Hommer Simpson: O Protagonista (In)Visível Dos 35 Anos Do Jornal Nacional Beatriz Becker

Hommer Simpson: O Protagonista (In)Visível Dos 35 Anos Do Jornal Nacional Beatriz Becker

Hommer Simpson: O Protagonista (In)visível dos 35 anos do Jornal Nacional Beatriz Becker Resumo Abstract O trabalho apresenta uma reflexão crítica sobre o valor This is a critical examination of Brazilian television da TV e do telejornalismo no Brasil e as perspectivas and its news program set off by the Jornal Nacional’s da imprensa brasileira, a partir da celebração dos 35 35th birthday celebration. It identifies the newscast anos do Jornal Nacional. Identifica o valor estratégico strategic value as the country’s most impacting 109 do telejornal no país como produto de informação de information product and as an instrument of maior impacto e como instrumento de conservação e social preservation and transformation based on transformação social, em função das representações representations and national identities constructed e das identidades nacionais construídas nas edições by the newscast. In addition, this article questions dos noticiários, destacando as funções objetivas e journalism practice and research through results of subjetivas do JN. O texto também questiona a prática reception studies and personal interviews with media e a pesquisa em Jornalismo, reunindo conhecimentos professionals. acadêmicos, resultados de pesquisa em recepção, além de dados expressivos apurados em entrevistas e palestras com profissionais de mercado. Palavras-chave Keywords Imprensa brasileira, TV, telejornalismo, 35 anos do Jornal Brazilian television, Jornal Nacional, TV newscast Nacional Quem diria que Hommer Simpson po- “Nem Macunaíma de em frente ou a D. Maria analfabeta que deria se tornar o protagonista do Jornal Mario de Andrade mora num subúrbio urbano ou no campo Nacional e ajudar o Brasil a se ver mais, possam entender. Os textos audiovisuais a se reconstruir e a se conhecer melhor? poderia mais servir na narrativa telejornalística, porém, são Esse papo está estranho? Um pouco. Mas, como representante aparentemente caracterizados pela objeti- presta atenção. Simpson até é um perso- maior da identidade vidade e a imparcialidade, princípios jor- nagem simpático. Nos Estados Unidos ele nalísticos inalcançáveis porque o uso da é aparentemente ingênuo, simples e desin- do povo brasileiro.” linguagem implica sempre em escolhas, formado, mas promove uma crítica sobre em construções de sentidos. No entanto, a classe média e o way of life dos norte- se os discursos dos telejornais nas repre- americanos. No Brasil este chefe de famí- sentações da realidade tem o poder efetivo lia serve de referência para William Bon- de constituir e intervir na experiência da ner, editor-chefe do JN, escolher quais são realidade cotidiana do Brasil e do mun- as notícias factuais, as atualidades e até do vivenciada pela maioria da população, mesmo os temas considerados relevantes não podemos reduzir a compreensão desse para a produção das séries de reportagens processo a manipulação do público e muito de 6 a 7 minutos. Na redação do Jornal menos a passividade de uma recepção ho- Nacional, Hommer Simpson é o cidadão mogênea e associada a um único persona- brasileiro que afirmou na recente pesquisa gem. Os noticiários tendem a transformar de recepção realizada pela Rede Globo: “O a recepção num segmento fiel às feições e JN sabe das coisas. Eu não sei. Às Vezes aos efeitos de sentido, produzidos no seu 110 o JN esquece que eu não sei” A pesquisa próprio campo, o da emissão. Isso não quer também revelou que o telejornal de maior dizer, que a recepção se comporte como tal audiência no país é a principal fonte de in- – o público recebe as mensagens à sua ma- formação da maioria dos brasileiros e que neira, tem sua hegemonia, atribui sentidos o Brasil ama o JN. Sinto muito, caro lei- às notícias no processo de interação com as tor, aqui é preciso fazer uma pausa. Três mensagens veiculadas. Até porque apesar questões atravessam a escrita deste texto dos jornalistas assumirem que produzem sem pedir permissão, exigindo reflexão. informações para o seu público, desconhe- Afinal, Hommer Simpson decididamente cem esse público. Os telespectadores ainda não é brasileiro. E o Jornal Nacional não é são sujeitos imaginários, que as pesquisas apenas a principal fonte de informação da de recepção tentam desvelar para con- população do país. Além disso, você, ama quistar audiência e mercado. Além dis- o JN? so, a questão da identidade da população Nem Macunaíma de Mario de Andrade brasileira é bastante complexa. A popula- poderia mais servir como representante ção brasileira não tem uma, duas, três ou maior da identidade do povo brasileiro. quatro identidades. É caracterizada justa- Os manuais de redação direcionados ao mente por uma forte heterogeneidade so- telejornalismo insistem em sugerir que de- cio-cultural e regional. A percepção de uma vemos contar as histórias do cotidiano ou identidade nacional plenamente unificada, os fatos sociais que são transformados em completa, segura e coerente é uma fanta- acontecimentos na elaboração das notícias sia, uma ficção ou uma ilusão que, a par- de um modo claro e simples, quase didáti- tir de um determinado momento histórico co para que o vizinho na janela do prédio Estudos em Jornalismo e Mídia Vol.II Nº 1 - 1º Semestre de 2005 é utilizada em função de estratégias polí- coletiva da nação, permitindo uma apro- ticas ou simbólicas, como a “festa” oficial ximação mínima entre setores sociais e dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, regionais diversos, agregando valores e promovida pelo governo e pela mídia, que, lançando contradições nacionais e pers- contraditoriamente, e não só por ironia do pectivas de desenvolvimento. A TV e os destino, promoveram sentidos inversos e seus noticiários têm mudado a maneira subversivos sobre a realidade e os diferen- do país ser governado, têm mudado a sua tes grupos sociais durante a celebração do maneira de votar e ainda o jeito do Brasil quinto centenário, os quais não puderam pensar. deixar de ser registrados pelos próprios Hoje, a TV, oferece programas de en- noticiários. E Hommer não estava lá! tretenimento de gosto e estética bastan- Este exemplo demonstra que os telejor- te questionáveis para tentar conquistar nais organizam a expressão e o direcio- a audiência, provoca polêmica na inter- namento político de diferentes poderes pretação de sua programação e de seus institucionais no país, representando sim- efeitos sociais, mas ainda é um agente bolicamente espaços de dominação e, por agente político e cultural importante e outro lado, também sustentam espaços uma das atividades levadas a sério no de revelação de interesses públicos e de país. Prova disso, é o investimento de reivindicações de comunidades distintas e quase 60% dos recursos publicitários in- singulares, numa mediação conscenciosa vestido em TV, totalizando mais de 4 bi- dos conflitos sociais cotidianos, ocupando lhões de reais em busca de uma conquis- uma função do Estado Contemporâneo. ta efetiva dos telespectadores1. No Bra- 111 Essas ações discursivas aparentemente sil, a compra de revistas e o consumo de contraditórias, endossam e valorizam a computadores é restrito a uma pequena própria existência dos noticiários, no de- parcela da população. As emissoras não sempenho da função objetiva de narrar direcionam investimentos na TV aberta os principais fatos sociais do Brasil e do sem avaliar dados socio-econômicos im- mundo e da função subjetiva de agendar a portantes. A TV não exige escolaridade e realidade social cotidiana, mediando pro- poder aquisitivo como outros bens e ser- blemas e diferenças sociais. Nesse proces- viços culturais, é relativamente barata, so, os telejornais realizam, de modo geral, consumida mais do que uma geladeira, leituras hegemônicas, mas, ao mesmo tem- segundo o IBGE e quase a totalidade do po, oferecem, em alguns momentos, trata- país é servida pela rede elétrica, o que mentos discursivos de acontecimentos em garante a distribuição de sua programa- dimensões transformativas. ção. Os últimos indicadores sociais do O telejornal é o produto de informação IBGE também revelam que os avanços de maior impacto na sociedade contempo- da economia brasileira na década de 90 rânea e a principal fonte de conhecimento melhoraram a renda, a saúde e a esco- dos acontecimentos sociais para a maio- laridade dos brasileiros, mas não foram ria das pessoas. É um espaço importante suficientes para reduzir um dos proble- 1ABERT, tabela com o faturamento dos meios em 1999-2000 e 2000- de construção de sentidos e identidades mas mais graves do país: a desigualdade 2003, www.projetointermeios.com. do Brasil e do mundo. A TV cria, através na distribuição de riqueza e, portanto, br. do telejornal, uma experiência diária e gerar oportunidades de multiplicação de acessos à informação e ao entretenimen- gares estratégicos na programação das to2. Não é à-toa, que 60% dos investimen- redes e também nos discursos midiáticos tos publicitários estão concentrados na contemporâneos. Uma das principais ca- televisão3. Neste novo milênio, mesmo en- racterísticas da linguagem dos noticiários frentando os efeitos das novas tecnologias, é garantir a verdade ao conteúdo do dis- a TV atinge praticamente todo o território curso e também a própria credibilidade do nacional e se consolida efetivamente no enunciador. Os noticiários utilizam jogos 2Jornal do Brasil, 5 abr. 2001, p.1 Brasil como a principal fonte de diversão de sentido que resultam numa pretensa “Segundo a Síntese dos Indicadores e de conhecimento dos acontecimentos so- objetividade e no mito da parcialidade. Os Sociais, do IBGE, o país, nos anos ciais para a maioria da população. textos provocam efeitos de realidade e se 90, melhorou alguns índices sociais: Por isso, as emissoras mantêm o in- confundem com o real porque os persona- a queda da mortalidade infantil vestimento nas novelas e nos telejornais. gens são reais e os fatos sociais, a matéria teve baixa de 20% e o analfabetismo Esses programas reúnem credibilidade e prima da produção. Os discursos dos noti- passou de 17,2% da população em 1992 para 13,3% em 1999.

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