Contos Libaneses

Contos Libaneses

desconhecido desconhecido CONTOS ALBANESES Ali Abdihoxha e outros Título Original: Le Renversement Editions “Naim Frashëri” Tirana Tradução de: Luísa Maria Rijo de Almeida Capa de: Fernando Brandão * * * CONTOS ALBANESES Ali Abdihoxha A VIRAGEM Estavam à beira da estrada que segue ao longo do Tepe, esse protector da ponte do Zaranike e da cidade de Elbasan. O comandante deu ordem de assalto e o acaso quis que fosse Zeqo o primeiro a lançar-se ao ataque. Descarregou a arma automática e gritou a plenos pulmões: - Para a frente, rapazes, é dar-lhes! Virou as costas à cidade e a cara para o olival e, como se nada fosse, saiu mesmo para o meio da estrada, por entre os alemães. A montanha rugia, os tiros zumbiam, as metralhadoras crepitavam por todos os lados, os carros incendiavam-se, as pessoas gritavam, a batalha estava no auge, as coronhas das espingardas partiam-se. O fumo e o cheiro da pólvora, como em todos os combates encarniçados, cobriam a estrada de um lado ao outro, até que o vento os empurrou para o olival. As detonações abalaram a cidade inteira. - Zeqo! gritou-lhe o comandante ao ouvido, leva os teus homens e vai cercar a casa do bei (1). - Não sei onde é! respondeu Zeqo e uma veia grossa, como uma mecha arroxeada, desenhou-se-lhe na fronte. ___ Nota (1) Bei: senhor de terras e autoridade local. 5 - Grita mais alto, não te oiço! volveu o comandante. - Onde é que fica? - Olha, aquela com muitas chaminés. Prende toda a gente que encontrares. - Às suas ordens! Zeqo pôs-se de pé e, enquanto as balas lhe assobiavam aos ouvidos, ergueu o punho e gritou: - Que os meus homens me sigam! Como um falcão que bate as asas levantando voo com a presa, o grupo destacou-se do campo de batalha e enfileirou atrás do seu comandante. Zeqo corria na praia pedregosa do Zaramike, rodeado dos camaradas. Estava louco de alegria, como ultimamente quando combatia com eles nos flancos ou nas gargantas das montanhas, nos vales e nos bosques. Deteve-se por um instante e, antes de subir para a margem, ergueu o punho e gritou: - Para a frente, camaradas, é dar-lhes! Mas esse grito de nada serviu. Diante dele estendiam-se jardins e pátios onde reinava um silêncio total, como se troçassem da batalha que se travava furiosamente na estrada ao longo do Tepe. Sem interromper a corrida, o grupo cercou a casa do bei. Zeqo lançou a primeira bomba para dentro do pátio. * * * Nessa manhã, antes de explodir a primeira granada de Zeqo, a jovem hanem (1) afastou o ___ Nota (1) Hanem: mulher ou filha do bei. 6 “edredon” de tafetá, abriu os pesados reposteiros e, valsando graciosamente, dirigiu-se para o espelho do toucador. Ergueu a cabeça observando o pescoço alto, branco como a neve. Depois pôs-se de perfil, uma vez à esquerda, outra vez à direita e por fim olhou-se de frente, franzindo as sobrancelhas. Era a sua pose preferida da artista que vira ultimamente no cinema. Tinha a impressão de que nada lhe faltava para ser como Greta Garbo. Que teria a outra mais do que ela? “Oh, meu grande amor! Vem, espero por ti!” exclamou a jovem esboçando um ligeiro sorriso, tão ligeiro que mal se distinguia a bela fila de dentes brancos. A filha do bei de Elbasan ainda não tinha vinte anos, como testemunhava a sua pele aveludada. Bela, assemelhava-se ao pai como duas gotas de água, com os cabelos negros, a pele branca, a estatura alta, as pernas delgadas. “Oh, meu grande amor”, repetiu ela indo-se estender em cima do divã. O silêncio dessa manhã de Novembro foi interrompido pelo crepitar de uma metralhadora na orla do olival. “Ah! exclamou Elsa, lembrando-se que se travavam combates entre guerrilheiros e os alemães nos arredores da cidade. Ah, os malditos!” A menina Elsa, como filha mimada de um bei, nunca sentira o cheiro da pólvora. Quando a Albânia fora ocupada, estava ela a passar férias no Piemonte. “Eis que nos tornámos um grande reino”, disse ela repetindo o que o pai lhe havia escrito. Tinha então catorze anos e frequentava o quinto ano num liceu clássico de Roma. Um ano mais tarde, veio passar as férias 7 grandes na Albânia. O pai, que tinha conhecimentos entre os grandes no poder, disse-lhe que o povo albanês se sentia muito feliz por a coroa de Scanderbeg ser ostentada por Vítor Emanuel III. Vivia cercada de luxo, ia muitas vezes a Tirana, divertia-se com os galgos do pai e, em Setembro, regressou a Roma para continuar os estudos. Quando a Itália capitulou, o pai enviou um homem de confiança para a levar para a Suíça mas, precisamente um ano mais tarde, o intendente e Elsa regressaram à Albânia sem que ninguém os esperasse. - Que se passou? perguntou o bei. - A vossa filha, meu beu tinha vontade de vos ver e não quis ir para a Suíça. Sofri um martírio durante a viagem. - Mas, minha filha, aqui estamos em guerra! ameaçou o bei. - O quê, aqui também? admirou-se Elsa, lançando-se ao pescoço do pai. O bei quis deixar a Albânia imediatamente com a filha, mas o comando alemão não lho permitiu, visto que a situação nos Balcãs era perigosa. O exército vermelho tinha entrado em território jugoslavo e as viagens das famílias haviam-se tornado impossíveis. Numa palavra, o bei de Elbasan, na sua qualidade de perfeito e colaborador dos nazis, decidira partir com as forças alemãs. O comandante da guarnição encarregou-se de o fazer chegar são e salvo, com a filha, à “inconquistável” cidade de Berlim. Elsa hanem só nos últimos dois meses conhecera os aborrecimentos da guerra. Compreendeu que o povo se erguera contra os alemães. Três dias antes, o comandante do exército prevenira 8 o bei para se preparar para uma longa viagem. …Tamborilou com os dedos em cima da mesinha de cabeceira, “gemeu” contente por ter dormido bem e correu à casa de banho. - Depressa! Depressa! - ouviu o pai gritar no pátio. Os celerados vão-se embora! Querem deixar-nos aqui. Elsa não teve tempo de fazer a “toilette”. Limpou a espuma de sabão que lhe cobria a cara e debruçou-se à janela. Todas as portas das casas baixas estavam fechadas. Intermináveis filas de carros estavam estacionadas nas ruas estreitas. De vez em quando ouviam-se crepitar metralhadoras, ora de Krasta, ora do Shkumbin, ora do olival. - Ah, os celerados! murmurou Elsa imitando o pai. Para dizer a verdade, não compreendera ainda por que razão era preciso ir para a “incon-quistável Berlim”, quando toda a fortuna do pai se encontrava na bela cidade de Roma, junto dos muros do Coliseu e na “Piazza Venezia”. Que significa tudo isto? Os guerrilheiros? Oh, como podem ser perigosos! Contudo. Elsa hanem repetiu: - Os celerados, não querem levar-nos para Berlim. Esperem por nós, ouviram! ameaçou ela dirigindo-se aos alemães que se mantinham silenciosos na rua e correu a buscar o fato de desporto ao guarda-vestidos. No harém (1) havia uma confusão incrível. Uns subiam, outros desciam, atrapalhando-se mutuamente. Algumas malas estavam atiradas no pátio, umas por cima das outras. Um criado metia ___ Nota (1) Harém: parte da casa habitada pelas mulheres. 9 na mala do carro os poucos objectos de valor que o bei não tinha enviado para Itália juntamente com a maior parte da fortuna. Os intendentes andavam de um lado para o outro, com a espingarda ao ombro, sem tocarem em nada. - Depressa! Depressa! gritava o bei que queria descarregar a bílis sobre os criados. De repente, quando Elsa hanem perguntava a si própria o que havia de levar ou de deixar, uma detonação formidável abalou os alicerces do harém. Teve a impressão de que toda a cidade fora destruída. Soltou um grito e atirou-se de bruços para cima da cama. Tremendo dos pés à cabeça, rompeu em soluços… * * * A bomba que Zeqo atirou para o pátio semeou o pânico entre aquela honorável assembleia. Renderam-se todos, o bei e a sua hanem, a ama, os intendentes e todos os que se afadigavam em volta dos carros, incluindo os galgos. Zeqo agiu como achou conveniente. Fechou o bei num quarto e foi buscar a menina “coquette” para a deitar em cima da cama. A explosão da bomba e a vista dos guerrilheiros tinham-na feito desmaiar. Estava lívida. Em seguida isolou uns dos outros. Os intendentes, os criados e a ama fechou-os em duas grandes salas. Instalou os guerrilheiros no andar de baixo em pequenas divisões húmidas que na maior parte não tinham janelas. Por fim mandou montar a guarda e respirou fundo, apurando o ouvido para distinguir os tiros que se afastavam para Shen Gjon e para Krraba. Disse para consigo: 10 - A guerra está a terminar, em breve toda a brigada estará de volta. O soalho rangia por cima da sua cabeça. O bei marchava de um lado para o outro; Zeqo acariciou a coronha da espingarda. - Ainda não acabámos com aqueles! e ergueu os olhos como para mostrar a arma ao bei que passeava de uma ponta a outra do quarto, lá em cima. Depois, direi ao comunismo: “Anda cá, meu amigo, agora somos nós…” Zeqo interrompeu os pensamentos. O bei tinha-lhe passado mesmo por cima da cabeça e alguns grãos de poeira cairam-lhe para a cara. Espirrou, coçou o pescoço e disse: - Não, não, assim não pode ser! Estes tipos estiveram sempre por cima das nossas cabeças, agora acabou-se! Era preciso reparar aquele erro.

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