A IRONIA NA POESIA ROMÂNTICA: JUNQUEIRA FREIRE E GONÇALVES DIAS Patrícia Martins Ribeiro de Oliveira (PIBIC/UEMS- UUC) [email protected] Danglei de Castro Pereira (UEMS/UUNA) [email protected] RESUMO Buscaremos, nesta pesquisa, encontrar dentro do discurso de Gonçalves Dias e Junqueira Freire os mecanismos utilizados para a materialização da ironia romântica na lírica destes poetas e, com isso, discutir em que medida a ironia contribui para diversidade da lírica romântica brasileira. PALAVRAS-CHAVE: Poesia romântica, revisão do cânone, ironia. ABSTRACT We will look for, in this research, to find inside of Gonçalves Dias speech and Junqueira Freire the mechanisms used for the materialização of the romantic irony in the lyrical of these poets and, with that, to discuss in that measured the irony contributes to Brazilian romantic diversity of the lyrical KEYWORDS: Romantic poetry, Revision of the canon, Irony INTRODUÇÃO Durante o século XVIII a Europa passava por um dos grandes momentos de sua história: A Revolução Industrial, na Inglaterra e, no final do mesmo século, a Revolução Francesa. Os ideais de Igualdade, Fraternidade e Liberdade criaram novas perspectivas no homem europeu, fato que em pouco tempo se prolongou como movimento político e estético no século XIX. Esse movimento libertário e revolucionário recebeu o nome de Romantismo. A pesquisa comentou em que medida pode-se pensar a ironia como elemento constitutivo da diversidade romântica. Para tanto discorreremos sobre o conceito de ironia romântica e, posteriormente, aplicaremos um olhar investigativo as poesias selecionadas no projeto. Como se trata de um trabalho de fôlego curto, desenvolvido dentro do prazo de doze meses, optamos por abordar os poemas “Canção do Exílio”, “Marabá” e “Leito de folhas verdes”, de Gonçalves Dias e “A freira”, “O jesuíta”, e “Meu filho no claustro”, de Junqueira Freire. A escolha desses poemas de Gonçalves Dias se deu pelo fato de acreditarmos que em “Canção do exílio”, ‘Marabá’ e ‘Leito de folhas verdes” fica mais evidente a relação homem/meio/pátria, o que possibilita uma maior verificação dos procedimentos racionais de cunho irônico na poética do autor. No caso de Junqueira Freire, escolhemos “A freira”, “O Jesuíta” e “Meu Filho no Claustro” por se tratar de poemas em que os aspectos religiosos são questionados, podendo identificar a presença da ironia na poesia do autor. O objetivo geral deste projeto de pesquisa é analisar a ironia contida no nosso romantismo. Abordaremos sobre os paradigmas constitutivos do nacionalismo romântico, vendo como Junqueira Freire e Gonçalves Dias mobilizam os paradigmas românticos na construção de seus poemas. Trata-se, portanto, de uma discussão crítica do que está posto na maioria dos nossos manuais de literatura. A metodologia para o desenvolvimento do projeto será a análise minuciosa das fontes primárias e secundárias referentes ao tema proposto. Em um primeiro momento, nossa atenção estará voltada para a explicitação da visão romântica norteada pela perspectiva crítica consagrada em nosso Romantismo. Para isso, procuraremos mapear e evidenciar os paradigmas que delimitaram as particularidades formais e temáticas inerentes do chamado nacionalismo romântico. Posteriormente, apoiados no conceito de ironia romântica definido pelo Grupo romântico de Iena, perscrutaremos no corpus da pesquisa a presença de um olhar irônico em nosso movimento romântico. Podemos dizer, então, que um dos principais percursos metodológicos foi o cotejo da obra poética de Gonçalves Dias e Junqueira Freie à luz das considerações críticas apresentadas como fontes teóricas para o desenvolvimento da pesquisa. Como resultado final da pesquisa, advogamos em favor da idéia de que a ironia romântic pode ser encontrada no interior das convenções poéticas do romantismo como um fator que contribui para a heterogeneidade do movimento. Dessa maneira, procuramos contribuir para uma melhor compreensão do papel do poeta nos limites do romantismo brasileiro e, nesse sentido, ampliar a discussão dos limites canônicos da poesia romântica no Brasil. Pensando nessas colocações iremos iniciar, nas próximas seções do trabalho, a discussão dos dados coletados na pesquisa. Antes, porém, chamamos a atenção para o caráter discursivo utilizado para a organização desses dados. SOBRE A NOÇÃO DE IRONIA Compreendendo a complexidade do conceito de ironia, nos fixaremos em dois conceitos de ironia entendidos como fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho: a ironia retórica e ironia romântica. Quando ouvimos falar em ironia, sempre nos vem à mente o significado aristotélico (POÉTICA, 2004, p.49) para quem a ironia é um recurso estético que possibilita a inversão do eixo de significado imediato do texto, em outros termos, a ironia faz entender o contrário do que se diz. Nas palavras de Machado de Assis (1992, p. 35), “riso de canto de boca, revés do discurso aparente”. A palavra ironia provê do grego “eironeia” e quer dizer dissimulação. [...] A palavra ironia não quer dizer apenas o que significava nos séculos anteriores, não quer dizer num país tudo o que pode significar em outro, tampouco na rua o que pode significar na sala de estudos, nem para um estudioso o que pode querer dizer para outro. Os diferentes fenômenos a que se aplica a palavra podem parecer ter uma relação muito fraca. A evolução semântica do vocábulo foi acidental, historicamente, nosso conceito de ironia é o resultado cumulativo do fato de termos, de tempos em tempos no discurso dos séculos, aplicado o vocábulo ora intuitivamente, ora negligentemente, ora deliberadamente, a fenômenos que pareciam, talvez erroneamente, ter bastante semelhança com alguns outros fenômenos aos quais já vínhamos aplicado. Assim, o conceito de ironia a qualquer tempo é comparável a um barco ancorado que o vento e a corrente, forças variáveis e constantes, arrastam lentamente para longe de seu ancoradouro. [...] (MUECKE, 1995, p.22) Mueke (1995) afirma que a palavra ironia não apareceu na língua inglesa antes de 1502 e até o começo do século XVIII não entrou para o uso literário geral. O que se havia eram termos que podem ser considerados embrionários da palavra ironia: fleer, flout, gibe, jeer, mock, scoff entre outros, todos usados no sentido de zombaria, mofa e escárnio. Aristóteles (2004) em sua “Poética”, Cícero (2002), em “De Oratore” e Quintiliano (1995) em “Institutio Oratoria” são exemplos de estudiosos que se dedicavam ao estudo da retórica , posteriormente, da ironia enquanto recurso de estilo, figura de retórica. É a partir do final do século XVIII e início do século XIX que a palavra ironia passou a ter significado mais específico e incorporou aspectos advindos da filosofia e das ciências políticas. Foi a partir do Romantismo, mais especificamente o Romantismo Alemão e de algumas idéias do grupo de Iena – composto por Novalis, Ludwig Tieck, Schleiermacher e os irmãos August e Friedrich Schlegel, entre outros – que a ironia deixou de ser vista apenas como uma figura de retórica, mas um procedimento de distanciamento crítico do autor face à temática enfocada na reflexão poética. Como observa Duarte( 2006) a ironia romântica é um movimento reflexivo que antevê a necessidade de aproximação da expressão artística à consciência política e, por vezes, filosófica. [...] O eu começa então a falar em seu próprio nome na obra literária, mas essa valorização romântica do indivíduo gera um paradoxo: ao tomar consciência de seu desejo de absoluto, o homem percebe também sua transitoriedade e relatividade, a sua dependência do outro: opondo-se à infinitude de seu desejo, ele sente a finitude da vida. Para o escritor, esse paradoxo apresenta-se simultaneamente como necessidade e como impossibilidade de relato complexo da realidade. A solução encontrada é a ironia romântica, através da qual introduz-se a figura de um eu “representante da representação”, instância que se completa com a presença de um narratário. Desnudam-se assim ironicamente o fingimento e os artifícios da construção textual e, a partir dessa incorporação da ironia aos seus processos, a literatura deixa de pretender ser mimese, reprodução da realidade, e passa a revelar-se produção, linguagem, modo peculiar de se form(ul)ar um universo, considerando-se a própria linguagem um mundo. (DUARTE, 2006, 17-18pp.) O artista sente-se constrangido por viver em uma sociedade que não valoriza a sua arte e reconhece apenas sua capacidade doutrinária e retórica. Mueke (1995) faz um estudo detalhado sobre a ironia romântica. Ele nos apresenta as idéias dos irmãos Friedrich Schlegel e August Wilhelm que acreditam que a ironia começa com a contemplação do destino do mundo em larga escala e a necessidade de retomada da visão primordial da arte, destinada a expressão da consciência racional. Friedrich Schlegel (1994) acredita que o homem é um ser finito que tenta compreender uma realidade infinita. A criação artística, nas idéias de Schlegel (1994), possui duas fases contraditórias, mas que no final se completam: a fase expansiva e a fase contrativa. Na primeira, o artista é ingênuo, imaginativo e inspirado contempla a diversidade natural em busca de uma quietude imediata, fixada nas sensações cognitivas e na uniformidade diante da natureza, vista como parâmetro para o equilíbrio, mesmo que momentâneo. Na segunda, o percurso de equilíbrio da visão expansiva conduz à fragmentação e ao desequilíbrio. É constatação reflexiva das limitações humanas e o contraste com o mundo ordenado do espaço natural, visto como utopia impossível de ser alcançada sem a reorganização do próprio indivíduo face as suas imperfeições oníricas. É a ironia romântica. As duas fases são necessárias. O artista deve ser entusiasta e crítico. Se conseguir esse equilíbrio, produzirá uma obra que possui em si mesma a essência da pureza primitiva, metaforizada por Novalis (2001) como “criança ingênua” o homem consciente de sua fragilidade, de sua pureza primitiva. August Wilhelm Schlegel (1994) dizia que a ironia era o balanço do sério com o cômico, do imaginário e do prosaico. A ironia possuía uma função satírica, moral e redutiva. Feitas estas colocações podemos identificar alguns recursos estilísticos presentes na ironia romântica.
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