Comunicação Social Os Brasileiros de Lado a Lado: estudo de caso da telenovela como construção de memória no Rio da Belle Epóque tropical Aluna: Caroline Bonfim da Fonseca Orientador: Tatiana Oliveira Siciliano Introdução: A pesquisa se propõe a refletir sobre a narrativa da telenovela de época Lado a Lado e de como a trama constrói um imaginário coletivo sobre o passado, ressaltando o papel pedagógico exercido pelo folhetim eletrônico. As novelas são uma interpretação da nação e não só propagam os ideais estruturados na sociedade, como também ajudam a consolidar outros. Por ser uma representação social, é criada a partir de códigos compartilhados, bem como disseminar outros. É uma via de mão-dupla: A TV constrói o povo e é construída por ele (IMMACOLATA, 2009). Por isso, também acabam por reforçar certos estereótipos sobre o tipo nacional, como a trabalhadora sofredora, o malandro, o desonesto, o honesto demais, etc (BACCEGA, 1998). Nesse sentido, olharemos para os signos que são colocados na abertura da novela e durante as cenas. A abertura é uma chave importante de estudo já que ela conduz como o telespectador vai assistir a trama. Além disso, uma análise detalhada das cenas mais importantes também é parte fundamental da pesquisa. A novela exerce um papel fundamental na construção do ideário do público sobre o momento histórico que se dispõe a tratar. Mesmo com uma licença poética e sendo, antes de mais nada, uma narrativa ficcional, a teledramaturgia (principalmente quando é de época) contém uma rica pesquisa de fatos históricos e faz seu enredo contando com esses fatos. Logo, a maioria dos telespectadores, por mais que saibam que a novela não é verídica, reconhecem na verossimilhança muito bem embasada a ilustração desses momentos marcantes da história. Essa verossimilhança se dá não somente pela narrativa, mas também por toda caracterização presente nas cenas: figurino, cenário, músicas, coloração, forma de falar e agir dos personagens, etc. Esse jogo entre TV e telespectadores se dá porque com as transformações tecnológicas e a mudança dos padrões de consumo (principalmente consumo audiovisual), a televisão aberta ainda é o veículo que recebe o maior aporte publicitário1, a TV Globo continua liderando2 e a telenovela segue sendo o formato ficcional mais assistido3. É uma questão cultural; não só porque uma boa parte da sociedade não tem acesso a essas novas formas de TV, mas também por ser um hábito muito forte na vida dos brasileiros. Ela continua sendo o mais poderoso veículo de comunicação, influenciando comportamentos, pautando outros programas e fazendo parte do dia a dia da comunidade. Essa relação estabelecida é muito perigosa já que as novelas de hoje que retratam o passado, o retratam com o olhar contemporâneo e as ressalvas para assisti-las nesse ângulo raramente são feitas. O objetivo deste trabalho é compreender como o brasileiro é abordado na novela e como isso é recebido pelo telespectador através do estudo da novela e de textos específicos sobre o tema. Também fazem parte do estudo, a análise do contexto histórico que é retratado na telenovela e os estereótipos atribuídos àquele momento. Como metodologia foi realizada a coleta, o registro e a sistematização dos capítulos da novela Lado a Lado filtrando pelo viés de análise da pesquisa: personagens, caracterização e construção dos mesmos, a que núcleo pertencem e qual brasileiro eles tentam retratar. 1 Cf. dados do Ibope Kantar, a televisão aberta recebeu 55.1% dos recursos publicitários em 2016, seguida muito de longe pela televisão por assinatura (12.6%) e pelo jornal (11.7%). Disponível para download em http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/investimento-publicitario-cai-16- em-2016-e-soma-r-130-bilhoes.ghtml. Acesso em 15/07/2017. 2 A TV Globo possui 37,9% da liderança domiciliar, maior do que a soma de todos os canais veiculados nas televisões por assinatura (21.9%) e da segunda e terceira colocadas na televisão aberta, a Record (15,3%) e a SBT (14,4%). Cf. Dados do relatório do OBITEL, Observatório Ibero Americano de Televisão. http://obitel.net/wp-content/uploads/2016/09/obitel-portugues-2016-1.pdf, Acesso em 20/07/2017. 3 Cf. Dados do relatório do OBITEL, Observatório Ibero Americano de Televisão. http://obitel.net/wp- content/uploads/2016/09/obitel-portugues-2016-1.pdf, Acesso em 20/07/2017. Liberdade, Liberdade: a Abertura de Lado a Lado Um dos elementos mais importantes em uma ficção seriada audiovisual é a sua abertura. Em Lado a Lado a abertura é constituída de uma série de pequenas cenas que eram comuns para a época (início do século XX). Os capoeiristas lutando; populares tocando samba com as mãos suadas; a dama da alta sociedade que se perfuma com um lança perfume; o futebol com uniformes bem antigos; essas são cenas que, além de estarem presentes na abertura, aparecem durante toda a novela, ambientando assim o telespectador ao contexto que está prestes a ser inserido. É interessante perceber que durante as cenas da abertura, os takes são em slow motion e elas se dão a partir dos detalhes. As mãos suadas; as costas do negro visto de cima que luta capoeira; as meias dos jogadores de futebol; a sutileza do fogo acendendo o lampião na rua; as vestes da mulher de alta classe. Todos esses pequenos detalhes que fazem as distinções de classes sociais e desigualdades (presentes na novela e no momento histórico retratado), dos novos e velhos costumes que a constituem e os símbolos culturais que ela quer reforçar em seus capítulos. Outro aspecto importante da abertura que deve-se atentar é a música. “Liberdade! Liberdade! Abra as Asas Sobre Nós” foi samba enredo da escola Imperatriz Leopoldinense quando ela foi campeã do carnaval em 1989. A união da música com os takes reforça que, mesmo após a abolição da escravidão, a busca pela liberdade ainda persistia, juntamente com as diferenças evidentes de costumes e classes dentro de uma mesma sociedade. Como podemos conferir em algumas de suas estrofes: (...)Pra Isabel, a heroína Que assinou a lei divina Negro, dançou, comemorou o fim da sina Na noite quinze reluzente Com a bravura, finalmente O marechal que proclamou Foi presidente Liberdade, liberdade! Abra as asas sobre nós E que a voz da igualdade Seja sempre a nossa voz Por que assistir o passado? Existem dois contextos que devem ser considerados na análise de Lado a Lado: o contexto retratado na novela, do Brasil no início do século XX, e também o contexto em que a novela foi exibida, que se passou entre os dias 10 de setembro de 2012 e 8 de março de 2013. O primeiro dos contextos é de um recém-nascido Brasil republicano. Atualmente, fica claro para muitos historiadores que a Proclamação da República foi uma estratégia política que não mudou efetivamente as estruturas sociais e econômicas do país. A onda republicana chega ao Brasil nos anos 1870, com os jovens idealistas como Silva Jardim, jornalistas, intelectuais da época que se identificavam com as ideias positivistas e até militares inspirados por Benjamin Constant. Sabe-se que o Império estava perdendo força no Brasil e, com as mudanças drásticas na estrutura do país (como a abolição da escravidão, em 1888), o Império ruiu de vez. No início, essa nova República era desorganizada e até inconsistente com o Governo Provisório de Deodoro da Fonseca, e uma série de conflitos entre o poder executivo e o legislativo. Somente com as articulações para a candidatura de Campos Sales, em 1898, vê-se uma estabilização maior na política brasileira. É o início da muito conhecida “política dos governadores”. (BELLO, 1959) Na “política dos governadores”, o processo eleitoral era caracterizado por diversas esferas, baseado na troca de favores. Consideremos quatro esferas de poder: primeiramente vinha o poder dos coronéis; em segundo, o poder municipal; em terceiro, o poder estadual e, por fim, o poder do presidente da república. Após a eleição, a instância municipal contava com a Comissão Verificadora de Poderes (CVP), que escrevia uma ata com as informações dos eleitos. As atas de cada município eram unidas pela Comissão Estadual, que por sua vez entregava a totalização dessas atas para a Comissão Verificadora de Poderes do nível federativo. A princípio, o presidente da CVP era escolhido pelo critério de idade; posteriormente o critério é modificado e o presidente passa a ser o parlamentar que possuísse mais apoio político. Isso fez com que houvesse um congelamento dos conflitos e a “eternização das situações de poder”. As relações entre as esferas eram baseadas na troca de apoio das bancadas em troca de dinheiro e influência social. É a estruturalização do personalismo (BUARQUE,1936), no qual os interesses pessoais prevalecem perante os interesses públicos. É o momento de concretização do ditado popular “Para os amigos, tudo. Para os inimigos, a lei”. Essa política de favores, (que, diga-se de passagem, existe até hoje) também é retratada na novela. Desde o princípio da trama, fica claro para o telespectador que Constância e Assunção estão em decadência por causa dos dotes do casamento de Laura com Edgar e pelo fim do Império eles perderam status social. Diante dessa situação financeira diferente da que tinham na época do Império, eles cercam o senador Bonifácio e sua esposa Margarida de todas as formas para conseguir o apoio político de Bonifácio e colocar Assunção em uma boa posição dentro do governo republicano. Constância chega a manter um caso amoroso com Bonifácio para conseguir articular a ascensão política do marido. No sétimo capítulo de Lado a Lado, Constância começa a articular seu poder de convencimento para conseguir essa tão sonhada “retomada de poder”. Constância: Temo que um escândalo manche a sua reputação, Senador.
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