não só reuniu todos os poetas que já estavam editando em El Puente , mas também seu prólogo pode ser tomado como uma verdadeira carta de intenções deste movimento literário. Ao se intitularem de novíssimos, os organizadores da antologia definiam o grupo como um movimento renovador de jovens na literatura cubana. Neste prólogo, reconheciam a importância da revista Orígenes , publicada de 1944 a 1956 por José Lezama Lima, como parte da importante tradição poética cubana, mas buscavam distanciar de seu tipo de poesia que acreditavam ser muito voltada a si própria. Definiam a poesia do grupo como parte de um outro momento e com o triunfo da Revolução buscavam uma nova temática e uma outra linguagem. Também criticaram a poesia propagandística, considerada muito afastada do que seria a obra de arte. Distanciavam-se destas duas vertentes da poesia cubana, já que a consideravam alheias ao homem: “De todo lo que antecede deben tener conciencia los jóvenes poetas si aspiran a una poesía que refleje al hombre en lo que tiene de común con los otros hombres, y en sus contradicciones; al hombre que existe, imagina y razona.” 6 Entretanto, segundo José Mario 7 a antologia recebeu duras críticas por ter publicado dois poetas que já em 1962 haviam se exilado, Isel Rivero e Mercedes Cortázar. Por outro lado, a 5 GRANT, María. “En los sitios de Nancy Morejon.” In: Opus Habana, v. VI, n. 1/2002, p.19. 6 FELIPE, Reinaldo; SIMO, Ana María (org.). Novísima Poesía Cubana. Havana, Ediciones El Puente, 1962, p.13. 7 MARIO, José. “La verídica história de Ediciones El Puente, La Habana, 1961-1965.” In: Revista Hispano Cubana , n.06. Madri, 1998. 3 Belo Horizonte - 2000 Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC ISBN 85-903587-1-2 partir deste momento, a editora passou a estar sob a tutela da Uneac , que passou a distribuir seus livros e posteriormente a imprimi-los. Desta maneira, El Puente que era uma editora independente e que tinha total autonomia para decidir quais títulos publicar, foi se transformando em uma editora semi-estatal, apesar de sempre lutar para manter sua atitude crítica e independente, conforme declarou recentemente seu editor. Os editores promoviam outras atividades, como recitais com compositores e intérpretes de música feeling como Marta Valdés, Cesar Portillo de la Luz, José Antonio Méndez, Ela O’Farril, entre outros, no Clube Teatro El Gato Tuerto , que foram um grande sucesso de público. O grupo estava planejando publicar uma revista intitulada Resumen Literario El Puente I , para a qual traduziriam o poema Uivo de Allen Ginsberg, sendo que os dois primeiros números estavam quase prontos, quando o grupo foi obrigado a dispersar-se. O fechamento de El Puente ocorreu em 1965, quando Nicolás Guillén, Presidente da Uneac , comunicou a José Mario que a instituição não se responsabilizava mais pela editora, já que Fidel Castro havia feito críticas a El Puente, por ocasião de seu encontro com estudantes e professores de filosofia na Universidade de Havana, entre eles Jesús Díaz. Fidel Castro teria participado da decisão de fechar a editora, segundo análise da pesquisadora francesa Liliane Hasson, ao dizer aos estudantes de filosofia: “El Puente lo vuelo yo” 8 e ao criticar abertamente o livro de contos de Manuel Ballagas Con temor , que encontrava-se no prelo. Na versão de José Mario, ele diz que esta crítica de Fidel pode tanto ter acontecido realmente, como pode ter sido um rumor que se espalhou por Havana, que se somava às críticas que as publicações oficiais comunistas vinham fazendo a editora.
Details
-
File Typepdf
-
Upload Time-
-
Content LanguagesEnglish
-
Upload UserAnonymous/Not logged-in
-
File Pages13 Page
-
File Size-