27 Set 2015 Coro 18:00 Sala Suggia - Casa da Música TRANSGRESSÕES Paul Hillier direcção musical Inglaterra Interlúdio Henry Purcell (1659 -1695) Steve Reich / Paul Hillier (1949) I was glad when they said unto me Clapping Music (arranjo vocal) John Blow (1649 -1708) Salvator mundi Inglaterra Purcell/Sven -David Sandström (1942) John Dowland (1563 -1626) Hear my prayer / Paul Hillier Lacrimae 1 a 3 Interlúdio Henry Bishop (1786 -1855) Steve Reich (1936) Who is Silvia Clapping Music John Dowland / Paul Hillier Lacrimae 4 e 5 América Thomas Morley (1557/8 -1602) Justin Morgan (1747 -1798) Sweet nymph come to thy lover Montgomery Robert Lucas de Pearsall (1795 -1856) Abraham Wood (1752 -1804) Sing we and chaunt it Brevity John Dowland / Paul Hillier Justin Morgan Lacrimae 6 e 7 Amanda William Billings (1746 -1800) Jargon Duração aproximada: 1 hora sem intervalo Elisha West (1756 -1832) Tradução dos textos originais nas páginas 7 a 11 Evening Hymn A CASA DA MÚSICA É MEMBRO DE O conceito de originalidade é, indubitavel‑ compositores explorar e patentear as suas mente, um dos valores mais propalados próprias capacidades e, em simultâneo, no paradigma artístico contemporâneo. homenagear os autores dos seus modelos. Associada de um modo umbilical a uma ima‑ Já durante o período Barroco, por motivos gem idealizada de qualquer processo de que o musicólogo J. Peter Burkholder associa natureza criativa – fazendo ‑o depender de ao carácter funcional da música coeva, esta um momento de inspiração ou de um rasgo de acabava, muitas vezes, por ser executada e genialidade –, a emergência deste conceito escutada exclusivamente na ocasião para a é, no entanto, relativamente recente. Com qual havia sido concebida. Neste contexto, os efeito, a conotação fortemente negativa hoje compositores sentiam ‑se legitimados, e até associada à noção de plágio na criação artís‑ mesmo compelidos, a aproveitar e reutilizar tica, enquanto apropriação reprovável e não ideias, modelos ou excertos de obras ante‑ declarada de parte do produto de uma origi‑ riores nas suas novas criações, fenómeno a nalidade alheia, apenas se principiou a fazer que não eram alheios os músicos mais proe‑ sentir a partir de meados do século XVIII. minentes, como J. S. Bach (1685 ‑1750) ou G. F. No caso particular da criação musical, Händel (1685 ‑1759) – compositor que, tendo várias ordens de factores concorreram para assistido à clivagem de paradigma a este pro‑ que, até então, a utilização de material musi‑ pósito, se viu a braços com acusações de plá‑ cal pré ‑existente nas novas obras fosse uma gio no ocaso da sua vida. prática corrente e generalizada. Desde logo, Talvez a forma mais directa e evidente na esteira de um consistente aproveitamento de aproveitamento de material musical pré‑ do vasto repertório de cantochão como um ‑existente consista, contudo, na adaptação dos alicerces para os primeiros séculos de de uma obra inicialmente concebida para um polifonia, Leonel Power (c.1370 ‑1445), com a determinado efectivo vocal ou instrumen‑ sua Missa Alma Redemptoris Mater (baseada tal, tendo em vista a sua execução por uma na homónima antífona mariana), terá sido pio‑ formação distinta da original. Materializada neiro na apropriação de uma melodia única em transcrições ou arranjos, esta práctica é como elemento estruturante e unificador do transversal à música ocidental, abarcando género Missa. desde as ibéricas intabulações para vihuela A partir do século XVI, tornou ‑se fre‑ de polifonia de matriz vocal ao longo do quente a utilização da técnica de paródia, que século XVI, até às hodiernas reduções para implicava não apenas o uso de uma melodia piano de obras culminantes do repertório pré ‑existente na concepção de uma nova orquestral. As suas motivações são pragmá‑ obra musical, mas a incorporação de elemen‑ ticas: por um lado, promovem um exponencial tos da própria estrutura e substância da obra alargamento do alcance das obras musicais, que serve de referência, incluindo temas, rit‑ quando viabilizam a sua execução por efecti‑ mos e harmonias. Esta técnica – dominada vos muito inferiores; por outro lado, permitem com grande mestria, entre outros, por Duarte a ampliação do repertório disponível para Lobo (c.1565 ‑1646), que baseou várias das determinado instrumento ou ensemble. suas missas em motetes de Giovanni Pierluigi da Palestrina (c.1525 ‑1594) – permitia aos 3 É este o caso de Clapping Music, obra Enquanto Purcell é apontado como o axial do programa de hoje, apresentada na nome cimeiro do panorama musical inglês versão original, composta em 1972 por Steve da segunda metade do século XVII, John Reich (n.1936), e no recente arranjo para Dowland (1563 ‑1626) pode ser considerado vozes da responsabilidade do Maestro Titular o seu mais ilustre antecessor. Porém, desen‑ do Coro Casa da Música, Paul Hillier (n.1949). volveu grande parte da sua carreira fora da Steve Reich – Compositor em Associação na Inglaterra natal, tendo passado por cida‑ Casa da Música em 2011 e um dos precurso‑ des como Paris, Wolfenbüttel, Roma, Veneza res do Minimalismo, corrente musical sur‑ e Copenhaga antes de ver atingido o maior gida na cidade de Nova Iorque em meados objectivo profissional em 1612, ano em que, da década de 1960, centrada na estaticidade finalmente, se tornou alaudista da corte e na repetição –, concebeu Clapping Music inglesa. A sua influência não se circunscre‑ como uma peça que pudesse ser facilmente veu ao prolífico e aclamado engenho musi‑ ensaiada num quarto de hotel, contornando cal: antecipando a premência de arranjos ou os habituais constrangimentos associados transcrições a posteriori, engendrou um for‑ às digressões. Nos seus próprios termos, mato editorial que permitia uma simultânea e Hillier adaptou esta obra para vozes “numa indistinta adequação para voz solista acom‑ tentativa de aumentar a escassa quantidade panhada ao alaúde ou para um agrupamento de música de Steve Reich que os cantores vocal ou instrumental. O ciclo de Lachrimae podem interpretar sem acompanhamento”. (sub ‑tituladas de Seaven Teares), inicial‑ Por seu turno, a intervenção de Sven‑ mente publicado em 1604 numa versão para ‑David Sandström (n.1942) sobre Hear my alaúde ou ensemble instrumental, é hoje Prayer, o Lord, de Henry Purcell (1659 ‑1695), apresentado numa adaptação vocal com decorreu de um imperativo muito pessoal: textos de alguns dos maiores escritores de de acordo com Rolf Ruggaard, o composi‑ expressão inglesa, como Walter Raleigh tor sueco ter ‑se ‑á apaixonado pelo hino de (c.1554 ‑1618), Robert Burton (1577 ‑1640), Purcell, tendo ‑se sentido impelido a continuá‑ George Herbert (1593 ‑1633), T. S. Elliot (1888 ‑lo e a comentá ‑lo musicalmente. Assim, a ‑1965) ou Dylan Thomas (1914 ‑1953). sua interacção com a peça apenas princi‑ Contemporâneo de Dowland, Thomas pia no ponto culminante, que é então prolon‑ Morley (1557/8 ‑1602) estudou com William gado e ampliado na construção de um novo Byrd (c.1540 ‑1623) enquanto enveredava clímax, subsequentemente desmontado até por uma carreira que o levou a ocupar car‑ um murmúrio final. Antes desta obra, serão gos de grande destaque nas Catedrais de interpretadas I was glad – outro dos quase Norwich e de St. Paul (Londres) e, a partir de setenta hinos da autoria de H. Purcell, escrito 1592, na Capela Real, ao serviço da rainha para a coroação de James II, em 1685 – e, Isabel I (1533 ‑1603). Músico dotado de uma do seu amigo e provável mestre John Blow grande versatilidade, tornou ‑se num extre‑ (1649 ‑1708), Salvator mundi, que consti‑ mamente bem sucedido compositor, editor tui um eloquente e arrojado exemplo da utili‑ e teórico musical. Do seu marcante legado, zação das dissonâncias e do cromatismo ao sobressaem o tratado A Plaine and Easie serviço de uma expressividade patética. Introduction to Practicall Musicke (1597) 4 – livre e elaborada mas acessível súmula de a A lieta vita (ou L’innamorato), contida em vários tratados coetâneos, com uma notó‑ Balletti a cinque voci (1591), de G. G. Gastoldi. ria influência de Byrd – e a importação do flo‑ O recital de hoje fica completo com rescente repertório madrigalista italiano para uma incursão pela música vocal norte‑ o ambiente e gosto ingleses, com frequen‑ ‑americana da segunda metade do século tes adaptações directas de obras de com‑ XVIII. Este repertório autóctone, hoje em dia positores como Orazio Vecchi (1550 ‑1605), amplamente negligenciado, gozou de grande Giovanni Giacomo Gastoldi (1554 ‑1609) popularidade num período de afirmação dos ou Felice Anerio (c.1560 ‑1614). O madrigal Estados Unidos da América, concretizada Sweet nymph, come to thy lover, incluído na proclamação de independência no ano por Morley nas suas Canzonets to Two de 1776. Fortemente associado às dinâmicas Voyces (1595), baseia ‑se, precisamente, em comunidades cristãs locais, começou por se Su questi fior t’aspetto, obra publicada por estabelecer em torno de melodias simples Anerio apenas nove anos antes. sobre textos religiosos. Foi ‑se posteriormente Who is Sylvia, de Henry Bishop (1786 alargando a temas mais variados, como a jor‑ ‑1855), e Sing we and chaunt it, de Robert nada de trabalho ou outras cenas da vida Lucas Pearsall (1795 ‑1856), constituem, ainda mundana, mantendo quase sempre, porém, que indirectamente, mais dois exemplos das uma ligação ao divino. intervenções de Morley sobre madrigais Neste contexto, um dos mais reco‑ italianos. No primeiro caso, H. Bishop – com‑ nhecidos compositores foi o autodidacta positor controverso, reconhecido como res‑ Justin Morgan (1747 ‑1798). Montgomery e ponsável pela sobrevivência da ópera inglesa Amanda, compostas sobre versões dos sal‑ na primeira metade do século XIX mas acu‑ mos 63 e 90 da autoria do teólogo Isaac Watts sado de, no processo, ter mutilado obras (1674 ‑1748), são duas das suas obras mais de Wolfgang Amadeus Mozart (1756 ‑1791) e emblemáticas, contando ‑se entre as peças Gioachino Rossini (1792 ‑1868) – apropriou‑ mais frequentemente impressas durante o ‑se de melodias criadas por Morley e Thomas século XVIII.
Details
-
File Typepdf
-
Upload Time-
-
Content LanguagesEnglish
-
Upload UserAnonymous/Not logged-in
-
File Pages16 Page
-
File Size-