![Gleb Wataghin E a Constituição Do Campo Da Física No Brasil Sergio Lamarão*](https://data.docslib.org/img/3a60ab92a6e30910dab9bd827208bcff-1.webp)
Pesquisa científica e circulação do conhecimento: Gleb Wataghin e a constituição do campo da física no Brasil Sergio Lamarão* O presente artigo apresenta alguns resultados parciais do projeto “O CNPq e a constituição do campo científico no Brasil: biografias de cientistas”, parte integrante de um projeto mais amplo, denominado “História social da ciência e da formação científica no Brasil (1951-2011): um estudo prosopográfico”, de autoria de Heloisa Bertol, Carlos Alberto Coimbra e Alex Varela. Desenvolvido no âmbito da Coordenação de História da Ciência (CHC) do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), este projeto visa, primordialmente, recuperar as informações disponíveis na documentação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (particularmente as atas e os anais das reuniões do Conselho Deliberativo) depositada no MAST, transformando-as em quadros, tabelas e séries estatísticas fidedignas, de modo a permitir usos os mais diversos por parte dos interessados. Esse vasto material – que reúne, entre outras, informações sobre diferentes modalidades de auxílio oferecidas pelo Conselho (bolsas de especialização, mestrado e/ou doutorado, recursos para realização de congressos e outros eventos, para viagens, publicação de anais e revistas científicas, aquisição de equipamentos etc.) – já foi alvo de esforços anteriores, que permitiram a identificação de um considerável contingente de beneficiários. Com efeito, a planilha que serve de base para a materialização do projeto das biografias e de outros projetos do projeto “guarda-chuva” reúne cerca de 13.000 entradas, contendo como informações básicas os nomes dos beneficiários, os processos (incluindo a data) que encaminham a concessão dos auxílios, bem como a natureza do auxílio, o montante envolvido etc. A consulta a essa listagem nos permitiu extrair os nomes dos beneficiários que correspondem, grosso modo, à relação dos verbetes biográficos. Até o momento foram elaboradas 104 biografias. Os sites das entidades que congregam os diversos ramos da ciência brasileira constituem fontes fundamentais para a execução do projeto, incluindo os da Academia Brasileira de Ciências e de outras entidades científicas, e o do Dicionário Histórico- Biográfico Brasileiro, do Centro de Pesquisa e Documentação de História ______________________________ * Doutor em História pela UFF e pesquisador-visitante Museu de Astronomia e Ciências Afins. Contemporânea do Brasil, da Fundação Getulio Vargas (CPDOC/FGV) (fui um dos coordenadores da segunda edição em papel, lançada em 2001). Ademais, pretendo recorrer à bibliografia disponível e eventualmente à coleta de depoimentos. Em relação aos verbetes de astrônomos, posso contar ainda com material levantado em projeto desenvolvido na Coordenação de História da Ciência entre 2012 e 2014, sob a coordenação da pesquisadora Christina Helena da Motta Barboza, a respeito da trajetória institucional do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), e que incluiu a realização de entrevistas com mais de 20 astrônomos. Em relação aos matemáticos, tenho à minha disposição entrevistas que realizei anos atrás, no CPDOC/FGV, no âmbito de projeto sobre a história do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). Foram adotados, neste texto, dois critérios básicos para a delimitação do objeto de pesquisa: o primeiro, de natureza cronológica, cobre a década de 1950, correspondendo, pois, aos anos iniciais de atuação do CNPq (criado em janeiro de 1951); o segundo privilegiou aqueles cientistas que participaram, de uma ou outra maneira, da formação/alimentação das chamadas redes científicas transnacionais. Esses nomes compreendem, grosso modo, dois grupos: o de cientistas estrangeiros que vieram para o Brasil na década de 1930, no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e mesmo no imediato pós-guerra, aqui fizeram/consolidaram suas trajetórias profissionais, e o de jovens cientistas brasileiros que completaram sua formação acadêmica no exterior, já nos anos 1950, em um momento que a pós-graduação praticamente não existia no Brasil. Muitos destes últimos foram alunos dos primeiros e puderam contar com as ligações externas de seus mentores para a escolha desta ou daquela instituição de ensino e/ou pesquisa na Europa ou nos Estados Unidos. Vale salientar que, nesse momento, os circuitos europeus, interrompidos ou seriamente comprometidos durante o conflito, estavam se reconstituindo, tendo como pano de fundo a recuperação da economia mundial. O enfoque metodológico segue, como não poderia deixar de ser, o do projeto “guarda-chuva”. Seu eixo definidor é a prosopografia, vista enquanto estudo das características dos indivíduos que compartilham alguma coisa em comum, por exemplo, por aparecerem em alguma fonte de referência de uma certa região em certo período, ou por pertencerem a uma mesma esfera social ou campo profissional. Neste sentido o projeto pretende contribuir para a montagem de uma base para a pesquisa prosopográfica em ciência e tecnologia no Brasil, explorando as relações de estudantes, pesquisadores e instituições, lançando mão de suas ligações internas, i. e. dentro do país, e de suas ligações externas, com indivíduos e instituições de outros países, bem como com agências de fomento. A década de 1950 no Brasil: ciência, tecnologia e desenvolvimento Durante a Segunda Guerra Mundial teve lugar uma profunda transformação na relação entre ciência e Estado, cujos impactos se estenderiam nos anos que se seguiram ao final do conflito. Os recursos públicos destinados à pesquisa aumentaram significativamente, assim como multiplicaram-se as descobertas e invenções, passando a ciência a ser vista como fundamental para o desenvolvimento econômico e social das nações. O Estado tornou-se o responsável pela sustentação financeira da pesquisa básica, de modo organizado e institucionalizado, dando início à aplicação de políticas científicas, mediante as quais os governos definiriam as prioridades na alocação dos recursos para pesquisa (Albagli, 1987, p. 17 e 18). O Brasil não fugiu à regra. Quando Getúlio Vargas retornou à presidência em janeiro de 1951 a questão do desenvolvimento estava na ordem do dia. Era fundamental superar as profundas deficiências nas áreas de produção de energia e de transporte, e melhorar os precários indicadores sociais, sobretudo na educação e na saúde pública. Retomando em novas bases as linhas mestras da política econômica do Estado Novo, Vargas centrou seu projeto de governo no desenvolvimento industrial. O Estado passou a desempenhar papel determinante na formulação e na execução de políticas econômicas, mediante a criação de órgãos como a Assessoria Econômica da Presidência da República (1951) e da Comissão de Desenvolvimento Industrial (1951). O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, criado em 1952, foi de importância fundamental para o financiamento de diversos projetos industriais. Não é demais lembrar que a Petrobras, criada em 1953, também foi uma iniciativa do segundo governo Vargas. Passando ao que nos interessa mais de perto, Getúlio e seus auxiliares enfrentaram a fragilidade tecnológica e científica do país através da criação, em 1951, da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)1 e do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), no qual nos deteremos. Prova cabal do reconhecimento e da institucionalização da ciência no Brasil, essas organizações tinham como interlocutores uma rede de instituições de ensino universitário que então se estruturava e com a comunidade científica, organizada desde 1948 em torno da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)2. Criado em 15 de janeiro de 1951, no apagar das luzes do governo do presidente Eurico Gaspar Dutra e duas semanas antes da volta de Getúlio à presidência, o CNPq resultou de discussões iniciadas em 1946 e que ganharam forma em abril de 1949. Nessa ocasião, Dutra nomeou uma comissão presidida pelo almirante Álvaro Alberto, especialista em política nuclear, cujos estudos para a criação de um conselho de pesquisas deram origem a um anteprojeto de lei, apresentado em maio seguinte ao Congresso. O anteprojeto propunha a criação de um órgão de supervisão “capaz de traçar rumos seguros aos trabalhos de pesquisas científicas e tecnológicas no país, desenvolvendo-os e coordenando-os de modo sistemático” (Kornis, 2009 (2001), p. 1549). Subordinado diretamente ao presidente da República, o CNPq tinha por objetivo central realizar estudos e prospecções das reservas nacionais de materiais adequados ao aproveitamento da energia atômica, como o urânio, o tório, o cádmio, o lítio, o berílio, entre outros, bem como atuar no campo da produção de combustíveis nucleares e da formação de especialistas capazes de projetar e construir reatores nucleares. A orientação e o controle das atividades de aproveitamento da energia atômica caberiam exclusivamente ao Estado3. 1 Hoje denominada Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a Capes foi criada em julho de 1951, com o objetivo de "assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvolvimento do país". 2 Sediada em São Paulo, a SBPC foi criada com o objetivo de promover a ciência, a educação e cultura no país, por meio de publicações, conferências e ações políticas. 3 O projeto de autonomia do Brasil no campo da energia nuclear sofreu sérios percalços. Em fevereiro de 1952, foi criada a Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos (CEME), encarregada
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