1 Kerry James Marshall, 'A Portrait of the Artist As A

1 Kerry James Marshall, 'A Portrait of the Artist As A

1 Kerry James Marshall, ‘A Portrait of the Artist as a Shadow of His Former Self’, 1980 CAPICUA73 Diretor Jefferson Fernandes Redatores André Carmona Caio Ferreira Duarte Sales Francisco Fernandes Jefferson Fernandes Tomás Burns Fotografia Eduardo Schnabl 1 2 “Não me indigno porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor à minha ideia de os achar belos.” - Fernando Pessoa em Livro do Desassossego, Bernardo Soares 3 4 NÃO DIGA Não diga para nós que não teremos festas de luxo, carros importados e casas espaçosas para acomodar nossos desejos. Porque os garotos só querem ir a noites com seus falos protegidos, com suas vestimentas bem alinhadas, com suas carteiras e veias cheias, pulsantes de ternura, sangue e luxúria, em busca de corpos bem ajustados de garotas meio certas, meio depravadas, assustadas pelo tesão arrebatador, concentrado e quimérico nas “boites” e bares; pelo suor no corpo, pelo calor da música que derrete nossos sentidos, a adolescência é tão exagerada! São nessas festas que descobrimos que os homens só não se casam com cabras, porque elas não conseguem assinar o testamento. E a descoberta que quase tudo isso é errado? É quase um pecado! Não diga que não poderemos descobrir que o amor existe, mas exige um trabalho árduo e aguçado (dos dois), e que é muito mais fácil (e barato) ficar com uma prostituta do que com uma namorada. Não diga que teremos que ler a merda de nossos textos e aceitar a sina: É impossível ser um bom poeta; por isso, todos que o são, loucos são. Não venha para nós com essas querelas poéticas, pois devíamos absorver mais livros sem capas, sem títulos, sem carcaça, apenas nos deliciar com a saborosa e suculenta carne tipográfica e arruinar nossos glóbulos com matéria literária, pois uns buscam se mascarar nos moldes das letras, outros se escondem atrás delas, mas são poucos os que casam com elas. Ah, o turbilhão de pensamentos já confunde ideia e texto! Aos monólogos unidos em Braga: Saudemos a Briga…(Não)...Sida...(Não)...Vida! Não diga para mim sobre os tempos lá, já fui e voltei, sou um, era três. Não diga sobre os atentados apaixonantes, sobre a astúcia, ingenuidade e injúria. Não diga para nós que não poderemos destituir reis tiranos, matar fascistas, ou explodir a cabeça de homens, mulheres e crianças para fritar nossos sonhos e alentos em seu sangue a borbulhar, enquanto, ficamos alucinados com a pólvora peneirada por nossas armas. Acabaremos esmagados pelo peso do concreto cotidiano, teremos diatribes hostis com nossos pais, não teremos tempo para filosofias de botequim, start-ups starbuckianas e revoluções regadas a álcool e marijuana. Ajude-nos a enxergar, mas não ver nada; a entender 5 Schubert; a ouvir, e ler, Glass; a suprir a falta de empatia pela maioria; a chorar com o choro amado; a ter pena dos meninos; a entender nossa condição e não nos deixei cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Ámen. Caio Ferreira 6 8½ Já alguma vez tentou encontrar a substância, ou — por rigor — a identidade de que a sua existência é feita? Para além das perceções, da dimensão física do corpo - a medula, o nosso tutano estrutural. John Locke sugeriu, no seu An Essay Concerning Human Understanding, que a identidade pessoal tinha que ver com uma consciência temporal, isto é, que a identificação que o Homem faz de si mesmo concerne à sua capacidade de se enquadrar no passado, no presente e no futuro de igual forma. Que somos nós por, em retrospetiva, nos identificarmos com quem somos, em pensamentos e ações. Locke defendeu que entregarmo- nos a esse labor, o de nos encontrarmos, seria fundamental para nos compreendermos. Entendeu isso também Federico Fellini, cineasta italiano, que viajou pelas águas elípticas da consciência no seu notável 8½. Se conseguir essa identificação transversal se pode reduzir a uma questão de consciência de unidade temporal, compreender de que é feita essa unidade e por que razão subjaz ela, em tantos momentos de uma vida, às tempestades de identidade, aos desencontros, aos momentos de absoluto tédio ou profunda melancolia, é uma questão maior. No meio de 8½, o produtor de Guido Anselmi, um realizador que procura encontrar uma história para o seu filme, indica-lhe: «Quer narrar a confusão que um Homem traz dentro de si. Mas precisa de ser claro, inteligível. Caso contrário, de que adianta?». As palavras do Comendador, o produtor, funcionam, neste caso, como argamassa para reunir aquilo que 8½ melhor explora: os desencontros do Homem consigo mesmo. Federico Fellini conta em 8½ a história de Guido Anselmi (interpretado por Marcello Mastroianni), um notável realizador que tenta encontrar a substância do seu filme rodeado de uma longa equipa técnica sem direção, de uma abordagem excessivamente crítica às ideias da longa-metragem, da pressão associada à entrega de algo sem valor. Tudo o que circunda a produção serve como curioso estudo para Fellini, que projeta a indústria em que trabalha numa tela manifestamente caricatural — abundam as análises críticas sem conteúdo, baseadas em alegações de ausência de conteúdo filosófico ou em desenquadramentos 7 culturais, as desorganizações técnicas, essas de uma indústria que prioriza o adjetivo ao substantivo, as exuberâncias de produção. Guido quer fazer um filme que contenha tudo, tudo o que seja possível, tudo o que os meios técnicos e intelectuais permitam, tudo o que a cinematografia tolere, tudo o que o público esteja disposto a ver. E é nessa procura do total que Fellini encontra a sua mais relevante análise — a de que a totalidade é, no limite, a vacuidade, por força da ausência de honestidade. Isto porque, no que a contar histórias diz respeito, na literatura como no cinema, a honestidade consiste em falar do que se conhece, do que um Homem é feito. Fellini sabe-o e procura responder à sugestão do Comendador, explicar a confusão intrínseca ao Homem. Coloca em segundo plano a caricatura do universo do cinema, mergulha no surrealismo e encontra uma resposta muito semelhante à de Locke: se o âmago do Homem é a consciência de si mesmo, a honestidade associada à sua obra dependerá do grau dessa consciência, justamente porque a verdade autoral, o núcleo de uma obra, nada mais é do que a sombra substancial da identidade do seu criador. Na procura da totalidade — do absoluto — Guido fascina-se pelas almas e corpos que constituirão o seu filme, distrai-se, invariavelmente deixa a vida passar- lhe por trás como um rio de memórias perdidas, não compreende por que não encontra a essência da obra. E Fellini navega nesse rio, assessorando-se de analepses várias, para construir a consciência final do seu protagonista, essa consciência de que falava Locke e que Guido compreenderá em bom tempo — a substância não são as belas atrizes, os adereços gigantes, a sensibilidade da história ou a altissonância da cinematografia; são as pessoas da sua vida, que em sonhos ou recordações procura, é ele próprio. Porque só dele e delas se recorda no passado, só com eles se pode identificar, só a partir deles se consegue encontrar no tempo perdido. Fellini concluiu, como Locke, que a identidade pessoal — o cerne da existência — reside não no corpo, mas numa consciência contínua. Por trás do tom muitas vezes cómico, do surrealismo difícil de compreender, 8½, ainda que criticando uma certa necessidade intelectual e filosófica do cinema, dá respostas para as questões que faz e que, eventualmente, possamos fazer a nós próprios. Ao melancólico Guido, uma enfermeira pergunta, no começo do filme, o que estava a fazer — «Outro filme sem esperança?». O encontro com a sua identidade é um ato de indulgência 8 por parte de Fellini, que faz o seu protagonista reaver a lucidez pela sua própria mente, tal como 8½ o é para o seu público. Uma possível resposta para a pergunta do que verdadeiramente somos, e sobretudo um caminho para a encontrarmos no dédalo da consciência e da memória. Francisco Fernandes 9 A MODERN TRAGEDY, IN 3 PARTS My lover sits across, legs folded, on her subway throne, just one crowd away from my embrace. Sick and weary I come to commute, but upon that sight I always stood upright, for posture is rule number one of attraction, never forget. Stares wander through the train, hitting her effervescent eyes every once in a while. It has been routine for what, 3 weeks now? Yet, every time our line of sight matches the connection is met with awkward shrugs and blank gazes into the ground. I play the role of the innocent bystander, who might’ve peeked at her once for curiosity’s sake, and it’s a role I play damn well. Heroics replaced by theatrics. Shame it would bring to the greats! What would all of those movies and books and poems where the conqueror-slash-lover wins over the heart of the distressed damsel have to say about this? Well, this is what I have to say about them: she is not in distress. She probably has a boyfriend, a lover, somewhere to be warm at night. The only thing in distress here is my tragic heart. At least it’s what I tell myself when my guts are nowhere to be found. Maybe she’ll be in actual distress when she catches tomorrow’s train. Who knows? Lights and sound waves hit the sweaty bodies of the lost.

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