Pau-De-Arara, Cabeça-Chata

Pau-De-Arara, Cabeça-Chata

t Quinta-feira, 31 de outubro de 1996 O GLOBO OPINIÃO* 7 Pau-de-arara, cabeça-chata JOSÉSARNEY pois, o cearense "cabeça-chata", o "arataca", o "pau- vidão". Acabada esta, iniciou-se, com a ajuda da ser mar Cavalcanti, Manuel Diegue Júnior, Glauber Ro­ de-arara", o "paraíba". Hoje, finalmente, nordestino ca impiedosa naquelas vastas regiões, a corrente mi­ cha, Ariano Suassuna, Ferreira Gullar, Dias Gomes, história do homem é a história da discri­ é sinal de atrasado, provinciano. gratória que iria substituir a escravidão, sob outras Barbosa Lima Sobrinho... ao lado de Guimarães Ro­ minação. Desde que surgiu na face da Ter­ Eu fui presidente da República e senti na carne o capas. Esse sistema, com a industrialização, vigorou sa — mineiro, mas garimpeiro da mesma fonte. Pois ra, apareceram meios e modos de segregar, peso dessa discriminação. Não perdoavam que um e foi mantido. Hoje, com a modernização, o proces­ bem, agora surge a tentativa de destruição destes Aí.d e excluir, de separar. Este sentimento con- homem do Nordeste, um "pau-de-arara", pudesse so de desemprego estrutural, com a liberação de nomes numa manifestação racista e segregacionis- : funde-se com o sentimento de egoísmo, de ódio, de ocupar aquele posto. No fundo, esse sentimento co­ mão-de-obra, os desempregados, em sua maioria ta. "A subliteratura do regionalismo"—assim se ata­ Í superioridade, e é a negação do próprio homem: meçava nos grandes líderes políticos que tinham vi­ nordestinos, foram expulsos para a periferia das ca — e por aí saem esses reacionários sem nenhuma ^Amai-vos uns aos outros", foi a sentença cristã da sibilidade e espaço nos editoriais de ai- ^^^^^^ ,^^____ grandes cidades, onde se localizam es- contribuição dada ao país, por esnobásmo puro, mo­ * revolução moral, mas, também, social. guns jornais que jamais deixavam de mmi^~mT. ^^^^^^ ses cinturões de miséria, de menores dismo e brilhareco buscando apontar essa área co­ 1 A discriminação é de tal modo monstruosa que falar no "provinciano", o "nortista", o famintos e desamparados, da prostitui­ mo secundária. E haja demolição do que de melhor jgerou a mais odiosa das violências: a escravidão. "Ribamar", enfim, nas designações que ção, da droga, da violência e da contra­ possui a literatura brasileira. Um mundo dividido entre senhores e escravos. O nada mais eram do que esse sentimen­ A maior e mais venção. E essa gente, então, em sua si­ Quando se fala na discriminação do negro, do mu­ '. Brasil é um país de convivência, mas é, também, um to amoral, de que nem o presidente da tuação de gueto, passa a ser alvo ainda lato, do antigo "crente", omite-se esta grande discri­ f. país de discriminação. Um tipo de preconceito que República era poupado. forte vertente maior do sentimento da discrimina­ minação que existe no país: a discriminação regio­ .. não significa exclusão, mas desenvolve uma barrei­ Ouvi de um amigo sulista ter ficado ção. nal, discriminação do povo sofrido do Nordeste. 0 ra entre as pessoas. As mais graves discriminações, surpreso ao assistir a um show de Elba da literatura Edson Queirós, grande amigo que ti­ Brasil nunca entendeu o problema nordestino. Quis todos sabemos, são aquelas que envolvem questões Ramalho quando a viu começar sua ve e grande empresário nordestino, desmoralizá-lo, ligando-o à indústria da seca e para •«• de raça, de religião e de convicções ideológicas. Mas apresentação cantando o "Hino do nacional é o disse-me uma vez, com um pouco de ele fechou os ouvidos e os olhos. existem discriminações que são tão graves quanto Nordeste", no qual flui essa amargura v revolta e muito de desencanto: "Vou Como é difícil trabalhar por aquela região! E, con­ " estas, que estão crescendo no Brasil: as discrimina- ressentida e libertária de toda uma re­ regionalismo ter que ter um pé no Sul, pois indus- tudo, ali está localizado o maior problema do país, * ções regionais. O preconceito sempre tem um mo­ gião sofrida e injustiçada. Respondi- mmmmm^m^ m^^^mmi trial nosso que não estiver ali será um com todos os ingredientes de ser uma dor de cabeça tivo mais profundo e quase intrinsecamente ligado à lhe: "Pois fique sabendo que este é o falido amanhã. Quem ficar somente no que não passará e que poderá atingir a unidade na­ ^ pobreza. Os negros, os índios, gente considerada de sentimento que se generaliza não só ali, mas no Nor­ Nordeste morrerá." cional. l segunda classe. te e no Centro-Oeste também." 0 Nordeste contribuiu de todas as formas para a Há uma nuvem de fumaça cobrindo a visão dos No Brasil, o preconceito que se processa contra 0 Brasil sempre foi um país de estrutura social in­ formação da nacionalidade. No setor cultural, ele problemas nordestinos. Não temos ouvidos que nos * os nordestinos tem origem na pobreza. Gente pobre, justa e desintegrada. As áreas pobres funcionaram deu excepcional contribuição. A maior e mais forte ouçam. Os interlocutores sumiram e acham que tra­ . gente inferior, gente de êxodo, gente sem raízes. Aos em relação ao Sul como fornecedoras de mão-de- vertente da literatura nacional é o regionalismo. tar do Nordeste é coisa para mordomos, problemas -nordestinos foram atribuídos qualificativos que ti- obra barata. Um pouco assim como a África funcio­ Graça Aranha, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, da criadagem, e não para o dono da casa. Será que •' nham conotação pejorativa. Primeiro, "baiano", que nou em relação à Europa. Dizia Alceu Amoroso Uma, José Américo de Almeida, Jorge Amado, Josué Mon- todas as esperanças estão perdidas? "\ envolvia toda gente que era do Norte, e os provér­ no prefácio ao "Minha formação", de Joaquim Na- tello, João Ubaldo Ribeiro, Raquel de Queirós, Jorge bios ultrajantes: "Baiano bom já nasce morto." De­ buço, que "o Brasil era o café, e o café era a escra- de Lima, Manuel Bandeira, Ascenso Ferreira, Valde- JOSÉ SARNEY é presidente do Senado. .

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