Brasil Mostra a Sua Cara Na

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HUMANIDADES TELEVISÃO Brasil mostra 11 a sua cara na Pesquisas mostram que novelas ajudam preconceitos que rondam o gênero. a compreender o país A partir do trabalho desse grupo de pesquisadores ficou possível afir­ mar, sem nenhuma dúvida, que a m janeiro de 1995, um grupo novela feita no Brasil é um produto Ede pesquisadores da Escola de cultural de qualidade e extrema­ Comunicação e Artes (ECA) da USP mente interessante como material deu início a um projeto de pesquisa. para compreender o País. Os folhe­ O amplo estudo, batizado de Ficção e tins, é claro, têm defeitos e falhas, Realidade: A Telenovela no Brasil; o mas definitivamente não poderiam Brasil na Telenovela, começou a se mais ser desprezados. desenvolver, dividido em nove pes­ As pesquisas encerraram-se no fi­ quisas separadas. O objetivo era es­ nal de 1999, sob a coordenação da tudar a novela brasileira, gênero professora Ana Maria Fadul. A gama considerado menor por tantos estu­ de assuntos coberta pelos nove traba­ diosos - e até mesmo por uma par­ lhos que compuseram o projeto foi cela considerável da população -, variada. Falou-se desde a participa­ identificar suas nuances, suas carac­ ção dos personagens negros nas no­ terísticas predominantes e, princi­ velas até a influência de formas de palmente, como ela é recebida pelos narrativas infantis, como os contos telespectadores. Era uma iniciativa de fadas, na construção de um drama perfil dessa forma de narrativa tipi­ pioneira de mapear uma manifesta­ para a TY. Alguns trabalhos conta­ camente brasileira - que tem essa ção que, apesar de ser extremamente ram com bolsas-auxílio da FAPESP, cara nacional justamente por refletir popular, havia sido muito pouco ana­ entre eles: O Campo da Comunica­ tão bem o País. lisada até então. ção: Os Valores dos Receptores de Tele­ O trabalho foi desenvolvido por novelas, da professora doutora Maria Temas tabus - Uma das pesquisas que um centro de pesquisas da ECA Aparecida Baccega; Recepção da Tele­ causaram maior polêmica - em par­ chamado Núcleo de Pesquisas em novela Brasileira: Uma Exploração te pelos resultados que teve, em parte Telenovela (NPTN). O trabalho Metodológica, da professora doutora pela perseverança com que a autora acabou atingindo objetivos muito Maria Immacolata Vassallo de Lo­ defende a telenovela- foi a desenvol­ mais amplos que os esperados a pes; e O Gancho da Telenovela: Análi­ vida pela lingüista Maria Aparecida princípio. Além de identificar uma se Estética e Sociológica, da professora Baccega, de 57 anos. Entre 1995 e série de questões interessantes, curio­ Maria Cristina Castilho da Costa. 1998, ela recebeu um total de R$ 23,1 sas e relevantes sobre a telenovela e Cada um chegou a conclusões dife­ mil da FAPESP para comparar a visão o telespectador brasileiro, Ficção e rentes e dignas de atenção. Juntos, da sociedade sobre temas ligados à Realidade veio para acabar com os os trabalhos ajudam a compor um família com a abordagem que as no- 50 • JUN HO OE 2000 • PESQUISA FAPESP to com a mesma tranqüilidade retrata­ da pela televisão': lembra a professora. Mas ela ressalta que, independente­ mente da trama fictícia, nenhum pai deve ter passado a aceitar um filho gay apenas porque era assim que acontecia na novela. "A trama apenas traz os assuntos para o debate na so­ ciedade, mas não influencia o com­ portamento de ninguém." Ficção e realidade - Maria Aparecida rejeita com veemência a velha idéia de que novela é uma manifestação artística menor e alienante. "O teles­ pectador não é bobo. Ele sabe que uma família negra de classe média ainda é coisa rara na sociedade brasi­ leira, tem consciência de que isso Cenas de Rainha da Sucata pode existir na ficção, mas está longe (acima, à esquerda), A Indomado (acima) de ser corriqueiro na vida real. Acon­ e O Salvador da Pátria (ao /ado): tece que ver este tipo de assunto tra­ sem influenciar espectador tado no horário nobre por atores que as pessoas conhecem, e admiram, pode ajudar a quebrar preconceitos. Mandala (1987/1988), Vale Tudo Isso não é utopia." Esta relação entre (1988/1989), Tieta (1989/ 1990), os fatos da ficção e da realidade é Meu Bem, Meu Mal (1990/ 1991). Na uma via de mão dupla. Da mesma segunda parte da pesquisa entraram maneira que a novela discute temas O Salvador da Pátria (1988/ 1989), latentes na sociedade, o gênero tam­ Rainha da Sucata (1990), A Próxima bém reflete as mudanças e evoluções Vítima (1995) e O Rei do Gado da esfera real. (1996/1997). A prova está nos números colhi­ As conclusões foram surpreen­ dos pela pesquisadora. Na primeira dentes. "Descobrimos que muitas ~e­ fase do trabalho, por exemplo, 33% zes as novelas tratam de temas consi­ das personagens femininas das nove­ derados tabus pela sociedade e, las eram donas de casa. Na segunda mesmo assim, estão longe de alterar etapa os autores tiraram as mulheres o comportamento das pessoas. Essa de dentro de casa (apenas 17% faziam velas mostram sobre esses mesmos história de que novela influencia a trabalhos do lar) e colocaram-nas no assuntos. Assim, enquanto centenas maneira do telespectador pensar é mercado de trabalho, dando a elas as de entrevistados respondiam per­ balela", afirma Maria Aparecida. Se­ ocupações mais variadas: havia desde guntas sobre casamento, separação gundo ela, a maioria das tramas traz grandes executivas até chefes de es­ ou sobre a participação das mulheres à tona temas polêmicos que estão la­ quemas de máfia, passando por pro­ no mercado de trabalho, observava­ tentes na sociedade, esperando por fessoras universitárias e fazendeiras. se de que maneira as telenovelas do uma oportunidade de entrar em dis­ "São dois caminhos. Um teledrama­ horário nobre da Rede Globo retra­ cussão. A oportunidade, muitas ve­ turgo precisa refletir sobre temas ain­ tavam tais questões. O trabalho de zes, aparece na forma de personagens da escondidos pela sociedade, mas pesquisa quantitativa de campo foi e histórias da ficção televisiva. Tome-se também deve estar atento às mudan­ dividido em duas etapas e reuniu ao o caso de A Próxima Vítima: na trama ças que acontecem de fato e trazê-las todo 622 entrevistados. As novelas de Sílvio de Abreu, havia uma família para suas tramas", explica. estudadas na primeira fase ( 1986 a negra de classe média, um jovem ca­ 1990) foram Roque Santeiro (1985/ sal homossexual e um garoto viciado Visões de classe- Trabalhando a par­ 1986), Selva de Pedra (1986), Roda de em drogas. "Quando entrevistamos as tir de um conceito diferente - o do Fogo (1986/1987), O Outro (1987), famílias, nenhum desses temas era vis- estudo das mediações, do pesquisa- PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 51 dor espanhol Jesus Martin-Barbero favela enxergavam em Zenilda uma Núcleo de Pesquisa de Telenovela. -, a socióloga Maria Immacolata de mulher forte e batalhadora, apesar de Formada em Ciências Sociais, ela re­ Lopes, de 54 anos, deu sua preciosa ter uma profissão considerada pouco cebeu R$ 5 mil da FAPESP, num pe­ contribuição ao projeto Ficção e Rea­ nobre. Por outro lado, a família mais ríodo de um ano e meio de trabalho. lidade. Em dois anos de trabalho, ela rica considerava a personagem de Sua pesquisa foi chamada de O Gan­ ganhou R$ 20,1 mil da FAPESP. Du­ baixo nível, achava que o tema da cho da Telenovela: Análise Estética e rante o período em que foi exibida a prostituição não deveria ser tratado Sociológica. O gancho, objeto do estu­ novela A Indomada, de fevereiro a daquela maneira e dizia que a novela do, é o nome que se dá ao recurso de outubro de 1997, ela realizou uma estava fazendo propaganda da pro­ interrupção de uma narrativa num pesquisa qualitativa com quatro fa­ fissão:' Neste momento, era como se momento de tensão. Em última aná- mílias: uma de classe baixa, favelada, essas duas famílias esti­ outra de classe média baixa, residen­ vessem assistindo a no­ te em um bairro da periferia de São velas distintas. Paulo, uma terceira de classe média Além de perceber alta e, finalmente, uma família de que diferentes classes classe alta da capital paulistana. ''A sociais recebem as tele­ idéia era ver como essas famílias, novelas de maneiras di­ com suas diferentes estruturas, for­ versas, Maria Immaco­ mações, hábitos culturais e estilos de lata concluiu que há vida, enxergavam o que era retratado outros fatores envolvi­ na novela", esclarece Immacolata. dos na percepção do te­ Além de fazer entrevistas com todos lespectador sobre os fo­ os membros das famílias, os pesqui­ lhetins. "O conceito das sadores destacados para o trabalho mediações, levantado (alunos de graduação de diferentes por Martin-Barbero, Maria Aparecida Baccega: defesa polêmica da telenovela faculdades da USP) pediam aos par­ estabelece vários 'fil- ticipantes que escolhessem determi­ tros' até que a informação chegue às lise, Maria Cristina trabalhou com o nadas cenas que julgassem impor­ pessoas", explica a professora. Assim, elemento que segura o telespectador tantes a cada capítulo diário. "Foi tudo influi na maneira que se recebe à poltrona entre um bloco e outro e o uma experiência muito curiosa. Cada a história. Há questões como o tipo faz voltar à mesma posição no dia se­ família dava valor a trechos diferen­ de relação que existe dentro da pró• guinte, para ver o que aconteceu no tes. De uma certa maneira, um grupo pria família, a dinâmica de cada casa próximo capítulo. "O gancho costura assistia a uma novela completamente e a maneira que aquelas pessoas se todos os retalhos da trama. É funda­ diferente do outro." relacionam em sua vida cotidiana; mental à novela - que, como qual­ É certo que algumas cenas eram considera-se também o fato de ser quer outro produto da televisão, usa destacadas por todas as quatro famí• um gênero de ficção, onde se sabe uma linguagem extremanente frag­ lias.

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