França Sagrada Abertura Oficial Ano França Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música Coro Nacional de España Coro Infantil Casa da Música Baldur Brönnimann direcção musical Cyrille Dubois tenor 10 Jan 2020 · 21:00 Sala Suggia VIVE LA FRANCE! APOIO MECENAS MÚSICA CORAL A CASA DA MÚSICA É MEMBRO DE Olivier Messiaen Hymne (1932/47; c.12min) Hector Berlioz Te Deum, op. 22 (1849; c.52min)* 1. Te Deum 2. Tibi omnes 3. Dignare 4. Christe rex gloriae 5. Te ergo quaesumus 6. Judex crederis *Texto original e tradução nas páginas 8 e 9. Concerto sem intervalo. 3 Em 1936, Olivier Messiaen (Avignon, 1908 – esteve muito presente na sua formação atra‑ Clichy, 1992), juntamente com os restantes vés dos tratados de composição de Vincent jovens membros do grupo auto ‑intitulado d’Indy, sobretudo vinculado não com aspec‑ “La Jeune France”, tomaram como referên‑ tos expressivos mas com a forma sonata e cia a figura de Hector Berlioz (La Côte ‑Saint‑ o domínio da estrutura musical. No entanto, ‑André, 1803 – Paris, 1869) para evidenciar a a música alemã em geral estava longe dos veemência com a qual se recusavam a aceitar seus interesses nas décadas de 20 e 30 do as circunstâncias históricas e as imposições século XX, quando apresentou as suas primei‑ estéticas que, na sua opinião, limitavam a inte‑ ras obras musicais, entre as quais se conta a gridade criativa dos mais novos. O manifesto peça programada neste concerto. É talvez do grupo assim o declarava: “À medida que as interessante saber que foi em 1940, durante condições de vida se tornam cada vez mais a Segunda Guerra Mundial, depois de ter sido severas, mecânicas e impessoais, a música capturado pelo exército alemão, que analisou deve trazer sem descanso, para quem a ama, pela primeira vez as partituras das sonatas sua violência espiritual e suas reacções gene‑ para piano de Beethoven, que um oficial do rosas.” O grupo formado por Olivier Messiaen, campo em que estava detido lhe oferecera. Daniel ‑Lesur, Yves Baudrier e André Joli‑ Nas suas próprias palavras, foi então que vet retoma um título que Berlioz utilizara e começou a apreciá ‑las, embora sempre as “propõe a divulgação de obras jovens e livres, tivesse considerado “milagres da estrutura”. distantes tanto do lugar ‑comum académico A partitura do Hymne au Saint Sacrement, a como do lugar ‑comum revolucionário. As propósito, foi perdida durante a contenda, pelo tendências deste grupo serão diversas; unir‑ que Messiaen a reescreveu em 1946 abre‑ ‑se ‑ão para criar e propagar música ao vivo viando o título para Hymne. numa explosão única de sinceridade, genero‑ Para além da música, outro dos elemen‑ sidade e consciência artística.” tos que fizeram parte da construção da O estabelecimento de uma tradição musi‑ identidade nacional francesa foi a religião cal e cultural entre músicos cuja estreia no católica, a qual assumiu um significado cultu‑ domínio da composição estava separada por ral em grande medida independente da um século enquadrava ‑se dentro do que pode‑ genuinidade da fé de cada indivíduo. De facto, mos denominar a ideologia do nacionalismo. podemos considerar que Berlioz era agnós‑ No caso da música e, em geral, no da identi‑ tico, enquanto Messiaen tem chegado a ser dade francesa, esta ideologia foi construída qualificado como o “compositor teólogo”. No essencialmente a partir de 1870 em oposição entanto, resulta plausível aceitar que ambos à influência da cultura alemã e da sua suposta eram muito sensíveis ao efeito dos rituais da esterilidade intelectual. Curiosamente, Berlioz, Igreja Católica quando a música fazia parte na sua faceta de crítico musical, tinha sido deles. No caso de Messiaen, organista da um ardente defensor da música de Beetho‑ Igreja da Santíssima Trindade de Paris durante ven e da sua nova expressividade. A música toda a vida, esta afinidade é bastante evidente. sinfónica do compositor alemão foi um dos No que diz respeito a Berlioz, fica patente modelos que seguiu nas suas composições. nas suas memórias, onde em vários pontos No que diz respeito a Messiaen, Beethoven deixou provas da sua experiência, fortemente 4 estetizada, da religião. Por exemplo, lembra Para Messiaen, quando ainda não tinha nesse texto com “doçura” a sua primeira 30 anos de idade, o pensamento de Santo comunhão. Relata Berlioz como, no momento Agostinho e do poeta e filósofo Paul Valery em que recebeu a hóstia consagrada, “um coro confluíam no mesmo ideal de transcendên‑ de vozes virginais entoando um hino à Euca‑ cia do espírito no que diz respeito ao corpo e ristia” o encheu de uma emoção “ao mesmo da verdadeira beleza no que diz respeito às tempo mística e apaixonada”. Nas suas pala‑ obras artísticas concretas. Nas suas palavras: vras: “Pareceu‑me ver o céu aberto, um céu “Como se realiza este ideal? Não possuímos de amor e de castas delícias, um céu mais o dom das lágrimas? E não possuímos igual‑ puro e mil vezes mais belo do que me tinham mente um sentido do divino que nos permite contado. Ó maravilhoso poder da expressão envolver ‑nos com o dom da graça que o Pai verdadeira, incomparável beleza da melodia envia junto do Filho? E qual é o melhor desses do coração!” Deixou ainda referências à irri‑ novos caminhos expressivos, dormentes e tação sentida em Roma quando se deparou não explorados, senão a música daqueles que com execuções defeituosas de música sacra foram embora antes do que nós? Isto é, tudo o nos templos, mostrando ‑se sempre defensor que pode elevar ‑nos até às coisas mais altas.” da solenidade e da magnificência necessárias a esse tipo de manifestações sonoras. A partitura do Hyme au Saint Sacrement O programa deste concerto apresenta apresenta uma espécie de díptico, cujos dois essas duas facetas da experiência estética temas principais e respectivos desenvolvi‑ da religião que acabamos de identificar nas mentos exprimem a glória de Deus e a união memórias de Berlioz. Assim, o “apaixonado amorosa entre o crente e o corpo de Jesus misticismo” sentido na sua primeira eucaris‑ simbolizada na comunhão. O “apaixonado tia pode ser vinculado com o Hymne au Saint misticismo” que Messiaen exprime nesta Sacrament de Messiaen – que foi, aliás, uma obra está conectado, do ponto de vista musi‑ das obras que preencheram o programa em cal, com um dos primeiros usos da técnica que se apresentaram perante o público os baseada nos “modos de transposição limi‑ compositores de “La Jeune France”. Em notas tada”, caracterizados pelas suas proprieda‑ explicativas, Messiaen deixou claro que a obra des simétricas. Isto implica que nenhuma das tinha sido dedicada “à real presença de Jesus notas que fazem parte de cada modo assume na Eucaristia” e que tencionava “descrever o papel de tónica – fundamento, por definição, o maravilhoso dom da comunhão: o cresci‑ do sistema tonal – o que, em consequência, mento do amor e da graça, a força contra o neutraliza a sensação de linearidade tempo‑ mal e a promessa da vida eterna.” A funda‑ ral. Esta é substituída por uma concepção mentação da composição justifica, de facto, sobretudo colorística da percepção sonora, que o compositor tenha sido conhecido com o comparável com a experiência sensorial da epíteto de “teólogo”, já que a partitura foi intro‑ luz produzida por um vitral. duzida como uma tentativa de pôr a “sinceri‑ A partitura do Te Deum apresenta, por seu dade emocional […] ao serviço dos dogmas turno, dimensões colossais, em consonân‑ da fé católica exprimida através duma nova cia com a solenidade e majestosidade que, linguagem musical”. como foi apontado atrás, Berlioz procurava 5 na música sacra interpretada no templo. A depois do último andamento, e não foi o único. obra envolve, tal como acontece com o hino Quando tudo terminou, fiquei ali, cercado por de Messiaen, o uso de técnicas de composi‑ uma multidão, incapaz de abandonar a igreja, ção musical escolhidas para terem um efeito e, não fosse a santidade do lugar, acredito que sensorial concreto, perseguido de forma teria sido esmagado em abraços.” consciente pelo compositor. Este Te Deum foi O próprio espaço consagrado era, aliás, escutado pela primeira vez em 1855, durante mais um elemento dos que integraram a a cerimónia de inauguração da Exposição concepção da obra. Cabe sublinhar neste Universal de Paris organizada naquele ano. sentido a ideia, assinalada pelo compositor Realizou‑se na Igreja de Santo Eustáquio, a no fragmento transcrito, de que se trata de um qual, sendo de origem renascentista, tinha gigantesco “dueto” entre o órgão de tubos e a sido restaurada em 1840. Dispunha, na altura parte coral‑sinfónica,­­ que ele personificava desta estreia, de um potente órgão de tubos, respectivamente nas figuras do Papa e do reconstruído em 1854 e que tinha sido tocado Imperador. Este elemento espacial, na Igreja publicamente pela primeira vez no mês de de Santo Eustáquio, implicava que o público Maio desse mesmo ano por César Franck. ocupava o espaço situado entre essas duas A primeira interpretação do Te Deum foi fontes sonoras. A ideia original de Berlioz tinha um acontecimento marcante, assim descrito sido a de colocar o coro dividido à direita e no dia a seguir pelo próprio Berlioz numa à esquerda do público. Depois de ter tido a carta endereçada à sua irmã: “Permite ‑me experiência de escutar, durante a Grande dizer que esta enorme cerimónia, que atraiu Exposição de Londres de 1851, um coro uma grande multidão, causou uma imensa formado por centenas de vozes de crianças, impressão. Houve um momento de emoção adicionou ainda à partitura o coro infantil. Na tão grande que, num canto da igreja, irrompe‑ execução de 1855 na Igreja de Santo Eustá‑ ram os aplausos, embora tenham sido rapi‑ quio, cantando, literalmente, “desde as altu‑ damente reprimidos.
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