Histórias E Memórias Do Aikido No Brasil: a Invenção Das Tradições Ou a Tradição Das Invenções?

Histórias E Memórias Do Aikido No Brasil: a Invenção Das Tradições Ou a Tradição Das Invenções?

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO AIKIDO NO BRASIL: A INVENÇÃO DAS TRADIÇÕES OU A TRADIÇÃO DAS INVENÇÕES? 1RODRIGO CRIBARI PRADO 1. INTRODUÇÃO O presente artigo foi constituído a partir de reflexões e questionamentos surgidos inicialmente no curso da implementação de minha dissertação de mestrado, ainda em andamento, e tem por objetivo apresentar uma proposta de pesquisa utilizando a História Oral como procedimento metodológico para a interpretação das memórias e tradições acerca do Aikido no Brasil. O Aikido é uma das mais modernas manifestações de um Budo 2 japonês, criado por Morihei Ueshiba (1883-1969) a partir da síntese de suas experiências com diferentes estilos e técnicas marciais, especialmente o Daito-ryu Aikijujutsu ( 植芝龍合柔気柔術) de Sokaku Takeda (1859-1943), e dos ensinamentos espirituais do líder da religião Oomoto-Kyo ( 大本 京の), Onisaburo Deguchi (1871-1948) é atualmente “[...] praticado por aproximadamente 1,2 1 Aluno do Programa de Mestrado em História e Sociologia do Esporte da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 2 A expressão “Budo” ( 武道 ) é geralmente traduzida como “caminho” ou “via marcial”. O significado do conceito de Budo transcende a mera concepção ocidental de “arte marcial”, pois trata-se principalmente de um caminho de desenvolvimento espiritual por meio de um treinamento marcial.(REID; CROUCHER, 2010) 2 milhão de pessoas em mais de 50 países ao redor do mundo.” 3 (AIKIKAI FOUNDATION, 2012, tradução nossa). A expressão japonesa “Aikido” é formada pelos caracteres, “Ai” ( 合) que pode ser traduzido como “harmonia” ou “amor”, “Ki” ( 気) que significa “energia”, e “Do” ( 道), uma contração do vocábulo chinês Tao, que tem o sentido de “caminho” ou “via”. Ou seja, o Aikido é o “caminho de harmonização das energias”, também conhecido como “a arte da paz” (STEVENS, 2007; PRANIN, 2010). Não obstante o Budo de Morihei Ueshiba ser chamado de “a arte da paz”, paradoxalmente no Brasil, é possível constatar uma série de disputas entre diferentes grupos e instituições de Aikido, que procuram reivindicar o monopólio sobre sua história e tradição 4, a partir das memórias 5 sobre a trajetória de vida de seus possíveis introdutores e de sua contribuição na disseminação dessa prática em terras brasileiras. Cada grupo ou instituição tem a sua “história”, cada história tem a sua “memória” e as versões divergem diametralmente e “talvez” diretamente em função das disputas e lutas concorrenciais experimentadas no interior desse campo 6. Diferentes agentes são apontados como os pioneiros do Aikido em nosso país e as instituições, direta ou indiretamente a eles ligadas, invocam como critério de legitimidade e 3 Aikido “[...] is praticed by over 1.2 million people in more than fifty countries around the world.” (AIKIKAI FOUNDATION, 2012, www.aikikai.or.jp/eng/aikikai.htm . Acesso em: 20/06/2012. 4 A expressão “tradição” está sendo aqui utilizada na acepção de Eric Hobsbawm (1997). 5 O termo “memória” está sendo empregado neste artigo a partir dos referenciais teóricos de Maurice Halbawchs (2006) e Jacques Le Goff (2003). 6 A palavra “campo” está sendo aqui utilizada segundo os pressupostos teóricos de Pierre Bourdieu (2003). 3 “poder simbólico” (BOURDIEU, 2007) sobre a tradição desse caminho marcial, a figura de seu Sensei (Mestre) como o “verdadeiro” precursor da “arte da paz” no Brasil. Entre os nomes dos diferentes pioneiros constam Reishin Kawai, Teruo Nakatani e Ichitami Shikanai. Observando-se os referidos conflitos surgiu então o seguinte questionamento: como são estabelecidas e caracterizadas as disputas pelo poder de oficializar a(s) memória(s) entre os diferentes grupos e instituições de Aikido no Brasil? Tal indagação se fez acompanhar do objetivo estabelecido para o presente trabalho: verificar como são estabelecidas e caracterizadas as disputas pelo poder de oficializar a(s) memória(s) entre os diferentes grupos e instituições nacionais de Aikido. Tendo a memória por objeto de estudo, a História Oral de gênero “temático” foi selecionada como a técnica de pesquisa mais apropriada para a consecução desta proposta de pesquisa, pois “[...] dado o foco temático precisado no projeto, torna-se um meio de esclarecimento de situações conflitantes, polêmicas, contraditórias.” (MEIHY; HOLANDA, 2011, p.38). A contundência é uma das principais características dos projetos temáticos e, sobretudo seu caráter social, pois neles “[...] as entrevistas não se sustentam sozinhas ou em versões únicas.” ( Id.) As entrevistas a serem realizadas terão caráter semi-estruturado e o critério de seleção dos diferentes colaboradores que irão compor a amostra de pesquisa, se deu em função de sua representatividade e participação na consolidação da história do Aikido no Brasil, bem como de sua proximidade em relação ao suposto Mestre pioneiro. Corroborando com tal formato de seleção Verena Alberti (2005, p.31) esclarece que A escolha dos entrevistados não deve ser predominantemente orientada por critérios quantitativos, por uma preocupação com amostragens, e sim a partir da posição do 4 entrevistado no grupo, do significado de sua experiência. Assim, em primeiro lugar, convém selecionar os entrevistados entre aqueles que participaram, viveram, presenciaram ou se inteiraram de ocorrências ou situações ligadas ao tema e que possam fornecer depoimentos significativos. Em relação ao processo de textualização das entrevistas, optar-se-á pelo uso da “transcriação”, pois essa forma de adaptar uma narrativa oral a um texto escrito “[...] nos aproxima do sentido e da intenção original que o colaborador quer comunicar.” (MEIHY; HOLANDA, 2011, p.133). Obviamente que há limites nas modificações que podem ser operadas na passagem do oral para o escrito, no entanto, os referidos autores afirmam enfaticamente que é necessário superar ingenuidade de que o oral tem correspondência exata com o escrito. Decorrida a etapa de transcriação e tendo por compromisso ético o retorno dos textos produzidos a partir das entrevistas aos seus respectivos narradores, serão “devolvidos” aos colaboradores os materiais de suas respectivas narrações para o reconhecimento, conferência e validação. A seguir é apresentada uma listagem contendo uma relação de “colaboradores em potencial”, cabendo esclarecer que foi arrolada uma quantidade maior de sujeitos do que o necessário, em função das alterações que poderão ocorrer de acordo com os rumos da pesquisa. FEPAI Makoto Nishida (ACAM) (Federação Paulista José Gomes Lemos (Heywa Dojo) de Aikido) Paulo Naoki Nakamura (Shinwa Dojo) Carlos Roberto dos Santos (Associação Lenwakan) Luiz Pantaleão 5 USAKS Keizen Ono (Associação Pesquisa Aikido) (União Sul-americana de Macoto Arai (Santo Amaro Nikkey Dojo) Aikido Kawai Shihan) Herbert Gomes Pizano (Federação Cearense de Aikido) Matias de Oliveira (União Sul-americana de Aikido) Cristina Okubo Kawai (Filha do Sensei Reishin Kawai) Instituto Takemussu Wagner José Bull Alexandre Sallum Bull FEBRAI Severino Sales da Silva Instituto Maruyama de Roberto Nobuhiko Maruyama Aikido Bushinkan Aikido Ricardo Leite da Silva Aizen Dojo José Maria R.S. Martins Oswaldo Simon J. F. dos Santos Adélio Andrade Nakatani Dojo – Aikido Ichitami Shikanai (Nakatani Dojo – Savassi - MG) Shikanai Minas Gerais Alberto Ferreira (Alberto Ferreira Aikido - RJ) Bento Guimarães (Tchozan Dojo - RJ) Pedro Paulo (Academia Nissei – Laranjeiras - RJ) Shimbukan Aikido Breno de Oliveira (inativo no Aikido) 2. OS TRÊS MESTRES DO CAMINHO Compreender a dinâmica das disputas em torno da(s) memória(s) e tradição(ões) sobre a introdução e difusão do Aikido no Brasil, implica obrigatoriamente no conhecimento, ainda que breve, da trajetória dos mestres japoneses apontados como os seus “verdadeiros” introdutores. 6 É oportuno esclarecer, no entanto, que existem diferentes estilos de Aikido 7 que foram criados por ex-discípulos de Morihei Ueshiba, e que não estão sendo considerados na análise realizada por este artigo. O estilo dos três mestres aqui apontados como os possíveis introdutores do Aikido é o “Aikikai”, também chamado de “o original”, visto que é mantido e divulgado pela linhagem familiar de Ueshiba. Faz-se importante levar essa informação em consideração, pois outros mestres, japoneses ou não, ligados a outras “escolas” de Aikido também podem ter tido participação fundamental no processo de introdução e disseminação desse caminho marcial em nosso país. As trajetórias de vida aqui apresentadas foram retiradas de diferentes fontes, principalmente de homepages de instituições e grupos 8 de Aikido, que possuem ligação direta ou indireta com os Senseis: Reishin Kawai, Teruo Nakatani e Ichitami Shikanai. Trata-se de recortes, brevíssimos, efetuados a partir da chegada desses imigrantes japoneses ao Brasil e de sua participação na constituição do cenário marcial do Aikido. São fragmentos que obviamente não representam a integralidade das trajetórias descritas por esses sujeitos, pois certamente há inúmeros fatos e acontecimentos que não estão sendo aqui considerados e exigiriam maior aprofundamento para uma melhor compreensão. Sua ordem de apresentação foi estabelecida a partir das cronologias indicadas nas diferentes fontes consultadas. 7 Tomiki Aikido (criado por Kenji Tomiki), Yoseikan Aikido (criado por Minoru Mochizuki), Yoshinkan Aikido (criado por Gozo Shioda), Shin Shin Toitsu Aikido (criado por Koichi Tohei), Korindo Aikido (criado por Minoru Hirai) e Ki No Michi Aikido (criado por Masamichi Noro). 8 Estão sendo tratadas como “instituições” as confederações e federações e “grupos” os Dojo ((local onde se pratica o “caminho”) que

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