DANIEL BARILE DA SILVEIRA TERRIE RALPH GROTH O PROCESSO DE DIFERENCIAÇÃO FUNCIONAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: PADRÃO DE RECRUTAMENTO E CARREIRAS POLÍTICAS REA: GT17 - Judiciário e Política : teorias e debates contemporâneos ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS - ANPOCS 36. ENCONTRO ANUAL - ÁGUAS DE LINDÓIA – SP - 2012 1 O PROCESSO DE DIFERENCIAÇÃO FUNCIONAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: PADRÃO DE RECRUTAMENTO E CARREIRAS POLÍTICAS Daniel Barile da Silveira1 Terrie Ralph Groth2 Não somente a diretriz tomada no exercício de competências de um Tribunal, mas também a forma da composição de seus membros são fortes indicativos de diferenciação funcional de instituições. Neste sentido, uma marca indelével dessa diferenciação é de que seus partícipes devem constituir um discreto grupo com um papel bem definido no sistema político (EISENSTADT apud MCGUIRE, 2004, p. 130). Por certo, uma forma comum de aferição desse pressuposto teórico reside na extensão de como os membros de determinada instituição judicial são recrutados diante de uma gama infinita de pessoas versadas no conhecimento do Direito a ser aplicado aos casos julgados, permitindo ao observador moldar certo perfil institucional de um organismo colegiado. Pensando em Cortes Constitucionais, o resultado não é diferente. Diante de sua natureza mista, no sentido de que seus membros exercem uma função dúplice, na perspectiva de serem guardiões dos textos legais e ao mesmo tempo constituírem o gargalo de disputas acerca de políticas nacionais, a atenção prestada pelo estudioso na forma em que se recrutam esses agentes reforça a preocupação de como organicamente se molda a Câmara mais alta da Corte de Justiça de um país. Nesta nobre tarefa, entender a forma de recrutamento destes membros do Poder Judiciário nos ajuda a pensar os modelos de comportamento judicial que podem resultar dessa percepção, guiando a compreensão do relacionamento interinstitucional. Desse modo, estudos indicam que o grau de institucionalização de uma Corte Suprema está umbilicalmente ligado não somente à forma do exercício de suas competências, mas igualmente é reflexo do perfil dos integrantes recrutados para o exercício desse poder estatal. Como bem demonstrou a literatura existente no assunto, o padrão de recrutamento e a forma de profissionalização desses agentes em relação aos demais círculos do Estado são passos importantes para a consolidação da institucionalização existente nas Cortes Constitucionais, e porque não de todo o Poder Judiciário (MCGUIRE, 2004; GUARNIERI, PEDERZOLI, 1996; BONNELI, 2001). Neste ângulo de análise, diferentes perfis de tribunais podem advir do mecanismo em que se processa sua composição, notadamente influenciado pelas tendências de recrutamento apresentadas em certa escala de tempo (MARANHÃO, 2003; OLIVEIRA, 2006). Tal formação, portanto, pode afetar simbólica e efetivamente o meio pelo qual decisões são tomadas, permitindo-se ao pesquisador diagnosticar determinados padrões de comportamento nessas esferas de ação judicante. 1 Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (FD/UnB). 2 Professor Adjunto da Universidade de Brasília (IPOL/UnB). Doutor em Ciência Política pela Universidade da Califórnia (EUA). 2 Daí o porquê de se descer até o perfil dos membros de nossa Corte Maior no sentido de investigar o padrão de recrutamento de seus quadros, a fim de possibilitar entender esse grau de diferenciação já descrito, tal qual desenhar um substrato que pode auxiliar a entender a modelagem da jurisprudência assumida pelos diferentes (ou iguais) padrões de recrutamento assumidos. Por outro lado, é possível analisar-se como estão sendo preenchidos os modelos legais de investidura, uma vez que se intenta saber por quem estão sendo exercidas as competências constitucionais das equipes que compõem o Supremo Tribunal Federal. Note-se que a ciência política americana tem enveredado há décadas a percorrer esses caminhos, em uma estratégia metodológica bastante elucidativa dos pressupostos que aqui estamos a demonstrar. Trabalhos como os de Epstein e Segal (2005), Segal et alli (1994), Zorn e Bowie (2007), Steffernsmeier e Britt (2001), Ferejohn (1999), Peresie (2005), Chew e Kelley (2009) são exemplos típicos de estudos de comportamento judicial que buscam aliar desde formação profissional, atuação político- partidária, classe, gênero e raça como elementos de diferenciação da forma de julgamento em tribunais, em especial da Suprema Corte dos Estados Unidos. No Brasil, ao revés, nossas produções ainda são muito embrionárias sobre o estudo e recrutamento de profissionais na elite judicial do Supremo Tribunal Federal. O pioneirismo de Carvalho (1980) no estudo da elite política imperial foi emblemático para uma série de outros estudos mais específicos ulteriores, os quais, no entanto, apenas advieram no final da década de 90 e início do novo milênio. Mais adiante, pesquisas quantitativas na seara do Judiciário têm sido fomentadas, em especial pela AMB (Associação Brasileira dos Magistrados), resultando em alguns produtos relevantes, mas que têm o condão de serem abrangentes a todos os níveis judiciais, não sendo centralizados no STF, como os de Sadek (2006), Vianna et alli (1997), Pedrete (2011). Há poucos anos, trabalhos acadêmicos mais específicos têm se preocupado com a temática, rendendo caminhos iniciais para apontar para uma compreensão melhor da forma pela qual recrutamos nossos Ministros, não obstante os múltiplos enfoques que inicialmente discutem o modelo de recrutamento, por via de direito comparado até estudos mais centrados na composição destes quadros institucionais em maiores detalhes. Dentre os trabalhos mais relevantes encontrados, podemos citar as obras de Pegoraro (2006), Paes (2011), Marenco e Da Ros (2008), Fernandes et alli (2007) e Tavares Filho (2006). Neste sentido, as presentes constatações aqui trazidas, por mais que tenham ligação direta com o arcabouço principal da pesquisa, podem ser consideradas inovadoras em certo aspecto, seguramente por assimilar a discussão teórica travada em territórios nacional e estrangeiro com o uso de dados empíricos, extraídos de pesquisas aqui desenvolvidas sobre o perfil dos Ministros que ingressam na Corte, cujo aporte metodológico está mais bem explicitado nos tópicos subsequentes. De qualquer forma, a síntese do processo de entendimento que se busca fazer é demonstrar os níveis de profissionalização e recrutamento absorvidos pelo procedimento de escolha dos Ministros, a partir de incorporação de carreiras endógenas à magistratura e seu laço com a esfera política, no sentido de diagnosticar a composição dos partícipes da Corte segundo o nível de formação de carreiras estritamente jurídicas. De tal forma, seria possível anotar o padrão de recrutamento mais próximo dos profissionais do Direito, proporcionando entender a diferenciação do Poder Judiciário de demais órgãos, 3 essencialmente compostos por membros de outras carreiras ditas “políticas”, mais afetas ao Legislativo e Executivo. Em uma constatação mais inicial das questões alhures suscitadas, a hipótese que aqui se esposa é de que a maior distinção entre carreiras recrutadas a partir de uma formação essencialmente jurídica, afastado das contaminações das carreiras políticas formadoras do Executivo e Legislativo, são fortes indicativos de maior institucionalização do Supremo Tribunal Federal. Em relação ao seu revés, ou seja, a aproximação entre campo político e a formação da Corte, implica em um forte apelo a que uma diferenciação mais rígida não ocorra, permitindo-se com mais facilidade que influxos desses campos de poder incidam sobre a esfera decisional dos magistrados, fragilizando de alguma forma o poder de veto do STF em relação a contextos políticos em que os principais policy-makers atuam com total empenho para fazer valer suas intenções. Tal arranjo de poderes certamente envolve o desempenho de seus atores, mas o modelo institucional escolhido pode sobremaneira influenciar na realização do mecanismo de freios e contrapesos, situação que se pretende investigar doravante. A título de ciência, discussões como estas foram enfoque central na constituição dos padrões de escolha dos membros do Poder Judiciário perante Cortes Constitucionais Europeias instauradas no transcorrer do século XX, fazendo com que suas composições tomassem diferentes modelos, construídos a partir da percepção da relação interinstitucional entre os Poderes, na busca do equilíbrio sempre desejado. Um importante trabalho enciclopédico como o clássico estudo de Louis Favoreau (2000) dá uma dimensão do protagonismo desses órgãos diante das inúmeras formas de composição primária de seus arranjos institucionais. Assim, por absoluto que aqui não se pretende mostrar conclusivo este trabalho. É possível dizer, inclusive, que a pesquisa aponta alguns caminhos para uma discussão mais elaborada, prestando-se a pensamentos mais iniciais sobre o tema, porém que são fundamentais para a justificação de nossa problemática apresentada, consoante à diferenciação no processo de institucionalização do Tribunal. 1 A prática do processo de recrutamento de Ministros do Supremo Tribunal Federal O texto da Constituição Federal de 1988 é claro em determinar o modelo de escolha e nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Assim é possível se vislumbrar: Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Parágrafo único.
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