Untitled-4 1 7/12/2009, 11:00 João Batista de Andrade Alguma solidão e muitas histórias Governador Geraldo Alckmin Secretário Chefe da Casa Civil Arnaldo Madeira Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretor Financeiro e Administrativo Flávio Capello Núcleo de Projetos Institucionais Emerson Bento Pereira Projetos Editoriais Vera Lucia Wey Coleção Aplauso Cinema Brasil Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico Revisão e Editoração Carlos Cirne Alguma solidão e muitas histórias (A Trajetória de um Cineasta Brasileiro) João Batista de Andrade Um cineasta em busca da urgência e da reflexão por Maria do Rosário Caetano São Paulo, 2004 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado Caetano, Maria do Rosário Alguma solidão e muitas histórias: a trajetória de um cineasta brasileiro, ou, João Batista de Andrade: um cineasta em busca da urgência e da reflexão/ Maria do Rosário Caetano. – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. 432p. : il. – (Coleção Aplauso Cinema Brasil) ISBN 85.7060.239-1 1. Cinema–História–Brasil 2. Cineastas–Brasil 3. Andrade, João Batista de, – , Biografia I. Título. II. Título: João Batista de Andrade: um cineasta em busca de urgência e da reflexão. III. Série CDD 791.430981 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 - Mooca 03103-902 - São Paulo - SP - Brasil Tel.: (0xx11) 6099-9800 Fax: (0xx11) 6099-9674 www.imprensaoficial.com.br e-mail: [email protected] SAC 0800-123401 Para meus pais, Fernando e Maria (in memoriam) João Batista de Andrade Para Jorge Artur e Guto, meus filhos Maria do Rosário Caetano Introdução A trajetória de João Batista de Andrade, mineiro de Ituiutaba, constitui uma das mais sólidas referências do cinema paulista e brasileiro. Ele tinha 18 anos quando chegou a São Paulo, para estudar Engenharia na Escola Politécnica da USP. Aos 26, com o média-metragem Liberdade de Imprensa, um documentário, tornou-se cineasta por ofício e paixão. Pela vida a fora, e já se vão 38 anos, Batista dedicou-se com igual entrega ao documentário e à ficção. Dirigiu onze longas-metragens e um episódio (O Filho da Televisão) no longa Em Cada 7 Coração Um Punhal. Dirigiu, também, 49 curtas e médias-metragens (para cinema e TV). Aliás, manteve com a televisão experiência das mais férteis. Primeiro na TV Cultura, na companhia do cineasta e jornalista Vladimir Herzog e de Fernando Pacheco Jordão. Depois, no Globo Repórter (TV Globo), que sob o comando do cineasta Paulo Gil Soares, renovou o documentário televisivo, dando origem a grandes filmes de Eduardo Coutinho, Maurice Capovilla, Walter Lima Jr e, claro, do próprio João Batista. Wilsinho Galiléia e O Caso Norte , que ele dirigiu, são hoje marcos da história do cinema documental brasileiro. Batista é homem de muitos instrumentos. Cineasta, professor de cinema (com doutorado na USP, universidade em que defendeu a tese O Povo Fala, publicada pela Editora do Senac) e escritor (dos romances Perdido no Meio da Rua, A Terra do Deus Dará, Um Olé em Deus, Portal dos Sonhos, e da peça teatral, Uma História Familiar). O cineasta foi (e continua sendo) incansável agitador cultural. É longa sua folha de serviços prestada a instituições culturais (como a Apaci – Associação Paulista de Cineastas, a Cinemateca Brasileira, o MIS-SP - Museu da 8 Imagem e do Som, o FICA - Festival Internacional de Cinema e Meio-Ambiente, o Icuman - Instituto de Cultura e Meio-Ambiente de Goiás, e o Cinemar - Instituto do Homem, Audiovisual e Meio Ambiente - São Paulo). Neste longo depoimento, que a Editora da Imprensa Oficial de São Paulo agora lança, João Batista de Andrade soma memórias e rica informação sobre seus filmes. Ao lê-lo, o leitor perceberá que a política é matéria-prima na vida do cineasta. Ele nunca foi vereador, deputado ou senador. Mas fez política, sem descanso, desde a juventude. Sua formação se deu na politizada Casa da Politécnica, sete andares que abrigavam estudantes pobres (materialmente), mas fertilizados por muitos sonhos de mudança. Sendo ficcionista - e dos bons - Batista relembra com riqueza de detalhes sua infância e adolescência em Ituiutaba, cidade do Triângulo Mineiro. Ao avançar na leitura, nos deparamos com fascinante relato de dores da juventude do futuro cineasta-romancista. Ao perceber - em março de 1964 (aos 24 anos) - que os sonhos revolucionários sonhados na Casa da Politécnica e nas fileiras do Partidão (filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro em 1962) se desmancharam no ar, o cineasta entra em transe. Vaga pelas ruas como um cão sem dono. 9 O golpe do Golpe de 64 desnorteará, mas não abaterá, em definitivo, o futuro cineasta. Ao contrário. Depois de andar tonto e sem rumo pelas ruas de São Paulo - em especial pelas cercanias da Boca do Lixo - ele encontrará novos companheiros de caminhada. Entre ilusões e desilusões, seguirá firme na militância comu- nista. Num dos capítulos mais impressionantes de seu depoimento, Batista lembrará sua participação no Congresso Estadual do Partidão, em 1967. O Congresso aconteceu cercado de tamanhos segredos e mistérios que, só décadas depois, descobriria (surpreso) que nele estavam os ultra- procurados Carlos Marighella (1911-1969) e Luiz Carlos Prestes (1898-1990). Dois nomes de ponta na hierarquia partidária, que Batista conhecia pessoalmente. Pesquisador incansável da História brasileira, o cineasta só soube das ilustres presenças na perigosa reunião ao ler um livro (sobre Marighella) escrito por Emiliano José. E mais: soube que o Congresso acontecera em Campinas. Ele pensava que ocorrera em algum bairro da imensa cidade de São Paulo. A política tem espaço nobre neste livro porque - como já registramos - ela é matéria-prima, 10 fonte seminal, do cinema de Batista. “Sempre reagi com certa desconfiança quando afirmam que sou um cineasta político”, pondera. Para admitir, em seguida, que tem e sempre teve, “desde os tempos de universidade, o veneno da política circulando em minhas veias”. “Há nessa aproximação com a política”, cons- tata, “um tanto de história pessoal, a origem socialmente baixa e conflituada pelas amizades com colegas de famílias poderosas, há o próprio exemplo familiar, com meu pai às voltas com as perdas do passado, a riqueza de meu avô que meu pai viu escoar pelas mãos finas de minha avó viúva e incapaz de enfrentar a realidade bruta do mundo, longe de sua formação de eli- te”. E mais: “certa sensibilidade social que pos- so encontrar em minha própria infância, o sen- timento de revolta contra injustiças cometidas contra um amigo negro criado como escravo em casa de meus tios. Há um pouco de tudo isso e acho que a política em mim emerge desse caldo formado por um tanto de revolta e um tanto do sentimento de dificuldade diante dos pro- blemas reais da vida”. Batista admite que sempre foi “um sonhador”. Desde garoto, viveu “às voltas com problemas imaginários que poderiam estar substituindo os reais problemas de minha família, as dificul- dades econômicas, as privações que não via nas 11 casas de meus amigos abastados. Fui crescendo interiorizado, como um bobo encantado diante de um mundo inexplicável. Uma adolescência carregada de dúvidas, de rebeliões juvenis como o ateísmo, o espiritismo que substituía o catolicismo de minha mãe, o agnosticismo, o materialismo, tudo carregado de abstrações, emoções incontroláveis, equações matemáticas que buscavam soluções para tudo, teoremas inventados, sofismas, o álcool - uma crise pro- funda que quase arrasta minha adolescência para o nada, para o desastre pessoal, antes da Universidade”. E pondera: “de certa forma, a Universidade me possibilitou reencontrar a vida, não tanto pela instituição, mas pelo apren- dizado humano, pelo contato com informações culturais mais sofisticadas, pela descoberta da política”. Sempre a política! Afinal, através da militância, ele aprendeu que “as idéias podem gerar movi- mentos, que a revolta de cada um pode se reconhecer num sentimento mais amplo de inquietação, que minha subjetividade poderia se reconhecer em projetos coletivos, carregados de verdades consideradas científicas e capazes de mobilizar milhões de pessoas, de mudar a história, de realizar o sonho de uma sociedade igualitária e de plena justiça”. 12 Batista confessa nunca ter se livrado das “perturbadoras inquietações” de sua juventude, fato que o forçava “a permanente esforço de racionalidade, de encontrar eu mesmo o meu caos interior, um discurso político objetivo, possibilitado pela militância e pelas leituras”. A permanência dessa perturbação interior - ele acredita - “pode ser percebida pelo retorno de profundas crises pessoais em vários momentos de desarticulação política, como em 1964, 1968 e, mais tarde, com a queda do socialismo real (1989), momentos em que as perdas reais se confundem com as dificuldades pessoais de enfrentar a vida”. Cinema & Política O leitor desta viagem pela trajetória de João Batista de Andrade (narrada por ele mesmo) encontrará muito de política e muito de cinema. Ele, que preparou seu olhar cinematográfico vendo filmes neo-realistas e obras dos poloneses Andrzej Wajda (Kanal e Cinzas e Diamantes) e Jerzy Kavalerowicz (Madre Joana dos Anjos) - somados ao seu cult dos cults (Bandido Giuliano, de Francesco Rosi) - lembra que descobriu o cinema, “como aspirante a cineasta”, justa- mente “no primeiro período politicamente articulado de minha vida, na Universidade, quando já militava no PCB e era diretor da UEE- 13 SP (União Estadual de Estudantes)”. Mas só descobriu “a verdadeira face” de seu cinema em 1966, quando filmou seu primeiro trabalho solo, o Liberdade de Imprensa. Ali, naquele ano de 1966, Batista percebeu que “os guias de seu cinema seriam a inquietação, a busca de algo indefinido mas forte, a exacerbação de conflitos, a dificuldade diante dos desafios e das injustiças”.
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