Oinhanduv Á (PROSOPIS AFFINIS SPRENG) NO RIO GRANDE DO

Oinhanduv Á (PROSOPIS AFFINIS SPRENG) NO RIO GRANDE DO

BALDUINIA, n. 24, p. Ol-ll, 30-IX-2010 o INHANDUV Á (PROSOPIS AFFINIS SPRENG) NO RIO GRANDE DO SUL. 1- EMBASAMENTO FITOGEOGRÁFICO E PENDÊNCIAS TERMINOLÓGICAS. JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORI' FABIANO DA SILVAALVES2 RESUMO São discutidasquestões fitogeográficase terminológicas,constantesna literaturasobreo inhanduvá(Prosopis affinis Spreng., Fabaceae) no Rio Grande do Sul. Palavras-chave: Prosopis affinis, Fitogeografia, Rio Grande do Sul. SUMMARY [Prosopis affinis Spreng. in Rio Grande do Sul state, Brazil. 1 - Phytogeographic basement and nomenclatural questions]. Phytogeographicand terminologicalquestionsfoundin the literatureaboutProsopis affinis Spreng.(Fabaceae) in Rio Grande do Sul state (Brazil) are discussed. Key words: Prosopis affinis, Phytogeography, Rio Grande do Sul state. INTRODUÇÃO como "as últimas ondas do pampa argentino, O inhanduvá (Prosopis affinis Spreng.),jun- jogadas na Campanha riograndense" 10 • Desta ll tamente com o algarrobo3 , o espinilho4 , a cina- lista, o inhanduvá distingue-se por ter madei- cina5, o quebracho-branco6, o pau-ferro? , as ra muito dura, pesada e resistente à deteriora- sombras-de-tour08 e as aroeiras9, integram um ção, à semelhança do pau-ferro anteriormente contingente singular na flora arbórea do Rio citado e de outras Anacardiáceas do Chaco pro- Grande do Sul: o dos elementos chaquenhos priamente dito'2, pertencentes ao gênero (sensu Waechter, 2002), interpretados por Schinopsis (quebrachos- vermelhos). Balduino Rambo (1956), em definição lapidar, Produtor de madeira reconhecidamente va- liosa ao homem do campo, sobretudo para usos em contato com o solo, o inhanduvá também era a preferida pelos gaúchos primitivos para a I Engenheiro Florestal, Dr., Professor Titular do Depar- tamento de Ciências Florestais, UFSM. Bolsista de Pro- confecção de freios, segundo registro de Nicolau dutividade em Pesquisa (CNPq - Brasil). Dreys'3. 2 Biólogo, MSc., doutorando do Programa de Pós-Gra- duação em Engenharia Florestal - UFSM. Professor da Universidade da Região da Campanha - URCAMP (Alegrete, RS). 3 Prosopis nigra (Griseb.) Hieron. (Fabaceae). lO Rambo, B. A fisionomia do Rio Grande do Sul. Porto 4 Vachellia caven (MoI.) Seigler & Ebinger; o binômio Alegre: Livraria Selbach, 1956. p. 144. Acacia caven (MoI.) MoI., de uso freqüente na litera- Ii O inhanduvá pertence à farm1ia Fabaceae; a literatura tura botânica do século 20, acabou reduzido à sinonímia. mais antiga considera o gênero entre as Mimosaceae 5 Parkinsonia aculeata L. (Fabaceae). ou nas Leguminosae Mirnosoideae. 6 Aspidosperma quebrachoblanco Schltdl. (Apocyna- 12 Situado ao norte da província do Espinal, a província ceae). do Chaco estende-se pelo centro-norte da Argentina, 7 Myracrodruon balansae (Engl.) Santin (sinônimo: oeste do Paraguai e sudoeste da Bolívia. Astronium balansae Engler). 13 "O freio he feito de páo duro, ordinariamente de 8 Nome comum atribuído a duas espécies de Santalaceae: nhanduai, embutido em cada uma de suas pontas hum Acanthosyris spinescens (Mart. & Eichl.) Griseb. e pedaço de chiffre cortado segundo o seu comprimen- lodina rhombifolia (Hook. & Am.) Reissek. to." (Dreys, N. Noticia descriptiva da Provincia do Rio- 9 Nome popular atribuído a várias espécies de Lithraea Grande de S. Pedro do Sul. Rio de Janeiro: Typ. lmp. e e Schinus (Anacardiaceae). Consto de J. Villeneuve e Comp., 1839. p. 197). 1 Por seu reconhecido valor, a espécie é uma protagonizada pelo Barão de Cerro Largo (José das mais evocadas na literatura gauchesca, des- de Abreu) na Batalha do Passo do Rosário 19. de meados do século XIX. No poema "Santos Na Argentina e Uruguai, onde a espécie é mais Vega"14, por exemplo, Hilário Ascasubi descre- conhecida e apresenta ampla área de ocorrên- ve a excelência da paliçada de fíandubay cia, o termo inhanduvá chega a ser usado como construída em torno das casas de uma estância, metáfora para descrever o valor, resistência ou como proteção aos ataques dos índios 15 • Por sua vigor do homem do camp020. "duração ilimitada", esta madeira sempre foi Reconhecido por sua importância econômi- preferida para palanques e currais, segundo ca, o inhanduvá, mesmo assim, raramente é cul- Richard Seymour, importante cronista do po- tivado no Rio Grande do Sul. Mais preocupante, voamento no sudeste de Córdoba (Argentina) 16. todavia, é o resultado da ação antrópica sobre Também no Rio Grande do Sul se pode admi- os fragmentos remanescentes de vegetação na- rar, ainda praticamente intacto, um palanque tiva, visto que o processo tende a desfavorecer remanescente de extinta estância missioneira a espécie em benefício do espinilho (Vachellia (século XVIII), presenteado a Joaquim Francis- caven), seja por eventuais queimadas ou pela co de Assis Brasil na primeira década do século predação de brotações pelo gado. XX e por ele plantado frente ao "Galpão das O "Parque Estadual do Espinilho", criado em Vacas", na Granja de Pedras Altas, arredores da 12/3/1975, visa, justamente, a preservar o frag- cidade gaúcha homônima. mento mais representativo desta vegetação sin- Apesar de sua pequena área de ocorrência gular no sul do Brasil. Localizado nas proximi- natural, limitada ao canto sudoeste do Estado, o dades do núcleo urbano de Barra do Quaraí21, inhanduvá sempre aparece em termos elogiosos sua área original, de aproximadamente 276 ha, na literatura sul-rio-grandense. João Simões foi ampliada para 1.617,14 ha em 28/2/200222. Lopes Neto, por exemplo, valeu-se da dureza No presente trabalho, o primeiro de uma sé- de sua madeira, em O Anjo da Vitórial7, para rie dedicada a investigar a distribuição geográ- caracterizar a vigorosa carga de cavalaria 18 fica do inhanduvá no Rio Grande do Sul, bus- cou-se estabelecer um embasamento fitogeo- gráfico, bem como discutir alguns pontos con- 14 Longo poema gauchesco, editado originalmente em trovertidos, constantes na literatura, sobre o Paris, no ano de 1872. mesmo tema. 15 "Después de eso, uma estacada / de fíandubay de mi flor, / tan pareja y tan fornida / que el poste más delgadón / no lo arrastraba una cuadra / el pingo más cinchador" (Ascasubi, H. Santos Vega el payador. In: Poesia gauchesca. México: Fondo de Cultura Económica, 1984. v. 1. p. 327-328). nha de inhanduvai abrindo em dois um moirão grosso 16 "EI fíandubay es muy duro y de duración ilimitada, pues de guajuvira"(Simões Lopes Neto, 1. Contos conócense corrales de postes de este árbol, en excelen- Gauchescos e Lendas do Sul. Porto Alegre: Editora tes condiciones y que se sabe cuentan con más de cien Globo, 1957. p. 202). afíos de existência" (Seymour, R.A. Un poblador de 19 Batalha de Ituzaingó, para os autores castelhanos. las Pampas. Córdoba: Impressos M.C., 1995. p. 57). 20 "Cuando en ellitoral se quiere ponderar la reciedumbre 17 Integrante de "Contos Gauchescos", obra prima da li- y el aguante de un paisano, se lo compara ai teratura sul-rio-grandense, editada, originalmente, em fíandubay"(Biloni, J.S. Arboles autoctonos argentinos. 1912. Buenos Aires: Tipográfica Editora Argentina, 1990. 18 "Firme nos estribos, com o boné levantado sobre o p. 159). cocuruto da cabeça, a espada apontando como um dedo, 21 Decreto na 23.798, do Governo do Estado do Rio Gran- faiscando, o velhito ponteou aquela tormenta, que se de do Sul. despenhou pelo lançante abaixo e afundou-se e entra- 22 Decreto na 41.440, do Governo do Estado do Rio Gran- nhou-se na massa cerrada do inimigo, como uma cu- de do Sul. 2 EMBASAMENTO FITOGEOGRÁFICO do Algarrobal, agrupamento de algarrobos e A literatura fitogeográfica de base florística inhanduvás (Chebataroff, 1980a, 1980b; Paz & é unânime ao reconhecer o inhanduvá como uma Bassagoda, 2002; Burkart, 1957); do das espécies mais importantes da vegetação au- Nandubaysal, marcado fisionômica e estrutu- tóctone na metade sul de Corri entes - vizinha a ralmente pelo inhanduvá (Burkart, 1957; Paz & Barra do Quaraí, separada apenas pelo rio Uru- Bassagoda, 2002); do Espinillar ou Espinillal, guai -, bem como no noroeste e centro de Entre uma associação de espinilhos (Vachellia caven); Rios, regiões que, segundo Cabrera & Willink do Talar, associação de taleiras (Celtis (1973), compõem o Distrito dei Nandubay23, ehrenbergiana); dos Palmares de Butia yatay, integrante da Província dei EspinaF4 e Domí- muito conspícuos em Entre Rios e Corrientes, nio Chaquenho. Em obras mais antigas, a mes- pelo porte esbelto da espécie homônima27 ; dos ma vegetação é freqüentemente definida como Palmares de Trithrinax campestris, muito ca- "Parque Mesopotâmico" (Parodi, 1945; racterísticos no centro-oeste de Entre Rios, com- Tortorelli, 1956; Dimitri, 1979; Mutarelli, pondo palmares ou misturando-se com o bos- 1979), uma referência ao território argentino que (Cabrera, 1971); das Estepes de Elionurus compreendido entre os rios Paraná e Uruguai. muticus e Panicum racemosum, vinculados a Para a "comunidade clímax" deste distrito, paleodunas (Cabrera, 1971); dos campos de Cabrera (1971, 1994) relaciona, além do Andropogon lateralis28, típicos de solos areno- inhanduvá, árvore que lhe dá nome, as seguin- sos úmidos; das pradarias de Paspalum e tes espécies arbóreas: algarrobo (Prosopis Axonopus, vinculadas a solos levemente ácidos nigra), espinilho (Vachellia caven), taleira e úmidos; e do Chircal, baseado em Asteráceas (Celtis ehrenbergiana), quebracho-branco ditas "chircas", como Eupatorium buniifolium (Aspidosperma quebrachoblanco), jataí (Butia e Vernonia nitidula (Paz & Bassagoda, 2002). yatay), chal-chal (Allophyllus edulis), sombra- Além do distrito do Inhanduvá acima consi- de-touro (lodina rhombifolia), coentrilho

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