
ADEEKWE YE'KUANA: EU FALO YE'KUANA. ASPECTOS DA FONOLOGIA, MORFOLOGIA E SINTAXE DE UMA LÍNGUA DA FAMÍLIA KARÍB Isabella Coutinho Costa Mestre em Linguística pela UFRJ Professora da UER E-mail: [email protected] ADEEKWE YE'KUANA: EU FALO YE'KUANA. ASPECTOS DA FONOLOGIA, MORFOLOGIA E SINTAXE DE UMA LÍNGUA DA FAMÍLIA KARÍB ADEEKWE YE'KUANA: I SPEAK YE'KUANA. ASPECTS OF PHONOLOGY, MORPHOLOGY AND SYNTAX OF A KARIBAN LANGUAGE RESUMO ABSTRACT O objetivo deste artigo é apresentar informações The aim of this paper is to present basic information básicas acerca da fonologia, morfologia e da about the phonology, morphology and syntax of sintaxe da língua Ye'kuana (Karíb) a partir da Ye'kuana, a Kariban language, from the theoretical perspectiva teórica do Funcionalismo Tipológico, perspective of Functionalism Typological, following seguindo Comrie (1989), Croft (2003), Payne Comrie (1989), Croft (2003), Payne (1997, 2006) (1997, 2006) e Nichols (2007). Os Ye'kuana estão and Nichols (2007). The Ye'kuana are geograficamente localizados na Venezuela, onde geographically located in Venezuela, where they são aproximadamente 6.000 pessoas segundo are approximately 6,000 people according Cáceres Cáceres (2011) e 500 pessoas no Brasil, onde (2011) and 500 people in Brazil. They live in the habitam o extremo noroeste do estado de Roraima, extreme northwest of the state of Roraima, at Terra na Terra Indígena Yanomami-Ye'kuana, região de Indígena Yanomami – Ye'kuana, Auaris region. This Auaris. Este artigo apresenta num primeiro paper presents at first, general information about momento informações gerais sobre a localização the location of the Ye'kuana, then about their dos Ye'kuana, depois sobre a língua Ye'kuana e, language. Secondly, it presents considerations num segundo momento, apresenta considerações about phonology, an analysis of typological sobre a fonologia, uma análise da tipologia morphology and of the two gramatical classes of morfológica e das classes nome e verbo da língua. noun and verb. Finally, there are some comments Finalmente, seguem alguns comentários sobre a on the order of constituents in Ye'kuana. ordem dos constituintes em Ye'kuana. KEYWORDS: Typology; Ye'kuana; branch PALAVRAS-CHAVE: Tipologia; Ye'kuana; ramo Guyanese; Kariban Family. Guianense; Família Karíb. Revista Eletrônica Ambiente - Vol. 5 63 SOBRE OS YE'KUANA sagrado, é um dos indícios de que a era dos Os Ye'kuana, povo que fala uma língua que Ye'kuana está chegando ao fim. Há muitas versões pertence à família linguística Karíb, podem ser das narrativas sobre a origem e o fim dos Ye'kuana. encontrados ao sul da Venezuela e no Brasil. Na Chamadas Watunna, essas narrativas foram Venezuela eles se dividem entre os estados estudadas por Civrieux (1979) e Guss (1989) a Amazonas e Bolívar, e no Brasil estão localizados partir do depoimento dos índios da Venezuela. no extremo noroeste do estado de Roraima, na Recentemente Andrade (2007) revisitou as Terra Indígena Yanomami, região de Auaris. Watunna dos Ye'kuana do Brasil. Segundo Cáceres (2011), o último recenseamento Em geral, alguns ritos de passagem, festas na Venezuela indicou 6.500 pessoas que vivem tradicionais, culinária, agricultura, medicina foram entre o estado Amazonas e o estado Bolívar. No preservados, tanto pelos Ye'kuana brasileiros Brasil, as informações concedidas pela Secretaria quanto venezuelanos, com uma ou outra de Saúde Indígena – SESAI através do censo de intervenção dos costumes dos brancos. No Brasil, vacinação indicam 500 pessoas, que estão particularmente, os Ye'kuana se mostraram divididas em quatro aldeias, sendo três ao longo do severamente resistentes às mudanças impostas Rio Auaris: Fuduuwaduinha, com cerca de 250 pela religião dos missionários que chegaram a pessoas; Pedra Branca, com 20 pessoas; e Auaris na década de 60, mas mesmo assim foram Kudatanha, com 50 pessoas. Na cabeceira do rio deixando de cumprir alguns rituais, principalmente Uraricoera encontra-se a última aldeia Ye'kuana os que envolviam alimentação, em função da brasileira, Waikás, com cerca de 150 pessoas. Fora escassez de caça e pesca. Recentemente foi essas aldeias, cerca de 30 jovens residem decidido que a passagem de ano vai ser celebrada atualmente na capital de Roraima, Boa Vista, onde no mês de fevereiro, pois, de acordo com o concluem seus estudos em nível Médio ou calendário tradicional Ye'kuana, é em fevereiro que Superior. Nas aldeias mencionadas acima, a língua acontece a mudança de um ano para outro. As que prevalece é o Ye'kuana. Apenas os homens passagens de fase da menina (Ajichoto), a festa da maiores de 18 anos (que já foram estudar em Boa primeira enfeitação do bebê (quando ele usa Vista) e algumas mulheres jovens falam português. enfeites de miçanga pela primeira vez) e as festas Esse diagnóstico é válido para todas as aldeias em torno de construções de casa, ou de abertura de Ye'kuana do Brasil. roças, são exemplos de rituais ainda preservados Os Ye'kuana construíram suas aldeias ao longo na vida Ye'kuana. do rio Auaris (no caso dos índios brasileiros) Atualmente as aldeias Ye'kuana do Brasil estão ocasionalmente mudando sua localização de um passando por um processo de 'retorno às origens' lado do rio para o outro. Segundo as narrativas dos através da busca das antigas tradições que foram antigos1, o primeiro Ye'kuana teve origem na serra se perdendo ou enfraquecendo ao longo dos anos Atawanna, localizada ao sul da Venezuela. Para com o aumento do contato com os brancos. Uma muitos, a distância da aldeia Waikás, localizada no prova disso é a reformulação do Projeto Político rio Uraricoera e fora do território considerado Pedagógico das escolas Ye'kuana. Tais projetos Essas narrativas foram contadas durante as reuniões para escolha do símbolo da Associação Ye'kuana, que foi justamente um desenho da serra Atawanna. Essas reuniões foram realizadas em Janeiro de 2012 Revista Eletrônica Ambiente - Vol. 5 64 tem se acomodado aos costumes tradicionais ao priorizar a inclusão no currículo das histórias dos YE'KUANA: UM MEMBRO DO TRONCO antigos, a arte e o conhecimento medicinal que faz GUIANENSE DA FAMÍLIA KARÍB parte do saber Ye'kuana. O Ye'kuana é uma língua da família Karíb, a Somente as aldeias Fuduuwaduinha, Kudatainha e segunda maior família linguística da América do Waikás possuem escolas, que atendem crianças Sul, ficando atrás da família Aruák. As línguas Karíb que cursam o Ensino Básico. Nessas escolas a são faladas no norte da América do Sul, na maioria dos professores tem ou está concluindo o Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Magistério Indígena, oferecido pela Secretaria de Francesa, no norte do Brasil e ao sul do rio Educação. Outros estão cursando ou já cursaram a Amazonas, ao longo do rio Xingu, na região central Licenciatura Intercultural oferecida pela (Gildea 2012). Gildea também estima que 25 Universidade Federal de Roraima através do línguas Karíb ainda são faladas por um número Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena. entre 60 a 100 mil pessoas. Figura 1. Localização das línguas Karíb na América do Sul. (Meira 2006:160) O primeiro trabalho de descrição de uma língua de Durbin (1977) por esta não conter evidências Karíb, entitulado Introduction à la langue des convincentes que corroboram com as suas Galibis, foi feito por Pierre Pelleprat mas o primeiro hipóteses. Já a proposta de Girard (1971) de divisão a mencionar uma família de línguas Karíb foi da família Karíb em 14 grupos foi melhor aceita por Salvatore Philippo Gilij, acerca de línguas da conter dados mais atuais. A classificação proposta Venezuela (apud Derbyshire 1999). Com relação por Kaufman (2007) em muito se baseia na à classificação interna da família, Gildea (2012) proposta de Girard (1971), e de acordo do Gildea afirma que vários estudiosos rejeitaram a proposta (2012:443) os problemas da proposta de Kaufman Revista Eletrônica Ambiente - Vol. 5 65 (2007) foram tentar aproximar sua pesquisa com a (De'kuana) aparece no Grupo Makiritare do Ramo de Durbin (1977) e com a de Loukotka (1968), além Central junto com o Apalaí, o Mapoyo - Yawarana, de fazer uso de dados incorretos de Loukokta para línguas estas que na reanálise proposta por Gildea propor outros tipos de agrupamento, tanto para as são posicionadas em grupos separados. No ramo propostas em Kaufman (1994) quanto para sul aparecem o grupo Arara e o grupo Bakairi, Kaufman (2007). Nestas classificações de sendo que este agrega erroneamente, as línguas Kaufman (1994, 2007), reunidas na figura 2 Kuikuro e Kalapalo. (adaptada de Gildea 2012:144), o Ye'kuana A. Língua Opón-Karare B. Grupo Yukpa: Yupka, Japreria, † Koyama C. Kari’nya (Ramo Guianense : D-E-F – Incluído somente na publicação de 1994) D. Grupo Tiriyó D1. Subgrupo Tiriyó: Akuryió, Tiriyó D2. Subgrupo Karihona: Hianákoto, Karihona D3. Salumá E. Grupo Kashuyana: Kashuyana – Warikyana, Shikuyana F. Grupo Waiwai: Waiwai, Hixkaryana (Ramo Norte-Amazônico: G-H-I – Incluído somente na publicação de 1994) G. Grupo Jawaperi: † Bonari, Jawaperi (Waimiri-Atroari) H. Grupo Paravilyana H1. Sapará H2. Subgrupo Paravilyana: Pawishiana, †Paravilyana I. Grupo Pemong I1. Subgrupo Pemong: Makushi, Pemong (Taurepang, Kamarakotó, Arekuna), Kapong (Akawayo, Patamona, Ingarikó) I2. Purukotó Ramo Central: J-K-L-M-N-O J. † Kumaná († Chaima, † Cumanagota) K. † Grupo Yao: † Tiverikoto, †Yao L. Grupo Wayana: Wayana, †Arakajú M. Apalaí N. Mapoyo-Yawarana (†Tamanaku) O. Grupo Makiritare: Makiritare (De’kuana), Wajumará Ramo Sul: P-Q-R-S-T P. Grupo Bakairi: Bakairi, Amonap (Kuikuro, Kalapalo) Q. Grupo Arara: Arara-Piriri, † Apiaká-Apingi, †Juma, †Yarumá, Chikaon (Txikão) R. †Palmella S. †Pimenteira T. Panare Figura 2. Classificação da Família Karíb proposta por Kaufman (1994, 2007) adaptada de Gildea (2012:444). Revista Eletrônica Ambiente - Vol. 5 66 A classificação interna mais recente das motivadas por contato linguístico, sem, no entanto, línguas da família Karíb é a proposta por Gildea saber avaliar precisamente de que forma esse (2012).
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