As Transformações Da Notícia De Rádio Na Fase Pós-Televisão Valci Regina Mousquer Zuculoto*

As Transformações Da Notícia De Rádio Na Fase Pós-Televisão Valci Regina Mousquer Zuculoto*

As transformações da notícia de rádio na fase pós-televisão Valci Regina Mousquer Zuculoto* Resumo Na chamada “fase vitrolão” da história da radiofonia brasileira, que inicia nos anos 50 e se estende por todo os 60, o rádio sofre o impacto do advento da tele- visão e inclusive chega a ter sua morte decretada, por obra da obsolescência total que lhe atribuem diante 34 do surgimento do novo meio. Passa de uma era de espetáculo para um período no qual a maioria das emissoras se limita a rodar discos em praticamente toda sua programação. Porém, ao mesmo tempo, é quando outra boa parte das emissoras constrói a his- tória da radiofonia brasileira através do desenvolvi- mento do radiojornalismo. E o avanço da tecnologia, com novidades como o transístor e vários outros equi- pamentos eletrônicos, constitui-se num dos aspectos históricos que mais influi na trajetória do rádio neste período e por decorrência, também na sua notícia. *Professora do Departamento de Jornalismo da UFSC, onde coordena o Projeto Universidade Aberta, Mestre em Ciên- cias da Comunicação pela PUC-RS, Diretora de Formação Palavras-chave Profissional da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e radiojornalismo - notícia - história ex-diretora da Rádio Cultura Fm do Rio Grande do Sul. Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. I Nº 1 - 1º Semestre de 2004 A “época de ouro” do rádio brasileiro, em forma completamente oposta a sua “época de que o radiojornalismo realmente nasceu e a ouro”, quando tinha suas orquestras próprias, sua notícia se consolidou como parte efetiva músicos e cantores contratados, um verdadei- das suas programações, termina no início ro broadcast que alcançava imenso sucesso, da década de 50, com a implantação da tele- exatamente por estar nas ondas do rádio. Seus visão1 . E especialmente a partir de meados broadcasts numerosos e arrebatadores de públi- de 50, o rádio brasileiro vive um tempo que co e publicidade transferem-se para a televisão passou para a história da radiofonia nacional ou são desfeitos. O rádio já não tem mais como como a “fase vitrolão”, período que se estende sustentá-los porque as contas publicitárias por toda a década seguinte, a dos anos 60. também foram levadas pela televisão. E até Mas, apesar deste declínio, é uma fase em muitos dos próprios empresários da radiofonia, que o radiojornalismo e, por conseqüência, a ao receberem concessões para a exploração do sua notícia muito se desenvolvem e se trans- novo veículo, igualmente deixam de investir formam, impulsionados principalmente pelos nas suas emissoras. avanços tecnológicos daquela época. Esta transformação, contudo, não ocorre O rádio muda radicalmente na fase pós- da noite para o dia. Como lembra Joaquim 1 Conforme Bonavita 35 (1982:81), ocorreram várias televisão, porque este novo meio de comuni- Ferreira dos Santos(1997:148), no final dos demonstrações e transmissões experimentais de televisão cação literalmente rouba a cena. anos 50, mais precisamente em 58, “o Brasil se no Brasil entre 1939 e 1950, divertia à beira do rádio e, talvez pela última mas não existem dados mais ”A televisão, definitivamente, ocupou o pri- exatos acerca delas. A autora meiro plano entre os meios de comunicação vez naquela década, a Nacional, PRE-8, ainda cita uma demonstração do sistema alemão em 1939, levando consigo as verbas publicitárias, tinha muito mais charme do que a TV Tupi e a outra pública, no MASP, nos anos 40 e transmissões expe- os profissionais e a audiência. No período Rio juntas”. A maioria do povo brasileiro con- rimentais da Rádio Nacional noturno, ela passa a ser a grande estrela” tinuava a se informar principalmente através em 1946 e em 1950. Também de acordo com Bonavita, a (ORTRIWANO, 1990:82). do rádio. Operando em ondas médias e curtas, primeira emissora de tele- além de contar com muitas retransmissoras, visão foi inaugurada em 18 Segue-se a chamada “fase vitrolão” do rá- de setembro de 1950 em São a Rádio Nacional ainda liderava a audiência Paulo - a PRF-3 TV das Asso- dio, em que o veículo chegou a ter sua morte ciadas. E em 20 de janeiro de brasileira, estabelecendo... 1951, no Rio de Janeiro, hou- anunciada. Em especial a partir da década ve a inauguração da segunda de 60, coincidindo com a consolidação da “... uma verdadeira aldeia global cobrindo estação - a TV Tupi Canal 6, mais uma emissora das Asso- televisão, o rádio passa a existir quase que todo o país e fundando ‘princípios básicos’ da ciadas. exclusivamente como musical. Porém, de cultura nacional(FERREIRA DOS SANTOS, 1997:153)”. então novos instrumentos tecnológicos, entre Já na década de 60, quando chega ao auge a os quais o gravador magnético, o transístor, a transformação do rádio sob o impacto da tele- Freqüência Modulada e as unidades móveis de visão, o veículo realmente fica desfigurado em transmissão. E todos estes avanços revelaram-se relação ao perfil que ostentava glorioso na sua instrumen-tos especialmente adequados não só época de ouro. Mas não caiu na obsolescência. à continuidade do rádio como a um maior desen- Transformou-se. volvimento do seu jornalismo. Um dos avanços tecnológicos que mais in- Além do surgimento das unidades móveis, esta fluenciou a transformação, a garantia de sobre- também foi a época em que se reduziram peso e vivência do rádio foi, sem dúvida, o transístor, volume de equipamentos técnicos utilizados na pois melhorou a qualidade de transmissão e produção, gravação e transmissão, o que possi- bilitou reportagens de rua, entrevistas fora de recepção. Os aparelhos receptores transisto- estúdio e ao vivo, facilidades que foram grandes rizados, que começaram a ser produzidos no responsáveis pelo novo impulso ao radiojornalis- Brasil em 1955 e substituíram os antigos rádios mo. Ainda nesta fase surgem as FMs, de início a válvula, puderam dispensar fios e tomadas. E 36 exclusivamente musicais e sendo utilizadas, pela passaram a levar as mensagens radiofônicas ao recepção, apenas para som ambiente, de fundo. ouvinte em qualquer lugar e em qualquer tempo, Outro avanço tecnológico da década de 60 foi o o que representou uma vantagem em relação à som estereofônico2 . Trouxe aprimoramento da televisão. qualidade de som para os ouvintes e mais um in- “Como 60% do Brasil não dispunham de redes de centivo para que continuassem ouvindo rádio. eletrificação, pode-se imaginar o impulso que essa O Brasil vivia o período pós-ditadura do Esta- 2 O som estereofônico co- meçou a ser utilizado pela inovação deu ao rádio e à indústria eletro-eletrô- do Novo de Getúlio Vargas: a política nacio-nalis- radiofonia após o surgimento nica” (BONAVITA FEDERICO, 1982:86). das FMs, melhorando ainda ta deu lugar ao desenvolvimentismo de Juscelino mais a qualidade de recep- ção destas emissoras em Também Ortriwano (1990:83-85) aponta as Kubitschek, que abriu o país para o investimento comparação com as AMs. inovações tecnológicas como responsáveis pelas de multinacionais, mas sempre procurando Tanto que muitas das rádios que operam em Frequência transformações que o rádio evidencia neste pe- manter um aparente caráter nacionalista e de Modulada fazem questão de informar quando são “FM ríodo, especialmente o radiojornalismo. Diz ela legitimidade nacional para o processo. Foi nesta Stereo”. Chegou a ocorrer que o rádio encontrou, na eletrônica, seu maior fase da história da radiofonia que também acaba tentativa de se implantar também o AM estéreo, mas aliado para sobreviver, através de uma série de o império da até então poderosa PRE-8. A Rádio esta não vingou. Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. I Nº1 - 1º Semestre de 2004 Nacional perde sua imensa audiência e, aos E o rádio, pelo à qual foram integradas todas as emissoras poucos, igualmente sua estrutura de grande e baixo custo e gaúchas. bem sucedida emissora. as facilidades “As programações foram canceladas e todas Aos “50 anos em 5” de JK, o lema que o presi- de transmissão as emissoras retransmitiam as mensagens do dente Juscelino adotou para impor seu modelo Palácio, 24 horas por dia. Boletins informativos desenvolvimentista, seguiu-se um tumultuado e recepção possibilitadas a todo o momento; conclamações aos gaúchos, período sócio-político-econômico com Jânio indicando locais de postos de alistamento; in- pelas novidades Quadros, João Goulart e o golpe militar de 64. formações do centro do país; listas de adesões Um período propício para que o radiojornalismo eletrônicas, de personalidades; pronunciamentos de líderes se desenvolvesse, já que o público estava ávido demonstrava, políticos e, sempre que algum fato importante por notícias, assim como aconteceu durante a então, que era acontecia, o próprio Leonel Brizola vinha ocupar Segunda Guerra em favor da rápida consolida- o veículo de o microfone (REIS,1995:47-48)”. ção do Repórter Esso e outros correspondentes massa com mais As cadeias de rádio, que muito influíram no surgidos ou incentivados sob o seu rastro de su- condições de desenvolvimento do jornalismo radiofônico e cesso. E o rádio, pelo baixo custo e as facilidades informar na sua notícia, tiveram um impulso em meados 36 de transmissão e recepção possibilitadas pelas 37 da década de 60 com as melhorias nas tele- novidades eletrônicas, demonstrava, então, que comunicações brasileiras. Via Embratel, por era o veículo de massa com mais condições de linhas telefônicas e micro-ondas, as emissoras informar. entravam em rede e conseguiam, inclusive, Não foi à toa que, naquele período, Leonel fazer transmissões simultâneas ao vivo. A Jo- Brizola identificou o potencial e o poder que vem Pan, de São Paulo, naquela época ainda o rádio mantinha, utilizando o veículo na re- chamada Rádio Panamericana, foi uma das sistência à primeira tentativa de golpe contra que logo lançou mão deste recurso inovador, seu cunhado João Goulart, que em 61 estava colocando-o à serviço do seu então crescente sendo impedido de assumir a Presidência após radiojornalismo, especialmente do “Jornal de a renúncia de Jânio Quadros.

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