Entre O Que Foi E Há-De Ser: O Teatro De Ibsen Como Um Problema De Memórias

Entre O Que Foi E Há-De Ser: O Teatro De Ibsen Como Um Problema De Memórias

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS Entre o que Foi e Há-de Ser: O Teatro de Ibsen como um Problema de Memórias Bruno Ricardo Ribeiro Henriques Orientadora: Professora Doutora Paula Morão Co-orientador: Professor Doutor José Pedro Serra Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo de Estudos de Literatura e de Cultura, na especialidade de Estudos Comparatistas 2018 UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS Entre o que Foi e Há-de Ser: O Teatro de Ibsen como um Problema de Memórias Bruno Ricardo Ribeiro Henriques Orientadora: Professora Doutora Paula Morão Co-orientador: Professor Doutor José Pedro Serra Júri: Presidente: Maria Cristina de Castro Maia de Sousa Pimentel, Professora Catedrática Membro do Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Vogais: Doutor Gustavo Maximiliano Florêncio Rubim, Professor Auxiliar Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; Doutora Ana Isabel Candeias Dias Soares, Professora Auxiliar Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve; Doutora Maria Paula Nina Morão, Professora Catedrática Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, orientadora; Doutora Fernanda Cândida da Mota Alves, Professora Associada Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Doutor Rui Manuel Pina Coelho, Professor Auxiliar Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Doutoramento financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia SFRH / BD / 73994 / 2010 2018 2 3 Índice Resumo 5 Abstract 6 Agradecimentos 7 Sobre o Princípio 9 Um Jardim de Cadáveres em Botão 17 A Meio de um Novo Princípio 127 Remate Manqué 256 Bibliografia 270 4 Resumo A dramaturgia de Ibsen é um lugar, melhor dizendo, uma dinâmica de memórias. Na primeira parte desta tese, “Um Jardim de Cadáveres em Botão”, apresentam-se cronologicamente as peças de Catilina a Imperador e Galileu. É através da exposição e comentário dos respectivos enredos, personagens, imagens e símbolos que se reflecte sobre a importância do romantismo e do nacionalismo na dramaturgia de Ibsen anterior a 1877. Para melhor compreender o percurso de Ibsen, é traçado um retrato histórico, político, social, religioso, militar e cultural da Noruega e da Escandinávia. Ao mesmo tempo, conceitos como idealismo, ironia e paródia surgem aqui pela primeira vez. Serão recuperados e desenvolvidos na segunda parte e tornar-se- -ão fundamentais para a leitura que será feita da dramaturgia realista de Ibsen como um teatro de memória paródico. Se as peças anteriores a 1877 foram elementos de uma memória cultural de que a nação norueguesa precisava para construir um discurso identitário, os doze dramas que se seguiram a Os Pilares da Sociedade podem ser entendidos, numa primeira leitura, como exemplos de um realismo fotográfico que retrata a burguesia, os seus valores e, acima de tudo, as suas contradições. No entanto, por baixo da qualidade aparentemente superficial da dimensão comunicativa da memória, existe um conjunto de recordações stricto sensu e elementos de um acervo cultural que a acção presente traz à boca de cena. O retrato e a representação adequada da burguesia servem de charneira na história da dramaturgia ocidental e, ainda hoje, as doze peças finais de Ibsen continuam a ser espaços de negociação entre o passado, o presente e o futuro. Palavras-chave: Ibsen, memória, paródia, passado, futuro. 5 Abstract Ibsen’s plays are memory spaces or, if you prefer, memory dynamics. In the first part of this thesis, “Um Jardim de Cadáveres em Botão”, the plays from Catiline to Emperor and Galilean are the main focus. It is through the analysis of the plots, characters, images and symbols of these dramas that I manage to discuss the importance of Romanticism and Nationalism in the plays before 1877. To better understand the evolution of Ibsen, it is important to present facts about Norway and its historical, political, social, religious, military and cultural reality. Idealism, ambiguity, irony and parody are some of the most fundamental concepts of this thesis and they all appear for the first time in this section. Without them it is impossible to fully grasp my argument about the Realist plays: these constitute a parodic memory theatre. The dramas before 1877 are elements of the cultural memory of a country in need of a collective identity. Those that followed Pillars of the Community seem somehow different: a radical, though apparently superficial portrait of the bourgeoisie, of its values and, above all, its contradictions. Nevertheless, underneath this surface, there are personal and cultural memories that reemerge in the present time of the drama and play a pivotal and somehow disturbing role in it. The adequate portrait of the bourgeoisie Ibsen manages to achieve in the last twelve plays is today regarded as a benchmark in the History of Western drama. Each of these dramas was and still is a place of negotiation between memories and times, i.e., between past, present and future. Key-words: Ibsen, memory, parody, past, future. 6 Agradecimentos Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à minha mãe, Maria da Conceição de Almeida Ribeiro Henriques, ao meu pai, José António Andrade Henriques, à minha irmã, Telma Henriques, ao meu cunhado, Pedro Grãos, e ao meu sobrinho, Tomás Henriques Grãos. É importante nomeá-los. Em muitos momentos – alguns demasiado longos – apoiaram-me financeira e emocionalmente. Sou-lhes eternamente grato. Há quem diga que tem a melhor família do mundo, eu tenho a melhor família do mundo. Não posso esquecer a minha avó, Benedita de Almeida, nem o meu avô, Telmo de Almeida. Com eles aprendi que o trabalho requer disciplina e sacrifício. A lição foi valiosa para este período. Aos meus outros avós, Francisco Henriques e Maria de Lurdes Henriques, que faleceu durante o segundo ano deste doutoramento, agradeço o carinho imenso com que sempre me brindaram. Não posso deixar de agradecer à Fundação para a Ciência e Tecnologia que financiou grande parte deste projecto com uma Bolsa de Doutoramento. Aproveito para deixar uma palavra de gratidão a todos os meus colegas e professores do Centro de Estudos Comparatistas (CEC) e do Centro de Estudos Ibsenianos da Universidade de Oslo. Tenho, no entanto, de destacar alguns nomes pelo papel decisivo que desempenharam nestes anos: Helena Buescu, Gerd Hammer, Luísa Soares, Fernanda Mota Alves, Rafael Esteves Martins, Susana Correia, Catarina Oliveira, Igor Furão, Flávia Ba, Sonia Miceli, Marta Pacheco, Ariadne Nunes, Gabriela Silva, Inês Robalo, José Bértolo, Amândio Reis, Joana Moura, Giuliano D’Amico, Thor Holt e Linda Hambro. Não posso esquecer a gentileza e a amizade dos funcionários do CEC, que foram e são verdadeiros amigos: Tiago Guerreiro, Rita Correia e Sofia Ferreira. 7 Aos meus orientadores, Paula Morão e José Pedro Serra, as palavras não chegam para agradecer a dedicação, a paciência, o trabalho e a energia que dedicaram a esta tese. Grande parte das qualidades desta dissertação é um resultado directo dos seus conselhos. Mais do que a orientação, esse dever profissional que desempenharam exemplarmente, Paula Morão e José Pedro Serra foram meus amigos. Não saberei como retribuir-lhes a preocupação e o carinho. Tenho muitos e bons amigos – os melhores para ser honesto. Ainda que nem todos entendam, aqui fica o reconhecimento ao pessoal da Pontinha, da Bertrand, da Escola Secundária, do Grupo de Jovens, dos Escoteiros, da Faculdade, da Digital e todos os outros que são, como lhes chamo, independentes, entre os quais destaco o meu Carlitos, a minha querida Susana Dinis, o incansável Carlos Severino, o Nuno Carvalho, o Frederico Santiago e o Daniel Barradas. Ana Luísa e Lídia Mateus you are my girls. Domingas Nogueira e Tânia Duarte já não se faz gente tão boa como vocês e respectivas famílias. Marta Rodrigues, como sempre e para sempre. A Sara Barbosa merece uma palavra especial, as gralhas que não existem neste trabalho resultam do seu olhar de falcão, as que permanecem são responsabilidade minha. Além disso, a amizade que tem por mim é mais do que eu mereço. Foi através dela que conheci a Cris Ferreira, a Salomé Valente e a Mira, que infelizmente morreu este ano. Faz-nos muita falta. Na minha primeira aula deste doutoramento, conheci a Patrícia Lourenço. Tornou-se rapidamente uma grande amiga e será até ao fim a única testemunha deste processo deveras difícil. A sua importância é inefável. Por fim, e porque os últimos são os primeiros, agradeço à Sara Fernandes, a minha melhor amiga – my person. Não houve um minuto destes calmos espectáculos que não tenha partilhado contigo. Não sei até hoje como me aguentas. Devo-te tudo. Chego ao fim, sabendo que não estive sozinho. Obrigado! 8 Sobre o Princípio IRENE. Quando nós, os mortos, despertarmos. RUBEK. […] E aí veremos o quê? IRENE. Veremos que nunca vivemos. Henrik Ibsen, Quando Nós, Os Mortos, Despertamos Não seria um dislate chamar à dramaturgia realista ibseniana – de Os Pilares da Sociedade (1877) a Quando Nós, Os Mortos, Despertarmos (1899) – post-mortem. George Steiner, Erika Fischer-Lichte, entre tantos outros, afirmam, como adiante se verá de forma mais detalhada, que os textos escritos por Ibsen depois de 1877, dos quais se destacam Casa de Bonecas (1879), O Pato Selvagem (1884), Hedda Gabler (1890), O Construtor Solness (1892) e John Gabriel Borkman (1896), desempenharam um papel revolucionário na história da dramaturgia ocidental, soprando nova vida num género – o dramático – que tinha definhado. No entanto, mais do que o lugar do fim, os dramas realistas de Ibsen – resultando não só de uma tradição romântica e idealista, que viriam a rematar violentamente, mas também de um filão melodramático, comercial e leviano da pièce bien faite, que sublimaram – ocupam, mais de um século depois da morte do dramaturgo norueguês, uma posição que veio a revelar-se medial e mediadora entre o passado e o futuro da dramaturgia e do teatro. Quando decidi redigir o meu projecto de doutoramento, resultante de um coup de foudre ocorrido durante uma representação de O Construtor Solness1 que teve lugar no Teatro do Bairro Alto em 2007, empreendi um série de leituras preliminares, das quais destaco, pelo escopo e erudição, a obra de Toril Moi Henrik Ibsen and the Birth of Modernism.

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