Exposição “Anita Malfatti: 100 Anos De Arte Moderna”

Exposição “Anita Malfatti: 100 Anos De Arte Moderna”

Ministério da Cultura e Museu de Arte Como homenagem ao centenário da Moderna de São Paulo apresentam exposição inaugural do modernismo brasileiro, Anita Malfatti: 100 anos de arte DE moderna reúne, na Grande Sala do MAM, cerca de setenta obras representativas da trajetória de um dos nomes mais importantes 7 FEV. da arte brasileira do século XX. A exposição de Anita Malfatti de 1917 foi fundamental para o surgimento do grupo A que defendeu a arte moderna no Brasil, a ponto de o crítico Paulo Mendes de Almeida tê-la considerado como a “personagem 30 ABR. historicamente mais importante do movimento de 1922”. A curadoria de Regina Teixeira de Barros 2017 revela uma artista sensível às tendências e discussões em pauta ao longo da primeira metade do século XX, consciente de sua posição e suas escolhas. A exposição no MAM resgata desenhos e pinturas de Anita, apresentados em três momentos de sua trajetória: os anos iniciais, que a consagraram como o “estopim do modernismo brasileiro”; a época de estudos em Paris e a produção naturalista; e, por fim, GRANDE as pinturas com temas populares. Com ensaios de Regina Teixeira de Barros e SALA de Ana Paula Simioni, esta edição do Moderno MAM Extra é um convite ao público para conhecer as escolhas dessa grande artista. Boa leitura. PATROCÍNIO PATROCÍNIO MÁSTER CURADORIA REALIZAÇÃO REGINA TEIXEIRA DE BARROS Cem anos se passaram desde que a Exposição de 3 03 ANITA pintura moderna Anita Malfatti alteraria para sem- pre o curso da história da arte no Brasil. SU- MALFATTI, A primeira exposição de arte reconhecidamente 100 moderna realizada no país – em cartaz entre 12 de MÁ- dezembro de 1917 e 10 de janeiro de 1918 – con- ANOS sistia de 53 obras de autoria de Anita Malfatti, das quais 28 eram pinturas de paisagem e retratos; DEPOIS dez, gravuras; cinco, aquarelas; e as demais, RIO desenhos e caricaturas. O conjunto representava REGINA TEIXEIRA DE BARROS um resumo de seis anos de produção da artista, compreendidos pelos anos de aprendizado na Alemanha (1910-1913) e nos Estados Unidos (1914- 1916), bem como por trabalhos recentes, realiza- dos no regresso a São Paulo1. 11 ANITA Até a exposição de Malfatti, São Paulo só havia sediado exposições de arte rigorosamente aca- REGINA TEIXEIRA DE BARROS MALFATTI: dêmica ou muito próximas disso. Em um primeiro momento, a mostra foi recebida com assombro e DO CENTRO curiosidade: a visitação foi intensa, e Anita chegou a vender oito quadros. Mas a partir da crítica de ÀS MARGENS... Monteiro Lobato “A propósito da exposição Mal- fatti”, publicada na edição vespertina do jornal O UMA Estado de S. Paulo de 20 de dezembro2, boa parte da crítica local ecoou o juízo do renomado literato, REVISÃO e cinco das obras compradas foram devolvidas. A crítica foi tão virulenta que o nome de Anita ficou, NECESSÁRIA desde então, associado ao de Lobato. ANA PAULA CAVALCANTI SIMIONI Adepto fervoroso da arte naturalista, Lobato iniciou sua apreciação da exposição de Anita dizendo: Há duas espécies de artistas. Uma com- posta dos que veem normalmente as coisas e em consequência disso fazem 25 OBRAS EM arte pura, guardados os eternos ritmos da vida, e adotados para a concretização das EXPOSIÇÃO emoções estéticas, os processos clássi- cos dos grandes mestres. Quem trilha por esta senda, se tem gênio, é Praxíteles na Grécia, é Rafael na Itália, é Rembrandt na Holanda, é Rubens na Flandres, é Reynolds na Inglaterra, é Lenbach na Alemanha, é 29 BIBLIOGRAFIA Iorn na Suécia, é Rodin na França, é Zuloa- ga na Espanha. Se tem apenas talento vai SELECIONADA engrossar a plêiade de satélites que gravi- tam em torno daqueles sóis imorredoiros. 1) Para um panorama detalhado da vida e obra de Anita 31 CRÉDITOS Malfatti, ver Anita Malfatti no tempo e no espaço de Marta Rossetti Batista (Edusp; Ed. 34, 2006), referência obrigatória para qualquer estudo sobre a artista. A historiadora dedicou anos de pesquisa à vida e obra de Malfatti, que se desdobraram em inúmeros trabalhos de diferentes naturezas, como artigos acadêmicos, livros e exposições. 2) O artigo foi publicado, dois anos depois, no livro Ideias de Jeca Tatu como “Paranoia ou mistificação?”, título pelo qual é mais conhecido. 4 A outra espécie é formada pelos que veem o que lhe dá uma opinião sincera, embora divide-se em três momentos: os anos iniciais, que como A floresta e O jardim, realizadas nas férias 5 anormalmente a natureza, e interpretam-na dura, e lhe traduz chãmente, sem reservas, a consagraram como o “estopim do modernismo de verão de 1912, no vilarejo de Treseburg. Ainda à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão o que todos pensam dele por detrás. […] brasileiro”6; os anos de estudos em Paris e sua que essas pinturas ao ar livre revelem um interesse estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá Se víssemos na sra. Malfatti apenas uma produção naturalista; e, por fim, as pinturas com inicial pelas cores – aqui aplicadas em pequenas e lá como furúnculos da cultura excessiva. “moça que pinta”, como há centenas por aí, temas populares. pinceladas justapostas, sem misturas e em tons São produtos do cansaço e do sadismo sem denunciar centelha de talento, calar- bastante diversificados –, as paisagens são estru- de todos os períodos de decadência; são -nos-íamos, ou talvez lhe déssemos meia turadas com base em princípios tradicionais de frutos de fins de estação, bichados ao dúzia desses adjetivos “bombons”, que a — linhas de fuga e perspectiva, e se aproximam mais nascedoiro. Estrelas cadentes, brilham um crítica açucarada tem sempre à mão em se O interesse de Anita por arte começou em casa, das experiências impressionistas. instante, as mais das vezes com a luz do tratando de moças3. vendo sua mãe pintar e dar aulas de pintura. Aos escândalo, e somem-se logo nas trevas vinte anos, incentivada pelo padrinho Jorge Krug, Além das paisagens, o gênero do retrato também do esquecimento. Embora eles se deem Cem anos se passaram desde a Exposição de partiu para a Alemanha7 para dar continuidade a seria uma constante ao longo de sua trajetória como novos, precursores duma arte a vir, pintura moderna Anita Malfatti e, desde então, seus estudos artísticos. Instalou-se em Berlim, que, artística. Em Retrato de um professor, realizado na nada é mais velho do que a arte anormal cristalizou-se um mito em torno da “sensitiva do por feliz coincidência, seria também o destino de Alemanha, observa-se o enquadramento tradi- ou teratológica: nasceu com a paranoia e Brasil” – como Mário de Andrade se referia à artista muitos artistas da vanguarda expressionista, o que cional da figura, mas uma ousadia maior no uso com a mistificação. De há muito já que a – e de seu “algoz”, Monteiro Lobato. Reza a lenda certamente contribuiu para o rumo que a pintura da cor e nas pinceladas distribuídas em diver- estudam os psiquiatras em seus tratados, que Anita nunca se recuperaria desse incidente e de Anita tomaria. No período em que lá permane- sas direções, chegando a borrar, aqui e ali, seus documentando-se nos inúmeros dese- que seu breve apogeu foi seguido de uma doloro- ceu, a capital alemã abrigou membros da Ponte e contornos. Em Meu irmão Alexandre, pintado na nhos que ornam as paredes internas dos sa e definitiva decadência4. Os críticos contempo- da Nova Secessão, sediou o lançamento da revista volta ao Brasil, no início de 1914, Anita lançou mão manicômios. A única diferença reside em râneos a Anita foram unânimes no uso de termos e da galeria Der Sturm, foi palco de exposições de de novos recursos: a fresta branca da camisa e o que nos manicômios esta arte é sincera, como “recuo”, “retrocesso”, “passo atrás” para se impressionistas franceses, expressionistas nórdi- rosto pálido da figura recostada contrastam com produto lógico de cérebros transtornados referir à produção posterior a 1917. Até mesmo seu cos e futuristas italianos. as cores escuras e frias do paletó e do entorno, e pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, grande amigo Mário de Andrade pronunciou-se dividem a tela diagonalmente. nas exposições públicas, zabumbadas pela nesse sentido: “Depois da exposição, Anita se re- Logo na chegada, Anita estudou desenho na Aca- imprensa e absorvidas por americanos tirou. Foi para casa e desapareceu, ferida”. E, ainda, demia Real de Berlim. Passou por aulas de teoria Em 1915, recém-chegada a Nova York, Anita malucos, não há sinceridade nenhuma, sem “indecisa tremendo entre essas ordens diferentes das cores com Fritz Burger, de técnica de pintura frequentou, por um breve período, o Art Student nenhuma lógica, sendo mistificação pura. se perdia pouco a pouco e se perdeu”5. com Bischoff-Culm, mas foi Lovis Corinth que lhe League, cujo ensino se ancorava na tradição revelou a potência da cor. Anos mais tarde, Anita clássica. Alguns meses depois, conheceu o tra- O texto continua desdenhando os ismos da arte Ora, computar a mudança de sua pintura ao trauma relataria sua comoção ao se deparar com uma balho de Homer Boss e, junto com uma colega, moderna, mas Lobato não deixa de reconhecer a que Lobato teria causado a sua excessiva sensi- exposição do mestre: “A tinta era jogada com tal foi em busca do “professor moderno, um grande competência de Anita: bilidade é justamente não se dar conta de quão impulso, com tais deslizes e paradas repentinas, filósofo incompreendido e que deixava os outros atenta Anita sempre esteve às variantes do debate que parecia a própria vida a fugir pela tela afora”8. pintar à vontade”9, que aproveitava o verão para Essa artista possui um talento vigoroso, artístico de seu tempo. Tanto no Brasil quanto na trabalhar na ilha de Monhegan com um grupo fora do comum.

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