A história das Escolas de Samba: Unidos da Tijuca e seus enredos “É Segredo” e “Esta Noite Levarei Sua Alma” como peça literária The history of the samba schools: Unidos da Tijuca and its lyrics “É Segredo” and “Esta Noite Levarei Sua Alma” as literary works Marcus Paulo de Oliveira1 Cristina da Conceição Silva2

RESUMO O presente artigo busca evidenciar a cultura carioca a partir do surgimento das escolas de samba, mostrando que sua origem advém de grupos carnavalescos que no passado existiam na cidade do , e pelas ruas da cidade desfilavam nos dias de Momo. Em busca de aceitação social, os negros, como tática de penetração social, passam a fazer seus desfiles na cidade carioca e, em meio às perseguições, resistiram e deram um novo tom aos desfiles de carnaval com a criação das escolas de samba. Nesse construto, nascem agremiações que ainda hoje existem para o deleite dos apaixonados pelo carnaval e pela cultura; é o caso da escola de samba Unidos da Tijuca, que, como outras agremiações, surgiu da resistência de grupos de camadas populares do bairro da Tijuca e com seus enredos emblemáticos mudou o conceito de comissão de frente no contexto do Carnaval da cidade do Rio de Janeiro. Palavras-chave: Escola de samba; Unidos da Tijuca; Enredos.

ABSTRACT 203 This article aims to examine carioca culture through the emergence of samba schools showing that these arose from groups that once existed in the city of Rio de Janeiro. These used to parade on the streets of the city on Momo days. In seeking social acceptance, black people started to hold parades in the city of Rio de Janeiro as a way to break into society. They resisted in the face of persecutions and gave a new tone to the carnival parades with the creation of samba schools. Associations, that still exist today, were created in this process, to the delight of lovers of carnival and culture. This can be seen in the case of the Unidos da Tijuca that, like other associations, arose from the resistance of working class people in the neighborhood of Tijuca. With their iconic lyrics they changed the concept of the front commission at the Rio de Janeiro City Carnival. Key words: Samba School - United of Tijuca. Lyrics.

1Designer gráfico – Universidade Estácio de Sá. E-mail: [email protected] 2 Doutora – Unigranrio/UCAM E-mail: [email protected]

REVISTA AQUILA. nº 22. Ano X. Jan/Jun, 2020. ISSN: 1414-8846 │e-ISSN: 2317-6474

Introdução voltado para as temáticas em

A temática em pauta visa tratar diversidade, étnia e religiosidade, da história das Escolas de Samba do busca mostrar a cultura popular e sua Rio de Janeiro, que têm sua matriz a força, bem como os impactos que ela partir dos Ranchos, Grandes provoca nos amantes do carnaval. Sociedades e Blocos Carnavalescos e Assim sendo, contamos com se constituem como um grupo de contribuições de literaturas que versam entretenimento que se fez resistente sobre o teor dessa pesquisa, além do nos anos 20 do século XX. Sua caderno abre-alas da Liga história se entrelaça com a história dos Independente das escolas de Samba do pobres e negros renegados pela elite, Rio de Janeiro. Foram utilizados os que desfilavam nas ruas da cidade aportes teóricos de Simas (2016), carioca. Essa elite considerava a Spinola (2012), Barros et al (2010) e cultura dos grupos de pertença étnica (2011) entre outros autores que foram afrodescendente não aceitável. É nessa de suma importância para o 204 ambiência que nascem as Escolas de desenvolvimento desse artigo.

Samba cariocas que com o tempo se Outrossim, essa investigação se organizaram ao ponto de participarem justifica tendo em vista que buscamos entre em si de concursos competitivos. evidenciar uma temática que ainda se Assim sendo, a escola de samba encontra caminhando de forma tímida Unidos da Tijuca, seguindo o caminho no universo acadêmico, uma vez que dos nichos pobre e popular de suas a discussão acerca desse tema é nova coirmãs, se estabelece no bairro no ambiente universitário. tijucano e conquista seu espaço com enredos inusitados, retratados e representados de forma impactante Assim surgem as escolas de samba pelas comissões de frente dos desfiles Segundo Simas (2016), do dos anos de 2010 e 2011. ponto de vista histórico e social, as Nesse sentido, esse artigo, que Escolas de Samba são o produto das tem sua iniciativa por meio de modificações de manifestações encontros com grupos de pesquisa culturais do carnaval carioca coligada

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ao surgimento do Samba moderno. As nascimento das Escolas de Samba a escolas têm como marco histórico de fundação da "Deixa Falar", atual surgimento o ano de 1928. Estácio de Sá, no ano de 1928,

Na segunda metade do século fundada por Sambistas do bairro XIX, havia no Rio de Janeiro as Estácio, entre eles, Ismael Silva. A chamadas Grandes Sociedades ideia era inventar um bloco de Carnavalescas ou clubes sociais que carnaval distinto que dançasse e agenciavam festas diversas e, na época evoluísse ao som de Samba, de carnaval, antes do advento das diferentemente dos Ranchos que escolas de samba, instituíam cortejos dançavam e evoluíam ao som das carnavalescos, ou desfiles pelas ruas marchas-rancho que usavam também do Rio de Janeiro com uso alegorias, e, instrumentos de sopro e metal e geralmente, fazendo sátiras do tinham um ritmo mais pausado e governo. diferente. As Escolas de Samba não usavam instrumentos de sopro. Essas antigas "sociedades" ou clubes que noticiavam os cortejos ou Cabe ressaltar que a década de 205 desfiles concorriam entre si, e na 1920 no Rio de Janeiro (RJ) foi época eram a atração predominante do abalizada por um dilema que envolveu antigo carnaval carioca. No entanto, os as camadas populares urbanas – membros das grandes sociedades eram sobretudo as comunidades compostos pela elite da cidade afrodescendentes – e o Estado (SIMAS, 2016). republicano. Enquanto os negros procuravam pavimentar caminhos de Houve também os antigos aceitação social, o Estado buscava Cordões Carnavalescos, assim como disciplinar as manifestações culturais os Ranchos, cujos participantes das camadas populares – uma forma vinham das camadas populares. Essas eficiente para controlá-las. Foi desse tradições e manifestações que um dia intercâmbio entre o interesse regulador foram a principal atração do carnaval do Estado e o desejo de aceitação carioca desapareceram, tendo as social das camadas populares urbanas Escolas de Samba ocupado seu lugar. que brotaram as primeiras escolas de Alguns historiadores do samba. carnaval tomam como base do

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As agremiações pioneiras se A despeito da controvérsia formaram de um amálgama de diversas referências: a herança sobre a data da fundação, o que se sabe festiva dos cortejos processionais, a tradição carnavalesca de ranchos, é que a ocupação do Morro da blocos e cordões e os sons das macumbas, dos batuques e dos Mangueira, datada do final do século sambas cariocas.(SIMAS, 2016, XIX, apressou-se no início da década p.02) de 1920, com a chegada de muitos Consagrou-se a variante de que moradores expulsos do Morro do o emprego do termo “escola de Castelo, que acabara de ser demolido samba” teria sido um alvitre do cantor no centro do Rio. A tradição dos e compositor Ismael Silva para batuques afrobrasileiros era muito instituir a Deixa Falar, agremiação forte desde os primórdios da ocupação sediada no Estácio de Sá, bairro na do morro. Uma das principais região central do Rio. A versão, lideranças da Mangueira nos tempos entretanto, é de difícil aceitação. É em que a escola começou a ser gestada mais aceitável que a forma como o foi Tia Fé, respeitada mãe de santo e famoso rancho de nome Ameno matriarca do samba mangueirense. Resedá era designado – Rancho Escola No final dos anos 20 do século 206 – tenha liderado a denominação que os XX, o alufá – sacerdote de um culto sambistas usaram para as agremiações que misturava o islamismo com a carnavalescas que surgiam, assim aduz devoção aos orixás iorubanos – José Simas (2016): Espinguela constituiu as duas

Em 1930, cinco agremiações se primeiras disputas entre sambistas das definiam como escolas de samba: Estação Primeira de Mangueira, escolas que surgiam. Não fora ainda Oswaldo Cruz, Vizinha Faladeira, um desfile em cortejo: o concurso de Para o Ano Sai Melhor e Cada Ano Sai Melhor. Sobre a Mangueira, Espinguela visava julgar apenas os Cartola, um de seus fundadores, afirmava que a escola fora criada no sambas que os compositores das dia 28 de abril de 1928. Entretanto, o jornalista Sérgio Cabral escolas faziam. encontrou, entre os pertences do radialista Almirante, um papel A primeira disputa entre as timbrado que afirmava ter a Mangueira sido criada em 28 de escolas de samba foi com o evento de abril de 1929 – um ano depois, portanto, da data apontada por um pequeno cortejo que aconteceu em Cartola. (SIMAS, 2016, p.03). 1932. A festa foi apadrinhada pelo

jornal Mundo Sportivo, dirigido por Mário Filho, jornalista que contribuiu

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terminantemente para que o samba e o dos Prazeres, Antenor Gargalhada do futebol conquistassem de vez as ruas Salgueiro e tantos outros, teve seu do Rio de Janeiro. O concurso contou nome inscrito na história da cultura com a participação de 19 agremiações brasileira como um de seus geniais que desfilaram em frente a um coreto criadores, assim destaca Simas (2016). montado na Praça Onze de Junho. O júri, formado por Álvaro Moreira, Unidos da Tijuca suas raízes no Eugênia Moreira, Orestes Barbosa, Morro do Borel Raimundo Magalhães Júnior, José Lira, Fernando Costa e J. Reis, No bairro da Tijuca, na Zona premiou quatro escolas: Mangueira, Norte da cidade carioca, a cadeia Vai como Pode – nome adotado montanhosa a partir do século XX, pela Oswaldo Cruz antes de virar –, Para o Ano Sai Melhor e passou a ser habitada por escravos Unidos da Tijuca (SIMAS, 2016, alforriados e seus descendentes. Na p.04). mesma época, também se instalaram no complexo de morros do Borel as Segundo o regulamento, as famílias dos fundadores da Unidos da 207 agremiações não tinham nenhum Tijuca – os Moraes, os Chagas, os comprometimento de criar sambas Santos e os Vasconcelos, pautados a um enredo. Cada escola especificamente no Morro do Borel, poderia apresentar até três sambas, como declara Spinola (2012). com temática livre. A vitoriosa O Morro do Salgueiro foi a Mangueira cantou dois: “Pudesse Meu primeira favela da Tijuca. Logo Ideal”, de Cartola e Carlos Cachaça, e depois, surgiram o Morro do Borel e o “Sorri”, de Gradim. Morro da Formiga. Em 1921, os

Poucos poderiam supor que morros da Tijuca começaram a ser naquele início da década de 1930 ocupados pela população removida do estava sendo gestado o evento que Centro da cidade com a reforma acabaria se sagrando como o maior urbanística do prefeito Pereira Passos. conjunto de manifestações artísticas O Morro do Borel herdou o sobrenome simultâneas do planeta: o desfile das de dois irmãos franceses, da família escolas de samba cariocas. Cartola, Boreu Meuron, donos da Grande assim como Paulo da Portela, Heitor Fábrica de Cigarros, Fumos e Rapé de

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Borel & Cia, localizada na subida da A agremiação foi criada a partir da favela. fusão de quatro blocos existentes nos

Durante muitos anos, a Unidos morros da Casa Branca, Formiga, da Tijuca esteve sediada no Morro do Borel e Ilha dos Velhacos: o Bloco do Borel. Em 1988, devido à violência no Velho Ismael Francisco e Dona morro, a escola mudou sua quadra para Blandira (da família Moraes); o Bloco o bairro de Santo Cristo, na Zona do Velho Pacífico (da família Portuária do Rio. Em 2006, o espaço Vasconcelos); o Bloco do Caroço (da da antiga sede, no Morro do Borel, foi Ilha dos Velhacos) e o Bloco de Dona reativado com a instalação da ONG Amélia (do Morro da Formiga). Instituto Cidadania. Apesar de ter sido Apesar de abrigar terreiros de samba e fundada no Borel e ter sua quadra em blocos carnavalescos, a Tijuca não Santo Cristo, a escola de samba foi possuía uma escola de samba. Com criada para representar todo o bairro isso, sambistas e foliões da região se da Tijuca. O local também é berço de reuniram no terreiro da Família diversas personalidades, como Aldir Vasconcelos, na subida da Rua São Blanc, Bibi Ferreira, Ed Motta, Miguel, número 130, casa 20, e 208 Erasmo Carlos, Lamartine Babo, MC decidiram criar a primeira escola de Nego do Borel, Milton Nascimento, samba da localidade. Tim Maia, Tom Jobim, entre outros. O nome "Unidos da Tijuca", Também é o único bairro do Rio que observa Spinola (2012), faz referência tem hino, brasão, bandeira e gentílico à união de blocos da Tijuca para ("tijucano"). A agremiação fundar a primeira escola de samba da homenageou a Tijuca no carnaval de localidade. Inicialmente, o símbolo da 1969, com o enredo "Tijuca sempre agremiação consistia em duas mãos jovem”, assim aduzem Bastos (2010) entrelaçadas e circundadas por dois e Spinola (2012). ramos, um de café (em referência à

Os autores apontam que o época em que a Tijuca era conhecida Grêmio Recreativo Escola de Samba como "área do café", no século XIX) e Unidos da Tijuca foi fundado em 31 de outro de fumo (referência à fábrica de dezembro de 1931, sendo a quarta cigarros da região); e a inscrição "UT" escola de samba a ser fundada (depois (abreviação de Unidos da Tijuca). A de Deixa Falar, Portela e Mangueira). partir de 1984, a escola adotou o pavão

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real como símbolo. Desde sua abre-alas do desfile. A sugestão foi fundação, a agremiação tem como aceita e, a partir de então, o animal se cores o azul-pavão e o amarelo-ouro. tornou o símbolo maior da agremiação Ambas as escolhas são atribuídas a tijucana.

Bento Vasconcelos, um dos Fernandes (2001) expõe que a fundadores da escola. escola de samba, um dos maiores Há duas versões para a escolha espetáculos festivos da modernidade, é das cores. Uma versão sustenta que uma criação cultural popular inventada foram adotadas as cores utilizadas pela e organizada por grupos sociais das Grande Fábrica de Cigarros, Fumos e favelas, subúrbios e bairros populares Rapé de Borel & Cia, localizada no do Rio de Janeiro no final da década Morro do Borel, para embalar seus de 1920. Quando as Escolas de produtos. A outra versão aponta para Sambas surgiram, o carnaval carioca já uma inspiração na Casa de Bragança. era um evento célebre e internacional. As cores usadas pela Corte Imperial Em grande parte, era dominado por significavam prova de bom gosto em manifestações como as grandes suas vestimentas, declaram Bastos sociedades e o corso, arquitetados e 209 (2010) e Spinola (2012). comandados pelas classes superiores

Também há duas versões, da capital do Brasil. Os criadores das segundo os autores, para a escolha do escolas de samba não tinham um palco símbolo. A primeira também sustenta festivo destinado a eles, desciam dos uma inspiração na Fábrica dos Irmãos morros e subúrbios para ocupar Borel, que teria as embalagens de seus espaços na cidade carioca com seus produtos nas cores azul e amarelo- espetáculos. ouro, além da impressão de um pavão Nos subúrbios e favelas do Rio real. A segunda versão indica que, de Janeiro, as escolas de samba durante os preparativos para o carnaval demonstram as possibilidades de 1984, o pavão era utilizado como existentes entre os homens e o meio símbolo do enredo nas camisetas dos ambiente, uma vez que através dessas componentes, quando o compositor comunidades segregadas, esses Carlinhos Melodia sugeriu ao então homens se uniram em prol de sua presidente da escola, Luis Carlos Cruz, cultura. Tal aglutinação deu vozes a que fosse colocado o pavão no carro esses homens, ganhando visibilidade

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através de uma expressão festiva que, popular, suas músicas e festas e não aos poucos, ganharam o direito a desdenhou suas crenças religiosas” exibirem sua cultura na cidade carioca. (FERNANDES,2001, p.28).

Assim, o samba acaba por ser difundido como uma das Os enredos É Segredo “ e “Esta representações mais clássicas desta Noite Levarei sua Alma” e suas cidade e da nação (FERNANDES, místicas 2001). O enredo é uma peça literária, Por essas razões, o caminho uma definição ou prospecção escrita bem-sucedido das escolas de samba daquilo que a escola mostrará na serve de artifício para as classes avenida. Nesse ponto há certa tensão dominantes lançarem mão do discurso com aquilo habitualmente identificado de raiz e de mito da democracia racial com “linguagem carnavalesca”, de no Brasil. caráter ordinalmente libertário e Empreendendo esta busca, revolucionário, como descreve Araújo pudemos constatar, principalmente a (2010): 210 partir de Martin-Barbero (1998), que, Os temas dos enredos são muito depois de ser descoberta pelos variados. E podem ser distinguir pelo menos os seguintes tipos: românticos no final do século XVII, a histórico, literário, folclórico, cultura popular evoluiu seguindo um homenagem à personalidade/biográfico, curso de diluição entre o final do metalinguístico, geográfico, de crítica social, de humor, abstrato ou século XIX e as primeiras décadas do conceitual, sobre objetos, esportivo, de temática infantil, de temática século XX, sobretudo pela emergência afro-brasileira, de temática indígena e de patrocínio. (ARAÚJO, 2010, do conceito de classe social no p.151) pensamento marxista, e pelo de massa no discurso da direita. Além do mais, Alguns enredos, de acordo com neste período, a ideia de povo estava o autor, podem ser colocados em mais inteiramente associada ao Estado de uma categoria e, geralmente nacional moderno como mostra quando há uma pesquisa complexa, o Hobsbawm: “Entretanto, tal dissolução idealizador que pode ser o só não foi completa porque o carnavalesco e ou comissão de anarquismo, com seus traços de carnaval, por não ter muita intimidade romantismo, valorizou a cultura com o processo de pesquisa e

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formatação escrita do enredo, delega a No quesito enredo, desde a tarefa a terceiros – geralmente década de 1960, a Sapucaí tem sido estudantes universitários e/ou palco de verdadeiras demonstrações de professores de história, geografia e virtuosas pesquisas históricas, outras ciências humanas, com mais reconstruções de época (tanto em domínio da escrita técnica. cenografia quanto em indumentária),

A participação satisfatória no tudo isso abalizado em prospectos desfile do grupo especial requer escritos que flertam espontaneamente aprofundamentos sofisticados nos vários itens que compõem o com o mundo da pesquisa acadêmica – regulamento, desde a pesquisa do enredo (que deve ser“original”) a o mundo letrado,da língua escrita, do seu desenvolvimento, roteiro, desenho e projetos de fantasias e capital escolar e universitário, como alegorias e a contratação de inúmeros técnicos e artesãos observa Araújo (2010). especializados. (ARAÚJO, 2010, p.155) Nesse contexto, dois enredos da Unidos da Tijuca, declaram Barros No caso de um enredo et al (2010), impactaram o público da “simbólico”, identifica Araújo (2010) Marquês de Sapucaí, como é o caso de que o domínio conceitual cabe “É Segredo”; um enredo simbólico que 211 exclusivamente ao carnavalesco, em sua narrativa defendeu que por trás profissional polivalente que atua em de um segredo sempre existe um várias frentes do processo de criação, desejo inconfessável. Desejo esse de produção, mediação e performance quem esconde ou de quem procura artística. Em tradição principiada entre revelá-lo. O enredo descreveu que por as décadas de 1960 e 1970, por meio de marcas profissionais dos: Fernando Pamplona, João Trinta e pesquisadores, arqueólogos, detetives, Arlindo Rodrigues, esse profissional histórias e objetos são revirados, não desempenha apenas o papel de investigados, e esses estão atentos a artista plástico, mas assume ainda cada detalhe e, assim, juntam pedaços, funções de pesquisador, escritor, levantam dados, analisam diretor de espetáculo e relações informações, quebram cadeados, públicas – e, de modo recente, de códigos secretos e senhas, abrem agente captador de recursos (a partir portas para penetrar o desconhecido. de um “enredo patrocinável”). Esses espirítos investigativos não se satisfazem jamais, porque não

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acreditam que as coisas possam Tijuca incita o público a rever cenas e filmes inesquecíveis.(BARROS et desaparecer ou surgir de modo al, 2011, p.182) repentino. Para eles, nada é descrito sem que se consiga decodificar o O enredo trouxe ainda algumas mistério ou encontrar a resposta. das mais instigantes ideias que Enfim, o segredo é a alma do negócio! inspiraram os grandes cineastas que se Ele pode criar enigma, charada, ilusão alimentaram de desejos e atitudes que e ainda pode provocar o instinto dos fazem parte da natureza humana, como inconformados, dos cientistas, dos o medo. Figuras dramáticas incríveis e investigadores, do público, dos lugares extraordinários eternizados curiosos e dos concorrentes. O segredo pela produção cinematográfica que ainda pode, acima de tudo, ocultar levam milhares de espectadores a lotar para que não se perca o encanto, a as salas de cinema se materializaram magia de acender o incessante desejo no desfile da escola tijucana. Dessa da procura. E, assim, a escola, através forma, a Tijuca transformou a de um tema enigmático, evidenciou Passarela do Samba em uma grande muitas formas de segredos e sala de exibição, para mostrar como a 212 apresentou o seu maior segredo que foi imaginação é capaz de fazer com que o a troca de roupa da comissão de frente medo também divirte. Nessa em plena avenida, como observam ambiência, foram elencadas histórias Barros et al (2010). de conquista, fundamentadas em fatos reais que foram recriadas na tela, para De acordo com Barros et al que fossem vivenciadas centenas de (2011), o enredo “Esta Noite Levarei anos depois, emocionando gerações. Sua Alma” apresentou o medo através Apaixonados por cinema, milhares de do cinema. Foi um enredo que buscou pessoas embarcam nas aventuras uma super produção que contou com a concebidas por mentes criativas, participação especial de Caronte como capazes de inventar mundos e guerras o fio condutor, o barqueiro da morte intergalácticas. A sede pela conquista que abriu o desfile. do poder, na realidade ou na ficção, Esse personagem da mitologia, filho de Nix, a noite, atravessa as almas inspirou clássicos sobre guerras e em sua barca, pelo rio Aqueronte, destruição que também se caminho que conduz até o Hades, mundo inferior grego para onde vão os mortos. O filme exibido pela

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apresentaram na literatura do enredo carnaval carioca fez com que as da Unidos da Tijuca. escolas de samba nascidas em

Nessa ambiência, a comissão ambientes simples e de forma de frente da Unidos da Tijuca fez com artesanal alcançassem o estrelato que o público viesse ao delírio com as mundialmente. cabeças que caiam de seus pescoços e Nessa ambiência simples e seguradas pelas mãos dos membros popular, nasce a Escola de Samba continuavam a movimentar a boca. Unidos da Tijuca, que tem sua história Nesse contexto, os enredos, conforme marcada pela criatividade dos já citamos anteriormente, são peças moradores de classe popular do bairro literárias que com muita criatividade da Tijuca que outrora, ao unirem foram capazes de evidenciar de forma forças, dão vida a uma agremiação que criativa segredos e medos que assolam se fez grande ao longo das décadas. a vida humana. Essa agremiação de forma criativa e

destemida trouxe para o carnaval carioca, através de suas comissões de Considerações finais frente nos anos de 2010 e 2011, 213 As escolas de samba fazem inovações que ainda não tinham sido parte da cultura carioca e têm seu vistas no cenário do carnaval e, assim, reconhecimento dentro e fora do impactaram e transformaram o cenário brasileiro. Sua constituição faz conceito de comissão de frente de parte de um movimento de luta das simplesmente abrir o desfile e camadas populares, e hoje essas apresentar a agremiação, mas também escolas alcançaram todas as classes de dialogar com o enredo de forma sociais que na atualidade as efetiva e marcante. contemplam. A desenvoltura do

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Referências

AMARAL, Marly Spinola do. Tijuca!!! : não é segredo eu amar você! 1.ª ed. Rio de Janeiro: Marly Spinola do Amaral. ISBN 978-85-913233-0-2, 2012.

ARAÚJO, Eugênio. Os temas-enredos das pequenas escolas de samba cariocas cultura e arte populares. Rio de Janeiro, v.7, n.2, p. 149-164, nov. 2010

AUGRAS, Monique. O Brasil do samba-enredo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,1998.

BARROS PAULO, Azevedo Isabel, TRINDADE Ana Paula e MARTINS Simone. Abre-Alas. Rio de Janeiro: LIESA, 2010.

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BASTOS, João. Acadêmicos, unidos e tantas mais: Entendendo os desfiles e como tudo começou. Rio de Janeiro: Folha Seca, 2010.

SIMAS Luiz Antonio. A ORIGEM DAS ESCOLAS DE SAMBA,2016- Disponível em http://www.itaucultural.org.br/ocupacao/cartola/palacio-do- 214 samba/?content_link=2. Acesso em 10/02/19.

O(s) autor(es) se responsabiliza(m) pelo conteúdo e opiniões expressos no presente artigo, além disso declara(m) que a pesquisa é original.

Recebido em 20/09/2019

Aprovado em 18/11/2019

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