Literatura Das Secas: Ficção E História

Literatura Das Secas: Ficção E História

ANDRÉ LUIZ MARTINS LOPEZ DE SCOVILLE LITERATURA DAS SECAS: FICÇÃO E HISTÓRIA CURITIBA 2011 ANDRÉ LUIZ MARTINS LOPEZ DE SCOVILLE LITERATURA DAS SECAS: FICÇÃO E HISTÓRIA Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Letras, área de concentração de Estudos Literários, Programa de Pós-Graduação em Letras, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Paulo Astor Soethe CURITIBA 2011 Mesmo sob um sol de lacraus, eu irei... Para Carla. Sempre. AGRADECIMENTOS CAPES, pela bolsa de estudos que possibilitou a realização deste trabalho. DAAD - Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico, pela bolsa de auxílio para estadia que possibilitou a pesquisa na Alemanha. Universidade de Potsdam. IAI - Instituto Ibero-Americano de Berlim. Prof. Dr. Paulo Soethe, pela orientação do trabalho. Prof. Dr. Ottmar Ette, pela orientação da pesquisa na Alemanha. Profª. Drª. Marilene Weinhardt, Profª. Drª. Naira de Almeida Nascimento, Prof. Dr. Fernando Cerisara Gil, Prof. Dr. Luís Gonçales Bueno de Camargo e Prof. Dr. Wolf- Dietrich Sahr, membros das bancas de qualificação e de defesa de tese. Professores, funcionários e colegas do Curso de Pós-Graduação em Letras da UFPR. Maria Cecília, Francis e Eduardo. Priscila e Felipe. RESUMO Neste estudo sobre a literatura das secas, é proposto um diálogo entre discursos ficcionais e não ficcionais, em especial entre a Literatura e a História, a partir da percepção de que a seca é um fenômeno climático e social. O trabalho abrange uma revisão conceitual sobre a literatura das secas, bem como sobre os termos “Nordeste” e “sertão” que a ela estão diretamente associados. Com base nos resultados obtidos, é realizado levantamento e análise de um conjunto de obras literárias em que se figuram as secas nordestinas. Nessa análise, são também confrontadas as perspectivas literárias sobre as secas com aquelas encontradas em textos técnicos e históricos. Sob a tentativa de se balizar a variedade de perspectivas sobre a seca, são abordados alguns temas e elementos recorrentes na literatura das secas, com ênfase nos personagens retirantes e nas migrações cujo ponto de origem é o sertão nordestino. PALAVRAS-CHAVE: Literatura das secas, Nordeste Brasileiro, Sertão, Migração, Espaço literário, Literatura e História. ABSTRACT In this work on the literature of the drought, a dialogue among fictional and non- fictional discourses, especially among Literature and History, is proposed, based on a conception that drought is a climatic and social phenomenon. The work includes a conceptual review on literature of the drought, as well as on terms directly linked to it as “Northeast” and “hinterland”. Based on obtained results, it is presented a survey and analysis of literary works on which northeastern droughts are figured. In this analysis, also the literary perspectives on the drought are compared with those found in technical and historical writings. Attempting to point out the variety of perspectives on droughts, some recurrent themes and aspects in the literature of the drought are approached focusing on migrants characters and migrations whose points of origin are at the northeastern hinterland. KEY WORDS: Literature of the Drought, Brazilian Northeast, Hinterland ( Sertão ), Migration, Literary Space, Literature and History. SUMÁRIO INTRODUÇÃO E CONSIDERAÇÃO TEÓRICA PRELIMINAR ...................... 9 a) Gênese e estrutura do trabalho.................................................................. 9 b) Considerações teóricas sobre o espaço .................................................... 16 CAPÍTULO I: NORDESTE.............................................................................. 26 1.1 DENOMINANDO O NORDESTE ............................................................. 26 1.2 RECONHECIMENTO OFICIAL................................................................ 28 1.3 SENTIMENTO REGIONALISTA .............................................................. 30 1.4 DAS SECAS NASCE O NORDESTE....................................................... 47 CAPÍTULO II: SERTÃO.................................................................................. 55 2.1 DEFININDO O SERTÃO .......................................................................... 55 2.2 SERTÃO BRASILEIRO ............................................................................ 60 2.3 VIAJANTES.............................................................................................. 66 2.4 POLÊMICAS E DEBATES SOBRE AS SECAS....................................... 82 CAPÍTULO III: LITERATURA DAS SECAS.................................................... 101 3.1 “LITERATURAS” DAS SECAS................................................................. 101 3.2 FICÇÃO E SECAS ................................................................................... 105 3.3 TEMAS E DERIVAÇÕES ......................................................................... 155 3.4 PONTOS DE FUGA ................................................................................. 180 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 210 REFERÊNCIAS.............................................................................................. 215 APÊNDICE..................................................................................................... 235 9 INTRODUÇÃO E CONSIDERAÇÃO TEÓRICA PRELIMINAR a) Gênese e estrutura do trabalho Há quem diga que não é o autor quem escolhe o tema de sua obra, mas antes o contrário. Se for assim, tenho certeza de que o tema da literatura das secas me “escolheu” durante uma viagem de alguns meses que fiz ao sertão nordestino no ano de 2004. Eu estava realizando um trabalho de pesquisa cujo objeto era, entre outros assuntos, a cultura e a história de uma grande área que abrangia o Norte da Bahia, o Centro e o Oeste de Pernambuco e a maior parte do Estado do Ceará. Enfim, tratava-se de uma porção central do semiárido nordestino, a terra das famigeradas secas tantas vezes figuradas em romances que eu lera, relera e admirava. Durante essa viagem, foi surpreendente a constatação de que, afinal, o contexto a que se referiam obras escritas há várias décadas não parecia ter sofrido grande modificação - pelo menos, em essência. Ainda que o progresso de certas regiões seja evidente, em localidades isoladas os aspectos culturais e as mesmas carências sociais e econômicas da população sertaneja permanecem muito semelhantes aos encontrados em algumas narrativas ficcionais. A própria visão de algumas paisagens do sertão, com suas grandes planícies de solo arenoso e pedregoso, sua vegetação hostil, suas longínquas serras e morros que se elevam da planície quase como miragem... todo esse quadro remetia a algo que eu conhecera antes por palavras do que por imagens. Essa percepção foi, sem dúvida, um estímulo a retomar aquelas obras literárias assim que retornei para a subtropical e úmida Curitiba. Ainda comprometido com os relatórios que deveria escrever, o tema da literatura da secas me seguiu até minha casa. Entrou e foi ficando. Em pouco tempo, eu já estava me perguntando: o que era, afinal, essa literatura das secas? Quais seus temas recorrentes? Quais as principais obras que a integram?... Então, arregacei as mangas e fui pesquisar sobre o assunto. 10 Quando iniciei este trabalho, outras questões também me intrigavam. A princípio, eu tentava compreender se a literatura regionalista brasileira, ou mais especificamente aquela que privilegia aspectos relacionados ao modo de vida rural, havia deixado de interessar aos leitores de hoje. Afinal, o processo de urbanização brasileiro das últimas décadas teria definido uma mudança de enfoque nos âmbitos da produção literária e do interesse do público leitor? De fato, a figuração da vida rural na ficção parece ter perdido a posição de destaque que já ocupou na história literária brasileira, porém nunca deixou de existir. Apesar da predominância da narrativa urbana nas últimas décadas, ainda é possível nos depararmos com bons romances como Os desvalidos (1993), de Francisco J. C. Dantas, e a trilogia Essa terra (1976), O cachorro e o lobo (1997) e Pelo fundo da agulha (2006), de Antônio Torres, que abordam com diferentes perspectivas elementos relacionados ao contexto rural. No entanto, é de se notar a considerável distância que separa essas perspectivas contemporâneas, que confrontam a antiga dicotomia rural-urbano ao se situarem muitas vezes em regiões fronteiriças ou híbridas, e aquelas perspectivas tradicionais da literatura regionalista do século XIX, em que o rural era apresentado com certa autonomia em relação ao urbano. Dentro dessa categoria abrangente chamada regionalismo, a literatura das secas me interessava de modo especial. Esse segmento, que já foi visto como uma tendência em outras épocas, reservou um lugar em nossa história literária, graças principalmente a alguns romances fundamentais como O Quinze (1930), de Rachel de Queiroz e Vidas secas (1938), de Graciliano Ramos. Porém a literatura das secas não se limita a duas ou três obras. Desse modo, um dos objetivos da tese foi selecionar de modo significativo essa bibliografia e buscar em obras literárias perspectivas variadas sobre o contexto espacial e social do sertão nordestino, especificamente no que se refere às figurações do fenômeno da seca e de seus efeitos. 11 No estabelecimento do corpus literário deste trabalho, foi dada preferência às narrativas ficcionais, em especial a romances, cabendo, eventualmente,

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